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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

Print version ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.16 Porto Dec. 2016

https://doi.org/10.19131/rpesm.0152 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

 

Intervenções psicoterapêuticas de enfermagem NIC na prática clínica em Portugal: Um estudo descritivo

 

NIC nursing psychotherapeutic interventions in the clinical practice in Portugal: A descriptive study

 

Intervenciones psicoterapéuticas de enfermería NIC en la práctica clínica en Portugal: Un estudio descriptivo

 

Francisco Miguel Correia Sampaio*, Carlos Alberto da Cruz Sequeira**, & María Teresa Lluch Canut***

*Doutorando em Ciências de Enfermagem na Universidade do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Assistente Convidado na Escola Superior de Enfermagem do Porto; Investigador no Center for Health Technology and Services Research, grupo de investigação “NursID: Innovation & Development in Nursing”; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica no Hospital de Braga, Serviço de Psiquiatria, Sete Fontes - São Victor, 4710-423 Braga, Portugal. E-mail: Francisco.Sampaio@hospitaldebraga.pt

**Doutor em Ciências de Enfermagem; Mestre em Saúde Pública; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Investigador Principal no Center for Health Technology and Services Research, Coordenador do grupo de investigação “NursID: Innovation & Development in Nursing”; Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072 Porto, Portugal. E-mail: carlossequeira@esenf.pt

***Doutora em Psicologia; Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental; Professora Catedrática na Universitat de Barcelona, Departament d’Infermeria de Salut Pública, Salut Mental i Maternoinfantil, 08907 L'Hospitalet de Llobregat, Espanha. E-mail: tlluch@ub.edu

 

RESUMO

CONTEXTO: O Regulamento n.º 129/2011 refere que os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica (ESMP) têm a competência para prestar cuidados de âmbito psicoterapêutico. Porém, este não especifica que intervenções psicoterapêuticas podem ser executados pelos mesmos nem analisa a realidade, a nível nacional, neste domínio.

OBJETIVO: Identificar a frequência da execução das intervenções psicoterapêuticas NIC na prática clínica, a relação percebida pelos enfermeiros entre a formação e os conhecimentos e competências necessários para a execução das mesmas, a forma habitual da sua execução, e os fatores percebidos pelos enfermeiros como facilitadores e dificultadores da execução das intervenções psicoterapêuticas NIC na prática clínica.

MÉTODOS: Estudo descritivo transversal. Recorreu-se a uma amostragem não probabilística por redes para obter dados juntos de enfermeiros especialistas em ESMP. O número total de participantes foi de 83 enfermeiros. A colheita de dados decorreu entre maio e junho de 2014 e foi realizada por via de um questionário online.

RESULTADOS: O aconselhamento foi apontado como a intervenção psicoterapêutica NIC mais realizada pelos enfermeiros na prática clínica, sendo também aquela relativamente à qual estes consideram ter tido mais formação e uma das que realizam de forma mais autónoma. A motivação individual é o fator apontado como principal facilitador para a execução de intervenções psicoterapêuticas na prática clínica.

CONCLUSÕES: Tendo em vista o incremento da execução de intervenções psicoterapêuticas na prática clínica parece essencial um maior investimento na abordagem dessas intervenções ao nível formativo, bem como tomar medidas que permitam aumentar a motivação individual dos enfermeiros e garantam a existência de dotações seguras.

Palavras-Chave: Enfermagem; Enfermagem psiquiátrica; Psicoterapia

 

ABSTRACT

BACKGROUND: Regulation No 129/2011 states that specialized nurses in Mental Health and Psychiatric Nursing (MHPN) have the competence to provide care psychotherapeutic. However, this Regulation does not specify which psychotherapeutic interventions can be performed by them nor even analyse the current national reality in this domain.

AIM: To identify the frequency of implementation of NIC psychotherapeutic interventions in clinical practice, the relationship perceived by nurses between training and the knowledge and skills necessary for performing these interventions, its usual form of execution, and the factors perceived by nurses as facilitators and hindering the implementation of NIC psychotherapeutic interventions in clinical practice.

METHODS: A cross-sectional descriptive study. A non-probability snowball sampling was used for collecting data from specialized nurses in MHPN. The total number of participants was 83 nurses. Data collection took place between May and June 2014 and was conducted via an online questionnaire.

RESULTS: Counselling was pointed out as the NIC psychotherapeutic intervention which is most performed by nurses in clinical practice, as the one for which they consider to have had more training, and as the one that is performed more autonomously. The individual motivation is pointed out as the main factor for facilitating the execution of psychotherapeutic interventions in clinical practice.

CONCLUSIONS: Aiming to increase the implementation of psychotherapeutic interventions in clinical practice, a greater investment in addressing these interventions to the training level seems to be essential, as well as taking measures in order to increase the individual motivation of nurses and to ensure the existence of safe staffing.

Keywords: Nursing; Psychiatric Nursing; Psychotherapy

 

RESUMEN

CONTEXTO: El Reglamento nº 129/2011 establece que los enfermeros especialistas en Enfermería de Salud Mental y Psiquiatría (ESMP) tienen la competencia para proporcionar cuidados de ámbito psicoterapéutico. Sin embargo, esto no indica cuales son las intervenciones psicoterapéuticas que pueden ser realizadas por los mismos ni analiza la realidad a nivel nacional en este dominio.

OBJETIVO: Para identificar la frecuencia de ejecución de las intervenciones psicoterapéuticas NIC en la práctica clínica, la relación percibida por los enfermeros entre la formación y el conocimiento y las habilidades necesarias para llevar a cabo esas intervenciones, la forma habitual de su ejecución, y los factores percibidos por los enfermeros como facilitadores y dificultando la realización de las intervenciones psicoterapéuticas NIC en la práctica clínica.

MÉTODOS: Un estudio descriptivo de corte transversal. Se recurrió a un muestreo no probabilístico de bola de nieve para colectar datos junto de los enfermeros especialistas en ESMP. El número total de participantes fue de 83 enfermeros. La recolección de datos se llevó a cabo entre mayo y junio de 2014 y se concretizó a través de un cuestionario en línea.

RESULTADOS: El asesoramiento fue designado como la intervención psicoterapéutica NIC más realizada por los enfermeros en la práctica clínica, siendo también aquella para la que se considere haya tenido más formación y que es realizada de manera más autónoma. La motivación individual es apuntada como el principal factor para facilitar la ejecución de intervenciones psicoterapéuticas en la práctica clínica.

CONCLUSIONES: En vista de la creciente aplicación de intervenciones psicoterapéuticas en la práctica clínica parece esencial para una mayor inversión en el enfoque en estas intervenciones al nivel de la formación, bien como tomar medidas para aumentar la motivación individual de los enfermeros y garantizar la existencia de dotaciones seguras.

Palabras Clave: Enfermería; Enfermería psiquiátrica; Psicoterapia

 

Introdução

Um estudo de focus group realizado por Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut (2014) permitiu identificar algumas intervenções de Enfermagem NIC (Bulechek, Butcher, & Dochterman, 2010) que poderiam ser consideradas psicoterapêuticas. Apesar das limitações do estudo em causa, sobretudo relacionadas com o facto de este assentar num paradigma qualitativo de investigação (limitando, portanto, a generalização dos resultados), este tratou-se de um primeiro passo para a identificação de intervenções psicoterapêuticas que, por se encontrarem classificadas como intervenções de Enfermagem, poderão ser realizadas e documentadas na prática clínica pelos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica.

Remonta a 2011 a publicação do Regulamento que refere que os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental têm competência para prestar cuidados de âmbito psicoterapêutico (Regulamento n.º 129/2011). Assim, e considerando que o Regulamento em causa não especifica que intervenções psicoterapêuticas podem ser realizadas pelos enfermeiros na sua prática clínica, o estudo supracitado visou colmatar essa lacuna no corpo de conhecimento de Enfermagem. Importa a este nível especificar que, para a consecução do estudo, o conceito de “intervenção psicoterapêutica” foi entendido como um processo que se baseia na relação interpessoal desenvolvida entre o enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica e o utente no qual o estabelecimento da relação de confiança e ajuda permite que todos os atores envolvidos cresçam e se desenvolvam de forma autónoma, construindo em parceria novas explicações e razões para os problemas identificados (Regulamento n.º 356/2015).

Utilizando por base essas mesmas intervenções psicoterapêuticas NIC, considerou-se relevante analisar qual seria a realidade, nos contextos da prática clínica, relativamente a essas mesmas intervenções. Para tal, foi desenhado o presente estudo que apresenta quatro objetivos primordiais: a) identificar a frequência da execução das intervenções psicoterapêuticas NIC na prática clínica; b) identificar a relação percebida pelos enfermeiros entre a formação e os conhecimentos e competências necessários para a execução das intervenções psicoterapêuticas NIC; c) identificar a forma habitual de execução das intervenções psicoterapêuticas NIC; d) identificar os fatores percebidos pelos enfermeiros como facilitadores e dificultadores da execução das intervenções psicoterapêuticas NIC na prática clínica.

 

Métodos

No sentido de dar resposta aos objetivos anteriormente referidos, foi desenhado um estudo descrito transversal. Recorreu-se a uma técnica de amostragem não probabilística por redes no sentido de obter o maior número de respostas possível por parte de enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. Para a seleção da amostra, os critérios de inclusão para participação no estudo foram, cumulativamente, os seguintes: a) ser enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; b) exercer funções na prática clínica. O número total de participantes foi de 83 enfermeiros.

No que concerne ao procedimento para colheita de dados, optou-se pelo recurso ao questionário online (incluindo questões relacionadas com a caraterização sociodemográfica da amostra e questões diretamente relacionadas com o estudo) como técnica de colheita de dados. Para análise da frequência da realização de intervenções psicoterapêuticas NIC na prática clínica recorreu-se a uma escala de Likert variando entre 1 (Nunca Executo) e 5 (Executo Diariamente). Para analisar a qualidade percebida de abordagem de cada uma das intervenções psicoterapêuticas NIC ao nível do Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica recorreu-se a uma escala de Likert variando entre 1 (Discordo Totalmente) e 5 (Concordo Totalmente), sendo ainda dada uma opção adicional (Não Tive Formação Relativamente a esta Intervenção). Para analisar a forma habitual de execução de cada intervenção psicoterapêutica NIC na prática clínica, foram dadas três hipóteses de resposta: a) De Forma Autónoma; b) De Forma Colaborativa; c) De Forma Interdependente. Adicionalmente, era ainda possível optar pela resposta “Não Executo esta Intervenção na Prática Clínica”. Finalmente, foram empiricamente definidos seis fatores potencialmente facilitadores (Motivação Individual, Conhecimentos e Competências, Motivação Coletiva (Equipa), Influência do Enfermeiro-Chefe, Organização do Serviço, e Rácio Enfermeiro/Utente) e dificultadores (Rácio Enfermeiro/Utente, Organização do Serviço, Carga de Trabalho, Condições Físicas do Serviço, Défice de Conhecimento e Competências, Tipologia das Patologias, e Influência de Outros Profissionais de Saúde) da realização de intervenções psicoterapêuticas NIC nos contextos da prática clínica. Dos fatores apresentados, os respondentes poderiam identificar um ou mais dos fatores que consideram facilitadores e dificultadores da execução das mesmas. A colheita de dados decorreu entre maio e junho de 2014.

A estatística descritiva foi utilizada para a análise de dados, mais especificamente medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão (desvio-padrão [DP]). A frequência relativa das respostas (f) foi também tida em consideração. Adicionalmente, recorreu-se à estatística inferencial como forma de identificar eventuais diferenças e associações entre as variáveis em estudo, tendo-se recorrido aos testes de Mann-Whitney e ANOVA One-Way bem como ao coeficiente de correlação de Spearman. As respostas dos participantes foram inseridas no IBM SPSS Statistics 24.0 para Macintosh (IBM Corp. Released, 2015), sendo depois sujeitas a análise. A análise narrativa das questões abertas apresentadas no questionário referente à ronda 1, apesar de programada, acabou por não ser realizada devido ao reduzido número de contributos recebidos, bem como à relativa inconsistência identificada no conteúdo das mesmas.

Após ser validado o cumprimento de todos os critérios de inclusão no estudo os participantes foram contactados através de endereço de correio eletrónico, de modo a que lhes fosse explicado o objeto e objetivo do estudo. O consentimento para a participação no mesmo foi dado pelos participantes aquando da resposta ao questionário submetido.

O quasi-anonimato (Löfmark & Thorell-Ekstrand, 2004; Fortin, Côté, & Filion, 2009) foi garantido a todos os participantes ao longo do estudo. Os dados obtidos foram codificados, de modo a não permitir a identificação dos respondentes. Para a realização da investigação foram cumpridos todos os princípios éticos constantes na Declaração de Helsínquia e revisões subsequentes (World Medical Association, 2013).

 

Resultados

Numa primeira fase da apresentação dos resultados obtidos importa, desde logo, descrever a amostra que integrou o estudo. Assim, na Tabela 1 encontra-se apresentado um resumo da caraterização sociodemográfica da amostra.

 

 

A primeira questão apresentada no questionário enviado aos participantes no estudo era a seguinte: para cada uma das intervenções psicoterapêuticas NIC, indique a frequência com que as executa na prática clínica. Nas tabelas 2 e 3 são apresentados, respetivamente, os resultados referentes às intervenções NIC mais frequentemente utilizadas nos contextos da prática clínica e àquelas que são utilizadas com menor frequência.

 

 

 

A segunda questão apresentada no questionário era: para cada uma das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico, concorda que a formação que teve no Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica (CPLEESMP) lhe permitiu adquirir conhecimentos e competências para as executar na prática clínica?. Nas tabelas 4 e 5 são apresentados, respetivamente, os resultados relativos às intervenções que os respondentes acreditam ter sido mais abordadas a nível formativo e àquelas que acerca das quais a abordagem foi considerada insuficiente ou até mesmo nula.

 

 

 

A terceira questão à qual os participantes foram convidados a responder foi a seguinte: as intervenções psicoterapêuticas podem ser executadas de forma autónoma, colaborativa ou interdependente. Para cada uma das intervenções psicoterapêuticas NIC indique o contexto em que a utiliza habitualmente. Nas tabelas 6 e 7 apresentam-se, respetivamente, os resultados relativos às intervenções NIC que os respondentes afirmaram utilizar mais de forma autónoma, bem como àquelas que são mais utilizadas de forma interdependente. Para esta questão considerou-se a seguinte nomenclatura: intervenção autónoma – prescrita e executada pelo enfermeiro; intervenção colaborativa – prescrita por decisão da equipa multidisciplinar, podendo ser executada pelo enfermeiro; intervenção interdependente – prescrita por outro profissional de saúde e executada pelo enfermeiro.

 

 

 

Finalmente, a quarta questão à qual os participantes foram convidados a responder foi a seguinte: de entre os fatores apresentados, indique aquele(s) que considera facilitador(es) / dificultador(es) da execução das intervenções psicoterapêuticas NIC no seu contexto da prática clínica. Nas tabelas 8 e 9 são apresentados, respetivamente, os resultados relativos aos fatores considerados mais facilitadores e àqueles que os enfermeiros consideraram mais dificultadores.

 

 

 

No que concerne à estatística inferencial, é possível identificar diferenças estatisticamente significativas, por exemplo, entre o tempo de experiência profissional e a forma de execução das intervenções psicoterapêuticas NIC. Assim, a título de exemplo, verificou-se os enfermeiros com mais tempo de experiência profissional (M=19,05; DP=7,18) tendem a executar mais o treino de controlo de impulsos de forma colaborativa, enquanto aqueles com menos experiência profissional (M=12,27; DP=6,88) tendem a não executar a intervenção: F(3,68)=3,29; p<0,05. Verificaram-se igualmente algumas diferenças estatisticamente significativas no que concerne à execução das intervenções psicoterapêuticas NIC em função do contexto em que os enfermeiros exercem funções na prática clínica. Assim, por exemplo, a execução do aconselhamento (5240) parece ser mais frequente em serviços de Saúde Mental / Pedopsiquiatria (Mediana=5) do que em serviços médico-cirúrgicos (Mediana=3) (U=22,50; p<0,01).

Ainda de acordo com os achados obtidos, parece haver correlação entre o tempo de experiência profissional e a frequência da execução de algumas intervenções psicoterapêuticas NIC. A título de exemplo, existe uma baixa correlação positiva (rs=0,31) (segundo os critérios estabelecidos por Bryman e Cramer [2011]), mas estatisticamente significativa (p<0,05), entre o tempo de experiência profissional e a frequência da execução da melhora da autoestima (5400), indiciador de que os enfermeiros com mais tempo de experiência profissional são aqueles que mais frequentemente executam a intervenção. Parece haver, igualmente, correlação entre a qualidade da abordagem das intervenções psicoterapêuticas NIC ao nível formativo (no CPLEESMP) e a frequência da sua execução. Assim, por exemplo, existe uma baixa correlação positiva (rs=0,31), mas estatisticamente significativa (p<0,05), entre a qualidade percebida da formação relativamente à reestruturação cognitiva (4700) e a frequência da sua execução na prática clínica, indiciando que quanto melhor é a abordagem realizada no CPLEESMP, mais frequente é a sua execução.

 

Discussão

O presente estudo permitiu a obtenção de resultados cuja interpretação parece apontar algumas estratégias futuras para a Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. Desde logo, verifica-se que parecem existir correlações estatisticamente significativas entre a formação e a frequência da execução de diversas intervenções psicoterapêuticas NIC, pelo que os défices formativos parecem poder explicar, ainda que parcialmente, a relativamente reduzida frequência de execução das mesmas. Este é um desafio para as escolas de Enfermagem, mas também para os contextos da prática clínica, na medida em que a formação não é responsabilidade exclusiva dos contextos académicos. Ainda assim, parece claro que as instituições de Ensino Superior de Enfermagem devem procurar que os CPLEESMP permitam dotar os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica das competências descritas no Regulamento n.º 129/2011. Quanto à interpretação dos dados relativos à importância dos rácios enfermeiro/utente enquanto facilitadores/dificultadores da execução de intervenções psicoterapêuticas NIC, esta parece ser algo paradoxal. Assim, se por um lado os respondentes apontam os rácios enfermeiro/utente como um dificultador relevante da realização de intervenções psicoterapêuticas NIC, por outro lado veem a motivação individual como o principal facilitador para que as mesmas possam ser implementadas na prática clínica, considerando com menor importância os rácios enfermeiro/utente enquanto facilitador.

Os resultados obtidos devem, ainda assim, ser analisados cuidadosamente, na medida em que existem limitações ao nível da generalização dos resultados decorrentes, sobretudo, da técnica de amostragem (não probabilística) utilizada. Ficam também algumas dúvidas relativamente à representatividade da amostra, na medida em que apenas 83 respondentes participaram no estudo a partir de uma população de 1679 enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica (Ordem dos Enfermeiros, 2015). O facto de mais de 50% dos respondentes possuir o grau académico de mestre suscita também algumas dúvidas no que concerne à representatividade da amostra, não tendo, contudo, sido encontrado quaisquer dados que indiquem as percentagens de enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica que, em Portugal, possuem os graus de bacharel, licenciado, mestre e doutor. Finalmente, o facto de não ter sido avaliado o nível de clareza das questões constantes no questionário pode, igualmente, ser entendido como uma limitação na medida em que, a título de exemplo, é possível que os respondentes não tenham apontado mais significativamente os rácios enfermeiro/utente como facilitadores da execução de intervenções psicoterapêuticas NIC na prática clínica por terem interpretado que a questão se referia aos rácios atualmente existentes nos contextos da prática clínica em Portugal.

 

Conclusões

O presente estudo aponta para o facto de existir ainda um longo caminho a percorrer até que as intervenções psicoterapêuticas NIC possam vir, efetivamente, a ser mais executadas, de forma autónoma, pelos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica na sua prática clínica. Nesse caminho parece essencial que exista um maior investimento ao nível da abordagem dessas mesmas intervenções nos CPLEESMP, sendo importante que estes permitam efetivamente dotar os enfermeiros das competências descritas no Regulamento n.º 129/2011. Parece igualmente essencial tomar medidas que permitam aumentar a motivação individual dos enfermeiros e garantir a existência de dotações seguras, para que o rácio enfermeiro/utente seja mais favorável para a possibilidade de execução de intervenções psicoterapêuticas NIC nos contextos da prática clínica.

Tendo por base os achados do presente estudo, considera-se que a investigação futura deverá centrar-se, sobretudo, na obtenção de dados a partir de amostras de maior dimensão, bem como na realização de estudos multicêntricos neste domínio. Assim, seria importante perceber a frequência da execução de intervenções psicoterapêuticas NIC noutros países, bem como a forma de execução das mesmas e a influência percebida, pelos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, do seu percurso formativo na frequência da execução das intervenções psicoterapêuticas NIC. A comparação com contextos geográfica e/ou culturalmente próximos de Portugal (como Espanha e/ou Brasil) parece relevante, ainda que seja importante ter em consideração fatores que podem influenciar os resultados (como por exemplo o facto de, no Brasil, existirem três níveis dentro da Enfermagem: enfermeiro, técnico de Enfermagem, e auxiliar de Enfermagem) (Decreto n.º 94-406/87).

 

Implicações para a Prática Clínica

Ao nível da prática clínica, o presente estudo parece poder contribuir para que os enfermeiros reconheçam a importância do planeamento e execução de intervenções psicoterapêuticas nos seus contextos da prática clínica, como forma de reforçar a autonomia profissional da Enfermagem e, em particular, da Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. Tal vem sendo apontado pela Horatio: European Psychiatric Nurses (2012) como uma prioridade para a área de especialidade. Para além disso, poderá servir também como convite à reflexão para que os serviços, sobretudo os de Saúde Mental, possam organizar-se de modo a possibilitar a realização deste tipo de intervenções cuja efetividade se encontra amplamente comprovada em literatura com elevado nível de evidência (Bower, Knowles, Coventry, & Rowland, 2011; Cody & Drysdale, 2013; Crowe et al., 2010; Hackett, Anderson, House, & Halteh, 2008; Richter, Meyer, Möhler, & Köpke, 2011; Rueda, Solà, Pascual, & Subirana Casacuberta, 2011; Samartzis, Dimopoulos, Tziongourou, & Nanas, 2013).

No que concerne à educação, o presente estudo serve de convite à reflexão acerca da estruturação dos CPLEESMP, especificamente à forma como são lecionados os conteúdos relativos à intervenção psicoterapêutica em Enfermagem. Assim, poderá ser importante a uniformização dos conteúdos lecionados neste domínio, bem como a inclusão do treino supervisionado da aplicação dos mesmos em contextos da prática clínica, como forma de juntar a aquisição de competências à aquisição de conhecimentos.

Ao nível da investigação, o estudo realizado pode servir de ponto de partida para que, futuramente, se realizem experiências-piloto de alteração de alguns dos fatores apontados pelos enfermeiros como facilitadores e/ou dificultadores da execução de intervenções psicoterapêuticas na prática clínica, no sentido de avaliar o impacto dessas mesmas alterações na prática clínica. A título de exemplo, seria importante analisar o impacto, ao nível dos ganhos em saúde mental dos utentes, da inclusão na equipa de saúde de mais um enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, durante o turno da manhã ou da tarde, com a função exclusiva de planear e executar intervenções psicoterapêuticas.

Finalmente, ao nível das políticas de saúde e, em particular, das políticas de saúde mental, o presente estudo parece apontar alguns fatores que, caso sejam alvo de modificação (como por exemplo os rácios enfermeiro/utente), podem levar a que os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica executem mais frequentemente intervenções psicoterapêuticas na sua prática clínica, com todos os benefícios para os utentes que a literatura aponta como advindo das mesmas (Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2015).

 

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Recebido a 30 de junho de 2016

Aceite para publicação a 30 de setembro de 2016

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