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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.spe3 Porto abr. 2016

https://doi.org/10.19131/rpesm.0120 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

O Estigma face à doença mental nos estudantes de saúde

 

Mental health stigma in health students

 

El estigma contra la enfermedad mental en los estudiantes de la salud

 

Ana Querido*, Catarina Tomás**, & Daniel Carvalho***

*Doutorada em Enfermagem; Membro Efetivo da Unidade de Investigação em Saúde; Professora Adjuntano Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, Departamento de Ciências de Enfermagem, Campus 2 – Morro do Lena – Alto do Vieiro, Apartado 4137, 2411-901 Leiria, Portugal. E-mail: ana.querido@ipleiria.pt

**Doutorada em Ciências de Enfermagem; Membro Efetivo da Unidade de Investigação em Saúde; Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Assistente do 2º Triénio no Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Saúde, Departamento de Ciências de Enfermagem, 2411-901 Leiria, Portugal. E-mail: catarina.tomas@ipleiria.pt

***Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Enfermeiro no Centro Hospitalar de Leiria, Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental, 2410 Leiria, Portugal. E-mail: drscarvalho@gmail.com

 

RESUMO

CONTEXTO: O estigma e a discriminização são os principais obstáculos aos cuidados às pessoas com perturbação mental. Os estudos realizados com estudantes de saúde do ensino superior referem que estes possuem níveis de estigma acentuados.

OBJETIVO(S): Este estudo pretendeu avaliar o nível de estigma em saúde mental dos estudantes de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria (IPL) e comparar as suas atitudes face à doença mental.

METODOLOGIA: Estudo quantitativo, descritivo-correlacional transversal, numa amostra não probabilística de conveniência de 573 estudantes de Cursos de Saúde. Recolha dos dados através de um questionário de autopreenchimento, constituído por questões sociodemográficas e a Versão portuguesa de Attribution Questionnaire (AQ 27).

RESULTADOS: No total da amostra verifica-se a presença de estigma baixo a moderado em todos os cursos. A presença moderada de estigma tem predominância na expressão de pena face ao doente mental, coerção e segregação. O valor mais baixo de estigma verificou-se na expressão de irritação. Há diferenças significativas nos diferentes cursos face ao estigma no geral e respeitantes às atitudes estigmatizantes de responsabilidade, irritação perigosidade, ajuda, evitamento. Os testes Poshoc opõem sempre a Terapia Ocupacional aos restantes cursos.

CONCLUSÃO: Os valores de estigma não são elevados nos diferentes grupos de estudantes, sendo que os estudantes de Terapia Ocupacional são os que evidenciaram menor estigma. Foram identificadas atribuições potencialmente estigmatizantes que carecem de intervenção, apontando a necessidade de repensar as estratégias pedagógicas no sentido da redução do estigma.

Palavras-Chave: Estigma; Saúde mental; Estudantes de saúde; Doença mental

 

ABSTRACT

BACKGROUND: Stigma and discrimination are major obstacles to care for people with mental disorder. Studies with university students of health report that they have pronounced levels of stigma.

AIM: This study aimed to evaluate the level of stigma in mental health of students in Health Polytechnic Institute of Leiria (IPL) and compare their attitudes towards mental illness.

METHODS: Quantitative, cross-sectional descriptive-correlational study in a non-probabilistic convenience sample of 573 students of Health courses data collection via a self-report questionnaire consisting of sociodemographic questions and the Portuguese of Attribution Questionnaire Version (AQ 27).

RESULTS: In the total sample there is the presence of low to moderate stigma in all courses. Moderate presence of stigma has predominance in the penalty expression against the mentally ill, coercion and segregation. The lowest value of stigma there was the irritation of expression. There are significant differences in the different courses face stigma in general and relating to stigmatizing attitudes of responsibility, irritation hazard, help, avoidance. The Poshoc tests always oposed to occupational therapy to other courses.

CONCLUSION: The stigma values are not high in the different groups of students, and students of occupational therapy are those who showed less stigma. Potentially stigmatizing attributions were identified that need intervention, pointing to the need to rethink the pedagogical strategies towards reducing stigma.

Keywords: Social stigma; Mental health; Students; Mental disorder

 

RESUMEN

CONTEXTO: El estigma y la discriminación son los principales obstáculos para el cuidado de las personas con trastorno mental. Los estudios sobre la salud de los estudiantes universitarios informan que tienen niveles pronunciados de estigma.

OBJETIVO(S): Este estudio tuvo como objetivo evaluar el nivel de estigma en salud mental de los estudiantes en el Instituto Politécnico de la Salud de Leiria (IPL) y comparar sus actitudes hacia la enfermedad mental.

METODOLOGÍA: Estudio descriptivo-correlacional cuantitativo, transversal en una muestra de conveniencia no probabilística de 573 estudiantes de la recopilación de datos de cursos de Salud a través de un cuestionario de autoinforme que consta de preguntas sociodemográficas y los portugueses de Atribución Cuestionario Versión (AQ 27).

RESULTADOS: En la muestra total hay la presencia de baja al estigma moderado en todos los cursos. Presencia moderada del estigma tiene predominio en la expresión sanción contra los enfermos mentales, la coacción y la segregación. El valor más bajo del estigma existía la irritación de expresión. Existen diferencias significativas en los diferentes cursos se enfrentan el estigma en general y en relación con las actitudes estigmatizantes de responsabilidad, riesgo de irritación, ayuda, evitación. Las pruebas Poshoc siempre se opusieron a la terapia ocupacional a otros cursos.

CONCLUSIÓN: Los valores estigma no son altos en los diferentes grupos de alumnos y estudiantes de terapia ocupacional son los que mostraron menos estigma. Potencialmente se identificaron atribuciones estigmatizantes que necesitan intervención, señalando la necesidad de repensar las estrategias pedagógicas para reducir el estigma.

Descriptores: Estigma; Salud mental; Estudiantes; Trastornos mentales 

 

Introdução

A sociedade atual tem ainda presente uma imagem bastante negativa da doença mental e de tudo o que a esta se associe. Na perspetiva da população geral, a pessoa portadora de doença mental é perigosa, preguiçosa, imprevisível e estão no estado de doença porque assim o querem (Oliveira e Azevedo, 2014; Xavier et al., 2013). A presença de estigma engloba, segundo Thornicroft, Bhohan, Sartorius & Leese (2009), problemas de conhecimento (ignorância), postura (preconceito) e comportamento (discriminação), sendo um dos principais obstáculos à procura de cuidados pelas pessoas com perturbação mental (Coordenação Nacional para a Saúde Mental, 2012; Guarniero, Bellinghini & Gattaz, 2012). Desde 2005 que o estigma tem sido prioridade de investigação definida pela Organização Mundial de Saúde. Em Portugal apesar das campanhas antiestigma realizadas, a reatualização do Plano Nacional de Saúde Mental veio reafirmar o forte estigma da população portuguesa face à doença mental e considera o estigma e discriminação como uma ameaça ao programa de saúde a esta população específica (Coordenação Nacional para a Saúde Mental, 2012). As atitudes estigmatizantes têm sido alvo de investigação no público em geral (Oliveira e Azevedo, 2014), nas famílias de doentes mentais (Sousa, Marques, Curral e Queirós, 2012) e nos estudantes do ensino secundário (Freitas, 2012) e ensino superior (Marques, Barbosa e Queirós, 2010; Palha, Guimarães, Castro-Henriques, Costa e Campos, 2008; Pinto, 2015; Spagnolo, Amy, Murphy e Librera, 2008). 

Os estudos realizados no âmbito do ensino superior revelam a presença de estigma acentuado nos estudantes de saúde e evidenciam maior estereótipo face à perigosidade e imprevisibilidade, comparativamente aos outros estudantes (Gil, 2010; Palha et al., 2008).

A literatura coloca em evidência a importância da literacia em saúde mental e do contacto com as pessoas com doença mental na redução do estigma (Spagnolo et al., 2008). Neste âmbito é expectável que os estudantes da saúde e em particular os estudantes de Enfermagem, quer pela especificidade das unidades curriculares como pelo contacto precoce com as situações de doença mental, apresentem níveis de estigma menores do que os restantes estudantes. Não obstante, os estudos da região norte de Portugal que compara as atitudes face à doença mental dos diferentes estudantes de cursos de saúde (medicina, psicologia, terapia ocupacional, serviço social e enfermagem) revelou a presença de estigma acentuado, com predominância de estereótipos de pena, coação, perigosidade, evitamento e medo, assim como de segregação e ajuda (Marques et al., 2010). Os estudantes de medicina e de psicologia revelaram maior estereótipo em contraponto com os de serviço social, enfermagem e terapia ocupacional que apresentaram menor estigma, e verificou-se que as atitudes estigmatizantes diminuiram com o decorrer do curso, aparentemente devido ao contato com pessoas com doença mental (Marques et al., 2010), corroborando os estudos de Spagnolo et al. (2008) e de Corrigan (2007). Desconhecem-se, no litoral centro, estudos sobre o estigma nos estudantes de saúde do ensino superior. 

 

Metodologia

Pretendeu-se com o estudo realizado avaliar o nível de estigma em saúde mental dos estudantes de saúde e comparar as atitudes face à doença mental dos futuros profissionais de saúde, estudantes de Enfermagem, Dietética, Terapia Ocupacional (TO), Fisioterapia e Terapia da Fala (TF) e conhecer a influência dos anos de estudo nos nível de estigma dos estudantes.

Foi para isso realizado um estudo quantitativo, descritivo-correlacional, transversal. A população selecionada compreendeu os estudantes dos diferentes cursos (Enfermagem, Dietética, Fisioterapia, TF e TO), de uma escola superior de saúde no distrito de Leiria, e a amostra foi selecionada por um método de amostragem não probabilístico de conveniência.

A colheita de dados foi realizada através de um questionário de autopreenchimento aplicado durante o mês de fevereiro de 2015 durante uma aula aos estudantes da escola onde se colheu a amostra. O questionário utilizado era constituído por questões sociodemográficas e a versão Portuguesa do Attribution Questionaire (AQ27) (Corrigan et al., 2003, traduzido e validado por Sousa, Queirós, Marques, Rocha e Fernandes, 2008). Esta escala permite avaliar as atitudes face à pessoa com doença mental com base em nove fatores: responsabilidade, pena, perigosidade, medo, ajuda, coerção, segregação e evitamento. Neste instrumento, existem disponíveis diversas vinhetas possíveis de utilizar, tendo para este estudo sido selecionada uma acerca de um paciente com esquizofrenia. É constituído por 27 declarações acerca da vinheta apresentada, que são ponderadas numa escala tipo Likert de 9 pontos (desde 1 "nenhum ou nada " a 9 "muito ou completamente”), sendo a pontuação possível de 3 a 27 para cada um dos fatores, bem como para ao valor total de estigma, e quanto maior a pontuação do fator, maior a sua contribuição para o estigma. Considera-se um nível de estigma baixo se a pontuação obtida for inferior a 11, moderado em pontuações entre 12 a 19, e estigma elevado se os valores obtidos forem superior a 20.

Foram assegurados pelos autores todos os procedimentos formais e éticos inerentes a este tipo de estudo. A resposta ao questionário foi voluntária e todos os participantes deram o seu consentimento informado, sendo garantida a confidencialidade e o anonimato das respostas obtidas. A análise dos dados foi feita recorrendo ao SPSS 20, tendo sido realizada análise descritiva e inferencial com recurso a testes paramétricos.

 

Resultados

A amostra foi constituída por 573 estudantes de cinco cursos da área de saúde: Enfermagem (58,3%), Fisioterapia (10,6%), Dietética (13,3%), TF (13,6%) e TO (4,2%). A maioria dos estudantes frequentava o primeiro ano do curso (31,4%), havendo representação dos 4 anos dos vários cursos em análise. Na sua maioria, a amostra é constituída por estudantes do sexo feminino (81,5%), solteiros (92,3%), com idades entre os 18 e os 56 anos (média de 21,36), sendo 20 anos a idade mais prevalente. Em termos de prevalência de doença, 6,5% da amostra referiram ter sido diagnosticados com uma doença mental. A maioria dos estudantes (60,8%) referiu que nunca teve contacto com a doença mental no seio familiar.

Os valores globais da AQ-27 da amostra são reveladores da presença de um estigma moderado, tal como se observa na Tabela 1, com valores médios de resposta de 4,04 em cada item (DP=0,052, Min=2; Max=6).

 

 

No conjunto de todos os estudantes observa-se menor estigma no fator irritação e maior estigma relativamente aos sentimentos de pena. Níveis elevados de estigma foram observados na coerção e segregação com valores mínimos médios superiores a 8, e máximos respetivamente de 23 e 24.

Considerando o curso frequentado, os estudantes de TO revelaram no global, menos atitudes estigmatizantes, tendo obtido valores mais baixos de estigma comparativamente aos restantes estudantes. Os estudantes de Enfermagem e TF revelaram os maiores níveis de estigma da amostra.

A análise comparativa do estigma por curso (Tabela 2), revelou diferenças estatisticamente muito significativas nos níveis totais de estigma e nas dimensões responsabilidade, irritação, ajuda, coerção e evitamento. Os testes Post-hoc (Bonferroni) evidenciaram oposição do curso de TO aos restantes para todas as dimensões referidas, sendo neste curso encontrados valores de estigma inferiores aos restantes cursos, com exceção da coerção, que apresenta os valores mais elevados neste curso. Os estudantes de enfermagem revelaram maiores níveis de estereótipos nas dimensões responsabilidade, perigosidade, evitamento, medo e segregação, relativamente aos estudantes dos outros cursos, sendo estas diferenças não estatisticamente significativas segundo o mesmo teste Post-hoc.

 

 

Relacionando os níveis de estigma com o ano de curso frequentado (Tabela 3), pode perceber-se que existe uma correlação estatisticamente significativa positiva no fator Responsabilidade, e negativa nos fatores Pena, Irritação, Perigosidade, Medo e Evitamento, bem como no valor total de estigma. Os níveis de estigma totais, e dos fatores Pena, Perigosidade, Medo e Evitamento apresentam diferenças estatisticamente significativas nos valores médios entre o primeiro e o último ano de curso, enquanto o fator Responsabilidade apresenta valores menores no final do curso, comparativamente ao seu início.

 

 

Discussão

A amostra do estudo apresenta um nível de estigma moderado. Os valores mais elevados de estigma da amostra foram obtidos na dimensão pena, que expressam uma atitude de simpatia e simultaneamente de paternalismo dos estudantes para com a pessoa com doença mental. Este tipo de estigma é associado na literatura à falta de informação (Sousa et al., 2012), o que pode espelhar a uma baixa literacia em saúde mental da amostra.

A coerção foi outra atitude com maior índice de cotação, mantendo-se elevada tanto nos estudantes do 1º, como do 4º ano, reveladores de prepotência no sentido de obrigação da pessoa doente à adesão ao tratamento. O enfoque dado aos conteúdos dos itens “pediria para ele tomar a medicação” e “forçado a tratar-se …mesmo se não quisesse” pode explicar a consonância destes resultados com os outros estudos realizados, especialmente no caso dos estudantes de Medicina e Psicologia (Marques et al., 2010; Pinto, 2015) e nos estudantes do secundário (Freitas, 2012). Também no ensino dos outros cursos de saúde, em especial na Enfermagem é colocada ênfase na importância na adesão ao regime terapêutico e medicamentoso, sendo reconhecidos ganhos em saúde relacionados com o seu cumprimento. Neste contexto pode ser propício à perceção pelos estudantes da necessidade de assumirem um papel coersivo face à pessoa em não-adesão. Estes resultados verificados nos estudantes estão em linha com as atitudes estigmatizantes dos familiares de pessoas com doença mental (Sousa et al., 2012) e com as dos utentes utilizadores dos serviços de saúde comunitária na região de Leiria (Oliveira e Azevedo, 2014). Na TO o estereótipo na coerção é maior, mas obtiveram-se os valores mais baixos de estigma da amostra, no global e nas dimensões responsabilidade, evitamento, ajuda e irritação, que podem dever-se ao contacto precoce com a deficiência e limitação.

No global, os estudantes revelaram menor estereótipo de raiva associada à culpabilização da pessoa com doença mental pela sua situação e menor estigma na identificação da necessidade de ajuda. Este facto pode dever-se ao contacto com a pessoa com doença mental favorecido nos ambientes clínicos, na realização de aulas práticas e no envolvimento dos estudantes em atividades inclusivas levadas a cabo no âmbito das parcerias entre a escola e as estruturas comunitárias. No geral, estas atividades têm como pressupostos a ajuda ao outro no respeito pela sua autonomia, autoestima e autoeficácia, com vista à promoção do autocuidado, conceitos transversais no ensino da saúde. Em oposição, os resultados dos estudos realizados com a população em geral, utentes dos centros de saúde e com os familiares de pessoas com doença mental evidenciaram estereótipos de ajuda elevados (Freitas, 2012; Oliveira e Azevedo, 2014; Sousa et al., 2012).

Já os estudantes de Enfermagem revelaram níveis mais elevados nas dimensões responsabilidade, perigosidade, evitamento, medo; e segregação, comparativamente com os restantes cursos. Com exceção da ajuda, estes valores são todos superiores aos obtidos no estudo de Marques et al. (2010), revelando maior estereótipo e mais atitudes estigmatizantes nestes, comparativamente aos estudantes de Enfermagem do Porto.

As diferenças entre os níveis de estigma dos estudantes do 1º e do último ano (4º) atestam a favor da diminuição dos estereótipos ao longo do curso. Os estudantes séniores expressam menos pena, perceção de perigosidade, medo e evitamento. Estes resultados são abonatórios face aos obtidos junto dos estudantes de Medicina, em que a única diferença significativa se verificou relativamente à segregação (menor nos estudantes do 6º ano) (Pinto, 2015). Verificou-se uma correlação negativa significativa entre o número de anos de curso e os níveis de estigma, com exceção da responsabilidade, cuja correlação é positiva. Este facto pode ser atribuído ao número considerável de ensinos/ estágios clínicos dos cursos da saúde em análise e que ocorrem desde o final do 1º ano, aumentando a probabilidade de contacto com as pessoas com doença mental e consequente redução do estigma (Corrigan et al., 2003), embora possa favorecer a responsabilização da pessoa cuidada pela sua doença. Para além disso, no decorrer do curso os estudantes têm acesso a conteúdos teóricos específicos relativos à doença mental, com a análise de casos clínicos, facilitando a redução do estigma, tal como corroboram os resultados dos programas antiestigma com uma componente mista de informação e contacto com histórias reais (Spanolo et al., 2008).  

 

Conclusão

O estudo transversal correlacional desenvolvido com estudantes de saúde, permitiu comparar o estigma nos diferentes cursos superiores e conhecer a influência dos anos de estudo nos estereótipos dos estudantes. Revelou-se a presença de um estigma moderado face à doença mental. Verifica-se em termos globais, menor irritação, tendo sido observados níveis baixos de estigma no fator ajuda. Por sua vez, os estudantes revelaram maior estigma através da expressão de  sentimentos de pena, coerção e segregação.

Na análise por cursos verifica-se que são os estudantes de TO os que revelam globalmente menos atitudes estigmatizantes, em contraponto são os estudantes de Enfermagem e TF os que revelaram os maiores níveis de estigma da amostra.

Constatou-se uma correlação negativa significativa entre os anos de curso e o estigma.  Os estudantes séniores finalistas apresentaram menos atitudes estigmatizantes comparativamente aos iniciados, provavelmente relacionada com a educação na escola de saúde e com o contacto com as pessoas com doença mental ao longo dos cursos.

A heterogeneidade da amostra pode constituir uma limitação do estudo e contribuir para o enviezamento dos resultados sobretudo relativamente ao menor número de estudantes de TO.  O desenho do estudo também constituiu uma limitação na interpretação das diferenças do estigma ao longo do curso, sendo necessária a realização de estudos longitudinais para a compreensão do fenómeno e análise dos seus fatores associados.

Implicações para a Prática Clínica

Os resultados obtidos parecem tornar necessário uma reflexão e adaptação dos planos curriculares e métodos pedagógicos com vista à redução do estigma nos estudantes de saúde. Associada a esta mudança revela-se importante avaliar e potenciar as oportunidades criadas durante o curso para o contacto e interação com as pessoas com doença mental.

A constatação da possibilidade de redução dos níveis de estigma com o decorrer do curso, sugere o planeamento de ações antiestigma adequadas aos estudantes e a cada ano do curso, apostando no envolvimento dos estudantes em ações dirigidas à comunidade, incluindo as pessoas com doença mental. Sugere-se a monitorização dos níveis de estigma da amostra ao longo do curso, através de desenhos longitudinais. As limitações do estudo sugerem a atenção à homogeneidade da amostra nos estudos a realizar no futuro.

 

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Recebido a 30 de outubro de 2015

Aceite para publicação a 10 de março de 2016

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