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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.spe3 Porto abr. 2016

https://doi.org/10.19131/rpesm.0118 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

 

A situação de crise em Portugal e a saúde mental dos profissionais de saúde

 

The crisis situation in Portugal and the mental health of health professionals

 

La situación de crisis en Portugal y la salud mental de profesionales de la salud

 

Lídia do Rosário Cabral*, João Carvalho Duarte**, Daniel Marques Silva***, Amadeu Matos Gonçalves****, Ernestina Maria Batoca Silva*****

*Mestre em Gestão e Economia da Saúde; Doutora em Ciências da Saúde;Membro do CI&DETS e Professora Coordenadora no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, Rua D. João Crisostomo Gomes de Almeida, nº 102,  3500-843 Viseu, Portugal. E-mail: lcabral@essv.ipv.pt 

**Mestre em Ciências de Enfermagem; Doutor em Saúde Mental;Membro do CI&DETS e Professor Coordenador no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843 Viseu, Portugal. E-mail: jduarte@essv.ipv.pt

***Mestre em Ciências de Enfermagem; Doutor em Ciências da Educação;Membro do CI&DETS Professor Coordenador no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843 Viseu, Portugal. E-mail: dsilva.essv@gmail.com

****Mestre em Ciências Sociais; Doutor em Ciências de Enfermagem;Membro do CI&DETS e Professor Adjunto no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843 Viseu, Portugal. E-mail: agoncalvessv@hotmail.com

*****Mestre em Ciências de Enfermagem; Doutora em Bioética;Membro do CI&DETS e Professora Coordenadora no Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843 Viseu, Portugal. E-mail: ernestinabatoca@sapo.pt

 

RESUMO

CONTEXTO: O impacto da crise económica faz-se sentir nas relações laborais e exerce influência na satisfação e na saúde mental dos profissionais de saúde, levando a desmotivação, angústia, ansiedade, tristeza, depressão e sentimentos de solidão.

OBJETIVOS: Analisar a relação entre a situação económica e a saúde mental dos profissionais de saúde; identificar variáveis sociodemográficas e de contexto profissional que interferem na saúde mental dos profissionais de saúde.

METODOLOGIA: Estudo quantitativo, transversal, descritivo e correlacional. Utilizou-se o questionário de caracterização sociodemográfica e situação económica e o Inventário de Saúde Mental. A amostra foi constituída por 116 profissionais de saúde.

RESULTADOS: As mulheres estão em maioria, prevalece o grupo de idades compreendidas entre os 28 e os 34 anos, residentes em zona rural, com o ensino superior, com um vínculo à instituição de contrato a termo certo. A maioria (92,1%) admite que a crise económica os afetou por cortes salariais e instabilidade laboral e no último ano 61,5% sentiram ansiedade e 47,7% um sentimento de tristeza. A idade e a profissão interferiram na perceção da saúde mental. Foram os mais novos e os enfermeiros que apresentaram uma perceção da sua saúde mental mais baixa

CONCLUSÃO: A situação económica assumiu-se como preditora de saúde mental numa relação inversa com as dimensões do Inventário de Saúde Mental, ou seja, quanto pior a situação económica, maiores os valores do inventário da saúde mental (ansiedade, depressão, perda de controlo, afetos positivos e laços emocionais).

Palavras-Chave: Intervenção na crise; Pessoal de saúde; Saúde mental; Fatores de risco

 

ABSTRACT

BACKGROUND: The impact of the economic crisis is felt in labour relations exerting influence on satisfaction and the mental health of health professionals, leading to demotivation, anguish, anxiety, sadness, depression and feelings of loneliness

AIM: Analyze the relationshipbetween the economic situation and the mental health of health professionals; identify the socio demographic and professional context variables that affect the mental health of health professionals.

METHODS: Quantitative study, transversal, descriptive and correlational. The questionnaire was used to characterize socio demographic and economic situation and the Mental Health Inventory. The sample consisted of 116 health professionals.

RESULTS: Women are in majority, the prevailing groupis between ages of 28 and 34 years, residing in rural areas, with higher education, .having a fixed-term contract with the employing institution The majority (92.1%) admits that the economic crisis has affected them by means of wage cuts and labour instability, during last year 61.5% reported anxiety and 47.7% a feeling of sadness. The age and the profession interfered with lack of mental health. The youngest and the nurses were the ones to perceive lower values of mental health.

CONCLUSION: The economic situation was assumed as predictive of mental health in an inverse relation with the Mental Health Inventory dimensions, meaning, the worse the economic situation, the greater values of mental health inventory (anxiety, depression, loss of control, positive affect and emotional ties).

Keywords: Crisis intervention; Health personnel; Mental health; Risk factors

 

RESUMEN

CONTEXTO: El impacto de la crisis económica se refleja en las relaciones laborales y ejerce influencia en la satisfacción y salud mental de los profesionales de la salud, provocando desmotivación, angustia, ansiedad, tristeza, depresión y sentimientos de soledad.

OBJETIVOS: Analizar la relación entre la situación económica y la salud mental de los profesionales de la salud; identificar las variables sociodemográficas y contexto profesional que afectan a la salud mental de los profesionales de la salud.

METODOLOGÍA:Estudio cuantitativo, transversal, descriptivo y correlacional. El cuestionario fue utilizado para averiguar las características sociodemográficas y situación económica y el Inventario de Salud Mental. La muestra consistió de 116 profesionales.

RESULTADOS: En la muestra las mujeres son la mayoría y las edades entre los 28 y 34 años son lo mayor grupo, residentes en zonas rurales, tenían un grado académico y su vinculación  se regulaba a través de un contrato fijo. La mayoría (92,1%) admitieron que la crisis económica los afectó por los recortes salariales y la inestabilidad salarial y en el último año el 61,5% sintió ansiedad y 47,7% tristeza por la situación. La edad y la profesión interfieren en la percepción de la salud mental. Eran los más nuevos y las enfermeras las que tenían una percepción de su salud mental peor.

CONCLUSIÓN: La situación económica fue asumida como predictivo de la salud mental en una relación inversa con las dimensiones del inventario de Salud Mental, es decir, a peor situación económica, mayores valores en el inventario de salud mental (ansiedad, depresión, pérdida de control, afecto positivo y lazos afectivos).

Descriptores: Intervención en crisis; Personal de salud; Salud mental; Factores de riesgo

 

Introdução

Portugal enfrentou nos últimos anos a maior crise económica da sua história recente. A taxa de desemprego atingiu no quarto trimestre de 2013 os 15,3%, tendo diminuído no segundo trimestre de 2015 para uma taxa de 11,9% (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2015). Os trabalhadores jovens têm sido afetados pela contração económica, sobretudo no que respeita a questões de empregabilidade (Organização Internacional do Trabalho [OIT], 2013).

As incertezas nas organizações de saúde acentuaram-se cada vez mais, o que conduziu a mudanças políticas, sociais, legais e económicas que procuraram dar resposta e suavizar a situação de crise. As relações laborais e contratuais estão a provocar um impacto profundo nos profissionais com despedimentos, vínculos profissionais alterados e, ainda, a cidadãos com habilitações académicas e profissionais que não têm oportunidades de trabalho.

O ObservatórioPortuguês dos Sistemas de Saúde (2013) considera que a crise agrava os problemas de saúde mental e de dependências. Os dados revelam também que os efeitos da crise socioeconómica na saúde mental têm várias manifestações, nomeadamente, a depressão, a perda de auto-estima, a ansiedade e o risco de comportamentos suicidas.

Num estudo realizado na União Europeia (EU) (Pinto-Meza et al., 2013), Portugal é um dos países com risco mais elevado para o desenvolvimento de transtornos mentais. Ser jovem, estar desempregado e viver em áreas urbanas são fatores associados a uma prevalência superior desses transtornos.

Dos oito países da EU que integraram um estudo da OMS, World Mental Health Survey Initiative, realizado em 2008, Portugal apresentou a taxa de prevalência mais elevada de perturbações mentais (22,9%) e em que a maior parte (16,5%) são perturbações de ansiedade, frequentemente associadas ao trabalho. Portugal aparece nos lugares cimeiros do consumo de medicamentos psicotrópicos, números que têm vindo a aumentar face ao agravamento da crise económica do país (Ministério da Saúde, 2013).

O aumento do desemprego surge associado, a curto-prazo, a aumento de mortes prematuras por violência intencional, incluindo suicídio (World Federation for Mental Health, 2012). Num outro prisma de análise é apontada a segurança no trabalho, a sensação de controlo sobre o trabalho e o apoio social no trabalho como fatores que promovem a saúde mental dos trabalhadores. Um emprego estável, um rendimento seguro e capital social favorecem uma boa saúde mental (Cooper, 2011).

É, pois, reconhecido que a situação profissional exerce uma forte influência sobre a saúde mental, mas está a par com outros fatores como o meio sociogeográfico, educação, pobreza, acontecimentos de vida stressantes entre outros determinantes sociais e económicos (Pinto-Meza et al., 2013; Salgueiro, 2013), para além das características individuais (MS, 2013). A saúde mental é, assim, o produto de múltiplas e complexas interações, que abrangem fatores biológicos, psicológicos e sociais.

As crises económicas são períodos de alto risco para o bem-estar mental da população não sendo exceção para os profissionais de saúde. Um profissional de saúde com boa saúde mental possui a capacidade do uso das suas capacidades ou habilidades, consegue enfrentar melhor o stresse quotidiano e desenvolver um trabalho com maior produtividade e qualidade, no contexto em que exerce.

Importa salientar que, de acordo com Dias (2012), quando se fala em profissionais de saúde há que ter em conta os fatores motivacionais que resultam em satisfação. As recompensas resultam no aumento de repetição do comportamento e, como tal, o trabalhador quando recompensado continua a produzir melhor. Por outro lado, os hospitais são organizações de saúde dotadas de pessoas cujo objetivo primordial é cuidar de pessoas. Contudo é importante que os profissionais de saúde, na sua prática diária, reúnam duas condições elementares: ter boa saúde mental e ter satisfação no trabalho. A qualidade de vida e a satisfação do profissional da saúde associam-se a indicadores de status profissional, interação, remuneração, condições do trabalho e normas organizacionais (Dias, 2012).

Sabemos que a produtividade e a realização profissional se associam à satisfação no trabalho pois quanto mais satisfeitos os profissionais de saúde estiverem, maior o seu comprometimento com a organização.

Dousis e Kyritsi-Koukoulari (2011) concluíram que os enfermeiros são afetados diretamente pela crise económica, sentindo-se insatisfeitos com a falta de oportunidades profissionais, poucas recompensas intrínsecas, falta de reconhecimento profissional, congelamento da progressão de carreira, contratação de novos profissionais de saúde, baixos salários e sobretudo pelos cortes salariais e aumento do custo de vida.

Vários estudos analisaram o impacto da crise económica na saúde mental dos profissionais de saúde. É sabido que na população em geral o risco de depressão e o uso de substâncias aumentaram exponencialmente em pessoas expostas à crise económica, sobretudo quando se fazem sentir as dificuldades financeiras no seio da família, o que se associa a uma menor saúde mental.

Face ao exposto, realizamos este estudo com o objectivo de avaliar a perceção sobre a saúde mental nos profissionais de saúde e a relação com a sua situação económica actual e identificar as variáveis sociodemográficas e de contexto profissional que interferem na perceção sobre a saúde mental dos profissionais de saúde.

 

Metodologia

Realizamos um estudo quantitativo, transversal, descritivo correlacional e explicativo numa amostra não probabilística por conveniência, constituída por 116 profissionais de saúde (79,2% enfermeiros e 20,8% médicos, fisioterapeutas e auxiliares de ação médica), de unidades de saúde da região Centro do país. O estudo decorreu no mês de abril de 2014.

O questionário apresenta questões de caracterização sociodemográfica, do contexto profissional, da situação económica e da saúde mental, tendo sido utilizado o Inventário de Saúde Mental (MHI) de Pais Ribeiro (2001). O MHI inclui 38 itens agrupados em duas dimensões que medem o Distresse Psicológico (Ansiedade, Depressão, Perda de Controlo Emocional/Comportamental) e o Bem-Estar Psicológico (Afeto Geral Positivo e Laços Emocionais). A resposta é dada numa escala ordinal de seis posições. Parte dos itens são cotados de modo invertido. Valores mais elevados correspondem a melhor saúde mental.

Para a análise estatística utilizámos o nível de significância de 5% (p=0,05). Procedemos ao estudo de consistência interna da escala e obtivemos valores de alfa de Cronbach, por item, entre 0,945 e 0,948. Os valores globais Alfa de Cronbach foram de 0,948. Calculado o índice de fiabilidade pelo método das metades os valores de alfa de Cronbach revelaram-se mais fracos (0,878 na primeira metade e 0,932 na segunda metade).

 

Resultados

A idade dos profissionais de saúde situa-se entre os 22 anos e os 56 anos, com uma média de 33,54 (± 9,320). O sexo masculino representa 20,0% da totalidade da amostra. Cerca de metade dos profissionais de saúde residem numa zona rural (52,3%).

A maioria tem um vínculo à instituição de contrato a termo certo (38,8%) e (57,9%) tem apenas um trabalho, contudo 69,6% admite sentir necessidade de trabalhar em mais do que um local. Apuramos que 83,2% conseguem gerir o seu vencimento até ao final do mês e 52,7% referiram possuir algum suporte financeiro para suprir as necessidades económicas. A maioria (75,2%) referiu não ter ninguém desempregado no seu agregado familiar, mas a quase totalidade da amostra (92,1%) admite que a crise económica os afetou.

Referem ter uma situação económica boa 45,8% dos homens e 37,0% das mulheres, não se verificando diferenças estatísticas significativas (p=0,670) (Tabela 1).

 

 

No último ano, 37,9% dos participantes admitem ter com frequência o sentimento de angústia, 61,5% têm o sentimento de ansiedade e 47,7% um sentimento de tristeza, mas a grande maioria dos profissionais de saúde (85,7%) não se tem sentido deprimido. A crise afetou mentalmente 83,6% dos profissionais sendo, 79,5% deles referem sentir-se afetados pelos cortes salariais e 67,4% pela instabilidade laboral.

Relativamente à saúde mental verificamos que prevalecem os participantes com uma perceção de saúde mental fraca (46,6%), dos quais 50,0% são mulheres e 48,9% homens. Referiram ter uma boa perceção de saúde mental 37,5% dos homens e 34,8% das mulheres. Verifica-se que o sexo não influencia a perceção sobre a saúde mental dos profissionais de saúde (p=0,895) (Tabela 2).

 

 

Na subescalas das dimensões da saúde mental, os resultados mostram que na Ansiedade foram mais evidentes os valores nos itens que referem o sentir-se nervoso no mês anterior e o sentir-se incomodado com o nervosismo. Na subescala da Depressão, os valores correlacionais são ligeiramente mais altos do que os da subescala da Ansiedade. Quanto às subescalas Perda do Controlo Emocional, Afeto Positivo, Perda do Controlo Emocional, Laços Emocionais os valores são ligeiramente mais baixos que nas sub-escalas anteriores.

A variável sexo não revela diferenças estatisticamente significativas (p>0,05) com as dimensões da escala de saúde mental (Tabela 3). A variável idade interferiu estatisticamente em quase todas as dimensões da saúde mental, com exceção da ansiedade (p>0,140).

 

 

A profissão interferiu estatisticamente nas dimensões da saúde mental, afeto positivo (p=0,009) e bem-estar psicológico (p=0,016). Em termos de ordenação média são os enfermeiros a apresentar uma perceção da sua saúde mental com valores mais baixos. O vínculo à instituição não interferiu com as dimensões da saúde mental (p>0,05).

Para identificar a relação entre a auto-avaliação da situação económica e a perceção da sua saúde mental efectuamos uma regressão múltipla multivariada, dado pretendermos analisar em simultâneo as várias dimensões da escala. Para o modelo em causa apenas nos cingimos às variáveis que se apresentaram como preditoras. No output gráfico (Figura 1) visualizamos os coeficientes estandardizados para a ansiedade, depressão, perda de controlo, afetos positivos e laços emocionais. Neste modelo, o coeficiente de regressão ou de trajetória da perceção da saúde mental são a ansiedade (β ansiedade =0-.34), a depressão (β depressão =-0.32), a perda de controlo (β perda de controlo =-0.36), os afetos positivos (β afetos positivos=-0.32) e os laços emocionais (β laços emocionais =-0.17). O coeficiente de regressão ou de trajetória da situação económica são a ansiedade (β ansiedade =0-.13), a depressão (β depressão =0.09), a perda de controlo (β perda de controlo =-0.03), os afetos positivos (β afetos positivos =-0.17) e os laços emocionais (β laços emocionais =-0.15). O modelo explica cerca de 37% da variação observada da perceção da saúde mental nas diferentes variáveis. O valor de r, entre as variáveis independentes, é de r=0.33.

 

 

Discussão

A saúde mental é influenciada por múltiplas e complexas interações, que abrangem fatores biológicos, psicológicos, sociais e económicos. O foco sobre os determinantes económicos, enquanto consequência da agudização da crise económica, tem uma importância relevante. O Ministério da Saúde (2013) refere que os estudos epidemiológicos recentes mostram que a crise económica tem contribuído para o aparecimento de distúrbios psiquiátricos e problemas de saúde mental relacionados com a saúde em geral, tratando-se da principal causa de incapacidade para a atividade produtiva e uma das principais causas de morbilidade e morte prematura em todo o mundo.

No nosso estudo, constatamos que cerca de 50,0% referiram ter um perceção fraca da sua saúde mental. Verificamos que 92,1% da amostra admite sentir-se afetada pela crise económica. É apontado por vários estudos que a crise económica se reflete na saúde mental e na vida das pessoas, condicionando a perceção de menor satisfação com a vida e também menor bem-estar (Wahlbeck & McDaid, 2012). Estar sujeito aos efeitos da crise económica leva à acumulação de stress, diminuição de estratégias de coping, aumento da ansiedade e de tensão à medida que as poupanças se esgotam (Uutela, 2010).

Verificamos que o sexo não influenciou a saúde mental dos profissionais de saúde (p=0,887) e que a variável idade é preditora em quase todas as dimensões da saúde mental, à exceção da ansiedade. São os profissionais com idade³ a 35 anos que revelam uma melhor perceção da sua saúde mental e os profissionais na faixa etária dos 28-34 anos são os que apresentam uma menor perceção da sua saúde mental. A idade é apontada por Alves & Rodrigues (2010) como tendo um papel importante sobre a saúde mental, constatando que a crise económica tem mais impacto na saúde mental das pessoas com mais idade. Contudo, tal como em Silva (2014), não foi o que se verificou no nosso estudo, pois são os profissionais de saúde mais velhos que revelaram uma perceção mais positiva da sua saúde mental. Este facto poderá ser devido aos mais velhos terem já maior estabilidade da sua situação profissional e económica, estarem na posse de mais estratégias de coping para poderem enfrentar todas as complexidades da vida pessoal e profissional, com implicações na saúde mental.

A profissão interferiu estatisticamente nas dimensões da saúde mental e em termos de ordenação média, são os enfermeiros que apresentam uma perceção da sua saúde mental com valores mais baixos. Os enfermeiros estão expostos a diferentes fatores de stress que afetam diretamente o seu bem-estar, entre os quais o contacto com o sofrimento, a dor e muitas vezes o confronto com a morte e o lidar com as emoções manifestadas pelos seus familiares, daí necessitarem de um controlo mental e emocional bastante significativo (Barbosa, 2012). Dousis & Kyritsi-Koukoulari (2011) refere que o excesso de trabalho devido à falta de pessoal, como consequência da crise económica, leva os enfermeiros a trabalhar para além do seu horário normal e que pode resultar numa menor saúde mental.

 

Conclusão

Identificamos as variáveis sociodemográficas e de contexto profissional que interferem na saúde mental dos profissionais de saúde e analisamos a relação entre a situação económica e a sua saúde mental. Concluímos que as variáveis sociodemográficas e de contexto profissional que interferiram na saúde mental dos profissionais de saúde foram a idade e a profissão. A situação económica assumiu-se como preditora da saúde mental, no sentido de que quanto pior a situação económica, maiores são os valores das dimensões do inventário da saúde mental (ansiedade, depressão, perda de controlo, afetos positivos e laços emocionais). Neste sentido, podemos dizer que a situação económica se assume como preditora da saúde mental, ou seja, o mal-estar provocado pela crise económica interfere na saúde mental dos profissionais de saúde. Os problemas de saúde mental por seu lado contribuem para uma perda de produtividade em virtude do absentismo, abandono do trabalho e desmotivação.

 

Implicações para a Prática Clínica

Sem dúvida que estes resultados nos preocupam e surgem-nos algumas interrogações que poderão ser objeto de reflexão no contexto das políticas e das equipas nos locais de trabalho: Será que entre os profissionais de saúde se promove a saúde mental positiva recorrendo a estratégias individuais ou no grupo dos pares? Será que apesar de resilientes não conseguem gerir o stress e por isso percepcionam a sua saúde mental com valores baixos? Terá sido a perceção dos profissionais de saúde condicionada pelas nossas questões e surgirem como um momento de escape ou desabafo e não corresponderem a uma condição de saúde mental?

Os profissionais de saúde e em especial os enfermeiros são “gente que cuida de gente” e sujeitos a vicissitudes resultantes do contexto socioeconómico. É importante reflectir sobre a realidade e propomos algumas ações que poderão ser implementadas para a promoção da saúde mental dos profissionais de saúde. Assim, relevamos a importância da prevenção das perturbações mentais pela adoção de uma atitude sistemática proactiva, em que prevaleça o bom humor e o reconhecimento do seu trabalho por parte dos superiores hierárquicos. Os reforços positivos, manifestados nas atitudes e comportamentos dos gestores, são essenciais e muito podem contribuir para que os profissionais se sintam motivados e satisfeitos o que virá a reflectir-se num ambiente organizacional mais enriquecido e mais produtivo assegurando a dignidade dos profissionais.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido a 27 de outubro de 2015

Aceite para publicação a 10 de março de 2016

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