SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número15Tradução, adaptação e validação do Childbirth Self-Efficacy Inventory (CBSEI) para o idioma e cultura portuguesa índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.15 Porto jun. 2016

https://doi.org/10.19131/rpesm.0125 

EDITORIAL CONVIDADO

 

A reforma do Serviço Nacional de Saúde e os Cuidados Continuados Integrados em saúde mental

 

The reform of the National Health Service and the Integrated Continuous Care in mental health

 

La reforma del Sistema Nacional de Salud y los Cuidados Continuados Integrados en salud mental

 

Manuel Lopes*

*Doutorado em Ciências de Enfermagem; Coordenador da Reforma do Serviço Nacional de Saúde para a Área dos Cuidados Continuados Integrados; Diretor e Professor Coordenador na Universidade de Évora, Escola Superior de Enfermagem de São João de Deus, Largo do Senhor da Pobreza, 7000-811 Évora, Portugal. E-mail: mjl@uevora.pt 

 

Introdução

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) foi criada através do Decreto-Lei nº 101/2006 de 6 de Junho (Assembleia da República, 2006) tendo como desiderato "a instauração de políticas de saúde, integradas no Plano Nacional de Saúde, e de políticas de segurança social que permitam: desenvolver ações mais próximas das pessoas em situação de dependência; investir no desenvolvimento de cuidados de longa duração, promovendo a distribuição equitativa das respostas a nível territorial; qualificar e humanizar a prestação de cuidados; potenciar os recursos locais, criando serviços comunitários de proximidade, e ajustar ou criar respostas adequadas à diversidade que caracteriza o envelhecimento individual e as alterações de funcionalidade". O objetivo geral definido para esta Rede foi "a prestação de cuidados continuados integrados a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência" (artº 4º, nº1). Para esse objetivo contribuem "a reabilitação, a readaptação e a reintegração social" e "a provisão e manutenção de conforto e qualidade de vida, mesmo em situações irrecuperáveis" [(art.º 5º, nº 1, a) e b)].

Dez anos após a sua criação e no contexto de uma reforma global do SNS, importa repensar a Rede no sentido de a dotar de capacidade de resposta acrescida às pessoas que, em qualquer momento do ciclo de vida, careçam de reabilitação e/ou readaptação e reintegração social ou simplesmente de manutenção de conforto e de qualidade de vida.

Pretende-se alcançar este desiderato através da criação de uma Coordenação Nacional, a qual, em articulação com as respetivas tutelas e com todos os organismos e atores do sistema, liderará a reforma da Rede, cumprindo assim o Programa do Governo para esta área.

Todavia, esta Coordenação só será efetiva se cumprir duas condições essenciais.

Primeiro, preservar a matriz essencial da RNCCI, ou seja, continuar a aprofundar de forma integrada as respostas sociais e da saúde. Esta perspetiva é essencial porque permite trabalhar, em simultâneo, múltiplos determinantes da saúde contribuindo assim para que o cerne das preocupações seja a pessoa e não a doença.

Segundo, garantir um diálogo permanente com os outros dois níveis de cuidados (Cuidados de Saúde Primários e Cuidados Hospitalares), com o objetivo de consolidar uma verdadeira continuidade ou trajetória de cuidados, através da qual o cidadão circula em função das suas necessidades, encontrando em cada momento a resposta que precisa.

Adicionalmente, esta Coordenação tem como Missão a expansão da capacidade de resposta da RNCCI, privilegiando a domiciliação e as respostas comunitárias e dando prioridade às regiões e às respostas mais carenciadas.

As razões para o incremento da domiciliação têm, em primeira análise, a ver com a comodidade e bem-estar do doente. Mas têm também a ver com o facto de a evidência empírica demonstrar que os cuidados prestados no domicílio conseguem melhores resultados em saúde e são consideravelmente mais económicos.

A aposta na domiciliação exige o incremento do número de Equipas de Cuidados Continuados Integrados, mas exige sobretudo a diversificação das suas competências, pois só assim levarão cuidados de qualidade a casa das pessoas.

 

Os Cuidados Continuados em Saúde Mental

Em relação à pessoa com doença mental grave, existe desde 2010 uma orientação específica, traduzida no Decreto-Lei nº 8/2010 de 28 de janeiro (Ministério da Saúde, 2010), republicado pelo Decreto-Lei nº 22/2011 de 10 de fevereiro (Ministério da Saúde, 2011), para o desenvolvimento de respostas reabilitativas que atendam a situações de dependência e incapacidade psicossocial provocadas por essas situações clínicas. Apesar disso estas respostas não foram ainda criadas. Todavia, a prevalência anual das perturbações mentais comuns em Portugal é muito elevada (22,9%), perspetivando-se que a dimensão das perturbações mais graves ronde os 4% (Direção-Geral da Saúde, 2014), situações de que resultam a maior parte das condições de incapacidade psicossocial moderada e grave. O peso da incapacidade medido em DALY’s (anos de vida ajustados à incapacidade) e em YLD’s (anos vividos com incapacidade), de acordo com as estimativas para 2010 (sem grande variação nas estimativas para 2013) do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME, 2016), foram respetivamente de 11,75%, o segundo maior valor entre os 9 Programas Nacionais de Saúde Prioritários, e de 20,55%, um valor muito superior ao de qualquer outro dos Programas Prioritários. Acresce a estes dados o elevado número de pessoas com internamento superior a 365 dias (cerca de 3500 no setor social). É, pois, este o panorama que impõe o desenvolvimento dos Cuidados Continuados Integrados para a Saúde Mental.

Tal como assinala o Plano Global da Saúde Mental 2013-2020 da OMS (World Health Organization, 2013), os problemas de saúde mental são responsáveis por uma alta taxa de incapacidade, para a qual contribuem múltiplos fatores individuais, sociais, culturais, económicos, políticos e ambientais. Deste modo a resposta deve ser multissectorial, estar localizada na comunidade e estimular a participação dos utentes e seus familiares. O desenvolvimento de unidades e equipas de reabilitação psicossocial que assegurem um suporte de longa duração, numa lógica de proximidade, de maior acessibilidade aos serviços de saúde mental, de mobilização dos recursos da comunidade que procurem a adaptação das respostas a problemas específicos da pessoa em causa, estimulando a autonomia e a tomada de decisão no seu processo reabilitativo, é facilitador da sua inclusão e caracteriza a resposta dos cuidados continuados integrados para a saúde mental, cumprindo simultaneamente um dos objetivos do Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 (Ministério da Saúde, 2007), bem como do prolongamento do mesmo para o período de 2016-2020.

Neste contexto, o XXI Governo Constitucional no seu programa estabelece como prioridade expandir e melhorar a integração da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e de outros serviços de apoio às pessoas em situação de dependência, determinando que para isso é fundamental o reforço da componente de saúde mental nesta Rede.

O Decreto-Lei n.º 8/2010, de 28 de janeiro (Ministério da Saúde, 2010), alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 22/2011, de 10 de fevereiro (Ministério da Saúde, 2011), conjuntamente com o Decreto-Lei n.º 136/2015, de 28 de julho (Ministério da Saúde, 2015), definiu as unidades e equipas de cuidados continuados integrados de saúde mental, para pessoas com doença mental grave de que resulte incapacidade mental para a população adulta e para a infância e adolescência.

Por sua vez a Portaria 149/2011 de 8 de abril (Ministério do Trabalho e Segurança Social e Ministério da Saúde, 2011), estabelece a coordenação nacional, regional e local das unidades e equipas prestadoras de cuidados continuados integrados de saúde mental, bem como as condições de organização e o funcionamento das unidades e equipas prestadoras de cuidados continuados integrados de saúde mental para a população adulta e para a infância e adolescência. Após cinco anos da entrada em vigor da referida portaria, importa proceder à alteração da mesma, atualizar e adaptar a coordenação das unidades e equipas de cuidados continuados integrados de saúde mental, assim como rever as condições de organização e funcionamento das referidas unidades e equipas, a capacidade e adequação dos profissionais que as integram, bem como definir as condições de instalação.

Assim, a resposta de Cuidados Continuados em Saúde Mental assumirá uma orientação estratégica de proximidade (domicílio e comunidade), concretizada através de equipas multidisciplinares em estreita articulação com os Serviços Locais de Saúde Mental. Esta resposta terá como finalidade a prestação de apoio psicossocial e de cuidados médicos e de enfermagem, o reforço das competências, a reabilitação, a recuperação e integração social das pessoas com incapacidade psicossocial, bem como a promoção e reforço das capacidades das famílias que lidam com estas situações.

Estas estruturas multidisciplinares que prestam cuidados continuados integrados de saúde mental são de três tipos: equipas de apoio domiciliário, unidades sócio-ocupacionais e unidades residenciais. As equipas de apoio domiciliário atuam nos domicílios, auxiliam na supervisão e gestão da medicação e asseguram o apoio regular nos cuidados pessoais e nas atividades da vida diária, gestão doméstica e financeira, compras, confeção de alimentos, tratamento de roupas, manutenção da habitação, utilização dos transportes públicos e outros recursos comunitários. As unidades sócio -ocupacionais localizam-se na comunidade e têm como destinatários pessoas com moderado e reduzido grau de incapacidade psicossocial, com disfuncionalidades na área relacional, ocupacional e de integração social. Estas unidades têm por finalidade a promoção da autonomia, a estabilidade emocional e a participação social, com vista à integração social, familiar e profissional. Por último, as unidades residenciais, que apresentam diferentes níveis de intensidade, localizam-se preferencialmente na comunidade e asseguram a prestação de serviços médicos, de enfermagem e sociais, são de quatro tipos: as residências de treino de autonomia, as residências autónomas de saúde mental, as residências de apoio moderado e as residências de apoio máximo.

As residências de treino de autonomia têm por finalidade a reintegração social e familiar das pessoas com incapacidade psicossocial, preparando-as para o regresso ao domicílio. As residências autónomas de saúde mental têm por finalidade proporcionar suporte residencial com vista à integração em atividades de socialização e de formação profissional ou emprego, a melhoria da qualidade de vida e maior participação social. As residências de apoio moderado têm por finalidade proporcionarem cuidados que permitam a manutenção e o desenvolvimento das competências do doente, proporcionando-lhe melhor qualidade de vida e promovendo a integração sócio-ocupacional. E, finalmente, as residências de apoio máximo destinam-se a pessoas com elevado grau de incapacidade e têm por finalidade proporcionar cuidados que previnam e retardem o agravamento da situação de dependência.

Pretende-se assim dar resposta integrada e articulada às pessoas com dependência psicossocial concretizando medidas que materializam uma condição básica de dignidade e de respeito devido a estas pessoas.

 

Referências Bibliográficas

Assembleia da República. (2006). Decreto-Lei n.o 101/2006, 1a Série Diário da República 3856–3865. Acedido em http://www.adse.pt/document/Decreto_Lei_101_2006.pdf

Direção-Geral da Saúde. (2014). Saúde Mental em números – 2014. Lisboa.         [ Links ]

Institute for Health Metrics and Evaluation. (2016). Global Burden of Disease (GBD 2010). Acedido a 1 de maio, 2016, em http://vizhub.healthdata.org/gbd-compare/        [ Links ]

Ministério da Saúde. (2007). Plano nacional de saúde mental 2007-2016.         [ Links ] Portugal.

Ministério da Saúde. (2010). Decreto-Lei n.o 8/2010 de 28 de Janeiro, Pub. L. No. Diário da República, 1.a série — N.o 19 — 28 de Janeiro de 2010. Portugal. Acedido em http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/unidequipassaudemental.pdf

Ministério da Saúde. (2011). Decreto-Lei n.o 22/2011 de 10 de Fevereiro, Pub. L. No. Diário da República, 1.a série — N.o 29 — 10 de Fevereiro de 2011. Portugal. Acedido em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html

Ministério da Saúde. (2015). Decreto-Lei n.o 136/2015, de 28 de julho, Pub. L. No. Diário da República, 1.a série — N.o 145 — 28 de julho de 2015. Portugal. Acedido em https://dre.pt/application/conteudo/69879425

Ministério do Trabalho e Segurança Social e Ministério da Saúde. (2011). Portaria n.o 149/2011 de 8 de Abril, Pub. L. No. Diário da República, 1.a série — N.o 70 — 8 de Abril de 2011. Portugal. Acedido em http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/0208502096.pdf

World Health Organization. (2013). Mental Health Action Plan 2013-2020. WHO Library Cataloguing-in-Publication DataLibrary Cataloguing-in-Publication Data. Acedido em http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/89966/1/9789241506021_eng.pdf?ua=1%5Cnhttp://apps.who.int/iris/bitstream/10665/89966/1/9789241506021_eng.pdf        [ Links ]

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons