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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.13 Porto jun. 2015

 

ARTIGO DE REFLEXÃO

 

A assistência de enfermagem em tempos de reforma psiquiátrica

 

Nursing care in times of psychiatric reform

 

La asistencia de enfermaría en tiempos de reforma psiquiátrica

 

Marcela Pimenta Muniz*, Cláudia Mara de Melo Tavares**, Ana Lúcia Abrahão***, & Ândrea Cardoso de Souza****

*Mestre; Doutoranda em Ciências do Cuidado em Saúde; Professora Assistente na Universidade Federal Fluminense – Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Rua Dr. Celestino, nº 74, 24220-160 Niterói, Brasil. E-mail: marcelapimentamuniz@gmail.com

**Pós-Doutora em Enfermagem; Professora Titular na Universidade Federal Fluminense – Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, 24220-160 Niterói, Brasil. E-mail: claudiamarauff@gmail.com

***Doutora em Saúde Coletiva; Professora Titular e Diretora da Universidade Federal Fluminense – Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, 24220-160 Niterói, Brasil. E-mail: abrahaoana@gmail.com

****Doutora em Saúde Pública; Professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense – Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, 24220-160 Niterói, Brasil. E-mail: andriacz@ig.com.br

 

RESUMO

O presente estudo se contextualizou a partir das propostas da Reforma Psiquiátrica, sobretudo, com a ampliação da noção de desinstitucionalização, tomando-a não só como redução da hospitalização, mas principalmente pela produção do cuidado voltado para a produção de vida, e não pela perseguição da cura. Apesar das conquistas já alcançadas, é inegável a necessidade de se reinventar o cuidado nos processos de trabalho em enfermagem psiquiátrica. O objetivo foi propor uma reflexão a respeito da assistência de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiátrica. A metodologia utilizada foi uma reflexão teórica com base na Reforma Psiquiátrica brasileira. Aponta-se como resultados apontamentos que sugiram um caminho para a equipe de enfermagem, no contexto da atenção Psicossocial, para que se supere a assistência restrita à vigília, às contenções e às injeções, procurando a contextualização do cuidado com a lógica da Reforma Psiquiátrica. Concluiu-se que é necessidade premente o questionamento das práticas ainda instituídas na assistência de enfermagem em Saúde Mental, e a busca contínua de novas formas de cuidar do portador de transtorno psíquico que procurem, sobretudo, seu bem-estar e a promoção de sua cidadania.

Palavras-Chave: Cuidados de enfermagem; Saúde mental; Enfermagem psiquiátrica

 

ABSTRACT

The Psychiatric Reform brings an overhaul of the theoretical-practical and managerial background of the traditional psychiatric care model. This proposal is characterized by the notion of deinstitutionalization by inventing new forms of dealing with mental illness context which requires adjustments in working processes when it comes to mental health, and this context starts to require changes in work processes in mental health. The present study was aimed at proposing a reflection on the Nursing Care in Mental and Psychiatric Health. A theoretical reflection based on the benchmark of the Brazilian Psychiatric Reform was the methodology employed. Regarding the results, one should point out critical-reflective indications suggesting a pathway for the nursing team in the context of Psychosocial Care, with a view to overcoming the care limited to wakefulness, restraints and injections, thereby seeking the contextualization of care with the logic of the Psychiatric Reform. It is concluded that there is urgent need to call upon the practices which are still imposed about the practices still imposed in nursing care in Mental Health, as well as the continuously redesigning the care provision addressing thereby the utmost wellbeing of the patient and promotion oftheir citizenship.

Keywords: Nursing care; Mental health; Psychiatric nursing

 

RESUMEN

La  Reforma Psiquiátrica tras una revisión del marco teórico-práctico y de la gestión del modelo de asistencia psiquiátrica tradicional. Esta propuesta está marcada por la noción de desinstitucionalización, inventando nuevas maneras de lidiar con la locura, y este contexto ahora requiere cambios en los procesos de trabajo en salud mental. El presente estudio tuvo como objetivo proponer una reflexión acerca de la asistencia de Enfermaría en Salud Mental y Psiquiátrica. La metodología empleada fue una reflexión teórica con base en el referencial de la Reforma Psiquiátrica brasileña. Se hacen sugerencias, como resultados apuntes crítico-reflexivos que surgieran un camino para el equipo de enfermaría, en el contexto de la atención Psicosocial, con en el fin de superar la asistencia restringida a la vigilia, a las contenciones y a las inyecciones, buscando la contextualización del cuidado con la lógica de la Reforma Psiquiátrica. Se Concluyó que es urgente la necesidad de un cuestionamiento de las prácticas aún instituidas en la asistencia de enfermaría en Salud Mental, y la búsqueda continua de nuevas maneras de cuidar del portador de trastorno psíquico que busquen, sobre todo, su bienestar y la promoción de su ciudadanía.

Descriptores: Atención de enfermería; Salud mental; Enfermería psiquiátrica

 

Introdução

Este artigo tem como objetivo propor uma reflexão a respeito da assistência de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiátrica.

Quanto à Reforma Psiquiátrica, Amarante (2013) a define como um processo histórico de formulação crítica e prática, que tem como objetivos e estratégias o questionamento e elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria.

O processo de Reforma Psiquiátrica vem sendo construído no Brasil há vários anos e tem como um dos seus pilares principais a desinstitucionalização (Daúd, 2000). Considera-se aqui a desinstitucionalização como desconstrução de saberes e práticas psiquiátricas, perspectiva que fundamenta o movimento de reforma psiquiátrica e a política de saúde mental brasileira, inspirada na proposta da psiquiatria democrática italiana. Essa versão da desinstitucionalização é caracterizada pela crítica epistemológica ao saber médico psiquiátrico, na qual o sentido de cidadania ultrapassa o do valor universal para colocar em questão o próprio conceito de doença mental que determina limites aos direitos dos cidadãos (Rotelli, Leonardis e Mauri, 2001).

Nesse sentido, o movimento de Reforma Psiquiátrica busca a desconstrução da realidade manicomial - para além da "queda dos muros manicomiais" em sentido físico. Assim, é possível que se opere em transformações de toda uma cultura que sustenta a violência, a discriminação e o aprisionamento da loucura e das diferenças.

Apesar das conquistas já alcançadas, é inegável a necessidade de se reinventar o cuidado nos processos de trabalho em enfermagem psiquiátrica. O primeiro passo seria renunciar à perseguição da cura e tomar como objeto a existência-sofrimento.

A saúde passa, então, a ser entendida não mais a partir de parâmetros de bem-estar definidos por princípios biomédicos, mas como produção da vida possível e com sentido para os sujeitos em suas singularidades nos diferentes espaços de sociabilidade e solidariedade em que circulam. E, segundo Campos (2003), isto não deve ser como um fim em si mesmo, mas como um meio para viver a vida.

Neste contexto, há a necessidade de tornar verdade para os profissionais da enfermagem este conhecimento da Reforma Psiquiátrica e as inovações práticas que ela sugere. A enfermagem científica ainda é ancorada no paradigma positivo causa-efeito que busca a homogeneização (a "receita de bolo") da ação e da concepção do modo de adoecer e de cuidar. Entrar num contato mais próximo com o paciente, construir um trabalho mais articulado com profissionais de outras áreas, tendo que ressignificar o seu próprio saber, rompe com uma prática de enfermagem tradicionalmente instituída e reproduzida na cultura desta profissão.

Para isto, propomos como caminho crítico-reflexivo as seguintes questões norteadoras:

- Quais os desafios para que o cuidado em Enfermagem Psiquiátrica e de Saúde Mental se configure em composição a uma lógica mais próxima do sujeito e não apenas do trabalho tecnicista?

- Que sentidos para a assistência de Enfermagem podem aproximá-la das propostas da Reforma Psiquiátrica?

 

Metodologia

A metodologia utilizada foi uma reflexão teórica a respeito da assistência de enfermagem em Saúde Mental e Psiquiátrica.

Para a realização desta reflexão, as autoras ancoraram-se no referencial teórico da  Reforma Psiquiátrica, tendo em consideração, sobretudo, a proposta da  desinstitucionalização para além das "quedas dos muros", mas também enquanto proposta de reformulação  das práticas de cuidado.

Desta forma, utiliza-se uma perspectiva crítica e reflexiva no delineamento de questões que sirvam para engendrar processos de mudanças na produção do cuidado no campo da Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental.

 

Resultados e Discussão

Desde os primórdios da sua existência, a prática de Enfermagem Psiquiátrica esteve marcada pelo modelo controlador e repressor, tendo suas atividades realizadas pelos sujeitos leigos, ex-pacientes, serventes dos hospitais e, posteriormente, desenvolvidas pelas irmãs de caridade. O cuidar significava a sujeição dos internos às barbaridades dos guardas e carcereiros. Os maus tratos, a vigilância, a punição e a repressão eram os tratamentos preconizados e, geralmente, aplicados pelo pessoal de "Enfermagem", que se ocupava do lugar das religiosas (Costa, 2007).

No século XVIII, a assistência de enfermagem se dava dentro da perspectiva do tratamento moral de Pinel e da Psiquiatria descritiva de Kraepelin (Costa, 2007).

O papel terapêutico atribuído às enfermeiras treinadas, na época era o de assistir o médico, manter as condições de higiene e utilizar medidas hidroterápicas. Todavia o conhecimento de que se dispunha sobre os alienados era o do senso comum, ou seja, entendia-os como ameaçadores e, por isso, sujeitos à reclusão.

Vivemos um momento de intensas transformações no campo da assistência em saúde mental. A implementação das propostas da Reforma Psiquiátrica brasileira tem desenhado um cenário muito rico.

A constante mutação do real, então, nos abre infinitas possibilidades de criação e isso é o que nos faz continuar acreditando que é possível construirmos novas formas de pensar e agir perante a loucura.

A partir das décadas de 80 e 90 do século passado, muitos trabalhadores na área de saúde mental têm-se comprometido com a "desconstrução" dos aparatos manicomiais e a construção de estruturas assistenciais e formas de lidar com a loucura.

No enfoque da mudança de paradigma, fica evidente a necessidade da modificação de postura do enfermeiro para uma abordagem holística, considerando a individualidade do ser humano, o contexto de saúde e doença em que ele está inserido, o relacionamento interpessoal, permeando a co-participação no processo da reabilitação e a promoção do auto-cuidado como forma de responsabilizar o sujeito pela sua saúde.

Desta forma, cabem as perguntas/provocações: a equipe de enfermagem ainda está se deixando capturar pela rotina de "administrar medicação e garantir a ordem" nos serviços de saúde mental? Os profissionais de enfermagem se deixam fragmentar enquanto cuidadores no contexto da Saúde Mental? Qual o sentido que há em querer calar a produção da loucura se o foco do cuidado em saúde mental deve ser eminentemente os aspectos subjetivos (sem abandonar também os cuidados ao corpo)?

É fundamental que seja valorizada uma aproximação junto ao indivíduo, portador de transtorno psíquico. Se aproximar do sujeito é mais indispensável para a enfermagem do que se aproximar de seu diagnóstico.

Quando nos aproximamos do mesmo, o fato de se chegar às conclusões diagnósticas será, na verdade, uma consequência natural desta aproximação, através do  acolhimento e do vínculo, e não algo determinado deliberadamente.

Tendo-se em vista que a qualificação da assistência prestada é influenciada pelos aspectos microssociais que acontecem nos processos de produção do cuidado, deve-se  buscar apostas em encontros singulares no saber/fazer das equipes de saúde mental.

É pela dimensão micropolítica, portanto, que se detecta – na produção do cuidado – uma dimensão política dos seres, não apenas o registro de assistências. No cuidado, "os encontros são micropolíticos, por estarem sempre abertos, sob alteridades intercessoras, sob distintas possibilidades de subjetivação, que podem caminhar de um processo biopolítico para um processo de biopotência" (Ceccim e Merhy, 2009, p.533) e da serialização à singularização (Guattari e Rolnik, 1999).

Sabe-se que, por dentro dos saberes que estão sendo operados como ferramentas para as ações de saúde, há uma tendência em se priorizar o agir clínico, biomédico, o agir do tipo queixa-conduta, em detrimento de outros. O corpo passou a ser considerado exclusivamente nos aspectos referentes à existência de lesões orgânicas que deveriam ser visualizadas para possibilitar a compreensão dos processos de adoecimento e, desse modo, compreender corpo, saúde, doença, tratamento e cura. Isto ocorre em detrimento de se considerar o corpo complexo, que tem história, afetos e sensações. "O particular suprime a demanda pelo singular, protege o exercício das profissões em detrimento do acolhimento do outro em suas reais demandas (nem se sabe quais seriam)" (Ceccim e Mehry, 2009, p.533).

Neste contexto, torna-se indispensável que, ao invés de se valorizar o cuidado tecnicista, se valorize a reelaboração da vida. Assim, é necessário que repensemos o processo de fragmentação em que nos encontramos, pois com tal fragmentação acabamos por nos afastar da produção de singularização nas formas de cuidar.

Ao se reavaliar a prática de Enfermagem, deve-se fazê-lo numa perspectiva humanista, criativa, reflexiva e imaginativa, considerando como categoria central da profissão o cuidar compreendido como processo dinâmico, mutável e inovador.

Assim, Sequeira (2014) reforça a contribuição da comunicação da terapêutica para a qualificação do cuidado em Saúde Mental. Aponta que uma "comunicação adequada, centrada na pessoa e no seu contexto, deve ser considerada como um dever ético e uma responsabilidade de qualquer profissional de saúde que trabalhe em contato direto com pessoas de forma a garantir que os cuidados para além da competência técnica também tenham uma competência relacional e humana" (Sequeira, 2014, p.6).

O princípio que rege a Enfermagem é a responsabilidade de se solidarizar com as pessoas, os grupos, as famílias e as comunidades, objetivando a cooperação mútua entre os sujeitos na conservação e na manutenção da saúde (Villela e Scatena, 2004).

Sabe-se que os caminhos trilhados para alcançar esse princípio da Enfermagem foram e ainda são percorridos sobre muitos desafios, exigindo esforços para conviver com o inacabado, com a multifinalidade, com as diferenças, com as ambiguidades e com as incertezas. Doar-se faz parte desta experiência, e cuidar faz parte da doação e da cientificidade que é esperada nesse caminhar. Nesse contexto, insere-se a Enfermagem Psiquiátrica, que não foge às regras da exploração num caminho ainda mais inacabado (Miranda, 1999).

As ações de enfermagem devem adquirir uma postura que coadune com os objetivos da Reforma Psiquiátrica na inserção da comunidade na assistência ao portador de sofrimento psíquico.

De acordo com os pressupostos da psiquiatria democrática italiana, a "produção de vida" é o instrumento dos profissionais de saúde da Reforma Psiquiátrica (Jacobina, 2000). Para possibilitarmos essa produção de vida aqueles que assistimos, precisamos, antes de tudo, permitirmo-nos olhar para a loucura de outra forma, e todos os dias refazer o olhar, a escuta, o toque.

Precisamos questionar e descristalizar nossos próprios papéis para que, só assim, possamos abrir espaço para a produção de vida das pessoas em sofrimento mental.

Neste momento de desconstrução/reconstrução da assistência à saúde mental, perguntamos: quais as possibilidades de atuação dos profissionais de enfermagem?

Acredita-se que as configurações de produção de vida devam ser o principal lócus   para o cuidado da enfermagem psiquiátrica. Considerando-se que os modos de vida sejam os orientadores para a produção do cuidado, permite-se que os profissionais de enfermagem "escapem" da produção de cuidado mecanicista, visto que se torna possível, com isto, superar a ideia de ter na enfermagem sujeitos normalizados, robotizados, articulados uns aos outros segundo sistemas de submissão.

Para que ocorra uma potencialização do olhar, da escuta sensível e da voz reflexiva do profissional de enfermagem, não se pode responder às demandas dos indivíduos em sofrimento psíquico através de uma "forma de bolo", através de um cuidado protocolado, pois trata-se de um processo muito dinâmico: o cuidar do portador de transtorno psíquico e da produção desejante que está relacionada à loucura.

Ora, se o desejo é processo de produção, não poderíamos aproximarmo-nos deste campo do cuidado em busca de executar tarefas padronizadas, que já estariam prontas a nossa espera. Há que se reconstruir o projeto terapêutico diante de cada sujeito, diante de cada dia, de cada hora (Kirschbaum, 2000).

É possível desenvolvermos modos de produção singulares, numa recusa a esta serialização de sujeitos. O "processo de singularização" leva à construção de uma subjetividade singular através da produção de novos modos de sensibilidade, modos de criatividade e de relação com o outro (Guattari e Rolnik, 1999).

No cotidiano dos serviços de atenção à saúde mental, presencia-se ações de muitos trabalhadores que experienciam novas tecnologias pautadas na noção do cuidado a um sujeito que é dotado de necessidades, de desejos e de crenças.           

Mas em muitos momentos, aquilo que um dia foi chamada de cultura manicomial, hoje se apresenta vestida com outras roupagens e entre elas destaca-se um esvaziamento da dimensão subjetiva, existencial e do sofrimento mental, em prol de uma versão fisicalista, eliminativista, reducionista.

Outro aspecto relevante da cultura manicomial é uma conseqüência da crescente intolerância ao sofrimento em todas as suas formas, na nossa cultura. A dor psíquica e o sofrimento mental são cada vez menos despidos de uma significação que vai além de um estorvo a ser simplesmente eliminado da forma mais rápida e silenciosa possível.

Sendo assim, faz-se mister que se esteja a todo o momento atentos para evitar a repetição estéril e o reforço de discursos já instituídos acerca da prática de saúde mental, sem que de fato se repense com profundidade as práticas no cotidiano do cuidado.

 

Conclusão

A Reforma Psiquiátrica não está concluída; é um processo que requer constantes ações e reflexões, e suas propostas fornecem rumos para que os enfermeiros e demais profissioanais estejam em constante movimento para que não sejam capturados pelo conformismo ou pelas novas roupagens da assistência tutelar.

Entendemos que mudar os muros físicos do manicômio não é suficiente, se isso não vier acompanhado de uma mudança nos modos de perceber e, consequentemente, agir perante a loucura.

Ainda há muitos pesquisadores que se empenham em desenvolver uma estratégia capaz de restabelecer relações com a loucura, mas chancelando-a como doença, observando-a para estudá-la, dominando-a para tratá-la. Tudo isso em prol do desenvolvimento de um corpo teórico de conhecimentos que pudessem dar conta de comprovar, cientificamente, o mecanismo do funcionamento mental.

Devem, sim, serem usados todos os recursos terapêuticos que estiverem ao alcance para diminuir a dor e o sofrimento daqueles que estão sob nossos cuidados. O problema não está aí. Está no fato de que qualquer cuidado visa não apenas evitar o sofrimento desnecessário, mas também criar espaços de tolerância e modos de acolhimento e convivência com aquilo que, na vida subjetiva, muitas vezes é da ordem do intratável, do inevitavelmente doloroso.

E, nesta nuance, é preciso e necessário que os profissionais de enfermagem aproximem-se do sujeito portador de sofrimento mental, e se permitam, com ele, aprender a cuidar do mesmo de acordo com sua história, com suas dores subjetivas, com suas escolhas, com suas dificuldades e com suas – ainda que tão provisórias e peculiares – conquistas.

 

Implicações para a Prática Clínica

A partir da presente reflexão, pode-se caminhar para uma ressignificação da Reforma Psiquiátrica e a potencialização do fazer da enfermagem.

Propõe-se aos enfermeiros a reflexão sobre as transformações advindas do paradigma da desinstitucionalização e seus desdobramentos no campo da saúde mental, sobretudo, das ações de cuidado de enfermagem, considerando o cuidado com ênfase na singularidades, os princípios da cidadania e da  reinserção social como instrumentos que confirmem e estimulem a qualificação de sua prática.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido a 20 de dezembro de 2014

Aceite para publicação a 30 de março de 2015

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