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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.12 Porto dez. 2014

 

ARTIGO DE BOAS PRÁTICAS

 

(Trans)formando e ousando o método de ensino em enfermagem no cuidado à saúde mental

 

(Trans)forming and daring teaching method in nursing in mental health care

 

(Trans)formación y atreverse método de enseñanza de la enfermería en la atención de la salud mental

 

Mariana Nossa Aragão*, & Isabella Gusmão Soares**

*Enfermeira; Mestranda no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia; Professora Substituta da componente curricular "Enfermagem no cuidado à Saúde Mental" na Universidade Federal da Bahia, Escola de Enfermagem, Campus Universitário de Canela, Avenida Dr. Augusto Viana S/N, 40110-060 Canela, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: mariana.nossa@ufba.br

*Enfermeira Voluntária no Ambulatório de Saúde do CETAD; Professora Substituta da componente curricular "Enfermagem no cuidado à Saúde Mental" na Universidade Federal da Bahia, Escola de Enfermagem, Campus Universitário de Canela, 40110-060 Canela, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: igstmm@gmail.com

 

RESUMO

CONTEXTO: A acelerada transformação da sociedade contemporânea tem trazido à tona perspectivas relacionadas à formação profissional, com realce na promoção de uma visão sistêmica e ecológica do indivíduo. Nessa conjuntura, são utilizadas como estratégias de ensino-aprendizagem as metodologias ativas de problematização, que visam práticas educacionais crítico-reflexivas, debruçadas sobre um problema, examinando-o e relacionando-o com a sua história, ressignificando suas descobertas e se (trans)formando. Atentos a este desafio e almejando (trans)formar a práxis docente-discente, ousou-se a construção e apropriação de um método de ensino baseado no compartilhamento de afetos, angústias, anseios e dúvidas, concentrado nas emoções do outro, como forma inteligível de perceber a sua própria existência e (re)pensar paradigmas antes edificados.

OBJETIVO: Portanto, tem-se como objetivo deste estudo socializar reflexivamente o método de ensino em Enfermagem no Cuidado à Saúde Mental experienciado pelo grupo docente-discente, a partir da lógica de (trans)formação do paradigma psicossocial.

METODOLOGIA: Percebendo o processo de (trans)formação do método de ensino como uma ferramenta balizadora do processo metamorfósico do vir a ser enfermeiro, orientou-se o percurso de ensino-aprendizagem a partir da reflexão da própria existência, além da reflexão das idiossincrasias do "ser louco", tornando esse espaço um importante laboratório promotor de (trans)formações.

RESULTADOS E CONCLUSÕES: Essa ruptura adaptativa do ser ontológico que está se formando favoreceu o reposicionamento do sujeito enquanto agente transformador e transformado, consoante aos princípios da ética e do respeito, entendendo a pessoa com transtorno mental na sua singularidade, a partir de uma existência global, complexa e concreta de todos os atores envolvidos, sem distinção, nem tampouco rotulação.

Palavras-Chave: Saúde mental; Educação em enfermagem; Ensino; Docentes de enfermagem

 

ABSTRACT

CONTEXT: The rapid transformation of contemporary society has brought to the fore perspectives related to vocational training, with emphasis on the promotion of a systemic and ecological individual. At this juncture, are used as teaching-learning methodologies active questioning, aimed at critical-reflective educational practices, poring over a problem, examining it and relating it to their story, giving new meaning to their findings and (trans)forming. Aware of this challenge and longing (trans)form the praxis teacher-student, dared the construction and ownership of a teaching method based on the sharing of feelings, fears, anxieties and doubts, concentrating on the emotions of the other, as a form intelligible realize its own existence and (re)built before thinking paradigms.

OBJECTIVE: Therefore, it has been the objective of this study socializing reflexively teaching method in nursing in Mental Health Care by experienced teacher-student group from the logic (trans)formation of psychosocial paradigm.

METHODOLOGY: Realizing the process (trans) formation of the teaching method as a tool guiding the metamorphosis process of becoming a nurse, guided the course of teaching and learning from the reflection of his own existence, beyond the reflection of the idiosyncrasies "be crazy", making this space an important laboratory promoter (trans)formations.

RESULTS AND CONCLUSION:This rupture adaptive ontological being that is forming favored the repositioning of the subject as an agent of change and transformed, according to the principles of ethics and respect, understanding person with a mental disorder in their uniqueness, from a global existence, complex and concrete of all stakeholders, without distinction, nor labeling.

Keywords: Mental health; Education nursing; Teaching; Faculty nursing

 

RESUMEN

CONTEXTO: La acelerada transformación de la sociedad contemporánea ha sacado a la luz las perspectivas relativas a la formación profesional, con énfasis en la promoción de una visión individuo sistémica y ecológica de una persona. En este contexto, son utilizados como estrategias de enseñanza y aprendizaje de las metodologías activas de la problematización, que tiene como  objetivo las prácticas educativas crítico-reflexiva, posado sobre un problema, analizar y correlacionar con la su historia, los significados, sus descubrimientos y su (trans)formación. Atentos a este desafío y focalizando la (trans)formación de la praxis docente-alumno, se atrevió a la construcción y la propiedad de uno método de enseñanza basado en el intercambio de sentimientos, miedos, preocupaciones y dudas, concentrado en las emociones del otro, como forma inteligible de percibir su propia existencia y (re)piensar paradigmas antes edificado.

OBJETIVO: Por lo tanto, tiene como objetivo del este estudio socializar reflexivamente teniendo el método de enseñanza en Atención de Enfermería en Salud Mental experimentado por el grupo de docente-alumno, de la lógica de (trans)formación del paradigma psicosocial.

METODOLOGÍA: Notando el proceso de (trans)formación del método de enseñanza como una herramienta mediadora del proceso metamorfico de llegar a se tornar un enfermero, dirigió el curso de enseñanza-aprendizaje de la reflexión de su propia existencia, además de la reflexión de idiosincrasia de "ser loco", haciendo de este espacio un importante laboratorio promotor de (trans)formaciones.

RESULTADOS Y CONCLUSIONES: Esta ruptura de adaptación del ser ontológico que está se formando ha favorecido el cambio de posición del sujeto transformador y transformado tema a la vez que agente transformador y transformado, según los principios de la ética y el respeto, la comprensión de la persona con trastorno mental en su singularidad, de una existencia global, complejas y concretas de todos los agentes implicados, sin distinción, ni etiquetado.


Descriptores: Salud mental; Educación en enfermería; Enseñanza; Docentes de enfermería

 

Introdução

A acelerada transformação da sociedade contemporânea tem trazido à tona, de modo eloquente, perspectivas relacionadas à formação profissional, com realce na promoção de uma visão sistêmica e ecológica do indivíduo (Cotta, Silva, e Lopes, 2012). A despeito dessa tendência atual, historicamente, os profissionais de saúde foram alvo de uma formação baseada em metodologias de ensino-aprendizagem conservadoras, fragmentadas e reducionistas, reduzindo o processo à mera reprodução do conhecimento, isentando a crítica e a reflexão desse percurso metodológico, em detrimento de uma aprendizagem significativa (Mitre et al., 2008).

Do ponto de vista Freireano, essa educação vertical, calcada em uma postura hierárquica e autoritária no qual o docente é aquele que tudo sabe e o discente nada tem a acrescentar, intitula-se educação bancária. É retirado, portanto, o espírito crítico, a liberdade, a autonomia e a responsabilidade do indivíduo (Freire, 1970).

Todavia, no contexto do recente modelo de ensino-aprendizagem instilado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos da área da Saúde no Brasil, é objetivado deslocar o foco do ensino tradicional da figura do educador, para um ensino focado no processo de aprendizagem, atribuindo autonomia ao educando (Brasil, 2001).

Doravante, a tendência contemporânea é a demanda por métodos inovadores de aprendizado, orientados por uma prática pedagógica, reflexiva, crítica e transformadora, centrada no sujeito educando, proativo na construção do conhecimento, uma vez que não é possível ensinar sem aprender, nem tampouco aprender sem ensinar, e por isso o processo de aprendizado é uma prática diária, (re)construída a partir dos sujeitos que dela fazem parte (Freire, 1970).

Nessa conjuntura, são utilizadas como estratégias de ensino-aprendizagem as metodologias ativas de problematização, que visam práticas educacionais crítico-reflexivas, debruçadas sobre um problema, examinando-o e relacionando-o com a sua história, ressignificando suas descobertas e se (trans)formando. Por conseguinte, propõe-se o permitir-se a aprender a aprender em contextos dialógicos e construtivos de aprendizagem e em situações reais da prática (Cotta et al., 2012; Feuerwerker & Sena, 2002).

Norteado pelo pressuposto teórico do ‘aprender fazendo’, a indução de mudanças no contexto de formação dos profissionais de saúde pleiteia a articulação de saberes e práticas traçados por orientações sociais que visam respeitar a formação humanística e ética e a diversidade (Cotta et al., 2012).

Porém, no contexto histórico das décadas de 1980 e 1990 a disciplina de Enfermagem Psiquiátrica priorizava o estudo das psicopatologias, de forma fragmentada e centrada em modelos asilares de tratamento (Kantorski, 2000). Dessa forma, a prática era centralizada na doença, na loucura, na estigmatização do doente mental, sem perspectiva de inclusão desse indivíduo no contexto social.

Em contrapartida, a utilização do novo paradigma psicossocial se configura como ensejo a se pensar na formação do enfermeiro sob os preceitos socioculturais e subjetivos, além de estar em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde Brasileiro. Nessa perspectiva, na compreensão de Amarante (2005), o movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, principiado na década de 1970, se estabeleceu como um novo paradigma à loucura, compreendendo a pessoa em sua maior singularidade, corporificando seu bem estar bio-psico-sócio-cultural-espiritual. Por se configurar um processo social, político, cultural e ideológico, as transformações, fruto desse movimento, têm acontecido de forma processual, repercutindo diretamente no ensino e mais precisamente na formação do ser enfermeiro em Saúde Mental.

A partir do modelo psicossocial de atenção em Saúde Mental, prioriza-se o cuidado destacado no usuário, compactuando com os preceitos da Reforma Psiquiátrica, no desenvolvimento das atividades práticas da graduação em enfermagem em serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico. Por conseguinte, a proposta corrente de ensino deve estar implicada no desafio de rompimento de barreiras, conceitos pré concebidos e posturas estigmatizantes.

Atentos a este desafio e almejando (trans)formar a práxis docente-discente, na Universidade Federal da Bahia – Escola de Enfermagem, no componente curricular "Enfermagem no Cuidado à Saúde Mental", ousou-se a construção e apropriação de um método de ensino baseados no compartilhamento de afetos, angústias, anseios e dúvidas, concentrado nas emoções do outro, como forma inteligível de perceber a sua própria existência e (re)pensar paradigmas antes edificados. Portanto, tem-se como objetivo deste estudo socializar reflexivamente o método de ensino em Enfermagem no Cuidado à Saúde Mental experienciado pelo grupo docente-discente, a partir da lógica de (trans)formação do paradigma psicossocial.

 

Metodologia

 

A (Trans)formação da Loucura em Método

Reinteramos que a descoberta do método surgiu como uma experiência do inovar. Partimos da necessidade de convocar no discente a sua expressividade maior, colocá-lo frente à necessidade quase impulsiva de sair do casulo e representar as suas ideias ao mundo, como forma de reafirmar que somos atores natos, somos corpos imitando comportamentos dos nossos pais, da nossa sociedade e da nossa cultura, apenas distintos pela singularidade e personificação dos nossos gestos e gostos.

À vista disso, conjecturando na seara da inovação do método de ensino, toma-se como entendimento que os métodos de ensino-aprendizagem se configuram como expressões educacionais, assim como também, uma resposta pedagógica às necessidades de apropriação sistematizada do conhecimento científico em certo momento histórico, se conformando em um processo dialético de produção. Assim sendo, ao abordar métodos de ensino-aprendizagem, traça-se um caminho para se chegar ao objetivo proposto. Nessa empreitada inovacional, é preciso destacar, porém, que para instalar uma nova teoria, é necessário que se desestabilize o que já está instituído, não bastando reconhecer o novo como uma verdade, para que esse fato altere a forma de pensar (SAVIANI, 2005).

Tomaremos como ponto de partida, os princípios engendrados por Eugênio Barba, teatrólogo italiano, nascido em 1936, autor, pesquisador, doutor e diretor em teatro, que criou em 1979 o International School of Theatre Anthropology (ISTA), os métodos e princípios do Teatro Antropológico. O percurso de Barba para se tornar o criador da Antropologia Teatral, foi deveras curioso, uma vez que ele tentou ainda jovem inserir-se na Escola de Teatro do Estado, em Oslo (Noruega), mas foi rejeitado como estrangeiro que o é, pois não foi encontrado no jovem ator o dom ou talento para representar seguindo os métodos tradicionais da escola. Em 1964, Barba criou o Odin Teatret, reunindo alunos que haviam sido rejeitados da Escola de Teatro do Estado. E o método, ainda em teste piloto, através da pratica de exercícios, fazia os atores descobrirem a sua forma pré-expressiva de se colocar frente às adversidades da representação (Barba, 1994).

A metodologia do Teatro Antropológico ultrapassa os permeios das salas de teatro e estuda o comportamento humano quando o indivíduo utiliza a sua presença física e mental em situações de representação, porém de acordo com princípios de indicações úteis, diferentes dos princípios usados na vida cotidiana (Barba, 1999). Além de pressupostos que indicam a utilização do exercício do ofício para a busca pela própria identidade, bem como exercícios formulados e realizados em grupo. Da busca do "quem sou eu" como célula, para "quem somos nós" como grupo. "É um estudo do comportamento cênico pré-expressivo que se encontra na base dos diferentes gêneros, estilos e papéis e das tradições pessoais e coletivas" (Barba, 1994, p. 23). É através da antropologia e da representação pré-expressiva que um corpo em ação, se torna crível, vivo, iluminado, energizado e pronto para se colocar frente às adversidades do mundo.

É buscando o controle figurado do corpo/mente que encontramos os meios de formular regras de comportamento perante a família, as tradições culturais e as diferenças sociais. Fazendo uma prospecção das diferenças e rejeições enfrentadas pela pessoa com transtorno mental dentro das sociedades, percebemos a necessidade de criar o método de aproximar o discente do usuário da rede de Saúde Mental, respeitando às invocações emocionais durante esses encontros. Tornando hábil a forma de enfrentamento dos preconceitos e prejulgamentos antes formalizados hoje reconstituídos em princípios de indicações úteis para refletir no profissional, (trans)formando a sua figura em representação legal e ética diante do que são os novos paradigmas da Saúde Mental.

Na perspectiva da (trans)formação do método em exposição, refletiu-se também acerca do modelo de prática "cênico-pedagógica" do Teatro do Oprimido (TO), criado na década de 1970, por Augusto Boal (1931-2009), brasileiro, autor, diretor, considerado um homem do teatro. O TO carreia na sua bagagem metodológica, os princípios necessários que mobilizam grupos rumo à revolução dos tempos e que transforma o teatro em ação política, ética, filosófica, social e artística. O TO fomenta a reflexão e motiva o espectador a agir em prol da solidariedade e de mudanças significativas para alcançar a libertação dos oprimidos (Boal, 2006).

Portanto, utilizar o teatro como ferramenta de ensino-aprendizagem na disciplina de saúde mental, incentiva o educando a perceber qual o papel político-social do enfermeiro na contextualização do que é primordial para a melhoria da rede de cuidados em saúde para o indivíduo com transtorno mental. Os conceitos do TO circundam a resolução de questões sociais através de movimentos que nascem internamente no indivíduo enquanto expectar os acontecimentos do próprio cotidiano, principalmente quando a sociedade o coloca diante de questões opressoras.

É através dos métodos de Barba e Boal que se pretende recolocar o discente no contexto histórico, como ator-espectador para comunicar a opressão ainda marcante e absurdamente ineficaz na saúde mental e fazer desenvolver a libertação revolucionando a forma de atuar-refletir sobre o individuo, suas fraquezas e potencialidades.

 

Resultados

 

Dos Meandros do Caminho à Luz da (Trans)formação

Percorrendo os caminhos do conhecimento no processo do aprender-ensinar, a impressão primeira é que todos estão amedrontados, receosos e o mais instigante é a curiosidade nos olhares lagrimados dos discentes. São observados um a um, no intuito maior de acolhê-los, checar os seus medos e tentar prepará-los para inserção nos campos de prática.

Tomamos como espaços/momentos empíricos para realização das práticas do componente curricular de Enfermagem no cuidado à Saúde Mental diversos cenários que compõe a rede de serviços disponíveis aos usuários em transtorno mental. Fundamentalmente, privilegiou-se a imersão nos serviços preconizados pela desospitalização a partir da Reforma Psiquiátrica. Para tanto, os discentes foram oportunizados a permear os espaços dos Centros de Atenção Psicossocial para pessoas com transtorno mental grave e persistente, Centro de Atenção Psicossocial especializado no cuidado a pessoas em situação de abuso de álcool e drogas, Clínica de Reabilitação/Internação para transtornos mentais e abuso de álcool e drogas e ala psiquiátrica de hospital geral. Em todos os espaços, houve o acompanhamento da prática por parte das docentes, favorecendo uma dialética reflexiva acerca do que ia sendo encontrado na prática, dialogando o arquétipo idealizado.

Na prática, são levados em consideração todos os relatos e impressões preconcebidas que os discentes expressam sobre a pessoa com transtorno mental estigmatizado. Passamos a compreender que é fundamental fazer uma análise sobre o "si", antes de se colocar em frente à pessoa em crise. A questão maior é o impacto que o saber da possibilidade da proximidade com a doença causa no aprendiz de enfermeiro.

Como sofrem com a descoberta de que podem fazer parte dessa incidência hereditária, biológica, orgânica e até mesmo social. Seus pais, irmãos, seus antecedentes, amigos, vizinhos e até mesmo colegas de sala passam a ser criteriosamente analisados, pesquisados, avaliados e categorizados em quadros, sintomas, sinais e indicadores da saúde mental.

Mas o despreparo pode causar danos psicológicos sérios aos jovens acadêmicos e, portanto pensar a prática em mental tornou-se um desafio psicopedagógico, de reestruturação da linguística corporal do docente e da metodologia em sala de aula. Os valores foram traçados com sensibilidade, com cautela e com cuidado, para que o sentimento pela pessoa com transtorno mental chegasse ao sublime, ao que torna o ser humano a pessoa mais humilde e sã.

Partindo da premissa que o corpo e a mente devem estar em suspenso no ato da prática, entendemos que o aluno deve encontrar um meio individual, singular ou personalizado de participar integralmente da dinâmica do campo prático, sem sofrer com as inquietudes comportamentais que acontecem com frequência com alguns pacientes em crise no ambiente de internação. Surpreendentemente o usuário propõe no contato direto com o aluno o aconselhamento, é comum ouvir frases do tipo: "Não precisa ter medo da gente", "A gente é como vocês", "Esse pessoal olha pra gente como se a gente fosse anormal", "Não usem drogas, porque as drogas me trouxeram pra aqui", "Olhem para mim, eu tinha família, trabalho, casa, tudo, hoje eu sou um viciado e vivo me internando, não usem drogas".

Assim como entendemos que a terapêutica proposta para uma pessoa com transtorno mental é fundamentalmente personalizada, cada discente deve encontrar a sua forma própria de fazer a prática tornar-se proveitosa, tanto no nível de aprofundamento do conhecimento teórico, quanto prazerosa como forma de autoconhecimento, pois a partir desse ponto, afloram-se as emoções e a sensibilidade para conceber o novo, o diferente, o adverso e o patológico.

Os docentes ao fazerem da prática em campo, um momento de reformulação dos conceitos acerca da pessoa com transtorno mental, e principalmente sobre os seus sentimentos, suas expectativas, seus anseios, sua perspectiva acerca de si sobre o mundo, compreenderam que os discentes descobriram um modo de refletir sobre todas as questões que se põem como dúvida deles próprios, entendendo a sua representação como personalidade diante da expectativa do vir a ser um profissional.

Portanto, em sala de aula descobriu-se uma "inovadora" maneira de formular questões individuais trazendo-as para a discussão em grupo, e o que embora tivesse uma conotação ampla, na verdade possibilitou responder as questões mais intimas e pessoais de muitos.

Pode ser paradoxal, mas a magnitude das dinâmicas tornaram o campo prático, com suas inseguranças e incertezas, um lugar seguro para fazer desencadear e aflorar no discente, a necessidade de empenhar-se como aprendiz e a descobrir qual a posição adequada e menos subjulgada do enfermeiro e do usuário no contexto atual da Saúde Mental.

A partir do estímulo produzido pela ousada arte de inovar por parte das docentes, ecoou-se nos discentes a iniciativa de buscar o "novo", o "inédito" e o "original". Durante o caminhar pela Saúde Mental, as diversas atividades propostas pelo componente curricular, como seminários, estudos de caso, discussões, debates a partir de filmes, foram auferindo especiais significados. Os discentes resolveram então incrementar e arriscar nas apresentações em sala de aula, inserindo um ar de performance, de cena teatral e de instalação, repaginados em caráter da arte de cuidar para não parecer pejorativo falar da loucura, com um cuidado rebuscado em pintar ou esculpir essa história com tons e mãos de harmonia contribuindo para os novos hábitos ao pensar em saúde mental para que de fato seja mais saudável para todos. Os docentes faziam o papel de espectador e ao mesmo tempo de doseador dessa energia vivaz que prosseguia num rumo certo do descobrimento afável do modo de vir a ser enfermeiro. O estado de loucura passou a ser o terreno mais sereno em que descobriu-se o modo necessário de externar as sensações mais intimas em que a alma humana possa perceber a liberdade.

No tocante à Enfermagem em Saúde Mental, a posição do enfermeiro atual nas instituições de internamento, ainda é compatível com o antigo modelo, muito mais administrativo-burocrática e asilada, do que filosófico-reflexiva e transdimensionada ou ampliada. Existem fronteiras sem rompimentos na enfermagem em Saúde Mental, existe ainda algo envelhecido e inútil na enfermagem que cuida da pessoa com transtorno mental. Os muros ainda não escalados percorrem o asilo mental em que se encontra o profissional da enfermagem. Cabe aos docentes transmutar esses questionamentos e transcender essa óptica fazendo com que o discente possa prover de saber, aprendendo a aprender a derrubar os muros que circundam a mentalidade que ficou no ostracismo dos tempos da Saúde Mental que mesmo reformada, tem algo de destruído.

 

Discussão

 

Implicação da Práxis na Vida Pessoal e Profissional

Percebendo o processo de (trans)formação do método de ensino como uma ferramenta balizadora do processo metamorfósico do vir a ser enfermeiro, orientou-se o percurso de ensino-aprendizagem a partir do conceito de práxis, tomando-o como um processo pelo qual uma teoria é executada ou praticada, se transmutando em parte da experiência vivida, de modo coletivo e dinâmico, conforme enfatizado por Tosquelles (1984, p. 74) ao afirmar que "A práxis não é uma prática. Convém não se enganar a esse respeito. A práxis é elaboração coletiva, num grupo, das práticas vividas no quotidiano. A prática pode se situar no plano das elaborações primárias do pensamento, a práxis não. Ela pressupõe um coletivo: um coletivo articulado, nunca massificado ou aglutinado".

A experiência vivenciada pelo coletivo de discentes, traduzida em contos, poesias, verbalizações, e revelada em histórias pessoais, se configurou como um espaço coletivo concreto e legítimo, destinado à circulação da palavra. Essa circulação da palavra possibilitou ao grupo o pensar sobre a sua própria existência, o sofrimento do outro, além da reflexão das idiossincrasias do "ser louco", tornando esse espaço um importante laboratório promotor de (trans)formações. Essa ruptura adaptativa do ser ontológico que está se formando favoreceu o reposicionamento do sujeito enquanto agente transformador e transformado, consoante aos princípios da ética e do respeito, entendendo a pessoa com transtorno mental na sua singularidade, a partir de uma existência global, complexa e concreta de todos os atores envolvidos, sem distinção, nem tampouco rotulação.

 

Conclusão

A partir desses registros mnêmicos, resgatados a partir de um manancial de recordações materializados em textos, buscou-se um minucioso exercício retrospectivo-reflexivo do método de ensino-aprendizagem em curso. Através do incentivo dos discentes, pensando e pesando a necessidade de não ser repetitivo como docente, de manter a experiência do inovar, de manter a qualidade do ensino-aprendizado no âmbito da criação artística, a proposta é fazer experimentos que envolvam o sujeito educando no espaço político refletindo saúde mental para o contexto psicossocial e atribuir ao individuo com transtorno mental a capacidade de reinserir-se na sociedade. Num futuro próximo frisamos que serão necessários implementarmos métodos que norteiam a dinamicidade do ensino, mesmo que nos apropriemos de pressupostos pré-existentes que estabeleçam priorizar o indivíduo como fenômeno  que representa o corpo/mente, numa sociedade atroz que enxerga o indivíduo apenas como o que ele tem e do que é capaz de produzir. Mensurar essa capacidade devolve a todos sem distinção o papel como ser humano dentro do contexto social requerendo que seja útil e capaz de desempenhar alguma função, seja ela manual, intelectiva ou artística.

 

Implicações para a Prática Clínica

Baseado nos conceitos de mediação didática (D’Ávila, 2008), o docente torna-se parte do processo de ensino aprendizagem como mediador entre o sujeito aprendiz e o objeto de conhecimento. Essa mediação através de um método de ensino ludo-artístico ou lúdica sensível, colocaria o sujeito frente a uma atitude de mudança da prática social na saúde mental, pois a educação atuaria como mediadora da mudança de um  comportamento, através de um processo cognitivo em que implicariam numa maior compreensão, entendimento e por consequência de aprendizagem. Trata-se de utilizar as teorias da antropologia teatral (Barba, 1999) como um saber pedagógico (Tardif, 2002) sendo este de apropriação do docente como forma de autoavaliar o processo para o ensino e utilizar os exercícios do teatro do oprimido como um saber didático para alcançar o objetivo da aprendizagem de forma lúdica, transformando nos discentes a visão estigmatizada da loucura e trazendo sensibilidade para o entorno da saúde mental.

Portando, faz-se necessário atravessar fronteiras e intercambiar os nossos valores tradicionais, culturais e sociais no intuito de criar nos jovens acadêmicos motivações criativas para dinamizar a figura do enfermeiro na saúde mental e firmar a condição de que é imprescindível enxergar a saúde mental como fonte promissora de reflexões e de mudanças de comportamentos capazes de (trans)formar a humanidade.

As possíveis reflexões sobre as atitudes frente à saúde mental só seriam possíveis se o professor fosse capaz de compreender a própria identidade profissional docente (D’Ávila, 2007) e se tal identidade possuísse na prática de ensino-aprendizagem uma estrutura na ludicidade teatral como forma de auto conhecimento e sensibilidade humana. Para tanto, ensinar é muito mais do que transmitir conhecimento, é fazer aprender, é, pois, uma ação mediadora, generosa e reflexiva capaz de promover compreensão, investigação, mudanças de paradigmas estruturais e históricos e principalmente sociais. Como alcançar esse objetivo em um componente curricular muito pouco sedutor aos olhos dos discentes? Faz-se necessário avaliar essa prática pedagógica constantemente detectando os indicadores dos êxitos e dos desacertos, a fim de gerir mudanças apropriadas no ensino-aprendizagem de modo permanente e continuadas.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido em 15 de março de 2014

Aceite para publicação em 18 de outubro de 2014