SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número8A Personalidade das Vítimas de Violência ConjugalTerapia de Grupo para Familiares de Pessoas com Perturbação Mental Grave: Estudo de Caso Múltiplo índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.8 Porto dez. 2012

 

Programa Saúde Mental Sem Estigma: Efeitos de Estratégias Diretas e Indiretas nas Atitudes Estigmatizantes

 

Sandra Oliveira*; Luísa Carolino**; Adriana Paiva***

*Psicóloga, Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor, sandraeholiveira@gmail.com

**Psicóloga, Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor, luisa.couto@ceerdl.org

***Psicóloga, Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor, adriana.paiva.psi@hotmail.com

 

RESUMO

Introdução: As abordagens educativas, sustentadas em factos e baseadas na evidência, contribuem para promover a literacia em saúde mental, potenciando a reflexão e a mudança de atitudes. Estas são condições essenciais à desconstrução de crenças negativas associadas às doenças mentais, mas também, ao desenvolvimento de competências de identificação e reconhecimento de fatores de risco e sinais relacionados com determinadas perturbações mentais. A sua ação, porém, parece ser restrita no tempo.

Os programas de prevenção e intervenção na área da saúde mental serão, deste modo, tanto mais eficientes se: i) incluírem estratégias que permitam aumentar a Educação e o Contacto, conduzindo a resultados mais positivos, ou seja, promovendo maior conhecimento, confiança e empatia; ii) implementados localmente; iii) dirigidos a grupos específicos, particularmente, adolescentes. A escola é, pois, um local privilegiado e os adolescentes um público-alvo promissor devido à fase de desenvolvimento em que se encontram. Estes representam, ainda, a próxima geração de utilizadores e profissionais de saúde, tornando o seu papel indispensável no que se refere à manutenção ou redução do estigma social.

Objetivos: O presente trabalho tem como objetivos estudar as opiniões de estudantes do ensino secundário acerca das doenças mentais, aumentar os níveis de conhecimento e literacia em saúde mental, diminuir preconceitos e atitudes negativas e, consequentemente promover comportamentos mais inclusivos.

Método: Participaram no estudo 843 estudantes, avaliados com a versão portuguesa do Opinions about Mental Illness Scale (OMI) antes e depois da aplicação do Programa de Sensibilização SMS Estigma (Saúde Mental Sem Estigma). Constituíram-se dois grupos: o grupo 1 teve acesso a uma Campanha Anti Estigma e o grupo 2 para além da campanha, participou em Sessões de Educação e Contacto.

Resultados e Conclusões: Os resultados demonstram e corroboram a eficácia da combinação de estratégias de Educação e Contacto na redução do estigma associado às doenças mentais. Verificou-se uma diminuição significativa nas atitudes estigmatizantes face à doença mental em ambos os grupos, com resultados mais positivos no grupo 2. Após o Programa de Sensibilização SMS Estigma, os estudantes revelaram, também, mais competências para identificar e reconhecer sinais/sintomas relacionados com problemas de saúde mental, tanto em si próprio, como nos outros. Programas anti estigma, integrados numa estratégia nacional e regional, de caráter permanente e dirigida a diferentes grupos-alvo, poderão contribuir significativamente para diminuir estereótipos, preconceitos e comportamentos de discriminação, tornando-se, pois, fundamental a continuidade deste tipo de intervenções.

Palavras-chave: Estigma; Saúde Mental; Literacia; Adolescentes.

 

ABSTRACT

Introduction: The educational approaches, supported by facts and evidence based contribute to promote literacy in mental health, raising reflection and attitude changes. These conditions are essential to the deconstruction of negative beliefs associated to mental illness, but also to develop abilities to identify and recognize risk factors and signs related to certain mental disorders. However, its action seems to be restricted in time.

Prevention and intervention programs in mental health will be, therefore, more efficient if they: i) include strategies capable of increasing the Education and Contact, leading to more positive outcomes, in other words, promoting further knowledge, confidence and empathy; ii) are locally implemented; iii) are targeted to specific groups, particularly, adolescents. The school is, indeed, a privileged place and adolescents are a promising target because of their developmental phase. They represent the next generation of health users and professionals, making their role regarding the maintenance or reduction of social stigma, indispensable.

Aims: This work has the goals of studying the opinions of secondary students about mental illness, increasing literacy and knowledge about mental health, reducing prejudices and negatives attitudes and consequently promoting more inclusive behaviors.

Method: 843 students participated in this study, assessed with the Portuguese version of the Opinions about Mental Illness Scale before and after application of the Programa de Sensibilização SMS Estigma (Saúde Mental Sem Estigma). Two groups were composed: group 1 had access to the Anti stigma Campaign and the group 2 in addition to the Campaign, participated in Education and Contact sessions.

Results and Conclusions: The results demonstrate and confirm the effectiveness of the combination of Education and Contact strategies in reducing stigma associated with mental illness. There was a significant decrease in stigmatizing attitudes towards mental illness in both groups, with more positive results in group 2. After the Programa de Sensibilização SMS Estigma (Saúde Mental Sem Estigma), students also showed more skills to identify and recognize signs/symptoms, in itself and in others, related to mental health problems. Anti stigma programs, integrated into national and regional strategy, permanently and directed to different target groups, may contribute significantly to reduce stereotypes, prejudice and discrimination behaviors, becoming essential the continuity of this type of interventions.

Keywords: Stigma; Mental Health; Literacy; Adolescents.

 

INTRODUÇÃO

Dados epidemiológicos a nível mundial revelam que a prevalência de crianças e adolescentes com problemas de saúde mental é aproximadamente de 20% (World Health Organization [WHO], 2005) e que metade dos adultos com algum tipo de perturbações teve o início da doença aos 14 anos (Kessler et al., 2005, cit. por WHO, 2005). De acordo com os dados referidos, a intervenção nesta área assume-se como uma prioridade. Com base em estratégias da Organização Mundial de Saúde (OMS) privilegiam-se aspetos como: "a promoção global da saúde mental; a prevenção da doença mental; a inclusão social e proteção dos direitos e da dignidade das pessoas com doença mental com o objetivo de melhorar a qualidade de vida; e, por fim, a criação de um sistema comunitário de informação, investigação e conhecimento no domínio da saúde mental" (Comissão das Comunidades Europeias, 2005, p. 8).

Em países desenvolvidos, verifica-se que o estigma é a barreira mais significativa com 80% (M = 68,1%) no que concerne ao acesso a cuidados de saúde mental (WHO, 2005).

Por estigma entende-se uma desaprovação social de indivíduos ou grupos com caraterísticas diferentes da norma (Goffman, 1963; McDaid, 2008) baseada em estereótipos e preconceitos negativos que conduzem à discriminação e que, não raras vezes, se traduz na redução de igualdade de oportunidades (Corrigan, 2000a).

Uma das consequências fundamentais do estigma é o esforço das pessoas para não serem associadas à doença mental e evitar, assim, o tratamento essencial à sua reabilitação (Corrigan, & Wassel, 2008; McDaid, 2008). O estigma impede, ainda, uma integração social adequada, prejudica o acesso às oportunidades sociais, nomeadamente, ao emprego (McDaid, 2008; Tsang, et al., 2007), habitação (Corrigan, Marcowitz, Watson, Rowan, & Kubiak, 2003; Corrigan, 2006), saúde (Vogel, Wade, & Hackler, 2007) e suporte social (Larson, & Corrigan, 2008).

Alguns dos estereótipos e preconceitos negativos prendem-se com mitos, fortemente enraizados na sociedade, de que as pessoas com doenças mentais são perigosas, incompetentes e responsáveis pela sua doença (Ahmedani, 2011; Watson, Corrigan, Larson & Sells, 2007). Estas opiniões negativas preconcebidas são influenciadas, ainda, por generalizações acerca da origem e curso da doença (Ahmedani, 2011), muitas vezes associado a um mau prognóstico.

A escassez ou distorção da informação contribuem, de facto, para a manutenção de crenças irrealistas (Kelly, Jorm, & Wright, 2007) e atitudes estigmatizantes associadas às doenças mentais.

Justificam-se, portanto, intervenções com grupos específicos, nomeadamente, com adolescentes (Thornicroft, Brohan, Kassam, & Lewis-Holmes, 2008). Nesta fase, e especificamente, na faixa etária dos 14-18 anos, os adolescentes encontram-se a consolidar a sua identidade pessoal e social, sendo que estão mais predispostos a integrar informação relacionada com as suas experiências emocionais (Schulze, Richter-Werling, Matschinger, & Angermeyer, 2003). O aumento de conhecimento acerca das doenças mentais, para além de contribuir para a redução do estigma, aumenta a literacia, potenciando o reconhecimento e procura de ajuda atempada e, consequentemente pode contribuir para um prognóstico mais favorável (Kelly et al., 2007).

Em termos de estratégias de redução do estigma, Corrigan (2000a) identifica três tipos de ação, nomeadamente, o protesto, a educação e o contacto. Vários estudos têm conduzido a diversos resultados (Couture, & Penn, 2003), sendo que a educação e o contacto, sobretudo o contacto direto, parecem ser mais eficazes (Rüsch, Angermeyer, & Corrigan, 2005; Schulze, et al., 2003; Thornicroft et al., 2008).

Com base nesses resultados, diversos projetos têm vindo a ser realizados no sentido de reduzir o estigma associado às doenças mentais. As estratégias utilizadas passam pela realização de campanhas informativas (Crisp, Cowan, & Hart, 2004), sessões de educação dirigidas a grupos específicos, nomeadamente, jovens (Campos et al., 2012; Pinfold, Stuart, Thornicroft, & Arboleda-Flórez, 2005) e a combinação das estratégias de educação e contacto (Pinfold et al., 2003; Schulze et al., 2003).

No entanto, apesar da evidência de que a eficácia das intervenções de combate ao estigma parece aumentar quando inclui o contacto direto com pessoas com doença mental (Corrigan, & Wassel, 2008; Rüsch et al, 2005), numa revisão realizada por Stuart (2009), a autora revela que o formato mais comum inclui estratégias de educação e, apenas, um terço dos programas utilizam o contacto direto. Partindo desta evidência o atual Programa de Sensibilização SMS Estigma, desenvolvido pelo Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor, constitui, uma iniciativa local que integra as estratégias de Educação e Contacto. Tem como objetivos o estudo das opiniões de estudantes do ensino secundário acerca das doenças mentais, o aumento dos níveis de conhecimento e literacia, a diminuição de preconceitos e atitudes negativas e, como consequência, a promoção de comportamentos mais inclusivos.

Espera-se que após a intervenção os estudantes revelem opiniões mais favoráveis e positivas face às pessoas com problemas de saúde mental. Espera-se ainda que estes jovens melhorem os níveis de literacia em saúde mental, nomeadamente, aumentando o desenvolvimento de competências de identificação e reconhecimento de fatores de risco e sinais relacionados com determinadas perturbações mentais.

 

METODOLOGIA

 

Participantes

Este estudo contou com a participação de 843 alunos do ensino secundário, de 47 turmas e 4 escolas de Caldas da Rainha, 346 (41%) do sexo masculino e 497 (59%) do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 14 e 26 anos (M=16,7; DP=1,57 e M=16,42; DP=1,35). Frequentavam o ensino regular 64,7% dos alunos e 35,3%, o ensino profissional. Do total, 45,2% encontravam-se no 10º, 28,5% no 11º e 26,3% no 12º ano de escolaridade.

No que respeita às caraterísticas do agregado familiar 37,4% dos estudantes viviam com o pai e com a mãe, 30% coabitavam também com irmãos enquanto 14% eram oriundos de famílias monoparentais. Dos restantes alunos, 5% residiam com um dos pais e irmãos, 4,9% num contexto familiar mais alargado, 4,3% com um dos pais e respetivo(a) companheiro(a) e 4% com outros cuidadores.

Relativamente à situação de saúde, 153 (18,1%) dos estudantes referiram ter problemas de saúde, dos quais 139 identificaram uma doença física e 7 indicaram ter um problema de saúde mental.

Quanto ao facto de conhecerem pessoas com problemas de saúde mental, 18,2% dos alunos responderam afirmativamente. Destes, 12,4% indicaram que essa pessoa é um familiar de primeiro grau[1], 41,8% declaram tratar-se de outro familiar[2], 34% referiram ser um amigo(a) enquanto 8,5% mencionaram tratar-se de um conhecido afastado.

Ainda, 255 dos estudantes disseram conhecer pessoas com problemas específicos, nomeadamente, de alcoolismo (N = 53; 21%), toxicodependência (N = 53; 21%) e deficiência (física e/ou mental; N = 88; 34,9%) ou uma ou mais pessoas com uma ou mais das problemáticas referidas (N = 58; 23,1%).

 

Instrumentos

Opinions about Mental Illness Scale – Versão Portuguesa (OMI) (Oliveira, 2005)

A Escala de Opiniões sobre a Doença Mental trata-se de um instrumento de auto-resposta constituído por 51 itens de uma escala tipo Likert de 6 pontos (de 1 – Aprovo plenamente até 6 – Desaprovo plenamente) que avalia as opiniões acerca da doença mental no que respeita à natureza, causa e tratamento.

Resultados elevados em cada fator correspondem a níveis superiores de atitudes estigmatizantes, à exceção do fator Ideologia de Higiene Mental, no qual os níveis elevados de atitudes negativas resultam de scores baixos. Assim, valores elevados no fator Autoritarismo indicam uma opinião sobre a pessoa com doença mental como pertencente a uma classe de pessoas inferiores. O fator Benevolência representa uma visão moralista, paternalista e protetora face a pessoas com doença mental. Pontuações elevadas no fator Ideologia de Higiene Mental expressam uma opinião da pessoa com doença mental como sendo uma pessoa igual às outras. No fator Restrição Social, resultados elevados traduzem-se numa perspetiva da pessoa com doença mental como um perigo para a sociedade defendendo, assim, a restrição da liberdade destas pessoas. Por fim, scores altos no fator Etiologia Interpessoal apontam uma opinião de que a saúde mental é objeto das escolhas individuais feitas ao longo da vida.

Para efeitos do estudo das qualidades psicométricas, foi realizada uma Análise Fatorial Exploratória, em componentes principais, com rotação Varimax. Após a análise interpretativa dos itens da versão original e versão portuguesa, optou-se por considerar a análise fatorial apresentada pelos autores originais (Struening, & Cohen, 1963), conforme as caraterísticas do instrumento expostas na Tabela 1.

 

Tabela 1: Fatores, cotação e consistência interna do instrumento (OMI)

 

Programa de Sensibilização SMS Estigma (Saúde Mental Sem Estigma)

O programa de sensibilização realizado nas escolas é constituído por uma campanha anti estigma e por uma sessão de educação e contacto direto.

Campanha Anti Estigma: Esta campanha integra a divulgação de informação sobre estigma e saúde/doença mental através da distribuição de folhetos informativos e do blog construído para o efeito (www.smsestigma.blogspot.pt).

Foram disponibilizados, nas escolas, cartazes com 10 mitos associados à doença mental, que se traduz em informação errada e a respetiva informação correta. Os mitos foram, também, divulgados através de marcadores de livros e ainda, individuais de mesa nos refeitórios das escolas.

Sessão de Educação e Contacto: As sessões foram estruturadas com a duração de 90 minutos, com grupos entre 10 a 25 alunos, em sala de aula, e assentes nas estratégias propostas por Corrigan (2000a).

A vertente de Educação foi dinamizada por duas psicólogas e após a apresentação da equipa e do projeto, procurou refletir, com os alunos, conteúdos cuja informação assentou em dois temas principais: 1. Estigma: a) explorar o conceito e desenvolvimento do processo de estigmatização, em diferentes grupos sociais; b) manutenção e consequências do estigma social face à doença mental; c) desconstrução de mitos e adoção de atitudes inclusivas. 2. Saúde e Doença Mental: a) apurar possíveis causas e fatores de risco para o desenvolvimento de doenças mentais; b) analisar o contínuo entre saúde e doença mental, primeiros sinais e manifestações; c) diagnóstico, prevalência, prognóstico, tratamento e recursos em saúde mental.

A vertente do Contacto traduziu-se no testemunho de uma pessoa com diagnóstico de Perturbação Bipolar desde há 12 anos e que se encontra em acompanhamento pelo Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor. Esta descreveu, sobretudo o processo de desenvolvimento da sua perturbação e reabilitação psicossocial (sintomas, adaptação social, estigma, dificuldades no acesso ao emprego).

 

Procedimentos

Após a autorização oficial por parte dos Agrupamentos das Escolas Secundárias e o Consentimento Informado assinado pelos encarregados de educação, para a participação dos seus educandos, deu-se início ao estudo com a primeira recolha de dados realizada entre Novembro de 2011 e Fevereiro de 2012.

Posteriormente, estabeleceram-se dois grupos experimentais para a aplicação do Programa de Sensibilização: o grupo 1 (N = 437) teve acesso à campanha anti estigma. O grupo 2 (N = 298) para além da campanha anti estigma participou na Sessão de Educação e Contacto.

O primeiro momento da avaliação, através do instrumento OMI, foi realizado a todos os participantes antes de dar início ao Programa de Sensibilização. O segundo momento de avaliação foi realizado quinze dias após a campanha anti estigma para o grupo 1, e no final de cada sessão para o grupo 2.

 

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Análise de dados: A análise estatística dos dados recolhidos foi realizada através do Statistical Package for Social Sciences (SPSS, v. 17). Recorreu-se à estatística descritiva para a caraterização sociodemográfica, para avaliação dos níveis de conhecimento / literacia e das opiniões dos estudantes acerca da doença mental.

As comparações em função do sexo realizaram-se através das análises dos testes-t.

A fim de avaliar as diferenças dos resultados pré-pós Programa de Sensibilização utilizou-se a Análise da Variância (ANOVA) a um fator.

Opiniões dos estudantes acerca da doença mental: As opiniões dos estudantes acerca da doença mental situam-se numa posição intermédia (entre o 2,81 e 4,55). Os resultados deste estudo, quando comparados com os da amostra obtida para a realização da versão portuguesa da escala (N = 261), revelam maiores níveis de estigma no fator Benevolência (M = 63,64 vs. M = 39,45), tendo-se verificado, menores níveis de estigma nos fatores Restrição Social (M = 30,27 vs. M = 37,03), Etiologia Interpessoal (M = 19,63 vs. M = 28,45), Ideologia de Higiene Mental (M = 39,65 vs. M = 25,79) e Autoritarismo (M = 40,05 vs. M = 42,09).

Preconceitos e atitudes negativas após a intervenção: A análise dos resultados do Programa de Sensibilização revelou a existência de diferenças estatisticamente significativas, na comparação pré-pós intervenção, em todos os fatores analisados neste tópico[3] tendo-se verificado uma melhoria das opiniões nos fatores Autoritarismo, Restrição Social e Etiologia Interpessoal (Gráfico 1).

 

Gráfico 1: Resultado dos participantes antes e depois do Programa de Sensibilização para os cinco fatores

 

No que se refere ao Grupo 1 (Campanha Anti Estigma), registou-se uma melhoria das opiniões dos estudantes no segundo momento de avaliação nos fatores Autoritarismo, Restrição Social e Etiologia Interpessoal.

No grupo 2 (Campanha Anti Estigma + Sessão de Educação e Contacto) verificam-se diferenças mais positivas, nas opiniões sobre a doença mental antes e após a intervenção em todos os fatores com exceção do fator Benevolência que aumentou com a intervenção.

Os resultados da comparação entre os dois grupos demonstraram que os participantes do grupo 2 revelaram uma diminuição mais significativa dos níveis de estigma nos fatores Autoritarismo e Restrição Social. No entanto, maior estigma é percebido no fator Benevolência (Tabela 2).

 

TABELA 2: Resultados da Análise da Variância (ANOVA) a um fator, segundo os diferentes momentos de avaliação e os fatores do instrumento (OMI)

 

No que concerne às diferenças entre sexo, antes da intervenção, verifica-se que o sexo masculino apresenta maiores níveis de estigma nos fatores Autoritarismo, Restrição Social e Etiologia Interpessoal. No fator Benevolência os rapazes revelam menor estigma. No segundo momento da avaliação, a tendência dos participantes mantém-se tanto no grupo 1, como no grupo 2 (Tabela 3).

 

Tabela 3: Diferenças das médias obtidas através dos fatores do instrumento OMI, em função do sexo, nos diferentes momentos de avaliação.

 

Níveis de conhecimento e literacia: A avaliação dos níveis de conhecimento e literacia, através do fator Ideologia de Higiene Mental (OMI), via análise dos testes Post Hoc, revelaram diferenças estatisticamente significativas antes e depois da intervenção, apenas, para o grupo 2 (Tabela 2).

Os resultados demonstram um aumento da capacidade de reconhecimento de sinais e sintomas relacionados com a saúde mental, no próprio, quando comparados os resultados do pré-teste (1%) e do pós-teste, no grupo 2 (2,7%).

No que respeita à identificação/conhecimento de alguém com problemas de saúde mental, os resultados foram mais relevantes em ambos os grupos, quando comparadas com o pré-teste (18,2%). O grupo 1 aumentou a identificação dos sinais e sintomas no outro para 24,5% e o grupo 2 para 40,6%.

 

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A existência de crenças irrealistas associadas a pessoas com problemas de saúde mental e a necessidade da sua diminuição têm sido amplamente estudadas. Da mesma forma, esforços têm sido feitos no sentido de diminuir o estigma e promover a aceitação destas pessoas.

Os resultados de vários anos de trabalho, desenvolvidos um pouco por todo o mundo, têm demonstrado que campanhas anti estigma generalistas podem mostrar-se ineficazes e insuficientes. Programas direcionados a grupos específicos com recurso a estratégias de contacto direto, parecem ser mais benéficos e promotores de mudança de atitudes (Stuart, 2005). A importância de incluir o contacto direto nos programas de intervenção é corroborada pelo presente estudo. As opiniões mais favoráveis face à doença mental são verificadas, no grupo de estudantes que participaram nas Sessões de Educação e Contacto diminuindo, assim, as opiniões de que as pessoas com doença mental pertencem a uma classe inferior, precisam de estar internadas em hospitais psiquiátricos e, portanto, afastadas da sociedade, nunca irão recuperar e são responsáveis pela doença devido a escolhas feitas ao longo da vida. Com isto, a presença da estratégia de Contacto, neste trabalho, parece ser uma iniciativa com resultados positivos que justificam a sua futura replicação.

Importa, porém, evitar que as opiniões sejam deslocadas de uma perspetiva mais autoritária para outra mais protetora, paternalista e moralista[4], igualmente negativa. Para isso, pode ser fundamental um maior enfoque nas competências e autonomia das pessoas com doença mental, em grande parte, possibilitados pelas condições de tratamento farmacológico e psicossocial atuais e que podem contribuir para uma melhoria significativa da sua qualidade de vida.

No que respeita às diferenças em função do sexo, a literatura não apresenta resultados conclusivos. No estudo de Schumacher, Corrigan e Dejong (2003), apesar de verificarem que as raparigas revelam mais preocupações quanto à violência, não se aferem diferenças entre sexo significativas face às opiniões sobre a doença mental. Outro estudo verificou que as mulheres manifestam menos preconceitos negativos e comportamentos de discriminação do que os homens (Corrigan, & Watson, 2007). Os resultados que obtivemos corroboram a tendência menos estigmatizante e aceitante nas raparigas, porém, verifica-se uma maior tendência para a adoção de uma visão benevolente, significativamente superior nas raparigas que nos rapazes.

Atendendo à necessidade de desconstruir mitos e crenças discriminatórias mas também prevenir problemas de saúde mental o mais precocemente possível, é fundamental o aumento da informação no que respeita às doenças mentais, especificamente, quanto aos fatores de risco, caraterísticas de cada doença mental, recursos profissionais e tratamentos (Kelly et al., 2007), mas também no que toca à tendência para a procura tardia de ajuda profissional devido, maioritariamente ao estigma e, em parte, à falta de capacidade em identificar, em si próprio, sinais de problemas de saúde mental (Gulliver, Griffiths, & Christensen, 2010). Esta situação torna-se, inevitavelmente, mais importante quando se trata de adolescentes, por ser uma fase de desenvolvimento na qual tendem a surgir os primeiros sintomas e são os jovens que mais carecem de informação para reconhecimento dos mesmos (Jorm, 2011). Concordando com esta necessidade e com base nos resultados deste estudo, conclui-se que as estratégias utilizadas tiveram influência no aumento da literacia. Concluímos, pois, que a utilização de materiais informativos por si só revelaram-se insuficientes para a mudança de opiniões, bem como, para aumentar a capacidade de identificar/reconhecer sinais e sintomas relacionados com problemas de saúde mental em si próprio e nos outros. A este nível, destaca-se que as sessões de Educação e Contacto revelaram o dobro da eficácia quanto à literacia e uma melhoria significativa em relação às opiniões face à doença mental. Assim, podemos considerar que as estratégias de Educação e Contacto parecem influenciar, positivamente, os níveis de a literacia em saúde mental, cujos resultados poderão ser melhor aprofundados com estudos especificamente direcionados para esta questão.

Finalmente, este estudo apresenta algumas limitações: o facto de não ser possível distinguir os efeitos da estratégia de Educação face ao Contacto. Tambéma brevidade de implementação deste Programa não facilitou o aprofundamento e desmistificação de crenças erradas específicas e associadas aos diferentes tipos de doença mental (Corrigan, 2000b). A ausência de follow up limitou a avaliação da eficácia do Programa de Sensibilização SMS Estigma, dado tratar-se de um estudo piloto, que procurou testar estratégias de intervenção reconhecidas como mais eficazes. Tampouco possibilitou verificar se a alteração das opiniões se traduzirá em comportamentos de maior aceitação, nomeadamente, em outros contextos.

 

CONCLUSÕES

A aplicação do Programa SMS Estigma permitiu sensibilizar alunos do ensino secundário para as problemáticas do estigma associado aos problemas de saúde mental.

A eficácia da combinação de estratégias de Educação e Contacto no combate ao estigma ficou demonstrada, quer ao nível da diminuição das opiniões estigmatizantes face à doença mental, quer no que diz respeito ao aumento dos níveis de literacia, nomeadamente, através da melhoria das capacidades de identificação/ reconhecimento de sinais e sintomas em si próprio e nos outros.

Este tipo de intervenção assume-se da maior relevância pois, por um lado, os jovens são a geração futura de utilizadores e profissionais de saúde, mas também porque, embora se verifique que a falta de conhecimento e de informação parece conduzir a comportamentos de rejeição e ao aumento de atitudes estigmatizantes, estes não são apenas adotadas pelos membros menos informados da sociedade mas também por profissionais de saúde, e até mesmo os mais treinados e experientes (Keane, 1990, cit. por Corrigan, & Watson, 2002). Justificar-se-ia, pois, a integração destas questões nas componentes letivas em vários graus de ensino e áreas de formação, mas também em contextos plurissectoriais, com inclusão de diversos interventores, desde os próprios e seus familiares, profissionais e organizações que trabalham neste setor e outros que os representam, bem como órgãos de gestão e decisão política. Projetos futuros deverão ter em conta a redução do estigma noutros públicos-alvo e tornar o combate ao estigma uma realidade diária dos diferentes serviços públicos e privados (Sartorius, 2010).

 

Informação: O Programa de Sensibilização SMS Estigma, está integrado no Projecto PAR (Programa de Ajuda-mútua e Reabilitação) e financiado pela Direcção-Geral de Saúde.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ahmedani, B. K. (2011). Mental Health Stigma: Society, Individuals, and the Profession. Journal of Social Work Values & Ethics, 8(2).         [ Links ]

Campos, L., Palha, F., Dias, P., Lima, V. S., Veiga, E., Costa, N., & Duarte, A. I. (2012). Acções de Sensibilização pró-saúde mental em escolas. Journal of Human Growth and Development, 22(2), 259-266.         [ Links ]

Comissão das Comunidades Europeias (2005). LIVRO VERDE: Melhorar a saúde mental da população, Rumo a uma estratégia de saúde mental para a União Europeia. Bruxelas.         [ Links ]

Corrigan, P. W. (2000a). Mental Health Stigma as Social Attribution: Implications for research methods and attitude change. American Psychology Association, 7(1), 48-67.         [ Links ]

Corrigan, P. W. (2000b). Stigma Attributions about Mental Illness. Journal of Community Psychology, 28(1), 91-102.         [ Links ]

Corrigan, P. W. (2006). Erase the Stigma: Make Rehabilitation Better Fit People with Disabilities. Rehabilitation Education, 20(4), 225-234.         [ Links ]

Corrigan, P., Markowitz, F. E., Watson, A., Rowan, D., & Kubiak, M. A. (2003). An Attribution Model of Public Discrimination towards Persons with Mental Illness. Journal of Health and Social Behavior, (44), 162-179.         [ Links ]

Corrigan, P. W., & Wassel, A. (2008). Understanding and Influencing the Stigma of Mental Illness. Journal of Psychosocial Nursing, 46(1), 42-48.         [ Links ]

Corrigan, P. W., & Watson, A. C. (2002). The Paradox of Self-Stigma and Mental Illness. Clinical Psychology: Science and Practice, 9(1), 35-53.         [ Links ]

Corrigan, P. W., & Watson, A. C. (2007). The Stigma of Psychiatric Disorders and the Gender, Ethnicity, and Education of the Perceiver. Community Mental Health Journal, 43(5), 439-458. doi: 10.1007/s10597-007-9084-9        [ Links ]

Couture, S. M., & Penn, D. L. (2003). Interpersonal contact and the stigma of mental illness: A review of the literature. Journal of Mental Health, 12(3), 291-305.         [ Links ]

Crisp, A. H., Cowan, L., & Hart, D. (2004). The College’s Anti-Stigma Campaign, 1998-2003: A shortened version of the concluding report. Psychiatric Bulletin, (28), 133-136. doi: 10.1192/pb.28.4.133

Goffman, E. (1963). Stigma: notes on the management of spoiled identity: Prenctice-Hall.         [ Links ]

Gulliver, A., Griffiths, K. M., & Christensen, H. (2010). Perceived barriers and facilitators to mental health help-seeking in young people: a systematic review. Biomedcentral Psychiatry, 10(113).         [ Links ]

Jorm, A. F. (2011). Mental Health Literacy: Empowering the Community to Take Action for Better Mental Health. American Psychologist, 67(3), 231-243.         [ Links ]

Kelly, C. M., Jorm, A. F., & Wright, A. (2007). Improving mental health literacy as a strategy to facilitate early intervention for mental disorders. Medical Journal of Australia, 187(7), 26-30.         [ Links ]

Larson, J. E., & Corrigan, P. W. (2008). The stigma of families with mental illness. Academic Psychiatry, (32), 87-91.         [ Links ]

McDaid, D. (2008). Countering the stigmatisation and discrimination of people with mental health problems in Europe: research paper for European Commission.         [ Links ]

Oliveira, S. (2005). A loucura no outro: um contributo para o estudo do impacto da loucura no profissional de saúde mental. Tese de Doutoramento em Psicologia. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Coimbra.         [ Links ]

Pinfold, V., Stuart, H., Thornicroft, G., & Arboleda-Flórez, J. (2005). Working with young people: the impact of mental health awareness programmes in schools in the UK and Canada. World Psychiatry, 4(Suppl.1), 48-52.         [ Links ]

Pinfold, V., Toulmin, H., Thornicroft, G., Huxley, P., Farmer, P., & Graham, T. (2003). Reducing psychiatric stigma and discrimination: evaluation of educational interventions in UK secondary schools. British Journal of Psychiatry, (182), 342-346. doi: 10.1192/bjp.02.375        [ Links ]

Rüsch, N., Angermeyer, M. C., & Corrigan, P. W. (2005). Mental illness stigma: concepts, consequences, and initiatives to reduce stigma. European Psychiatry, (20), 529-539.         [ Links ]

Sartorius, N. (2010). Short-lived campaigns are not enough. Nature, (468), 163-165. doi: 10.1038/468163a        [ Links ]

Schulze, B., Richter-Werling, M., Matschinger, H., & Angermeyer, M. C. (2003). Crazy? So what! Effects of a school project on student’s attitudes towards people with schizophrenia. Acta Psychiatrica Scandinavica, (107), 142-150.

Schumacher, M., Corrigan, P. W., & Dejong, T. (2003). Examining cues that signal mental illness stigma. Journal of Social and Clinical Psychology, 22(5), 467-476.         [ Links ]

Struening, E. L., & Cohen, J. (1963). Factorial Invariance and other Psychometric Characteristics of Five Opinions about Mental Illness Factors. Educational and Psychological Measurement, 23(2), 289-298. doi: 10.1177/001316446302300206        [ Links ]

Stuart, H. (2005). Fighting Stigma and Discrimination is Fighting for Mental Health. Canadian Public Policy – Analyse de Politiques, 31(Suppl.), 21-28.         [ Links ]

Stuart, H. (2009). Selection of Anti-stigma Programs: Summary and Results. Mental Health Commission of Canada. Acedido a 15 de Maio, 2012, de http://www.mentalhealthcommission.ca/        [ Links ]

Thornicroft, G., Brohan, E., Kassam, A., & Lewis-Holmes, E. (2008). Reducing stigma and discrimination: Candidate intervention. International Journal of Mental Health Systems, 2(3).         [ Links ]

Tsang, H., W., Angell, B., Corrigan, P. W., Lee, Y. T., Shi, K., Lam, C. S., Jin, S., & Fung, K. M. T. (2007). A cross-cultural study of employers’ concerns about hiring people with psychotic disorder: implications for recovery. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 127(208), 1-12.

Vogel, D.L., Wade, N. G., & Hackler, A. H. (2007). Perceived public stigma and the willingness to seek counseling: the mediating roles of self-stigma and attitudes toward counseling. Journal of Counseling Psychology, 54(1), 40-50.         [ Links ]

Watson, A. C., Corrigan, P., Larson, J. E., & Sells, M. (2007). Self-stigma in people with mental illness. Schizophrenia Bulletin, 33(6). doi: 10.1093/schbul/sbl076        [ Links ]

World Health Organization (2005). Atlas: Child and Adolescent Mental Health Resources: Global Concerns, Implication for the Future. Acedido a 10 de Setembro, 2012, de http://www.who.int/mental_health/resources/Child_ado_atlas.pdf        [ Links ]

 

Recebido para publicação em: 30.09.2012

Aceite para publicação em: 28.12.2012

 

Notas

[1] Parentesco por consanguinidade e afinidade: a mãe, o pai, irmãos e pais adotivos.

[2] Por exemplo avós, tios e primos.

[3] Autoritarismo, Benevolência, Restrição Social e Etiologia Interpessoal.

[4] Confirmada pelos resultados do fator Benevolência