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Revista de Gestão Costeira Integrada

versão On-line ISSN 1646-8872

RGCI vol.13 no.3 Lisboa set. 2013

https://doi.org/10.5894/rgci409 

ARTIGO / ARTICLE

Carta de unidades geoambientais do município de Itanhaém, São Paulo, Brasil*

 

Map of geoenvironmental units of Itanhaém County, São Paulo, Brazil

 

 

S. E. Sato @, I; C. M. L. CunhaII

@Corresponding author

IInstituto de Ciências Humanas e da Informação – ICHI, Universidade Federal do Rio Grande - FURG, Rio Grande, Brasil. Avenida Itália, km 8, Carreiros. 96201-900 Rio Grande, RS, Brasil. e-mail: s.e.sato@furg.br
IIDepartamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento – DEPLAN, Universidade Estadual Paulista - UNESP, Rio Claro, Brasil. Avenida 24-A, 1515. 13506-900 Rio Claro, SP, Brasil. e-mail: cenira@rc.unesp.br

 

 


RESUMO

As áreas litorâneas, devido as suas características morfológicas, são potencialmente susceptíveis as alterações ambientais principalmente àquelas relacionadas ao crescente processo de ocupação territorial referente à urbanização. No Brasil, historicamente, o litoral assumiu um papel de suma importância na formação territorial. Os primeiros aglomerados populacionais de origem européia, estrategicamente posicionados ao longo da costa, proporcionaram a ocupação e dominação do espaço, sendo os mesmos, os pontos de comunicação entre o Novo e o Velho Mundo, e que, com o passar dos tempos, alicerçaram a construção nacional, servindo de entrada e saída do continente. Em poucas décadas o rápido crescimento e desenvolvimento das cidades litorâneas impulsionaram os conflitos de ordem física e socioambiental.
A partir da década de 1950, no estado de São Paulo, Brasil, com a popularização do automóvel e consolidação das principais vias de comunicação entre o Planalto Paulista e o litoral, Rodovia Anchieta (1953), Rodovia dos Imigrantes (1976) e a segunda pista da Rodovia dos Imigrantes (2002) houve um crescimento no fluxo populacional, principalmente para as cidades da Baixada Santista, verificando-se um consequente e considerável incremento da população flutuante, formada principalmente por turistas e proprietários de segundas residências. Atualmente, a Região Metropolitana da Baixada Santista encontra-se em plena expansão econômica, resultado da industrialização, da expansão portuária, dos investimentos da Petrobras e do turismo.
Neste contexto, o presente trabalho teve como objetivo a elaboração da Carta de Unidades Geoambientais do município litorâneo de Itanhaém, Baixada Santista, São Paulo, Brasil. Inicialmente realizou-se um inventário dos atributos físicos, referentes à morfometria, e dos dados socioeconômicos, como informações municipais e de uso da terra. Com isso buscou-se a integração dessas informações para a definição das unidades geoambientais, segundo a adaptação da proposta metodológica, fundamentada na abordagem sistêmica, de Mateo Rodriguez (2004). Assim, para a elaboração da Carta de Unidades Geoambientais foram realizados mapeamentos que possibilitaram a caracterização ambiental do município, proporcionando a identificação das capacidades e fragilidades das unidades definidas. Além disso, as informações coletadas e geradas tiveram o intuito de promover um incremento no conhecimento dessa área do litoral paulista. Desse modo o mapeamento realizado para o município possibilitou a identificação das áreas de maior suscetibilidade a problemas ambientais, tornado-se um importante subsídio para a compreensão da dinâmica ambiental, e assim, um instrumento para o planejamento de áreas litorâneas.
A elaboração da carta de unidades geoambientais permitiu averiguar a relação entre a capacidade de uso, ou seja, as características físicas de cada unidade geoambiental, e a função socioeconômica, referente ao uso da terra no município. Com base na análise da referida carta, constatou-se as áreas onde há o conflito entre as funções geoambientais e as intervenções antrópicas. Muitas situações incompatíveis foram verificadas, confirmando que a ação antrópica no meio não é limitada pelos atributos físicos, visto a imposição das atividades sobre áreas dinamicamente frágeis.

Palavras-chave: litoral, uso da terra, legislação ambiental.


ABSTRACT

Coastal areas, due to morphological characteristics, are potentially susceptible to environmental changes, especially those related to the growing process of territorial occupation resulting from urbanization. In Brazil historically the coast has a very important role in territorial shaping. The first settlements from Europe, strategically positioned along the coast, allowed occupation and domination of space, and were the sites of communication between the New and Old World. As time passed, such places underpinned the national construction, serving as continental input and output gateways. In a few decades the rapid growth and development of coastal cities boosted physical and environmental conflicts. From the 1950s on, in the state of São Paulo, Brazil, with the popularization of automobiles and the consolidation of the main routes of communication between the coast and the uplands of São Paulo – Anchieta Highway (1953), Immigrants’ Highway (1976) and the second lane of Immigrants’ Highway (2002) – there was an increase in the population flow, especially to Baixada Santista (an official metropolitan area on the coast of the São Paulo state originally centered around the port city of Santos). A consequent and considerable increase in the floating population was verified, mainly consisting of tourists and second home owners. Currently the Baixada Santista Metropolitan Region is booming economically. In continuous transformations the Coastal Zone has undergone numerous operating procedures, including those related to the increasing industrialization in Baixada Santista, the development of the Cubatão industrial complex, the expansion of the Port of Santos, the investments of Petrobras and the tourism. Second homes, also known as vacation or seasonal home, cause a new impact on coastal areas by encouraging urban sprawl and disrupting the social fabric of coastal cities, often causing conflicts between the local and floating population. Another case that stands out is the increased migrant flow, attracted by the prospects of economic growth. Due to the lack of labor qualification, much of this flow is often not absorbed and people become marginalized. As a result of this process areas unsuitable for occupation are taken, favoring slums. In this context, this study was aimed at developing the Map of Geoenvironmental Units of the coastal city of Itanhaém, Baixada Santista, São Paulo, Brazil. Initially the study developed an inventory of physical attributes related to morphometry and of socioeconomic data, such as information from municipal and land use. Therefore data were integrated for the definition of geoenvironmental units according to the adaptation of the proposed methodology, based on the systemic approach by Mateo Rodriguez (2004). Thus for the drafting of the Map of Geoenvironmental Units mappings were conducted, which allowed the environmental characterization of the city and provided the identification of capabilities and weaknesses of the units set. Furthermore the information collected and generated was aimed to promote an increased knowledge of this coastal area. Thus the mapping done for the city allowed the identification of areas of greatest susceptibility to environmental problems, and is an important subsidy for understanding the environmental dynamics in addition to being a tool for the planning of coastal areas.The city of Itanhaém (SP) has a remarkable topographic subdivision. Based on the morphometric analysis two key environmental systems were identified for the city of Itanhaém: the mountain range system, which covers the Atlantic Plateau, the escarpments of the Serra do Mar and isolated hills, and the coastal plain system. As these systems were defined, the functional categories were determined, corresponding to emitting units, transmitting units and units collecting the matter and energy present in the city. The geoenvironmental subunits were delimited drawing on these categories, and their individualization considered the peculiarities in relation to physical conditions, such as morphometrics and geomorphology, and socioeconomic conditions, such as the presence or absence of urbanization and type of use associated. As a result twelve geoenvironmental subunits were determined within the group of functional units: 1. Plateaus – left bank of Mambu river; 2. Plateaus – right bank of Mambu river; 3. Plateaus – tributaries of the Black and White rivers; 4. Escarpments of Serra do Mar; 5. Isolated hills; 6. Marine terraces – level I; 7. Marine terraces – level II; 8. Urbanized marine terraces; 9. Slope deposits; 10; Fluvial plains; 11. Fluvial-marine plains; and 12. Marine Plains.
The drafting of the Charter of Geoenvironmental Units allowed determining the relationship between usability, i.e. the physical characteristics of each geoenvironmental unit, and socioeconomic function related to land use in the city of Itanhaém. The analysis of the Map enabled to find the areas with conflict between geoenvironmental functions and human interventions. Many situations were found incompatible, confirming that human action in the environment is not limited by physical attributes, given the imposition of activities on dynamically fragile areas.

Keywords: coast, land use, environmental law.


 

 

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, historicamente, o litoral assumiu um papel de suma importância na formação territorial. O litoral é sede de importantes cidades, as quais ocupam espaços ainda pouco conhecidos, do ponto de vista da dinâmica ambiental. Em poucas décadas o rápido crescimento e desenvolvimento das cidades litorâneas impulsionaram os conflitos de ordem física e socioambiental. Neste contexto é iminente a necessidade de minimizar os impactos antrópicos no meio e promover uma adequada intervenção no ambiente natural. Para isso, a compreensão da estruturação física e socioeconômica do espaço com base nos estudos da paisagem é fundamental.

A paisagem litorânea é composta por um sistema integrado de unidades geoambientais, formadas a partir da interação entre os elementos naturais e elementos socioeconômicos. Tais unidades em conjunto são responsáveis pela dinâmica, funcionamento e manutenção da paisagem. O conhecimento dessas unidades possibilita, deste modo, estabelecer a função de cada unidade e, consequentemente, como as alterações sobre estas unidades podem interferir na dinâmica do espaço.

As unidades geoambientais são áreas delimitadas de acordo com características físicas homogêneas, as quais são associadas ao Uso da terra. A representação cartográfica dessas unidades possibilita identificar os processos ambientais presentes no município de Itanhaém (SP), assim como as atividades antrópicas, e, consequentemente a relação entre a dinâmica ambiental e sua função socioeconômica, tornado-se possível assim determinar os conflitos oriundos dessa relação. A definição dessas unidades possibilita inferir sobre a dinâmica incidente na paisagem. Para Mateo Rodriguez et al. (2004) a paisagem é caracterizada pelo arranjo sistêmico das suas unidades, atribuindo à mesma sua integridade e unidade. Essa concepção aplicada em áreas litorâneas, eminentemente dinâmicas, permite uma análise ambiental global, devido alicerçar-se no caráter dinâmico da análise.

Assim, no contínuo movimento de transformações, a zona costeira do estado de São Paulo vem sofrendo inúmeros processos de exploração, entre os quais, os relacionados ao incremento da industrialização na Baixada Santista, ao desenvolvimento do complexo industrial de Cubatão, à expansão do porto de Santos, aos investimentos da PETROBRAS e ao turismo.

A escolha de Itanhaém (SP) como universo de análise baseou-se nessas transformações, que direta ou indiretamente afetam o município. O processo de urbanização em Itanhaém iniciou-se nos anos de 1940, expandindo progressivamente. Até os anos de 1962, de acordo com a interpretação de fotografias (74230 a 83425) escala 1:25.000, do respectivo ano, a área urbana do município ocupava apenas a orla e os seus limites em direção ao interior estendiam-se até a rodovia. Destaca-se que já havia arruamentos em meio à vegetação de planície costeira (Souza et. al, 2008), sem ocupação, no interior do município. Em 2000, num período de 38 anos, houve um crescimento urbano em torno de 150%. A expansão urbana ultrapassou a rodovia dirigindo-se ao interior, desenvolvendo-se notadamente a leste do município. Em 2010, com base em imagens de satélite, observa-se o crescimento urbano mais acentuado a oeste do município. Estima-se que entre os anos de 2000 e 2010, o município de Itanhaém cresceu em média 10%. A população de Itanhaém aumentou significativamente De acordo com o Censo Demográfico realizado pelo IBGE, em 2010 a população total recenseada foi de 87.057 habitantes, dos quais 86.242 situados na zona urbana e 815 na zona rural. Em termos percentuais da população isso corresponde a 99,06% urbana e 0,94% rural. A densidade demográfica apontada pelo censo foi de 145.2 hab./km² (IBGE, 2011). Em 2011, o município de Itanhaém, segundo dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), possuía uma população fixa de 88.584 habitantes. A taxa geométrica de crescimento anual da população no período de 2000-2010 foi de 1,94%, superior à taxa do Estado de São Paulo (1,09%) para o mesmo período.

O município em apreço possui um zoneamento para o uso e a ocupação da terra. A Lei no 1.082 de 22 de Janeiro de 1977 determina a divisão do território de Itanhaém em zonas de uso e regulamenta o parcelamento, uso e ocupação do solo do município. De acordo com o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Itanhaém de 2000, como um dos objetivos fixados para o desenvolvimento físico do município está o estabelecimento de uma nova Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação para substituir a Lei n.1.082/77, mas contemplando as diretrizes fixadas pela mesma.

Itanhaém apresenta desse modo, um conjunto de leis direcionadas ao ordenamento territorial. A preservação das características ambientais da área é enfatizada, visto que são as mesmas a principal fonte de divisas municipais. Assim, medidas de planejamento tornam-se fundamentais para garantir tanto a qualidade de vida da população fixa e flutuante, como a preservação do ambiente natural, o qual é altamente susceptível as alterações antrópicas.

Assim, a importância dos estudos ambientais é inegável. Dessa maneira, o presente trabalho visa colaborar com essa questão.

 

2. ÁREA DE ESTUDO

Itanhaém, município litorâneo do estado de São Paulo, localiza-se entre as coordenadas geográficas de latitudes 23º55’ e 24º15’Sul e longitudes 46º48’ e 46º54’ Oeste de Greenwich (Figura 1). Possui aproximadamente 600 km2 de área territorial. Limita-se ao norte com os municípios de São Paulo e Juquitiba, a leste com os municípios de São Vicente e Mongaguá, a oeste com os municípios de Pedro de Toledo e Peruíbe, e ao sul com o oceano Atlântico. Apresenta terrenos amplos e extremamente planos situados entre o oceano e as escarpas íngremes da Serra do Mar, as quais declinam suavemente em direção ao interior do estado de São Paulo.

A Serra do Mar é uma notável expressão topográfica do Sudeste brasileiro. Em São Paulo representa o rebordo do Planalto Paulistano, apresentando um conjunto de escarpas com diferentes denominações locais. A configuração dessas escarpas, associadas aos eventos geológicos e tectônicos, remonta ao Terciário, mas este processo ainda encontra-se em evolução (De Martonne, 1943; Freitas 1951; Almeida, 1953; Ab’Saber, 1955; Ab’Saber, 1965 e Almeida & Carneiro, 1998).

Nas bordas das escarpas festonadas da Serra do Mar, nas proximidades do oceano, ocorrem áreas deposicionais referentes às planícies costeiras, que também integram a província costeira paulista.

A origem das planícies costeiras do Brasil, de modo geral, relaciona-se às oscilações do nível marinho, resultado da eustasia e do tectonismo, assim como das oscilações climáticas do Quaternário (Ab’Saber , 1965; Suguiu & Martin , 1978; Suguio et al. 1985; Suguio, 2001).

A interação entre o clima e o relevo é de suma importância para o entendimento da dinâmica ambiental costeira, devido à atuação da Serra do Mar como barreira orográfica aos ventos úmidos vindos do oceano, contribuindo para caracterização dos índices pluviométricos e climáticos no litoral paulista.

O estado de São Paulo está localizado numa faixa de transição climática (tropical e subtropical) e sofre, assim, a influência da massa de ar polar Atlântica e dos sistemas extratropicais, assim como dos ventos provindos dos sistemas tropicais.

No município de Itanhaém, predominam altos índices pluviométricos. Os dados pluviométricos (prefixo: E3-261, seção: pluviometria acumulada média mensal), mensais médios, do período histórico de 1981 a 1999 (SIGRH, 2012), demonstraram o predomínio de chuvas bem distribuídas durante todo o ano, com declínio nos meses de inverno (junho, julho e agosto) e considerável elevação nos meses de verão (janeiro, fevereiro e março). A média anual para o município varia entre 1.500 a 2.000 mm.

Os solos predominantes na área de estudo correspondem, nas escarpas da Serra do Mar, devido às elevadas declividades, a solos pouco espessos derivados da decomposição da litologia in situ, sendo classificados segundo o IAC (Oliveira et al. 1999) como Cambissolos Háplicos. Para a planície costeira, dada às características do relevo plano e das litologias sedimentares, segundo a classificação do IAC (Oliveira et al. 1999), são encontrados predominantemente Espodossolos Ferrocárbicos e Gleissolos Sálicos, estes últimos nas proximidades da foz do rio Itanhaém, área sob influência das marés.

Neste contexto físico-ambiental, as formações vegetacionais presentes no município de Itanhaém, assim como em toda a zona costeira paulista, estão diretamente associadas às referidas condições climáticas e as características morfo-pedológicas presentes nesse espaço. De modo geral, segundo Souza (2008), as fisionomias de vegetação para o litoral paulista, associadas ao substrato geológico, correspondem, a partir da praia rumo à encosta, a: Vegetação de Praias, Vegetação de Dunas, Escrube, Vegetação de Entre-Cordões, Floresta Baixa de Restinga, Brejo de Restinga, Floresta Alta de Restinga, Floresta Paludosa, Floresta de Transição Restinga-Encosta e Floresta Ombrófila Densa. Historicamente, essas formações vegetais, e consequentemente animais, foram reduzidas pela ação antópica. Segundo dados da ONG SOS Mata Atlântica, do total original da floresta, atualmente, restam apenas 11%. Esse fato evidencia a necessidade de estudos e preservação desse importante bioma brasileiro.

 

3. MATERIAIS E MÉTODOS

O método adotado nessa pesquisa fundamentou-se na integração dos dados físicos e socioeconômicos, com base nos pressupostos da Teoria Geral dos Sistemas. A abordagem sistêmica aplicada a Geografia torna possível o estudo do espaço de modo integrado, por considerar a conexão existente entre seus componentes antrópicos e seus componentes naturais formadores, como uma totalidade indissociável.

Neste contexto, a paisagem representa uma complexa interação de elementos concretizada em determinada área, resultando na fisionomia desse espaço, que pode ser vista como um sistema, ou uma unidade real integrada (Troppmair, 2000).

Segundo Mateo Rodriguez (2004, p. 18) “a ‘paisagem’ é definida como um conjunto inter-relacionado de formações naturais e antroponaturais...”. Ainda segundo o autor, uma das características da paisagem, é “o caráter sistêmico e complexo de sua formação que determina a integridade e sua unidade.” (Mateo-Rodriguez et al. 2004:18).

Para Mateo-Rodriguez et al. (2004:15) a paisagem corresponde a um “sistema territorial composto por elementos naturais e antropogênicos condicionados socialmente, que modificam ou transformam as propriedades das paisagens naturais originais”.

Desse modo, para uma adequada intervenção antrópica na paisagem é necessário entender como essa paisagem está organizada e quais são as funções atribuídas a cada unidade que constitui tal espaço.

A carta de unidades geoambientais (Anexo 1) visa apresentar as áreas delimitadas de acordo com suas características físicas e características socioeconômicas individualizadas na paisagem. Essa carta possibilita identificar os processos ambientais presentes na área de estudo, assim como as atividades antrópicas, e, consequentemente a relação entre a dinâmica ambiental e Uso da terra. Dessa maneira torna-se possível determinar as áreas onde há o conflito entre as funções geoambientais e as intervenções antrópicas.

As unidades geoambientais foram delimitadas através da integração das informações obtidas com base na morfometria, no Uso da terra e vegetação realizadas, previamente, para o município de Itanhaém - SP (SATO, 2012), na escala 1:50.000. Serão apresentados aspectos modais das respectivas cartas espaciais como ilustração (Figura 2).

Elaborou-se também uma carta de restrições legais ao uso e ocupação da terra Anexo 2, referente à espacialização da legislação ambiental vigente na base cartográfica do município. A mesma foi utilizada para averiguar, nas unidades geoambientais, os espaços que, segundo a legislação ambiental, apresentam características que comprometem sua ocupação. Foram consideradas as seguintes disposições legais:

- Área de Proteção Permanente - Resolução CONAMA n° 303 (20/03/2003):

  • Faixa marginal ao longo de curso fluvial com largura mínima de:
    • trinta metros, para o curso d`água com menos de dez metros de largura;
  • Dunas:
    • unidade geomorfológica de constituição predominante arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida pela ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou não, por vegetação;
  • Restinga:
    • depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorre como mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e arbóreo, este último mais interiorizado;
  • Mangue:
    • ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência flúvio-marinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira, entre os estados do Amapá e Santa Catarina;

- Decreto nº 10.251, de 30 de agosto de 1977:

  • Cria o Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), incorporando uma série de reservas Estaduais já existentes. Foi alterado pelo Decreto Estadual n° 13.313 de 06 de março de 1979, o qual acrescentou áreas do município de Ubatuba;

- Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico - CONDEPHAAT - Resolução de Tombamento 40 de 06/06/1985:

  • Tombamento da Serra do Mar e dos Morros Isolados: Artigo 1° – Fica tombada a área da Serra do Mar e de Paranapiacaba no Estado de São Paulo, com seus Parques, Reservas e Áreas de Proteção Ambiental, além dos esporões, morros isolados, ilhas e trechos de planície litorânea,[...]; Artigo 5° – Ficam incluídos neste tombamento todos os morros isolados acima da cota de 40m, situados na planície sedimentar, entre o limite de tombamento e a linha de costa, excluindo-se os que se encontram nas áreas litorâneas situados entre os rios Maçaguaçu (Folha Caraguatatuba) e o Rio Cambori (Folha Maresias), assim como os localizados entre o Canal de Bertioga (Folha Bertioga) e o Rio Mineiro (Folha Mongaguá);”

- Reserva Indígena Guarani:

  • Demarcação da Reserva em 15 de Abril de 1987. CIMI-Conselho Indigenista Missionário;

- Área de Proteção Ambiental - Lei de Criação da APA: Lei nº 13.136/01. PMSP.

  • APA - Capivari – Monos;

- Decreto Federal nº 750 de 10/02/1993 - Floresta de Restinga - integrante da Mata Atlântica:

  • Art. 3° - Para os efeitos deste Decreto, considera-se Mata Atlântica as formações florestais e ecossistemas associados inseridos no domínio Mata Atlântica, com as respectivas delimitações estabelecidas pelo Mapa de Vegetação do Brasil, IBGE 1988: Floresta Ombrófila Densa Atlântica, Floresta Ombrófila Mista, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual, rnanguezais, restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves Florestais do Nordeste;

- Lei n°1.082 de 22 de janeiro de 1977, alterada pelas Leis 2520/2000 - 2573/2000 - 2971/2002 - 2975/2002 - 3000/2003 - 3252/2006. Prefeitura da Estância Balneária de Itanhaém:

  • Zona de transição ambiental uso predominantemente residencial, de densidade demográfica baixa;

- Lei n°1.082 de 22 de janeiro de 1977, alterada pelas Leis 2520/2000 - 2573/2000 - 2971/2002 - 2975/2002 - 3000/2003 - 3252/2006. Prefeitura da Estância Balneária de Itanhaém:

  • Corredor de fauna e flora, área não loteável, com característica de zona de preservação ambiental;

- Decreto nº 5.300 de 7 de dezembro de 2004, que regulamenta a Lei n° 7. 661, de 16 de maio de 1988, instituindo o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro - PNGC.

  • Limite da orla marítima terrestre: cinquenta metros em áreas urbanizadas ou duzentos metros em áreas não urbanizadas, demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final de ecossistemas, tais como as caracterizadas por feições de praias, dunas, áreas de escarpas, falésias, costões rochosos, restingas, manguezais, marismas, lagunas, estuários, canais ou braços de mar, quando existentes, onde estão situados os terrenos de marinha e seus acrescidos.

O município de Itanhaém (SP), de acordo com os princípios da abordagem sistêmica é uma paisagem composta por elementos naturais e elementos socioeconômicos conectados e integrados. Formada por unidades onde há a constante circulação de energia e de matéria, esta paisagem funciona como um sistema ambiental não isolado e aberto, onde a atmosfera, a litosfera, a hidrosfera e a biosfera (onde se insere o homem) interagem, promovendo a incessante movimentação dos fluxos de energia e matéria. A partir dessa consideração, pode-se afirmar que as unidades formadoras da paisagem necessitam cumprir determinadas funções para que a dinâmica e a organização espacial seja mantida. Considerando o caráter funcional da paisagem, a ideia de circulação de matéria e energia permite delinear a estrutura do sistema paisagem com base nos elementos que a compõem. As categorias funcionais correspondem a áreas emissoras, a áreas transmissoras e a áreas coletoras de matéria e energia (Mateo-Rodriguez et.al, 1995).

A correlação das informações foi norteada pelos princípios da análise sistêmica de integração dos dados. Para determinar as áreas com características mais homogêneas foram consideradas, desse modo, as condições ambientais físicas e as características socioeconômicas associadas (Uso da terra, principalmente).

O principal critério para a definição das características funcionais da paisagem foi à diferença apresentada pela área de estudo, em relação à presença de dois sistemas ambientais distintos, correspondentes às escarpas da Serra do Mar (sistema serrano) e a planície costeira (sistema planície costeira) (Figura 3).

 

 

Identificados esses sistemas, foram delimitadas as unidades geoambientais. Esta individualização considerou as peculiaridades em relação às condições físicas, como a morfometria e as condições socioeconômicas, como a presença ou não de urbanização e o tipo de Uso da terra associado. As cores utilizadas para representar as unidades geoambientais seguiram o princípio da rosa cromática. Desse modo as categorias funcionais da paisagem, emissoras, transmissoras e coletoras receberam cores de acordo com o seu papel no desencadeamento de energia, quanto mais intensa a emissão de matéria e energia, mais escura a cor utilizada.

A classificação da relação entre os elementos naturais e elementos socioeconômicos, baseou-se nos princípios teóricos de Mateo-Rodriguez et.al (2004), e foi estabelecida através de critérios de compatibilidade entre o Uso da terra presente na unidade e as suas características físicas. Nessa relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica é possível verificar se: 1) o Uso da terra é compatível ou incompatível em relação às características físicas, e se 2) esse uso é adequado ou inadequado em relação à legislação ambiental vigente. Desse modo, cada unidade geoambiental é classificada de acordo com as seguintes categorias:

  • Compatível: corresponde ao Uso da terra que não afeta as características físicas da unidade;
  • Incompatível: quando o Uso da terra altera negativamente as características físicas da unidade física;
  • Adequado: refere-se ao Uso da terra que não transgride a legislação ambiental;
  • Inadequado: representa situações em que o Uso da terra transgride a legislação ambiental.

Com base nas informações entre a capacidade de uso e a função socioeconômica torna-se possível estabelecer o estado geoecológico das unidades formadoras da paisagem em estudo. O estado geoecológico (Mateo-Rodriguez et.al, 2004) classifica-se em:

  • Otimizado: é quando a relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica apresenta o Uso da terra compatível com as características físicas e legalmente adequadas, ou seja, dentro da legislação;
  • Compensado: refere-se à categoria compatível, onde o Uso da terra não provoca um dano ambiental irreversível;
  • Alterado: a relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica é incompatível com as características físicas;
  • Esgotado: corresponde às categorias de uso incompatível e legalmente inadequadas.

Deve-se ressaltar a importância do papel da interferência antrópica nas unidades, visto o impacto por esta causado nas características naturais. Deste modo, a relação entre a capacidade de uso/função socioeconômica de uma unidade é dada pelo grau de compatibilidade entre o Uso da terra predominante e sua característica ambiental, como por exemplo, a declividade e/ou litologia, associada ainda a presença ou não de uma legislação específica que permita ou não essa relação.

O estado geoecológico assim exprime o grau de preservação ambiental de cada unidade mapeada em relação à atuação antrópica sobre a mesma, a partir da análise integrada das características naturais e socioeconômicas.

 

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

O município de Itanhaém (SP) apresenta uma notável compartimentação topográfica, referente ao Planalto Atlântico, as escarpas da Serra do Mar e morros isolados, e a planície costeira. Através da análise morfométrica, esses compartimentos foram enquadrados em dois sistemas ambientais fundamentais: o sistema serrano, o qual abrangeria então o Planalto Atlântico, as escarpas da Serra do Mar e morros isolados, e o sistema planície costeira.

Definidos esses sistemas, determinaram-se as categorias funcionais, correspondentes às unidades emissoras, as unidades transmissoras e as unidades coletoras de matéria e energia presentes no município de Itanhaém (SP). As subunidades geoambientais foram delimitadas com base nessas categorias, e sua individualização considerou as peculiaridades em relação às condições físicas, como a morfometria e a geomorfologia, e as condições socioeconômicas, como a presença ou não de urbanização e o tipo de uso associado (Figura 4).

 

 

A seguir serão apresentadas as categorias funcionais e as subunidades estabelecidas para o município de Itanhaém (SP). Ao final apresenta-se uma tabela que sintetiza essas informações (Tabela 1).

  • Unidades emissoras – sistema serrano: identificadas no Planalto Atlântico correspondem a um conjunto composto por três subunidades geoambientais: a subunidade planaltos - margem esquerda do rio Mambu, a subunidade planaltos - margem direita do rio Mambu e a subunidade planaltos – afluentes dos rios Preto e Branco. Essas unidades distinguem-se entre si pelas diferenças de predomínio das classes de energia do relevo, que correspondem a áreas com maior potencial para a deflagração de processos erosivos associados a altas cargas de energia. Setores mais altos do planalto apresentam altimetria acima de 700 metros e nos morros acima de 400 metros. De acordo com a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - CPRM (2006) o embasamento é formado, de modo geral, por rochas miloníticas, gnaisses bandados e ortognaisses.

Em relação à geomorfologia, predominam morros suavizados, alinhamentos estruturais NW-SE, vertentes côncavas e convexas, presença de sulcos erosivos, voçorocas e cicatrizes de escorregamento, além de vales em V. Ao norte do Planalto Atlântico, no limite com os municípios de São Paulo e Juquitiba foi instituída por lei a Área de Proteção Ambiental - APA Capivari - Monos com o objetivo de restringir e controlar o Uso da terra, que é permitido por lei desde que controlado. Essa APA corresponde a uma das áreas de mananciais da Região Metropolitana de São Paulo.

De modo geral, o Uso da terra restringe-se a pequenas propriedades rurais, mas nos limites com o município de São Paulo, a pressão exercida pela expansão urbana, principalmente relacionada às ocupações irregulares, é um problema eminente, mas que ainda não afeta a integridade das subunidades geoambientais pertencentes ao Planalto Atlântico. Dessa forma, tem-se:

- Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica: compatível e adequada, nas áreas abrangidas pelas medidas legais de conservação e preservação e que são de difícil acesso; adequada, nas áreas que preservam a cobertura vegetal original; e compatível e inadequada, onde há atividades agrícolas.

- Estado geoecológico do Planalto Atlântico: compensado, visto que o Uso da terra não provoca dano ambiental irreversível.

  • Unidades transmissoras – sistema serrano: formado pelas subunidades escarpas da Serra do Mar e morros isolados. A altimetria oscila entre 500 a 600 metros. Predominam grupo de rochas granito gnáissica migmatíticas (CPRM, 2006).

A geomorfologia é representada pelas vertentes côncavas e convexas, e pela presença de vertentes retilíneas e irregulares, que coincidem com as áreas mais íngremes. Estas áreas apresentam maior suscetibilidade aos processos denudacionais, principalmente aos relacionados a movimentos de massa, comprovados pelas cicatrizes de escorregamento identificadas no mapeamento geomorfológico. Outros fatores também contribuem para esse processo, como o Como a classe de solos, predominantemente Cambissolos Háplicos, que é pouco espesso e os altos índices pluviométricos entre 1.500 e 2.000 mm anuais. A ocupação antrópica nessas áreas não é permitida, visto que são tombadas e protegidas pela legislação, favorecendo a preservação dessas unidades.

Outro fator que também contribui para a preservação é a dificuldade de acesso às escarpas da Serra do Mar e aos morros isolados situados no interior do município. No caso dos morros isolados envolvidos pela área urbana, como o Itaguaçu, o Taquanduva, o Paranambuco e o Belas Artes, foram detectadas alterações em suas características físicas devido ao uso antrópico, como a retirada de parte da vegetação original e a construção de vias de acesso, interferindo na dinâmica ambiental. O caso do morro do Itaguaçu, localizado no centro da cidade, é um exemplo de morro isolado ocupado desde o século XVIII, com a função de mirante, devido às investidas estrangeiras inimigas de Portugal na época colonial. Nesse mesmo período foi construída a Igreja e Convento da Nossa Senhora da Conceição. Atualmente é um ponto de interesse histórico e turístico da cidade. Essas características das unidades levam a seguinte classificação:

- Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica - escarpas da Serra do Mar: compatível e adequada, visto que são áreas protegidas pela legislação ambiental e também pela dificuldade de acesso; para a unidade geoambiental morros isolados, duas situações foram encontradas: compatível e adequada, pois o uso está de acordo com a legislação e com a capacidade física da unidade, e incompatível e inadequada, nos morros situados dentro da área urbana: morro do Itaguaçu, morro da Taquanduva, morro do Paranambuco e morro das Belas Artes, onde há conflitos relacionados ao tipo de uso e a infração da legislação.

- Estado geoecológico para as unidades escarpas da Serra do Mar e para a unidade morros isolados, não urbanizados: otimizado. Para os morros isolados localizados na zona urbana o estado geoecológico: alterado.

  • Unidade coletora – sistema serrano: a área coletora apresenta a função de receber e reunir os fluxos de matéria e energia. No setor serrano esta área corresponde a subunidade de depósitos de encosta. Nesse setor a altimetria varia entre 13 a 20 metros.

Subunidade de depósitos de encosta: corresponde a áreas de colúvio com declives entre 5 a 20%. É formada pelos detritos originados na Serra do Mar e nos morros isolados, transportados ao longo das unidades transmissoras do setor serrano. Possuem energia potencial variando entre média a medianamente forte. É uma unidade susceptível a denudação, visto as características dos sedimentos componentes, e pela drenagem oriunda das escarpas e morros que incidem sobre esta. Nos locais onde predomina a vegetação de planície costeira (SOUZA et.al, 2007), os sedimentos e os cursos fluviais encontram-se estabilizados. Mas foram identificadas atividades agrícolas (bananicultura) incompatíveis com as características físicas dessa área, em alguns setores do vale do rio Branco, que dinamizam os processos erosivos nesses locais. Assim, tem-se:

- Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica: classificada como incompatível, nas áreas com atividades agrícolas; e como compatível e adequada nas áreas com ausência de uso.

- Estado geoecológico: otimizado, para as áreas preservadas; e alterado, nas áreas ocupadas pelas atividades agrícolas.

  • Unidades transmissoras – sistema planície costeira: A planície costeira está situada em nível altimétrico inferior ao setor serrano, entre 0 a 13 metros acima do nível do mar. De modo geral, apresenta rupturas topográficas distribuídas por toda a sua extensão. É formada, sobretudo por sedimentos fluviais e marinhos, estes últimos acumulados nos períodos de transgressão marinha que ocorreram durante o Quaternário; a classe de solo corresponde aos Espodossolos Ferrocárbicos. Apresenta características internas próprias que condicionam a sua dinâmica. Apesar de ser aparentemente uma área coletora de energia e matéria, diferenciações no relevo identificadas, sobretudo no mapeamento geomorfológico, demonstraram que a planície abarca além das áreas coletoras, também áreas transmissoras. Essas áreas transmissoras correspondem aos terraços. Foram subdivididas em três subunidades: terraços marinhos – nível I, terraços marinhos – nível II e terraços marinhos urbanizados.
    1. Subunidade terraços marinhos – nível I: correspondem a depósitos marinhos antigos, originados nos períodos transgressivos. A presença da cobertura vegetal, correspondente a vegetação de planície costeira (Souza et. al, 2007), promove a estabilização dos sedimentos. Desse modo, o translado de matéria e energia sobre os terraços marinhos ocorre de forma lenta e gradual, diminuindo a probabilidade de processos denudativos de grandes dimensões. Possui atividades agrícolas esparsas, localizadas principalmente na margem esquerda dos rios Branco e Preto. A legislação permite esses usos, desde que regulamentados, mas em muitos casos essas atividades avançam sobre as Áreas de Preservação Permanente – APP’s, referentes à margem fluvial. Isso interfere nas relações sistêmicas da paisagem, pois pode acarretar em processos erosivos nas margens, e consequentemente aumentar a quantidade de sedimentos nos rios, interferindo no balanço sedimentar das praias. Outro problema ambiental da área refere-se à possibilidade de que a expansão urbana avance sobre essa unidade. Assim tem-se:
    2. - Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica: compatível e adequada nas áreas com predomínio de vegetação de planície costeira (SOUZA et.al, 2007); e incompatível e inadequada nas áreas com atividades agrícolas sobre APP’s.

      - Estado geoecológico: otimizado para os locais onde a vegetação natural encontra-se preservada; e alterado para as áreas agrícolas sobre APP’s.

    3. Subunidade terraços marinhos dissecados – nível II: localiza-se a S-SW do município. Caracteriza-se por ser composta por dunas e dunas terraplanadas. Essas feições geomorfológicas são consideradas pela legislação como Áreas de Preservação Permanente – APP’s, visto que são áreas instáveis, pouco coesas, mas que estabilizam a linha de costa, protegem o lençol freático, e são habitats da fauna e flora. São áreas onde há o predomínio da vegetação natural, mas que sofrem com a ocupação antrópica, principalmente nas áreas limítrofes com a expansão urbana. Essa situação gera a seguinte classificação:
    4. - Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica: compatível e adequada nas áreas com vegetação natural; e incompatível e inadequada no limite com a zona urbana e em áreas onde ocorreu a expansão urbana.

      - Estado geoecológico: otimizado para as áreas com vegetação natural e ausência de ocupação antrópica; e alterado nos limites com a área urbana.

    5. Subunidade terraços marinhos urbanizados: estabelecida a partir do caráter transformador promovido pela urbanização na paisagem natural, esta unidade encontra-se sobre terrenos com baixa declividade (entre 2 a 5%). Caracteriza-se geomorfologicamente por estar sobre dois níveis de terraços marinhos - ATM I e ATM II (nível mais elevado), diferenciados pela variação altimétrica, e por incorporar também dunas e cordões litorâneos, encobertos pela urbanização. Esta unidade apresenta as mesmas fragilidades ambientais que as demais unidades de terraço, mas seu agravante é a presença da urbanização. A área urbana alterou as características naturais, interferindo na dinâmica ambiental original, impondo, desse modo, outra organização ao meio. As edificações e arruamentos provocaram a impermeabilização do solo, fato agravante para uma área que apresenta declives quase nulos, próximo do nível de base. Como a pluviosidade é bem distribuída durante todo o ano, o lençol freático sempre está abastecido e próximo da superfície. Em episódios de grandes chuvas, os alagamentos são constantes, visto que, com a impermeabilização do solo, as águas não se infiltram, acumulando-se e atingindo a cidade ou dirigindo-se concentrada pelos canais em direção as unidades coletoras. A cobertura vegetal foi retirada, restando alguns resquícios entremeados na área urbana. Diante dessas características, tem-se:
    6. - Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica: incompatível e inadequada.

      - Estado geoecológico: esgotado, visto que a urbanização alterou de maneira irreversível as características ambientais originais.

  • Unidades coletoras – sistema planície costeira: a área coletora corresponde a setores cuja função é receber e reunir os fluxos de matéria e energia. Esta área foi dividida em três subunidades: subunidade de depósitos de encosta, subunidade de planície fluvial, subunidade de planície flúvio-marinha e subunidade de planície marinha, a seguir apresentadas:
  1. Subunidade de planície fluvial: corresponde as planícies e terraços fluviais. A energia potencial varia de acordo com a força do trabalho exercido pelo sistema fluvial. É importante ressaltar o papel dos cursos fluviais no processo de transporte de matéria e energia.

    Se no caso das escarpas e morros a declividade e a força da gravidade eram as principais responsáveis pelo translado de matéria e energia, na planície os cursos fluviais são os principais responsáveis. É na planície que os cursos fluviais provindos das escarpas e morros, confluem formando os grandes rios do município, determinando a intensa dinâmica fluvial na área, permitindo a conexão entre as partes superiores e inferiores das bacias hidrográficas. Nas confluências de drenagem o potencial erosivo é elevado. Os sedimentos dessa unidade correspondem a areias, cascalhos e sedimentos finos. Nas áreas de terraço fluvial, foram identificados meandros abandonados, fato que corrobora com a ideia de intensa dinâmica erosiva. Nas áreas de planície são inerentes a inundação periódica e a erosão marginal.

    Visto a importância dos cursos fluviais, a faixa marginal ao longo destes, é protegida por lei, sendo a mesma uma Área de Preservação Permanente – APP. Os problemas que atingem essa unidade são a ocupação das áreas de planície e de terraço pelas atividades agrícolas e pela expansão urbana. Nas demais áreas, a vegetação de planície costeira (Souza et. al, 2007) atua na manutenção dos processos ambientais. Dessa forma, essa unidade caracteriza-se por:

    - Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica: compatível e adequada nas áreas cobertas pela vegetação natural; e incompatível e inadequada nas áreas de acumulação fluvial com a presença de atividades agrícolas e da urbanização.

    - Estado geoecológico da unidade de acumulação fluvial: otimizado para as áreas sem ocupação antrópica; e alterado nas áreas com uso agrícola e urbano.

  2. Subunidade de planície flúvio-marinha: localizada em área de baixa declividade (2 a 5%) e próxima à linha de costa, a dinâmica dessa unidade está vinculada ao sistema fluvial e as oscilações marinhas, tornando essa área sujeita as inundações periódicas, controladas pelo regime das marés. Os sedimentos são finos relacionados a areias finas e argilas e o solo característico desse sistema é o Gleissolo Sálico, um solo hidromórfico, rico em matéria orgânica. Nesta unidade desenvolve-se um importante ecossistema costeiro, o manguezal. Os manguezais atuam ainda na estabilização da linha de costa, devido ao controle da erosão desempenhado pelas raízes do mangue; retenção de sedimentos terrestres e também são considerados como filtro biológico evitando o assoreamento e a contaminação das águas costeiras. Devido a sua importância para a manutenção do sistema costeiro é legalmente definida como uma Área de Preservação Permanente – APP. Mas embora seja um importante elemento para a dinâmica ambiental, esse ecossistema encontra-se pressionado pela expansão urbana e pela rodovia. Nas proximidades do rio Itanhaém, parte da cidade encontra-se sobre áreas de mangue. Suas condições originais são mantidas apenas nas áreas mais afastadas da área urbana. Assim, tem-se:

    - Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica: classificada como compatível e adequada nas áreas afastadas da área urbana; e incompatível e inadequada nos limites com a área urbana e com a rodovia.

    - Estado geoecológico correspondente: classificado como otimizado nas áreas sem contato com a urbanização e alterado, nos limites com a área urbana e com a rodovia.

  3. Subunidade praia: formada por areias marinhas litorâneas, apresenta pouca coesão dos sedimentos, que são constantemente remobilizados pela ação dos ventos e pelas ondas. É explorada intensamente por ser uma área de lazer sazonal e recebe a energia e matéria do sistema ambiental no qual se insere. A energia e matéria acumuladas nessa unidade são transferidas para o oceano, e nesse ciclo contínuo, a dinâmica da paisagem de Itanhaém (SP) se estabelece.

    - Relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica foi avaliada como incompatível, devido o uso intensivo pelas atividades turísticas.

    - Estado geoecológico: considerado alterado, para as áreas onde a urbanização está afastada e/ou separada da unidade pela vegetação; e esgotado em locais onde a proximidade da urbanização interfere diretamente na dinâmica ambiental.

     

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aproximadamente 80% da área do município de Itanhaém (SP) estão sobre o predomínio das zonas de proteção e de conservação, visto que são áreas resguardadas pela legislação ambiental. Dessa maneira, considera-se que a existência da legislação ambiental propicia a preservação de áreas ambientais de suma importância para a dinâmica ambiental. Mas ressalta-se que as alterações antrópicas são o principal elemento de intervenção na dinâmica da paisagem, visto a capacidade do Uso da terra modificar profundamente as características naturais do meio. A urbanização é uma atividade antrópica irreversível, que descaracteriza o ambiente natural, sendo impossível restaurar as condições iniciais, e, desse modo, desencadeando alterações no sistema ambiental. A incompatibilidade entre o Uso da terra e as características do meio resulta, em muitos casos, do desconhecimento e desconsideração da dinâmica inerente a estas áreas.

A elaboração da carta de unidades geoambientais permitiu averiguar a relação entre a capacidade de uso, ou seja, as características físicas de cada unidade geoambiental, e a função socioeconômica, referente ao Uso da terra no município. Com base na análise da referida carta, constatou-se as áreas onde há o conflito entre as funções geoambientais e as intervenções antrópicas. Muitas situações incompatíveis foram verificadas, confirmando que a ação antrópica no meio não é limitada pelos atributos físicos, visto a imposição das atividades sobre áreas dinamicamente frágeis.

A capacidade de suporte da paisagem foi alterada de maneira irreversível, notadamente pela urbanização. Esse processo descaracterizou as áreas naturais e impôs outro sistema dinâmico para essa área.

O padrão de retirada da vegetação natural, a substituição de paralelepípedos por asfalto, a retilinização e canalização da drenagem, o avanço da área urbana sobre as praias e sobre a floresta de restinga e expansão das áreas periféricas, entre outras características, são padrões de intervenções de natureza humana amplamente verificadas em Itanhaém (SP).

A partir da análise dos dados, extraídos da carta de unidades geoambientais, a relação entre a capacidade de uso e a função socioeconômica na área urbana município de Itanhaém (SP) foi considerada como incompatível com os atributos físicos da área, e inadequada, por infringir a legislação ambiental. O estado geoecológico foi classificado como esgotado, visto que a urbanização alterou de maneira irreversível as características ambientais originais, modificando a dinâmica original.

Desse modo, constata-se que a ação humana nem sempre é limitada pelos atributos naturais. A legislação que é responsável pelo disciplinamento do Uso da terra, deveria considerar a dinâmica dos elementos físicos como limitadores a ação antrópica, visto que as leis têm um importante papel como disciplinadora da intervenção antrópica.

Neste contexto, os estudos sobre o meio físico são de suma importância, visto que são o alicerce para a elaboração, execução e cumprimento da legislação ambiental. A carta de unidades geoambientais demonstrou ser um instrumento de planejamento eficaz, pois torna possível o cruzamento de informações do ambiente físico com dados socioeconômicos de modo integrado.

 

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*Submission: 16 April 2013; Evaluation: 18 May 2013; Reception of revised manuscript: 7 June 2013; Accepted: 13 June 2013; Available on-line: 14 June 2013

 

ANEXOS

Anexo 1

Anexo 2

 

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