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Revista de Gestão Costeira Integrada

versão On-line ISSN 1646-8872

RGCI vol.13 no.3 Lisboa set. 2013

https://doi.org/10.5894/rgci394 

ARTIGO / ARTICLE

Experiência de recuperação de um sistema dunar e proposta de instrumentos complementares de proteção, atração e valorização ambiental*

 

Recovery experience of a dune system and complementary instruments proposal of protection, attraction, and environmental enhancement

 

 

José Simão Antunes do CarmoI

@ - Corresponding author: jsacarmo@dec.uc.pt

IIMAR – Instituto do Mar – Universidade de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil, Pólo II da Universidade, 3030-788 Coimbra, PORTUGAL

 

 


RESUMO

Os problemas existentes na generalidade dos países com extensas zonas costeiras estão, de alguma forma, direta ou indiretamente ligados à progressiva ocupação urbana destas zonas, tendo como consequência uma forte degradação de muitas das estruturas naturais de proteção existentes.
Simultaneamente, é também claro que diversas atividades e intervenções de origem antrópica (como a construção de barragens, a exploração de inertes fluviais, as ações de dragagem portuárias, etc.) têm vindo a perturbar fortemente as zonas balneares, nomeadamente através de uma significativa redução do abastecimento sedimentar das praias.
Concomitantemente, estas ações ameaçam a capacidade que as zonas costeiras tiveram outrora de se adaptarem ao aumento da frequência e intensidade dos eventos de tempestades, em consequência das alterações climáticas globais, bem como à previsível subida do nível médio das águas do mar, que conduzirá inevitavelmente a uma acentuada erosão costeira e ao consequente recuo das linhas de costa.
Sendo certo que proibir o usufruto das zonas costeiras não é solução para os graves constrangimentos existentes, importa então valorizá-las com as infraestruturas indispensáveis para que os seus usos intensivos não sejam necessariamente sinónimo de degradação.
Os ensinamentos colhidos com uma metodologia de reabilitação e defesa frontal do cordão dunar da Leirosa, a sul da Figueira da Foz, permitiram abordar novos conceitos de proteção, incorporando múltiplas funções e valorização ambiental.
É neste contexto que se propõe neste artigo a implementação de recifes artificiais multifuncionais como alternativas às tradicionais obras ‘pesadas’ ou complementares das proteções naturais. São conhecidos alguns exemplos de sucesso, mas não existem ainda hoje estudos sistemáticos e suficientemente aprofundados que permitam generalizar este tipo de construções com multiobjetivos, nomeadamente para efeitos de proteção de praias e sistemas dunares, criação de condições para a prática de desportos náuticos, melhoria das características balneares e valorização ambiental das áreas de implantação.

Palavras-chave: Sistema dunar da Leirosa, Recifes artificiais multifuncionais, Surf, Mergulho, Pesca desportiva, Valorização ambiental


ABSTRACT

The serious problems in most countries with extensive coastal zones are in some way, directly or indirectly linked to the progressive urban occupation of these areas, resulting in a strong degradation of many natural protection structures that exist.
Simultaneously, it is also clear that activities and interventions of anthropogenic origin (such as the construction of dams, holding of inerts in rivers and dredging operations in ports) have contributed to strongly disturb these systems, notably through a significant reduction of sediment supply. Accordingly, these actions threaten the ability of the coastal areas to adapt to the increasing frequency and intensity of storm events, as a result of global climate change and the expected increase in the average sea level, which will inevitably lead to a pronounced erosion and to the consequent retreat of the shorelines.
Knowing that banning the uses of coastal zones is not a solution to the serious constraints that exist, it is then necessary to recover them with the necessary infrastructures in order to guarantee that their intensive uses are not necessarily synonymous of degradation.
The Leirosa sand dune system, located at south of Figueira da Foz, has been the scene of three major dune rehabilitation interventions in the past twelve years. The first involved the reconstruction of the sand dunes followed by revegetation using native marram grass. The effectiveness of this rehabilitation technique could not be confirmed, since the ocean side of the dune system was destroyed at the end of the winter of 2000-2001. In the other two interventions, two different applications of geotextiles were used. The first technique consisted in constructing several layers of sand enclosed in geotextiles, a so-called wrap-around technique, which stabilizes the sand and is quickly installed. The second technique was employed to protect the toe of the constructed barrier, which entailed the use of geotextile tube technology.
The lessons learned with the methodology used for the rehabilitation and protection of the Leirosa sand dunes allowed to address new protection concepts, incorporating multi-functionality and environmental enhancing.
It is in this context that we propose the implementation of multifunctional artificial reefs as alternative or complementary technique to traditional heavy protections. Examples of success are known, but there are not yet sufficiently detailed and systematic studies so that this kind of constructions could be generalized along the coastal zones, particularly with the dual aim of protecting them and improving the characteristics of many of their bathing spaces.
Therefore, the main focus of this paper is to present a short description of the works carried out in Leirosa, and to propose a complementary protection using the same material, but in submerged conditions and with a suitable geometry, in order to take advantage of the changes occurring in a wave when propagating from deep water conditions to shallow waters.

Keywords: Dune system of Leirosa, Multifunctional artificial reefs, Surfing, Diving, Fishing, Environmental enhancement


 

 

1. INTRODUÇÃO

Profundas transformações no uso do solo e do mar ocorrem hoje em dia na generalidade dos países com extensas zonas costeiras, ao longo das mais diversas escalas de tempo e espaço. Tais transformações acarretam a diminuição da qualidade de vida das populações locais, bem como alterações na produtividade e diminuição da biodiversidade dos ecossistemas, sendo fundamental a reversão deste processo.

São muitos os agentes que têm contribuído para os desequilíbrios que atualmente se verificam. São bem conhecidas as atividades antrópicas com carácter mais ou menos localizado e que, direta ou indiretamente, são responsáveis por fragilidades muito significativas de longas extensões das linhas de costa. Para essas fragilidades contribuem, fundamentalmente, o enfraquecimento irreversível das principais fontes aluvionares exteriores às zonas costeiras, em consequência de regularizações fluviais, de alterações no aproveitamento dos solos e da atividade de extração de areias para a construção. Também os efeitos cumulativos das alterações pontuais dos padrões de agitação local e dos trânsitos sedimentares têm reflexos profundos e irreversíveis, sendo, na atualidade, porventura os principais fatores responsáveis por parte do recuo generalizado e continuado das linhas de costa.

A estas ações de natureza essencialmente local dever-se-ão juntar outras de carácter mais global, em particular os efeitos das alterações climáticas, conduzindo a situações de tempestades sucessivamente mais frequentes e mais devastadoras. Acresce o efeito da expansão térmica, conduzindo a um aumento global da temperatura e, em consequência, a um aumento da subida do nível médio das águas do mar, agravado ainda com os efeitos adicionais de degelo das calotes polares e de alterações nos padrões globais da circulação oceânica.

Em particular, a região centro da zona costeira portuguesa tem vindo a ser progressivamente ameaçada por uma erosão maciça, com transposições marinhas generalizadas e persistentes, importantes perdas de território e prejuízos para os habitats naturais e a atividade humana, colocando frequentemente em risco importantes aglomerados urbanos costeiros (Lopes, 2003).

Este panorama é o resultado de uma persistente falta de planeamento e de uma gestão pouco responsável ao longo de décadas e em vários trechos da zona costeira portuguesa (Antunes-do-Carmo & Marques, 2003). A permissividade reinante conduziu a várias situações de grande vulnerabilidade. Diversos casos, em particular alguns centros urbanos, exigirão a curto prazo a adoção de medidas adicionais com um exclusivo objetivo de segurança. Nestes casos, duas opções deverão ser equacionadas: ou se adotam medidas de manutenção, que no essencial passam pela construção de obras rígidas de proteção, tendo sido esta a opção preferencial até à data (casos de Espinho, Esmoriz-Cortegaça, Furadouro e Vagueira, em Portugal), eventualmente semi-rígidas e/ou dinâmicas, com possível uso de geossintéticos (campo de golf da Estela e cordão dunar da Leiriosa, Portugal), ou por uma relocalização adequada, consistindo na retirada do património mais importante para lugar seguro, com a consequente adaptação de usos e atividades à nova realidade (São Bartolomeu do Mar, Portugal).

O sistema dunar da Leirosa, situado a sul da Figueira da Foz, tem sido particularmente fragilizado devido à ação de diversos fatores, de que se destacam: (i) grande exposição a condições hidrodinâmicas adversas; (ii) deficiente alimentação natural de areias; (iii) construção de um esporão a montante do sistema dunar para defesa da localidade existente e manutenção da praia e, (iv) construção de um emissário submarino, numa zona intermédia do cordão dunar, para descarga das águas residuais da Leirosa e de uma fábrica de pasta de papel (Reis & Freitas, 2002; Reis et al., 2005).

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma breve descrição das principais intervenções realizadas em parte do cordão dunar da Leirosa nos últimos anos, desde 2005, e, tendo por base os ensinamentos colhidos, apresentar soluções complementares, ou alternativas, para proteção de praias e sistemas dunares.

 

2. TÉCNICAS DE REFORÇO DE PROTEÇÕES NATURAIS

2.1.Geocontentores

Uma intervenção humana particularmente gravosa para a manutenção do já de si precário equilíbrio natural ocorreu em 1995 no cordão dunar da Leirosa (a sul da Figueira da Foz, Portugal, Figura 1), tendo sido quebrada a continuidade deste sistema dunar pela implantação de um emissário submarino.

 

 

Três anos após esta ocorrência foi decidido proceder a uma reabilitação da área afetada, a qual teve início em março de 2000, através de enchimento com areia proveniente de um local próximo, seguida de revegetação utilizando como método de estabilização uma planta normalmente usada com esta finalidade em dunas costeiras. Contudo, um forte temporal ocorrido no inverno de 2000-2001 destruiu grande parte da frente deste sistema dunar, debilitando fortemente a zona intervencionada.

Foi neste contexto que em 2004 se equacionou a viabilidade de uma solução menos soft, consistindo na aplicação de mantas de material geossintético envolvendo consideráveis volumes de areia (geocontentores) numa extensão de 120 m e com uma altura de 8.0 m, a partir da cota +2.0 ZH. Para efeitos de proteção contra a erosão por infraescavação do pé da camada inferior, foram instaladas longitudinalmente e a cerca de 0.5 m abaixo da base desta camada (por conseguinte, à cota +1.5 ZH) três fiadas de sacos de material geotêxtil com cerca de 1.5 m3 de areia cada (Reis et al., 2005 e 2008).

Soluções que envolvem a aplicação deste material tinham já sido adotadas (e com reconhecido êxito) na construção de dunas artificiais, na construção de molhes e esporões, e na estabilização de praias em diferentes regiões do Mundo (Oh & Shin, 2006; Koffler et al., 2008).

No essencial, esta metodologia, conhecida por “wrap around technique” (Recio-Molina & Yasuhara, 2005), consiste no reforço da duna através da construção de uma barreira frontal de proteção integralmente preparada e montada in situ usando mantas de material geossintético, como mostra a Figura 2 a). Esta barreira de proteção, uma vez construída, é coberta por uma camada de areia com cerca de 1.0 m de altura, procedendo-se em seguida a uma replantação adequada, Figura 2 b).

 

 

As dimensões das mantas de material geotêxtil, que constituem os geocontentores, foram neste caso obtidas recorrendo a formulações semiempíricas deduzidas com base em estudos experimentais realizados no Grande Canal de Ondas do Centro de Pesquisa da Costa Alemã em Hannover, e considerando os estudos estatísticos que conduziram às situações representativas (período e altura significativa da onda), apresentados em Antunes-do-Carmo (2003), Reis et al. (2005) e Reis et al. (2008), utilizando ainda o modelo matemático descrito em Antunes-do-Carmo (2004). Outras formulações para a determinação das dimensões dos geocontentores, incluindo os efeitos de deformação e recomendações práticas de aplicação, podem ser encontradas em Recio & Oumeraci (2009).

Os estudos realizados permitiram constatar que a barra longitudinal característica da zona de rebentação das ondas se situa a cerca de 60 m da base do sistema dunar existente, sendo a altura máxima e o período característicos das ondas junto à duna de 2.5 m e 16 s, respetivamente (Antunes-do-Carmo, 2003; Reis et al., 2008).

Por ser uma técnica integralmente montada/desenvolvida in situ, a aplicação de geossintéticos na forma de mantas que envolvem grandes volumes de areia está sujeita a condições climatéricas pouco favoráveis, sobretudo devido à atuação do vento, que arrasta, em geral, grandes quantidades de areia, e devido também aos elevados teores de humidade. Por conseguinte, as mantas de material geossintético deverão ser ligadas por costura, utilizando uma máquina apropriada, em vez do processo por colagem a quente que foi adotado na Leirosa (Antunes-do-Carmo et al., 2010).

Devido à deficiente ligação por colagem das mantas de geotêxtil e à reduzida dimensão dos sacos que protegiam o sopé da barreira de proteção (primeira camada), os temporais que atingiram o cordão dunar no inverno de 2005-2006 conduziram à destruição de grande parte destes sacos e a vários rombos (aberturas) nas três primeiras camadas, tendo-se escapado volumes consideráveis da areia contida nos geocontentores, como mostra a fotografia apresentada na Figura 3 a). Outras camadas de areia situadas acima das três primeiras ficaram bastante expostas e deslocadas da sua posição inicial. Contudo, a nova configuração da barreira de proteção manteve-se estável no inverno seguinte, como se mostra na fotografia da Figura 3 b), não se revelando necessárias novas intervenções de fundo.

 

 

Importa sublinhar que em março-abril de 2006, com condições de agitação marítima favoráveis, houve uma acumulação natural da praia com areia vinda do mar, recobrindo os sacos de areia e as duas camadas inferiores inicialmente expostas, como se mostra na fotografia da Figura 3 a). Este mesmo efeito de acumulação de areia foi ainda mais evidente em fevereiro de 2007, Figura 3 b). A Figura 3 a) mostra o estado da barreira de proteção a partir da 3ª camada e a Figura 3 b) a partir da 4ª camada, ambas contadas a partir da base.

2.2.Geotubos

Outra técnica de aplicação do material geossintético consiste no fabrico de tubos em ambientes devidamente controlados, que são depois transportados para o local e cheios com uma mistura de água e areia através de bombeamento. O comprimento destes tubos varia, em geral, entre cerca de 30.0 m e mais de 60.0 m, com diâmetros que podem variar entre cerca de 2.0 m e mais de 4.0 m, dependendo dos objetivos da aplicação, dos equipamentos disponíveis e das características batimétricas e hidrodinâmicas locais.

Esta mesma técnica foi aplicada em 2008, a título experimental, para reforço das camadas inferiores da barreira frontal de proteção construída em 2005 com geocontentores, parcialmente destruída em fevereiro-março de 2006 (Antunes-do-Carmo et al., 2010).

Nesta aplicação foram utilizados tubos de material geotêxtil “Secutex R1006” pré-fabricados em geotêxtil de filtragem, com 1000 g/m2 e elevada resistência. Para minimizar a degradação do material e alguma perda de resistência por contato durante as operações de enchimento, foram colocadas entre os tubos mantas de material geotêxtil de proteção, com 642 g/m2 e elevada resistência mecânica. Na Leirosa foram instaladas cinco fiadas de tubos com 20.0 m de comprimento por 1.60 m de diâmetro. Documenta-se na Figura 4 a) o processo de instalação e enchimento dos tubos, por bombeamento da mistura de água com sedimentos, e na Figura 4 b) as três primeiras fiadas (apenas visíveis a 2ª e a 3ª) de tubos já devidamente instalados a partir da cota +1.5 ZH.

 

 

Uma vez instaladas as cinco fiadas de tubos ao longo de 120 m, as quais foram prolongadas mais cerca de 20 m para cada lado (tubos visíveis na fotografia da Figura 4 b), para completo envolvimento da zona intervencionada), procedeu-se à cobertura de toda esta zona com uma camada de areia de 1.0 m de altura, seguindo-se um processo de revegetação com espécies autóctones, principalmente Ammophila arenaria, como se documenta na Figura 5.

 

 

Atualmente verifica-se que, no essencial, a estrutura da frente intervencionada se mantém, ao longo de um comprimento de cerca de 120 m, observando-se lateralmente uma erosão significativa da duna, com recuos de algumas dezenas de metros relativamente ao alinhamento inicial, de 2007, como se pode ver na Figura 6, obtida no passado mês de fevereiro de 2013 a partir da zona intervencionada. Apesar dos contratempos relatados, tal significa que a intervenção realizada cumpriu os objetivos pretendidos (fixou a frente da duna) e demonstra que o procedimento adotado é adequado, podendo e devendo ser utilizado ao longo de todo o comprimento do sistema dunar, com cerca de 1800 m.

 

 

3. ENSINAMENTOS COLHIDOS E PROPOSTA DE ESTRUTURA COMPLEMENTAR DE PROTEÇÃO

A proteção costeira é um grande objetivo que não poderá ser minorado, mas os custos que envolve são extremamente onerosos para o erário público.

A generalidade das obras de proteção costeira existentes ao longo da costa portuguesa resultaram em consequência de uma manifesta e prolongada falta de planeamento. Só assim foi possível permitir construções em áreas sensíveis, nomeadamente zonas de expansão urbana até áreas de alto risco, a curtas distâncias da linha de costa em evolução, muitas vezes sobre arribas, e ainda a ocupação de áreas outrora pertencentes ao mar. Várias destas construções foram ‘engolidas’ pelo mar, ou mantêm-se ainda hoje à custa de obras ‘pesadas’ de Engenharia que têm vindo a ser sucessivamente reforçadas (Dias, 1994; CNADS, 2001). Essas obras de proteção são, assim, e com frequência, o resultado de intervenções necessárias e muitas vezes urgentes, não planeadas e muito menos com preocupações de atratividade, valorização e desenvolvimento. Na realidade, no que concerne à gestão da zona costeira portuguesa, onde se destacam diversas áreas de grande vulnerabilidade, não tem existido da parte das entidades públicas uma verdadeira atitude pró-ativa de antecipação dos problemas.

A experiência adquirida nas diversas fases de reabilitação do sistema dunar da Leirosa, utilizando diferentes técnicas de aplicação de geossintéticos e tendo em conta a resistência e durabilidade deste material, sugere-nos a sua utilização na construção de estruturas ou plataformas submersas com o duplo objetivo de proteção complementar de sistemas naturais e geração de ondas para a prática de surf. Estas estruturas submersas (recifes artificiais) poderão ser construídas por sobreposições de camadas devidamente orientadas, sendo cada camada composta por ‘tubos’ de material geossintético (geotubos) adequadamente posicionados.

A construção de recifes artificiais deverá ser equacionada, tendo como principal objetivo aliviar as grandes fragilidades de muitos dos atuais sistemas naturais de proteção existentes ao longo das zonas costeiras, em particular da zona costeira portuguesa. Por conjugação de vários fenómenos que ocorrem em condições de águas pouco profundas, estas estruturas poderão ser concebidas de modo a promoverem a rotação das ondas, o seu empolamento e a consequente rebentação das mesmas sobre as plataformas submersas, por conseguinte na massa de água, reduzindo, em consequência, o seu efeito erosivo sobre as praias e/ou sobre as proteções naturais existentes (Mendonça et al., 2012a e 2012b).

Complementarmente, e tendo como objetivos o envolvimento das populações locais, a promoção turística da região e uma repartição de custos por eventuais concessões a privados, ou dos benefícios resultantes das multifuncionalidades inerentes ao empreendimento, estas estruturas poderão ser concebidas com dimensões, formas e declives adequados para que as ondas geradas tenham características para a prática de surf e permitam promover outras práticas desportivas como mergulho e pesca.

É com este conjunto de multiobjetivos que se propõem soluções viáveis e suficientemente atrativas, em particular: (1) estruturas de defesa complementares de sistemas naturais de proteção; (2) alternativas à alimentação artificial de praias com finalidades de retenção ou acumulação de areias e, (3) possíveis alternativas a obras ‘pesadas’ de engenharia, as quais têm sido encaradas fundamentalmente como medidas de recurso, satisfazendo necessidades imediatas de proteção, mas sem claros benefícios a médio prazo.

 

4. RECIFES ARTIFICAIS COM MULTIFUNCIONALIDADES

4.1.Enquadramento

Procurar soluções para muitos dos problemas existentes, ou que potencialmente venham a ocorrer, é um objetivo que a todos deve envolver. Aliando interesses e perspetivas complementares, caberá ao poder público a criação de incentivos à iniciativa privada para resolver um grave problema de base e, simultaneamente, dotar a zona costeira de equipamentos atrativos sob os pontos de vista turístico, económico e ambiental. Naturalmente que a implantação de uma obra deste tipo deverá ser sempre precedida de um estudo de impacto ambiental, nomeadamente para avaliar as possíveis interferências na biodiversidade local, e de um estudo económico para avaliar o retorno do investimento efetuado.

É neste contexto que parecem ser apropriadas formas de intervenção adequadamente planeadas e implementadas com multifuncionalidades: de proteção, lazer e mais-valias turística e ambiental, tendo naturalmente em conta as condicionantes do estudo de impacto ambiental.

Tais intervenções poderão consistir na construção de estruturas ou plataformas submersas com geometrias e dimensões apropriadas para provocar a rotação da onda, seguida de empolamento e rebentação mergulhante (em forma de tubo), adequada para a prática de surf. Ao ser provocada a rebentação da onda sobre a massa de água, deixará de se fazer sentir o seu impacto mais agressivo (descarga de energia com elevado poder erosivo) sobre a praia e/ou na base do sistema dunar.

Naturalmente, os efeitos pretendidos, de proteção e de geração de ondas com as características desejadas, serão conseguidos para um determinado nível médio do mar e uma altura de onda significativa (de dimensionamento), a definir em função da dinâmica e das características locais.

A experiência adquirida a nível mundial com estruturas deste tipo (recifes artificiais) é ainda muito limitada. Com efeito, encontram-se documentados na bibliografia apenas seis recifes construídos na última década, os quais se identificam em seguida.

Os dois primeiros recifes artificiais foram construídos na Austrália, o primeiro em 1999 em Cable Station (próximo de Perth) e o segundo em 2000 na praia de Narrowneck (Gold Coast). O primeiro recife artificial a ser construído no Hemisfério Norte data de 2001 e situa-se na praia de Dockweiler, em El Segundo, Califórnia (Estados Unidos), sendo conhecido como Pratte’s Reef; contudo, este recife foi removido em outubro de 2008 por não ter atingido os objetivos esperados. Mais tarde foi construído na Nova Zelândia o recife de Mount Maunganui, cuja construção teve início em novembro de 2005 e terminou em junho de 2008, após substituição e ancoragem ao fundo de dois grandes geocontentores que sofreram roturas no final de 2006. Este recife, instalado a cerca de 250 m da costa, não produziu as ondas com a qualidade ‘esperada’ para a prática de surf. Segundo os promotores, o menor desempenho do recife dever-se-á “ao não cumprimento da especificação relativa ao volume de areia necessário, contendo os geotubos instalados no fundo menos de metade dos 6500 m3 de areia previstos1.

Integrado num projeto de revitalização da orla de Boscombe, na costa sul de Inglaterra, teve início em julho de 2008 a construção de um recife com objetivos de aumentar o número de visitantes, alargar a temporada turística e promover o crescimento económico. Após uma série de atrasos e contratempos, a construção deste recife terminou em novembro de 2009. Foi previsto com um custo de 1.5 milhões de € mas acabou por ficar em cerca de 3.5 milhões. Entretanto, o recife sofreu danos significativos nos dois anos seguintes à construção, tendo dois geotubos sido muito afetados. Em termos de altura de onda, observações e resultados de simulações apresentados em Rendle e Davidson (2012) mostram que o campo de ondas melhorou a sotavento do recife, indo ao encontro ao objetivo de criar uma zona protegida para nadadores e banhistas. Nesta data não se reconhecem efeitos de proteção significativos, nomeadamente em termos de acumulação de areias.

Em 2006 teve início a construção de um recife em Opunake na Nova Zelândia, concebido para a produção de ondas rápidas e cavadas, especialmente favoráveis à prática de surf e bodyboard. O orçamento inicial deste recife importava em US $ 1.1 milhões; no entanto, a construção foi interrompida devido a condições climatéricas adversas e indisponibilidade de equipamento, tendo o custo ascendido a mais do dobro. Segundo relatos da imprensa local, o recife terá sido aberto no início de 2011, mas rapidamente se verificou que reproduzia um “tipo errado de ondas”, tornando-se inacessível para muitos potenciais utilizadores. Posteriormente foi decidido proceder à reparação do recife, mas este foi atingido por um barco que lhe causou danos estruturais o que forçou o seu encerramento definitivo em meados de 2011.

Estas estruturas ou plataformas submersas (recifes artificiais) têm em geral a forma de V, ou aproximada, dependendo das características locais, com braços iguais ou desiguais e/ou ainda com abertura no vértice, separando os dois braços, para permitir circulação no interior do recife. Poderão ser construídas por sobreposições de camadas devidamente orientadas, sendo cada camada constituída por ‘tubos’ de material geossintético, envolvendo volumes consideráveis de areia (geotubos), com algumas dezenas de metros de comprimento, tipicamente da ordem de 30 m a 60 m, ou mesmo mais, por cerca de 2 m a 4 m de diâmetro.

Estes tubos poderão ser pré-fabricados e transportados para o local, sendo cheios com uma mistura de água e areia, através de bombeamento, nas proximidades do local onde é construído o recife; por conseguinte, com a areia existente no local, ou nas proximidades, sem intrusão de material estranho e com um significativo ganho em termos de custo e transporte do material.

Para enchimento dos tubos poder-se-á recorrer a barcos com dimensões e características de fundos adequadas. Em termos construtivos, o barco é devidamente posicionado e orientado sobre a plataforma em construção, sendo o tubo descarregado por efeito gravítico, indo ocupar naturalmente a sua posição previamente definida na estrutura do recife.

Deste modo, tubo a tubo, vai-se formando a estrutura do recife. Os tubos são colocados por camada, sendo instalados tantos tubos e sobrepostas tantas camadas quanto as necessárias, até se atingirem a forma e as dimensões previstas.

Quando necessário, passados alguns anos (possivelmente uma ou mais décadas) após a instalação da estrutura inicial, por efeito de um possível assentamento dos tubos instalados ou para acompanhar a elevação do nível médio do mar bastará acrescentar mais uma camada, sem pôr minimamente em causa a estrutura e o investimento iniciais.

Apresenta-se na Figura 7 um possível esquema (em planta) de uma estrutura deste tipo, com incorporação de multifuncionalidades e um efeito positivo (acumulação de areias) sobre a linha de costa.

 

 

A utilização de material geossintético envolvendo grandes volumes de areia, com formas normalmente cilíndricas (tubos), na construção de estruturas submersas deste tipo (com multifuncionalidades) apresenta diversas vantagens, sendo justo salientar que:

  1. O material geossintético: i) é de custo acessível; ii) é fabricado em ambiente controlado e, iii) tem elevada duração, mesmo em ambientes agressivos.
  2. Os geocontentores: i) permitem grande flexibilidade em tamanho e formas; ii) na forma tubular (geotubos) são, em geral, preparados e construídos (cosidos e/ou colados) em ambientes controlados e, iii) garantem um elevado nível de segurança para os utilizadores, em particular para os praticantes de surf, comparativamente com outros materiais de construção.
  3. As estruturas submersas: i) têm um reduzido impacto ambiental tanto em fase de construção, supostamente utilizando adequados processos construtivos, como de exploração; ii) em condições e ambientes apropriados promovem a criação e realce de ecossistemas marinhos de grande valor e, iii) permitem construções com dimensões e alturas controladas, acompanhando eventuais assentamentos e a elevação do nível médio do mar.

4.2. Orientações gerais

O material geossintético, envolvendo grandes volumes de areia, particularmente com formas tubulares, parece ser o mais económico e mais adequado para a construção de recifes artificiais com multifuncionalidades. De fato, estes contentores de areia pré-fabricados com material geossintético e cheios in situ parecem constituir não só um excelente substrato para a flora marinha e para o desenvolvimento de ecossistemas diversificados (Jackson et al., 2004), como aumentam também a segurança no recife, ao formarem uma estrutura relativamente suave, sem arestas cortantes, e, por conseguinte, diminuindo os riscos de ferimentos de surfistas, mergulhadores, pescadores, etc., caso estes entrem em contato com a superfície do recife.

Orientações preliminares para a conceção de recifes artificiais multifuncionais são apresentadas em Antunes-do-Carmo et al. (2010). Em particular, o diâmetro D requerido para os tubos é calculado por (Pilarczyk, 2009):

 

 

em que Dcr é o diâmetro mínimo dos tubos; Hs é a altura significativa da onda; F é uma constante, que se situará no intervalo [2.0, 3.0]; Δ=1 para tubos/sacos de areia, e ξop é o parâmetro de Iribarren, dado por:

 

 

em que α é o ângulo de declive do fundo;

 

 

Tp é o período de pico. Para assegurar a estabilidade ao deslizamento dos tubos, estes deverão ser preenchidos até cerca de 75%-85% da sua capacidade, e o comprimento L deverá ser tal que L ∈ [10D, 20D], assegurando assim que a força de impulsão (ascensional) não é suficiente para movimentar um único tubo de areia.

Também a estabilidade vertical ficará assegurada, impedindo assentamentos diferenciais, assentando a primeira camada ao nível do zero hidrográfico (aproximadamente 2.0 m abaixo do nível médio do mar). Em camadas consecutivas, tanto horizontal como verticalmente, os tubos deverão ser colocados alternadamente, isto é, as extremidades dos tubos de uma fiada não deverão coincidir com as extremidades dos tubos das fiadas vizinhas.

Complementarmente, determina-se o número de tubos a instalar segundo a direção transversal ao comprimento, isto é, a largura do recife na base, seja b, deverá ser tal que

 

 

Tendo por base estudos teóricos, foram definidas as principais características geométricas de um possível recife a implantar na Leirosa. Uma condição a satisfazer para que a estrutura do recife funcione adequadamente é que o declive do fundo do mar (batimetria do local de implantação do recife) seja igual a 1:50 ou inferior. Nesta conformidade, referem-se em seguida as principais orientações de projeto apresentadas em Antunes-do-Carmo et al. (2010).

A estrutura a construir tem como principais objetivos: (1) proteção complementar do cordão dunar existente; (2) geração de ondas adequadas para a prática de surf e, (3) valorização ambiental; consiste numa subestrutura em delta (recife) e numa plataforma (Figuras 7 e 8).

  1. A subestrutura em delta (recife):
    1. É composta por dois braços/ramos dispostos em V, como mostrado na Figura 7 (vista da praia) e na Figura 8 (vista do mar);
    2. Tem um ângulo constante da ordem de 45 graus, ou pouco superior, mas inferior a 66 graus (ângulo da direção da onda com a normal ao braço do recife);
    3. Tem os ramos do V iguais, com comprimentos não inferiores a meio comprimento de onda local e declives da ordem de 1:10.
  2. A plataforma:
    1. Tem uma forma tal que mesmo pequenas ondas que incidam obliquamente sejam ainda surfáveis sobre o delta e não refratem nos declives laterais;
    2. Tem inclinações frontal e laterais tão elevadas quanto possível (para redução de custos);
    3. Tem um comprimento longitudinal (ao longo da costa) suficientemente grande para proteger o local de erosão costeira (Figura 8, planta);
    4. É prolongada para o interior do delta, devendo ser criteriosamente estudada até que distância se fará esse prolongamento (Figura 8, corte).

A distância do vértice do recife até à linha de costa não perturbada deve ser superior a 1.5 vezes a largura da zona natural de surf.

Com base em análises numéricas, utilizando um modelo numérico do tipo Boussinesq COULWAVE (Lynett, 2002), adequado para simular a evolução de ondas não-lineares sobre batimetrias irregulares em condições de águas intermédias e pouco profundas, foram determinadas primeiras estimativas para os valores dos vários parâmetros do possível recife a construir na Leirosa, a saber: altura do recife igual a 3.20 m, declive das paredes igual a 1:10 e submersão da crista igual à altura da onda de projeto (1.50 m). Para detalhes sobre o regime de agitação marítima na zona da Leirosa e as condições para que foi definido o projeto de recife indicado, consulte-se Mendonça et al. (2012a) e Mendonça et al. (2012b).

Como demonstrado em Jackson et al. (2005), para o recife de Narrowneck, Austrália, cinco anos após a sua construção: “O recife Narrowneck é um sucesso como recife multifuncional e alcançou os objetivos específicos do projeto, bem como os benefícios ambientais…. O número de surfistas em Narrowneck aumentou e a qualidade do surf “melhorou”…. Os recifes para surf são viáveis e podem ser construídos a custos razoáveis, com projeto e técnicas de construção simples”.

Conforme mostrado na Figura 8 (planta), o fato de a plataforma não poder ser alargada a toda a base do recife significa que este tem dimensões úteis limitadas em ambas as direções. Isto é, será devastador para a surfabilidade das ondas se estas tiverem que passar por um buraco situado atrás da plataforma (as áreas sombreadas nesta figura) durante o processo de rebentação das mesmas sobre o delta da estrutura (recife). Por conseguinte, naquelas condições, só as ondas que chegam à plataforma na zona X serão surfáveis sobre o delta (Voorde et al., 2009; Antunes-do-Carmo et al., 2010).

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Passados oito anos após o início da primeira intervenção na Leirosa utilizando material geotêxtil, verifica-se que foi possível fixar a frente da duna na zona intervencionada. Foram usadas duas técnicas complementares para a construção da defesa frontal de proteção do sistema dunar: (1) contenção da areia em mantas dobradas pela face do mar e ligadas lateralmente (coladas e/ou cosidas) às mantas vizinhas; e (2) tubos pré-fabricados em ambiente controlado e cheios localmente com uma emulsão de água e areia.

O fato de as ondas continuarem a rebentar na base da duna ou sobre a estrutura de defesa criada prejudica o seu bom desempenho, pois existem sempre descontinuidades que fragilizam a estrutura, como por exemplo os apoios dos geocontentores/geotubos e as ligações entre mantas e/ou geotubos. A forma de reduzir os impactos mais agressivos, resultantes da dissipação de energia por efeito da rebentação, será provocar a rebentação da onda na massa de água, numa zona suficientemente afastada da linha de costa (em geral, entre 200 a 250 m, dependendo do declive do fundo, da amplitude da maré e da altura significativa de onda). É neste contexto, e também com este objetivo, que se propõe a instalação de recifes artificiais multifuncionais.

Os recifes artificiais são estruturas que fornecem uma proteção indireta através da redução das cargas hidrodinâmicas para níveis adequados à manutenção do equilíbrio dinâmico da costa. Para atingir este objetivo, os recifes artificiais multifuncionais são concebidos de forma a permitirem a transmissão de uma determinada quantidade de energia por rebentação das ondas no delta da estrutura, e a dissipação de energia sobre a crista, em condições de água pouco profunda. Com uma adequada conceção do recife, este será capaz de: (1) reduzir a descarga energética sobre a costa através de uma série de processos e transformações das ondas que ocorrem sobre a estrutura; (2) criar células de circulação de correntes por trás do delta da estrutura (recife), podendo causar sedimentação na orla costeira; (3) regular a ação das ondas por efeitos combinados de refração e difração; (4) gerar ondas com boas características para a prática de surf; (5) criar uma zona protegida com boas características balneares e, (6) fixar plantas e atrair peixes, promovendo outras práticas desportivas.

Naturalmente, para a implementação de estruturas deste tipo é essencial planear e gerir de forma integrada a zona costeira. Um programa de investimentos na zona costeira deverá contemplar necessariamente aspetos relativos à proteção, como objetivo central, mas numa perspetiva integradora de valorização e desenvolvimento, ou seja, não contemplando simples ‘remendos’, ou obras isoladas, mas antes promovendo a atratividade através da instalação generalizada de adequados equipamentos com multifuncionalidades.

A implementação da tecnologia proposta poderá justificar-se como medida isolada quando se pretende tirar partido das diversas funcionalidades, mas justifica-se claramente como medida complementar de outras estruturas naturais de proteção costeira, nomeadamente dos vários sistemas dunares existentes e com elevadas fragilidades ao longo da costa Oeste de Portugal. Esta tecnologia é igualmente adequada para efeitos de proteção de áreas mais degradadas, como medida eficaz de retenção e acumulação de areias, ou ainda como equipamentos complementares de diversão, lazer e mais-valias turística e ambiental. Em princípio, será igualmente uma boa aposta a instalação desta tecnologia em áreas onde se justifica uma alimentação artificial com finalidades de retenção ou acumulação de areias.

O principal investimento a efetuar para a aplicação desta tecnologia em larga escala prende-se com a aquisição ou adaptação de um ou mais barcos com características e dimensões adequadas e devidamente equipados, nomeadamente com gruas, sistemas de bombeamento e outros equipamentos de menor custo. Um segundo nível de investimento prende-se com o fabrico ou aquisição do material geossintético, incluindo a preparação dos tubos por empresas especializadas.

Uma vez efetuados os investimentos iniciais, a construção de qualquer recife artificial com multifuncionalidades (proteção de praias e sistemas dunares com reduzido impacto ambiental, geração de ondas com características para a prática de surf e importante enriquecimento ambiental da zona costeira) importará em custos globais bastante mais reduzidos que os de qualquer estrutura tradicional exclusivamente com funções equivalentes de proteção.

A experiência adquirida e os poucos dados de monitorização existentes com os recifes artificiais já construídos ou em construção, nomeadamente sobre: i) desempenho em relação à proteção costeira; ii) qualidade das ondas para a prática de surf; iii) contribuição para o aumento da biodiversidade e, iv) revitalização económica através do turismo, não nos permitem ser muito objetivos em relação a qualquer das perspetivas de análise. Contudo, existem dados importantes no que respeita a dimensões, volumes e custos de construção que podem ser correlacionados com os correspondentes desempenhos. Em primeira aproximação, poder-se-á inferir que os recifes artificiais com multifuncionalidades resultarão mais simples, mais baratos e mais funcionais que as estruturas convencionais construídas exclusivamente para efeitos de proteção; complementarmente deverão ainda garantir os seguintes benefícios:

-Proteção de sistemas naturais com reduzido impacto visual;

- Aumento da largura da praia adjacente ao recife;

-Geração de ondas com características para a prática de surf;

-Importante enriquecimento ambiental da zona costeira;

-Criação de áreas com interessantes características para diversão e práticas de mergulho e pesca;

-Benefícios económicos resultantes do aumento de fluxos turísticos.

Para finalizar, importa salientar que jamais serão satisfeitas as condições ideais para a instalação de um recife multifuncional. Nesta conformidade, para cada local, a opção final será sempre função do balanço que resultar de uma análise ponderada entre o investimento a efetuar e o potencial retorno. Sendo muitas as variáveis em jogo, nem todos os locais permitem atingir as mesmas funcionalidades e nem sempre se pretendem os mesmos objetivos. Por conseguinte, importa ter presente que os bons ou maus desempenhos de um recife artificial, relativamente às prioridades traçadas, serão sempre função das características locais (físicas, sociais e ambientais), da qualidade do projeto (localização, material, geometria e dimensões) e dos aspetos construtivos (meios e equipamentos, controlo e mão-de-obra).

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi fundamentalmente desenvolvido no âmbito do projeto de investigação “Novos conceitos de proteção para a costa portuguesa” (PTDC/ECM/66516/2006), integralmente financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Um agradecimento especial é devido às empresas Celbi e Soporcel pelo financiamento concedido no âmbito do projeto de “Recuperação do sistema dunar da Leirosa – 4ª e 5ª fases”.

 

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*Submission: 8 January 2013; Evaluation: 18 February 2013; Revised manuscript: 26 March 2013; Accepted: 28 April 2013; Available on-line: 3 junho 2013

 

NOTA

1- Comentário de Raglan company ASR, referido por Michele McPherson em http://www.bayofplentytimes.co.nz/news/surf-reef-branded-a-dangerous-flop/1050916/

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