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Angiologia e Cirurgia Vascular

Print version ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.17 no.1 Lisboa Mar. 2021  Epub Mar 31, 2021

 

Artigo original

Patologia vascular arterial no Serviço Nacional de Saúde - Relatório do período entre 2009 e 2017.

Treatment of arterial pathology in the Portuguese National Health Service - a report of the years 2009-2017.

Frederico Bastos Gonçalves1  2 

Paulo Sousa3  4 

Daisy Abreu4 

José Daniel Menezes5 

Armando Mansilha6  7 

1 Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Portugal.

2 NOVA Medical School, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal.

3 NOVA National School of Public Health, Public Health Research Center, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal.

4 Comprehensive Health Research Center, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal.

5 Hospital CUF Descobertas, Portugal.

6 Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal.

7 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal.


Resumo

Introdução:

A análise de bases de dados administrativas, consistindo em codificação hospitalar, é uma importante ferramenta para melhorar o conhecimento e a gestão de cuidados de saúde. Através destas, é possível avaliar tendências e proceder à monitorização e avaliação de resultados.

Métodos:

O presente relatório é resultante de um protocolo de colaboração entre a Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular e a Escola Nacional de Saúde Pública, baseado na análise de dados resultantes da codificação hospitalar por Grupos de Diagnóstico Homogéneos da Administração Central do Sistema de Saúde. Tratou-se de um estudo observacional, retrospetivo e transversal. Apresenta as tendências verificadas nas admissões hospitalares e intervenções nos três grupos de patologia arterial mais expressivos da especialidade de Angiologia e Cirurgia Vascular em Portugal (aneurisma da aorta, doença arterial periférica e doença carotídea).

Resultados:

Foram analisados dados referentes aos episódios de internamento nos hospitais do SNS de Portugal continental entre 2009 e 2017. Observa-se que a grande maioria dos doentes tratados se encontram na faixa etária dos 65-84 anos e o sexo masculino é o que tem maior expressão. Nota-se uma significativa proporção de doentes tratados por patologia não eletiva. Os números de admissões aumentaram globalmente ao longo do tempo. Verifica-se, na globalidade, um progressivo aumento na utilização de técnicas endovasculares, sendo dominantes na maioria das áreas de intervenção. No entanto a cirurgia convencional permanece relevante como modalidade terapêutica sendo inclusivamente dominante no caso de patologia carotídea sintomática.

Conclusão:

A tendência de crescimento no número de doentes tratados, assim como a crescente utilização de terapêutica endovascular, tem importantes implicações na gestão do Serviço Nacional de Saúde e na programação da atividade dos Serviços. A utilização de dados administrativos tem importantes limitações na análise de resultados, na obtenção das características dos doentes e detalhes das intervenções, e representa apenas a realidade do Serviço Nacional de Saúde em Portugal Continental. Não obstante, a análise de resultados que tem na sua base informação de tipo administrativa, tem contribuído para melhorar o conhecimento das características da população e dos procedimentos realizados em diversas áreas clínicas permitindo, igualmente, apoiar tomadas de decisão a nível clínico e de governação da saúde.

Palavras-chave: Cirurgia vascular; Registo; Política da saúde; Epidemiologia

Abstract

Introduction:

The analysis of administrative databases, using administrative data from hospital codification, is an important tool to improve knowledge and management of healthcare. Through this, it is possible to evaluate tendencies as well as monitor and evaluate generic outcomes.

Method:

The present report is a result of a collaboration protocol between the Portuguese Society of Angiology and Vascular Surgery and the NOVA National School of Public Health, based on the analysis of data resulting from hospital codification by homogeneous diagnostic groups gathered by the Portuguese Central Administration of Health System. It was an observational, retrospective, transversal study. It presents the tendencies observed in hospital admissions and interventions in the three main groups of arterial pathology (abdominal aneurysm, peripheral arterial disease and cerebrovascular disease) handled by Angiology and Vascular Surgery in Portugal.

Results:

Data from hospital admissions within the Portuguese National Health Service in Continental Portugal was obtained from 2009 to 2017. The large majority of patients were in the range of 65 to 84 years-old and male sex was predominant. A significant proportion of admission were non-elective. Total number of admissions increased over the years. Globally, there was a gradual increase in the use of endovascular techniques, which were dominant in the majority of fields of intervention. However, conventional surgery remained relevant as a therapeutic modality and was dominant in the case of symptomatic carotid disease.

Conclusion:

A tendency in increasing number of admissions as well as increasing proportion of endovascular treatment was noted, which has important implications in the National Healthcare System management and in the planning of activity by surgical departments. The use of administrative data has important limitations in the analysis, in obtaining patient characteristics and operative details, and represents only the reality of the National Healthcare System of Continental Portugal. Never the less, it has been the basis for better understanding the characteristics of patients and procedures in different areas of care and to support clinical and governance decisions.

Keywords: Vascular Surgery; Registry; Health policy; Epidemiology

Introdução

No presente relatório, fruto do protocolo de colaboração entre a Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular e a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa, apresentam-se os dados relativos ao “peso” no internamento hospitalar das principais doenças arteriais, nomeadamente: aneurisma da aorta; doença aterosclerótica carotídea e; doença arterial periférica, no período de nove anos compreendido entre 2009 e 2017. Os resultados aqui apresentados foram analisados a partir da informação contida na base de dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH) da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e referem-se aos episódios de internamento, de doentes com idade superior a 18 anos, nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde de Portugal Continental, no período entre 01 de Janeiro de 2009 a 31 de Dezembro 2017. Foram analisados os casos com diagnóstico principal e, nalgumas situações, também os casos com diagnóstico secundário das doenças atrás referidas. No período 2009 a 2016 foram usados os códigos ICD 9. Relativamente aos resultados de 2017, tiveram por base a codificação da ICD 10.

Relatório

Aneurismas da aorta abdominal e toraco-abdominal

No gráfico 1 pode-se ver a evolução, por ano, do nº de casos de internamento com diagnóstico principal e secundário de aneurisma da aorta. Como diagnóstico principal passou de um total de 656 episódios em 2009 para 896 episódios em 2017, uma variação positiva de 36%. Ao incluir as situações com diagnóstico principal e secundário esses valores passaram de 1882 em 2009 para 3847 em 2017, possivelmente refletindo um aumento na prevalência ou no diagnóstico de aneurisma da aorta em Portugal.

Gráfico 1 Número total de episódios com diagnóstico principal e/ou secundário de aneurisma da aorta, 2009-2017 

No gráfico 2 são discriminados os casos com diagnóstico principal de aneurisma da aorta abdominal e aorta toraco-abdominal (ATA), com e sem rotura. Os casos de AAA com e sem rotura aumentaram ao longo do período em análise, passando de 374 episódios em 2009 para 479 em 2017 (AAA sem rotura) e de 76 para 100, respetivamente, para os casos de AAA com rotura. Deduz-se assim que cerca de 1 em cada 5 AAAs em Portugal é tratado no contexto de rotura, sem variação ao longo deste período, o que deve ser um importante ponto de reflexão. Verificou-se também um ligeiro aumento nos casos de ATA que passaram de 20 episódios em 2009 para 43 em 2017.

O grupo etário predominante situou-se nos 65-84 anos, seguido do grupo entre os 45 e os 64 anos (gráfico 4).

Gráfico 2 Número total de episódios com diagnóstico principal de aneurisma da aorta abdominal e toraco-abdominal, 2009-2017 

Gráfico 3 Número total de episódios com diagnóstico principal e secundário de aneurisma da aorta abdominal e toraco-abdominal, 2009-2017 

Gráfico 4 Distribuição por grupos etários do total de aneurisma da aorta, 2009-2017 

Relativamente à distribuição por sexo (gráfico 5), verificou-se uma elevada percentagem de casos do sexo masculino (83%) comparado com o sexo feminino (17%).

No que se refere à abordagem terapêutica utilizada (gráfico 6), verifica-se que os casos de AAA e ATA sem rotura houve predomínio pelo tratamento endovascular. Nas situações com rotura, verificou-se um maior número de situações tratadas por cirurgia convencional.

Doença carotídea

No gráfico 7, verifica-se uma ligeira diminuição dos casos com diagnóstico principal de doença carotídea com e sem enfarte, ao longo do período em análise.

Gráfico 5 Distribuição por sexo do total de episódios com aneurisma da aorta, 2019-2017 

Gráfico 6 Cirurgia aberta/convencional vs tratamento endovascular nos episódios de aneurisma da aorta abdominal e toraco-abdominal, 2009-2017 

Os casos de DC sem enfarte passaram de 844 em 2009 para os 627 em 2017, uma variação negativa de 34%, acompanhando a tendência global para uma atitude mais conservadora face à estenose carotídea assintomática. Relativamente aos casos de DC com enfarte esse número passou de 396 em 2009 para 350 em 2017, traduzindo uma maior estabilidade no número de procedimentos por doença sintomática.

Quando se juntam os casos de diagnóstico principal com secundário (gráfico 8) verifica-se um aumento do total de episódios entre 2009 e 2017. Tendo em consideração que o número de episódios com diagnóstico principal de doença carotídea diminuiu ligeiramente de 2009 a 2017 passando de 1240 para 977, respetivamente, a morfologia da linha azul no gráfico (ligeiro crescimento no nº de episódios com diagnóstico principal e secundário de doença carotídea entre o período de 2009 a 2017) se deveu ao registo desta patologia como diagnóstico secundário.

A faixa etária dominante, quer nos casos com ou sem enfarte, é o grupo dos 65 aos 84 anos, seguido do grupo dos 45 aos 64 anos (gráfico 9).

No que diz respeito à distribuição por sexo (gráfico 10), constata-se predomínio de casos no sexo masculino em ambas as situações, com e sem enfarte, tendo esse predomínio maior expressão no caso de doença carotídea sem enfarte.

Em termos de estratégia terapêutica (gráfico 11) verifica-se que nas situações de DC sem enfarte o tratamento endovascular foi superior quando comparado com o tratamento por cirurgia convencional. Este dado, contrário à prática habitual em serviços de Angiologia e Cirurgia Vascular, sugere que um número significativo de procedimentos seja realizado por médicos de outras especialidades. Nos casos de DC com enfarte o resultado é inverso, verificando-se maior número de casos tratados por abordagem cirúrgica convencional, em relação aos casos tratados por abordagem endovascular, o que está de acordo com as atuais recomendações clínicas.

Gráfico 7 Número total de episódios com diagnóstico principal de doença carotídea com e sem enfarte, 2009-2017 

Gráfico 8 Número total de episódios com diagnóstico principal e secundário de doença carotídea, 2009-2017 

Gráfico 9 Distribuição por faixas etárias dos episódios com diagnóstico principal de doença carotídea, 2009-2017 

Gráfico 10 Distribuição por sexo dos episódios de doença carotídea com e sem enfarte cerebral, 2009-2017 

Gráfico 11 Tipo de procedimento realizado nos doentes com doença carotídea com e sem enfarte cerebral, 2009-2017 

Doença arterial periférica

No gráfico 12 pode-se ver que o número de episódios com diagnóstico principal de DAP aumentou ligeiramente de 2009 a 2015 (passando de 3931 para 4535), verificando-se uma redução nos anos 2016 (3909) e em 2017 (3503), o que surpreende e cuja razão se desconhece.

No gráfico 13 pode-se ver que as situações de internamento por estádios mais precoces - ou seja menos graves (concretamente, a claudicação intermitente) são as que têm menor expressão em Portugal (825 e 754, em 2009 e 2017, respetivamente). Em 2017 parece haver um aumento dos casos de claudicação intermitente e de dor em repouso. Os casos de gangrena representam a principal indicação para internamento e mantiveram uma tendência estável entre 2010 e 2017.

O grupo etário predominante situou-se nos 65-84 anos, seguido de grupo dos 45 aos 64 anos (gráfico 14).

Em relação à distribuição por sexo, verifica-se um predomínio dos casos no sexo masculino quando comparado com o sexo feminino (gráfico 15).

No que se refere à abordagem terapêutica (gráfico 16), verifica-se predomínio do tratamento endovascular a partir de 2010 (870 casos por endovascular vs 830 por cirurgia aberta), aumentando de forma mais expressiva em 2016 (1191 vs 839) e 2017 (3079 vs 424). Esta tendência está em concordância com o observado nos restantes países da Europa Ocidental.

Pode-se verificar no gráfico 17 que o tratamento endovascular é mais utilizado que o tratamento cirúrgico convencional em todos os subgrupos de doentes, sendo essa diferença mais expressiva nos estádios mais avançados - úlcera e gangrena. Um dado surpreendente e contrário às atuais recomendações internacionais é o facto de 41% dos claudicantes serem tratados por cirurgia convencional.

Gráfico 12 Total de internamentos com o diagnóstico principal de doença arterial periférica, 2009-2017 

Gráfico 13 Total de episódios com diagnóstico principal de doença arterial periférica por tipologia, 2009-2017 

Gráfico 14 Distribuição dos casos de doença arterial periférica por faixa etária, 2009-2017 

Gráfico 15 Distribuição dos casos de doença arterial periférica por sexo, 2009-2017 

Gráfico 16 Distribuição dos casos de doença arterial periférica por tipo de procedimento, 2009-2017 

Gráfico 17 Tipo de tratamento de acordo com a apresentação da doença arterial periférica 

Conclusão

O presente relatório apresenta as tendências verificadas nas admissões hospitalares e intervenções nos três grupos de patologia arterial mais expressivos da especialidade de Angiologia e Cirurgia Vascular. Observa-se que a grande maioria dos doentes tratados se encontram na faixa etária dos 65-84 anos e o sexo masculino é mais afetado. Nota-se uma significativa proporção de doentes tratados por patologia não eletiva, o que tem importantes implicações na gestão da programação dos Serviços. Verifica-se, na globalidade, um progressivo aumento na utilização de técnicas endovasculares, sendo dominantes em quase todas as áreas de intervenção e com aumento crescente ao longo do tempo. No entanto a cirurgia convencional permanece relevante como modalidade terapêutica sendo inclusivamente dominante no caso de patologia carotídea sintomática.

Apesar da sua relevância como ferramenta de monitorização da atividade e gestão de recursos, a utilização de dados administrativos tem limitações significativas que devem ser tomadas em conta ao interpretar os resultados apresentados. Em primeiro lugar, os dados são exclusivos das instituições do Serviço Nacional de Saúde em território continental e dependem da correta codificação, não existindo de momento auditorias específicas na doença vascular que permitam aferir a qualidade dos mesmos nas doenças apresentadas. Também importa referir que as características de base se limitam à idade e sexo, não existindo a capacidade de caracterizar adequadamente as populações no que respeita a co-morbilidades ou outras características de base. Relativamente à forma da codificação, verificou-se entre 2016 e 2017 uma transição da codificação por ICD-9 para codificação por ICD-10 1, o que pode ter resultado num viés. É impossível determinar com segurança e baseado na informação existente se existiram discrepâncias quanto à captação e correta codificação, ou tão pouco afirmar se existe uma vantagem de um método sobre o outro. Ainda mais relevante é o facto de não ser possível aferir a qualidade dos tratamentos, pois não existem dados que permitam avaliar a mortalidade e morbilidade associada aos procedimentos. Estas limitações reforçam a importância da existência de registos clínicos como ferramenta de melhoria da qualidade dos Serviços.

Referências

1. WHO (1994). ICD-10 - 10th revision of the International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems. https://www.who.int/standards/classifications/classification-of-diseasesLinks ]

Recebido: 21 de Janeiro de 2021; Aceito: 21 de Março de 2021

Autor para correspondência. Correio eletrónico: f.bastosgoncalves@nms.unl.pt (F. Gonçalves).

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