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Angiologia e Cirurgia Vascular

versión impresa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.15 no.4 Lisboa dic. 2019

 

ARTIGO DE REVISÃO

Infeções vasculares protésicas - uma revisão narrativa

Vascular graft infections - a historical review

Ryan Gouveia e Melo1,2,3, Carla Mimoso Santos2,3,4, Ruy Fernandes e Fernandes1,2,3, Pedro Garrido1,3, e Luís Mendes Pedro1,2,3

1 Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN)

2 Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

3 Centro Académico de Medicina de Lisboa

4 Grupo de Coordenação Local do Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos do CHULN (GCL-PPCIRA)

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

As infeções vasculares protésicas continuam a ser um desafio médico complexo. A evolução da flora hospitalar e o desenvolvimento da cirurgia vascular têm contribuído para uma mudança na realidade das infeções protésicas, tornando imperativo conhecer o contexto microbiológico atual destas infeções para o seu adequado tratamento. Estas infeções dependem de fatores endógenos e exógenos e variam consoante o tempo de apresentação, localização da prótese vascular e ambiente microbiológico do doente. A morbimortalidade associada a este diagnóstico é elevada e o tratamento deve ser adaptado ao doente em questão, sendo necessário conhecer o microrganismo e as várias possibilidades de tratamento existentes. O conhecimento dos fatores predisponentes da infeção protésica vascular, o seu reconhecimento precoce e prevenção deve ser realizada em todos os doentes e num contexto de cuidados de saúde multidisciplinares.

Palavras-chave: Infeção vascular prótesica; Prótese vascular; Revisão


 

ABSTRACT

Vascular graft infections are still to date a complex medical challenge. The evolution of the hospital flora and development of the vascular surgery field has led to a change in the reality of these infections, making it important to know their current microbiological context in order to provide better care. These infections depend on endogenous and exogenous factors and vary according to the timing of infection, localization and microbiological environment of the patient. There is a high morbidity and mortality associated with these conditions and the treatment must be tailored to patient in question, making it necessary to know the underlying bacteria and the variety of treatment options available. The knowledge of predisposing factors, the high index of suspicion and correct diagnosis and prevention must be performed in all patients and in a multidisciplinary matter.

Keywords: Vascular graft infection; Vascular graft; Review


 

Introdução

A infeção protésica vascular (IPV) ocorre em cerca de 0,2 a 6% dos indivíduos após a sua implantação(1-3). A sua baixa incidência deve-se à evolução da técnica cirúrgica, cuidados hospitalares e eficácia dos antibióticos administrados. No entanto, esta é contrabalançada pela elevada morbimortalidade (cerca de 50% em algumas séries),(4) sendo na maioria das vezes, um diagnóstico difícil de realizar, o que atrasa a instituição terapêutica e piora os seus resultados.

A prevalência de IPVs depende do local de implantação da prótese, presença de doenças concomitantes, imunossupressão e o contexto microbiológico do indivíduo, sendo mais frequente em contextos de cirurgia de urgência, próteses com trajetos subcutâneos ou colocadas na região femoral(5).

A presença de material sintético aumenta a capacidade de aderência de microrganismos, sendo maior em próteses de Dacron(6) e menor em endopróteses, embora também possa ocorrer(7).

Neste artigo, os autores pretendem fazer uma revisão narrativa sobre este tema, focando-se nos mecanismos conhecidos de doença, clínica, tratamento e prevenção.

Classificação:

Existem várias formas de classificar as IPV. Estas podem ser divididas em intra-cavitárias (intra-abdominal ou torácica) e extra-cavitárias segundo a sua localização, e em precoces (menos de 4 meses) ou tardias (após os 4 meses) segundo a sua característica temporal.

Podem ainda ser classificadas de acordo com outras características, nomeadamente:

- Classificação de Szilagyi's(8), que classifica a relação da infeção com a ferida operatória, subdividindo-as em:

  • Grau I: celulite envolvendo apenas a ferida operatória;
  • Grau II: infeção que envolve o tecido celular subcutâneo;
  • Grau III: infeção que afeta uma prótese vascular.

- Classificação modificada de Bunt(9,10), que classifica as IPV quanto à sua extensão em:

  • P0: infeção de prótese intracavitária;
  • P1: infeções de prótese totalmente extracavitária;
  • P2: infeção de uma porção extracavitária de uma prótese com componente extra e intracavitário;
  • P3: infeção de um patch de angioplastia;
  • Erosão protésico-entérica;
  • Fístula protésico-entérica;
  • Infeção de coto aórtico após excisão de prótese aórtica infetada.

- Classificação de Sampson(11), que classifica a extensão da infeção aos tecidos envolventes:

  • Grau I: infeção afetando apenas a derme;
  • Grau II: infeção afetando apenas o tecido celular subcutâneo;
  • Grau III: infeção afetando apenas o corpo da prótese e não as suturas anastomóticas;
  • Grau IV: infeção afetando o corpo e as suturas anastomóticas, mas sem bacteriemia ou hemorragia anastomótica;
  • Grau V: infeção afetando o corpo e as suturas anastomóticas com bacteriemia e/ou hemorragia anastomótica.

Estas classificações são importantes não apenas pela possibilidade de agrupar doentes, mas também pela sua interpretação clínica, visto que a maioria das infeções precoces se devem a infeções diretas (como por exemplo, contacto com um meio infetado)(5) e as infeções tardias a disseminação hematogénea ou linfática à distância de agentes pouco virulentos (como S. epidermidis)(12). Este facto traduz-se em etiologias microbiológicas diferentes consoante o timing de infeção e a sua extensão/localização(5).

Fisiopatologia

O mecanismo de infeção protésica ocorre numa sequência de eventos, iniciada pela adesão de microrganismos ao material em questão, a sua perpetuação no local e formação de colónias e a ativação de mecanismos de defesa do hospedeiro que geram uma reação inflamatória, formando o chamado biofilme(5,12). Esta sequência depende de fatores endógenos e exógenos e ocorre com maior frequência quanto maior o contacto com o agente infecioso, quanto mais virulento for o agente ou na presença de imunossupressão.

Para o início de todo este processo é necessário uma exposição ao agente infecioso. Esta exposição pode ocorrer de várias formas e varia consoante o tempo em que ocorre a infeção.

Em IPV precoces, normalmente, a exposição ao agente é devida a contaminação peri-operatória(12,13). A quebra da assepsia no momento da colocação da prótese, problemas na esterilização do material, queda de partículas, entre outros e a presença de um processo infecioso no doente, são fatores de risco acrescido para as IPV (12). Por outro lado, paredes arteriais com placas ateromatosas volumosas, as glândulas sudoríparas e os linfáticos poderão ser reservatórios de bactérias e contribuir para infeção no momento de colocação da prótese(13,14). Em casos de urgência ou em cirurgias prolongadas este risco também se torna maior, dada a probabilidade mais elevada de quebra de assépsia(14,15).

As infeções da ferida no pós-operatório também podem envolver os tecidos subjacentes e originarem a uma infeção protésica por contiguidade(2).

Em IPV tardias, a exposição poderá ocorrer por disseminação hematogénea (a partir de outra infeção distante(16,17) ou por períodos de bacteriemia após procedimentos dentários, por exemplo)(18) ou então por erosão da prótese contra um local não estéril, como o tubo digestivo, a pele ou o sistema genito-urinário(12). Neste sentido, a presença de infeções em locais próximos do trajeto da prótese podem ser causadoras de infeção, como a diverticulite no caso de próteses aórticas, a pneumonia em casos de próteses torácicas e linfocelos, celulites e abcessos em casos de próteses extra-cavitárias(12).

A capacidade de adesão dos microrganismos também varia consoante o agente, sendo maior, por exemplo, nas bactérias Gram + dada a capacidade de formação de glycocalix, comparativamente às Gram -, e consoante a prótese, sendo menor nas próteses de PTFE e maior no caso das próteses de Dacron(5,6).

A presença de seromas ou hematomas promove a manutenção do agente no local e a formação de colónias que levam à perpetuação da infeção, ilustrando a importância de uma hemostase eficaz e o encerramento dos tecidos em vários planos(5,12).

A imunossupressão, presente muitas vezes em indivíduos idosos, diabéticos, com desnutrição, neoplasias, doenças autoimunes, doença renal crónica ou iatrogénica ou sob corticoterapia, diminui a capacidade de defesa do hospedeiro contra o agente infecioso e inibe uma resposta inflamatória eficaz, resultando num estado inflamatório contínuo e descontrolado que pode culminar em sépsis (2,12,19).

Bacteriologia

O conhecimento dos agentes responsáveis por estas infeções é crucial no planeamento terapêutico e na gestão destes doentes. Apesar de existir um grupo de agentes microbiológicos com características mais virulentas para IPV, é um erro pensar que a epidemiologia infeciosa é igual em todo o mundo, sendo óbvio atualmente que cada país e ainda cada centro tem um espectro de agentes que são diferentes consoante o hospital, a comunidade local e mesmo o próprio indivíduo, ou seja, dependem principalmente da pressão antibiótica existente em cada local.

O S. aureus é considerado o agente mais comum neste tipo de infeções, estando presente entre 25-50% dos casos(12). Nos últimos anos, no entanto, tem sido referido um aumento do número de infeções por -(1,5,13). A presença de Methicillin-Resistant S. aureus (MRSA) também tem vindo a aumentar e é mais frequente em indivíduos idosos, em ambiente hospitalar e com cargas antibióticas passadas elevadas(12).

A capacidade de formar biofilmes também torna o Staphilococcus coagulase negativo especialmente aptos a este tipo de infeção, sendo na sua maioria adquiridos em contexto nosocomial (é o exemplo S. epidermidis e S. saprophyticus)(5,12).

Os agentes microbiológicos têm comportamentos diferentes e interessa também perceber se se tratam de infeções monobacterianas, na sua maioria menos agressivas que as infeções polimicrobianas. As bactérias Gram - (como E. coli, Pseudonomonas spp., Klebsiella spp., Enterobacter spp., Serratia spp. e Proteus spp.), por exemplo, são conhecidas pela sua alta virulência, apesar da sua menor capacidade de fixação e adesão, sendo capazes de produzir elastases e protéases que podem levar a ruturas anastomóticas, protésicas e falsos aneurismas(12). Quando estes agentes são identificados, está indicada uma estratégia terapêutica mais agressiva. Por outro lado, S. epidermidis, caracteriza-se por infeções de baixa virulência, muitas vezes com comportamentos latentes, mas, devido à sua forte aderência ao tecido, é difícil de erradicar(12,20).

Por outro lado, os fungos, como Candida spp., e as micobactérias são agentes menos frequentes de infeção hospitalar, mas que podem surgir em doentes imunosuprimidos(12,21).

O conhecimento da flora hospitalar é imperativo nestes doentes. A possibilidade de infeções tardias por disseminação hematógenea torna premente o seu conhecimento e terapêutica empírica com antibióticos adequados e dirigidos para os agentes em questão.

Diagnóstico

A facilidade de diagnóstico de IPV varia consoante se trata de próteses intra ou extra-cavitárias.

As infeções extra-cavitárias podem desenvolver sinais óbvios de infeção, como a presença de celulite, exposição cutânea, falsos aneurismas, drenagem purulenta e outros sinais inflamatórios(5,12). Por outro lado, a clínica das infeções intra-cavitárias é por vezes difícil de discernir: a presença de sépsis sem outro foco aparente, íleus, distenção abdominal ou qualquer tipo de hemorragia digestiva devem alertar para este tipo de infeções e levar o médico assistente a procurar exaustivamente a sua confirmação(5,12).

Quando existe a suspeita de IPV, a presença de uma infeção, febre ou internamento hospitalar recente aumenta o índice de suspeição, assim como a presença de leucocitose com neutrofilia, aumento da proteína C reactiva, procalcitonina e velocidade de sedimentação.

Na suspeita de IPV, está indicado colher hemoculturas, urocultura, cultura das feridas infetadas, como ulceras diabéticas (que por disseminação linfática ou hematogénea podem estar na origem da infeção), assim como qualquer material ou pus extraído. O teste de susceptilidade antibiótica das bactérias isoladas, deve ser obrigatório e aumenta a eficácia do tratamento(12). Apesar de estar indicada a colheita de hemoculturas, estas raramente são positivas (<5%), especialmente se o agente em causa for de baixa virulência como S. epidermidis(12). Quando positivas, geralmente são indicativas de infeções protésicas extensas e avançadas por bactérias de alta virulência(12).

Apesar disto, é frequentemente necessário realizar um exame de imagem de forma a confirmar o diagnóstico e avaliar as suas consequências e complicações.

Para infeções extracavitárias, uma ecografia com estudo de doppler é frequentemente o primeiro exame(1), que pode ser complementado com uma angio-TC. A presença de um falso aneurisma, rotura anastomótica, líquido peri-protésico ou reação inflamatória tecidual circundante são aspetos sugestivos de infeção.

Para infeções intracavitárias, a ecografia perde sensibilidade e a angio-TC ou a RMN são frequentemente o primeiro exame a realizar. A angio-TC deve ser realizada não apenas com contraste endovenoso mas também com contraste oral, por permitir avaliar a presença de fístulas ou erosões entero-protésicas(1, 12). A presença de gás peri-protésico pode ser um achado normal após uma cirurgia, no entanto, a sua manutenção após 3 meses da implantação do enxerto deve levantar a suspeita de infeção(1,12).

A endoscopia digestiva alta também permite o diagnóstico de fístulas protésico-entéricas afetando o andar supra-mesocólico (esófago, estômago e duodeno); no entanto, a sua ausência não permite excluir o diagnóstico(1,5).

A utilização de exames funcionais como a PET também tem lugar no diagnóstico destas infeções, mas apenas em relação a infeções tardias: o processo de cicatrização pós-operatório pode contrastar nestes exames até 6 meses e por isso diminui a especificidade do diagnóstico(12, 22). Em infeções tardias, no entanto, pode ser importante não só na confirmação do diagnóstico mas também de forma a avaliar a extensão da infeção e por vezes levar o cirurgião preferir opções mais conservadoras e fazer explantações parciais de próteses, removendo apenas o local com infeção demonstrada (é o exemplo da remoção de um ramo femoral de uma prótese aorto-bi-femoral, mantendo a restante prótese no seu local) e definir o tempo de instituição antibiótica, comportando-se como fator de decisão para a suspensão terapêutica se não houver mais evidência de infeção(12,22).

A colheita de material infetado é crucial para o isolamento do agente e ajuste da antibioterapia. Este deve ser feito durante o ato cirúrgico. No entanto, em doentes estáveis, uma abordagem estadiada pode estar indicada e a colheita de material pode ser feita por: aspiração guiada por TC, biópsia de trombo por via endovascular ou biópsia/aspiração de material por via laparoscópica. Esta estratégia pode permiti uma tenativa de maior redução da carga bacteriana/ esterilização do local antes da reconstrução vascular(12).

Tratamento

O tratamento destes doentes deve ser dirigido e específico com o objetivo de erradicar a infeção e manter a perfusão dos tecidos.

É possível dividir o tratamento destes doentes em dois tipos: o tratamento médico e o cirúrgico, que funcionam em simultâneo.

Tratamento médico

O tratamento médico inclui o tratamento basal utilizado em qualquer tipo de infeção, como a fluidoterapia e tratamento do choque (se existente), mas consiste essencialmente na escolha correta da antibioterapia.

Esta é instituída inicialmente de forma empírica, devendo ser de largo espectro e adaptada ao caso em questão, dependendo do contexto microbiológico do hospital, do serviço e do doente. A utilização de protocolos de antibioterapia empírica semelhantes para todos os doentes é um erro. Esta deve ser realizada de forma singular com apoio de um Infeciologista ou idealmente por equipas multidisciplinares de controlo de infeção hospitalar dedicadas, como por exemplo, as equipas de GCL-PPCIRA (Grupo de Coordenação Local - Programa de Prevenção e Controlo de Resistência Antimicrobiana) instituídos a nível nacional desde 2013. Na nossa instituição, após o isolamento do agente, o antibiótico deve ser descalado e continuado de forma duradoura. Atualmente, a duração da antibioterapia está relacionada com a estratégia cirúrgica utilizada e a virulência do agente em causa, existindo casos em que, optando-se por manter a prótese pelo risco cirúrgico do doente, se poderá manter antibioterapia ad eternum segundo um esquema adaptado(5,23). Em casos de infeções graves, mesmo removendo a prótese em questão, está indicado manter antibioterapia sistémica durante pelo menos 6 semanas a 3 meses(5,12).

Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico depende do doente e da extensão de infeção. O modelo ideal passa pela remoção de todo o material protésico infetado assim como os tecidos circundantes e a criação de um novo trajeto através de um local não infetado. No entanto, isto não é possível em todos os doentes.

De uma forma geral, podemos dividir as estratégias cirúrgicas existentes em três tipos: tratamento com preservação da prótese; remoção da prótese e bypass extra-anatómico; ou remoção da prótese e reconstrução in situ(5,12).

As técnicas de preservação de prótese podem estar indicadas nos casos em que a infeção está confinada a uma zona da prótese, não envolvendo as zonas anastomóticas, em infeções precoces e especialmente em casos de PTFE(12,24), devendo constituir infeções pouco extensas e idealmente por agentes pouco invasivos(12). Estas técnicas podem passam por estratégias de desbridamento cirúrgico das zonas envolventes e criação de sistemas de lavagem contínuos associado a estratégias de cobertura com flaps musculares e utilização de técnicas de pressão negativa(24,25). No entanto, mesmo em casos favoráveis, a taxa de insucesso chega aos 30% tendo como consequência a evolução para estados infeciosos graves e possíveis roturas anastomóticas(24,25).

As técnicas de remoção da prótese e bypass extra-anatómico podem ser feitas de forma estadiada ou em simultâneo, dependendo do estado do doente. Estas técnicas são normalmente necessárias em doentes mais graves e com infeções extensas, como por exemplo, com fístulas aorto-entéricas, em que a estratégia poderá ser o encerramento da aorta com extração do material, encerramento do defeito do tubo digestivo, ora por encerramento direto ou por criação de uma derivação digestiva (como um Bilroth II, por exemplo) e bypass axilo-femoral se o doente estiver em sépsis(12,26,27). Estas técnicas são associadas também a sistemas de lavagem contínua do local de infeção, mesmo após ressecção cirúrgica(27). Em alguns doentes, se estiverem estáveis, pode ser realizada uma cirurgia em dois tempos, com a criação do bypass extra-anatómico num primeiro tempo operatório e com a explantação do enxerto e desbridamento cirúrgico num segundo tempo(12,27).

A estratégia de remoção da prótese e reconstrução in situ, pode atingir bons resultados em doentes selecionados. Normalmente tratam-se de doente que, embora possam ter infeções extensas e por agentes virulentos, estão hemodinamente estáveis, permitindo cirurgias mais duradouras e complexas(5,12).

A reconstrução in situ é idealmente feita com material autólogo. No caso de infeções extra-cavitárias, um estudo aprofundado do sistema venoso do doente permite a identificação de uma veia que permite a sua reconstrução, como por exemplo a veia safena interna ou externa, veia basílica ou cefálica. Em casos em que não é possível utilizar uma veia superficial, a veia femoral superficial poder ser utilizada. Outra estratégia de recurso possível é o uso de artérias ocluídas, como a artéria femoral superficial, que podem ser removidas, endarterecomizadas na bancada e utilizadas como enxerto. Mesmo em casos de infeção de próteses intracavitárias, estas estratégias podem ser utilizadas, embora, o mismatch de diâmetro as torne mais complexas. É o exemplo do neo-aortic ilíaca system (NAIS), descrito inicialmente por Claget et al(28,29).

Quando não é possível a utilização de material autólogo, o recurso a próteses de pericárdio bovino, de próteses embebidas em prata ou em antibiótico ou mesmo veias e artérias (aloenxertos) criopreservadas tem sido advogadas por alguns autores(12,30). No entanto, embora tenham demonstrado menores taxas de re-infeção em alguns artigos, não têm demonstrado, de forma clara uma melhoria significativa na sobrevida destes doentes(12).

Esta estratégia deve ser no entanto acompanhada de medidas adjuvantes, como a instituição de antibioterapia de largo espectro a iniciar dias antes da operação, a ressecção de todo o material infetado ou com sinais inflamatórios junto ao enxerto prévio, ressecção de todos os locais e suturas anastomóticas prévias, colocação de sistema de lavagem e de infusão antibiótica na primeira semana e administração de antibioterapia dirigida durante pelo menos 6 semanas após o isolamento do agente(5,12). Na região femoral, a cobertura do enxerto com rotação de costureiro ou recto interno deve ser utilizada por rotina(30,31). Estas estratégias podem ser associadas a pensos de pressão negativa com ou sem sistemas de lavagem.

Prevenção

A prevenção de infeções de próteses vasculares começa desde os cuidados de saúde primários. A utilização consciente da antibioterapia permite diminuir a resistência antibiótica dos indivíduos, o que permite manter a eficácia dos mesmos quando forem necessários.

As guidelines de cuidados da infeção do local cirúrgico indicadas pela American College of Surgeons e a Sugical Infection Society devem ser cumpridas de forma rigorosa(33).

O conhecimento da epidemiologia das infeções protésicas em cada centro, é crucial para monitorizar a adequação da profilaxia cirúrgica, assim como o conhecimento da flora hospitalar para a otimização das terapêuticas empíricas de outras infeções com risco de colonização protésica.

A técnica cirúrgica tendo em mente a possibilidade de complicações cirúrgicas futuras deve ser a regra. A cobertura de próteses aórticas com epíploon, a rotação de músculo costureiro na suspeita de infeção, a preferência por material autólogo sempre que possível são medidas a ter em conta.

A educação de jovens médicos, da população e dos doentes neste sentido irá permitir a contínua melhoria da taxa de infeções que se tem observado nos últimos anos.

Conclusão

As IPV dependem de fatores endógenos e exógenos e variam consoante o tempo de apresentação, localização da prótese vascular e contexto microbiológico do doente. A morbimortalidade associada é elevada e o tratamento deve ser adaptado ao doente em questão, sendo necessário conhecer o microrganismo e as várias possibilidades de tratamento existentes. O conhecimento dos fatores predisponentes da infeção protésica vascular, o seu reconhecimento precoce e prevenção deve ser realizada em todos os doentes e num contexto de cuidados de saúde multidisciplinares.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Correio eletrónico: ryan@campus.ul.pt (R. Melo).

 

Recebido a 15 de junho de 2019

Aceite a 30 de dezembro de 2019

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