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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.14 no.4 Lisboa dez. 2018

 

CASOS CLÍNICOS

Construção de Neo-aorta para resolução de catástrofe vascular - Solução inovadora para casos de infeção protésica

Pericardial Neo-aorta for resolution of a vascular catastrophy - Innovative solution for aortic prosthetic infection

Ana Afonso1, Hugo Rodrigues1, Gil Marques1, João Vieira1, Gonçalo Sousa1, Maria José Ferreira1

1Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Introdução e Objetivo: A infeção protésica aórtica é uma complicação rara mas potencialmente fatal. O seu tratamento requer a excisão completa do material protésico, desbridamento dos tecidos infectados circundantes, antibiótico de largo espectro e revascularização que pode ser realizada através de uma reconstrução in situ ou bypass extra-anatómico. Os autores apresentam um caso de reconstrução in situ com enxerto de pericárdio bovino.

Métodos e Resultados: Reportamos o caso de um doente previamente submetido a um bypass aorto-bifemoral com prótese de Dacron complicada de infeção aos 6 anos pelo que foi sujeito a excisão completa do enxerto protésico e reconstrução in situ com prótese bifurcada de prata. Cerca de um ano depois, o doente iniciou quadro clínico de febre e tumefação inguinal pulsátil bilateral com sinais inflamatórios. A tomografia computorizada mostrou sinais de infeção protésica extensa e aposição de ansa duodenal D3 à prótese de Dacron, sugestivo de fístula aorto-entérica. Foi então realizada a excisão total da prótese e exclusão da fístula duodenal por doudenojejunostomia. Procedeu-se no mesmo tempo cirúrgico a reconstrução in situ com enxerto biológico de pericárdio bovino e artérias femorais superficiais endarterectomizadas ex vivo. Teve alta após 45 dias de antibiótico endovenoso e com bom estado geral.

Discussão e Conclusão: Os doentes com infeção aórtica apresentam um estado frágil e com alto risco de mortalidade e morbilidade. Devido às suas propriedades de disponibilidade imediata, manuseio fácil, baixo risco de reinfeção e durabilidade, os enxertos de pericárdio bovino são uma opção útil na reconstrução urgente de infeções vasculares.

 

Palavras-chave: Infeção protésica, Reconstrução in situ, Pericárdio bovino


 

ABSTRACT

Introduction and Purpose: Aortic prosthetic graft infection is a rare but potentially fatal complication. Treatment requires the complete excision of the prosthetic material, debridement of the surrounding tissues, broad-spectrum antibiotics, and limb revascularization which can be done through in situ reconstruction or by extra-anatomic solutions. The authors present a case of an in situ reconstruction with bovine pericardium graft.

Methods and Results: We report a case of a patient, previously submitted to a aortic-bifemoral bypass with Dacron prosthesis complicated of infection six years after and treated with complete excision and in-situ reconstruction with bifurcated Dacron silvergrat and antibiotics for life. One year after the patient develop bilateral pulsatile groin mass with inflammatory signs and fever. The computed tomography showed signs of prosthetic infection, aposition of D3 duodenal portion with the underlying prosthesis. The patient is submitted a total graft excision, fistulectomy with duodenojejunostomyand an in situ aortic reconstruction with a Y graft tailored from a self-made tube graft from bovine pericardium and endarterectomized superficial femoral arteries. The patient underwent a 45 days antibiotic regimen and it was discharged with an overall good condition.

Discussion and Conclusion: Patients with infectious aortic disease present in a frail state and with high risk of mortality and morbidity. Because of their off-the-shelf availability, handling properties, and freedom from reinfection and durability, self-made bovine pericardial grafts are an useful option in urgent reconstruction of vascular infections.

 

Keywords: Aortic prosthetic infection, In-situ reconstruction, Bovine pericardium


 

Introdução

A infeção protésica é uma complicação grave e considerada uma verdadeira catástrofe vascular e que exige um tratamento tecnicamente desafiante. Os estudos mais recentes reportam uma incidência de infeção arterial primária e protésica de 0.5-4%(1)

Existem muitas abordagens cirúrgicas e o tratamento de escolha deve envolver a completa excisão do material protésico sendo sempre opções complexas e acompanhadas de elevada morbi-mortalidade. Apesar da reconstrução in situ com conduto autólogo venoso ser considerado o gold-standard, a reconstrução extra-anatómica ou in situ com homo-enxertos arteriais, xeno-enxertos, enxertos protésicos de prata, com antibótico ou biosintéticos estão descritas como alternativas(2).

Caso Clínico

Apresentamos um caso clínico de um doente do sexo masculino, 59 anos, ex-fumador e hipertenso medicado. Em 2009 foi submetido a cirurgia de revascularização por doença arterial obstrutiva aterosclerótica do território aorto-ilíaco. Realizado bypass aorto-bifemoral com conduto vascular protésico em Dacron gelatinado.

Permaneceu aparentemente assintomático até 2015 (6 anos pós operatório), altura em que se verificou a presença de tumefação inguinal direita, pulsátil, que motivou investigação clínica (figura 1). Após realização de angio-tomografia computorizada (TC) que mostrou falso aneurisma anastomótico femoral direito e aórtico (figura 2) foi submetido a bypass aortobifemoral com prótese de prata (Silvergraft).

 

 

 

Em Agosto de 2017 esteve internado em Medicina Interna por urosépsis com isolamento em hemoculturas de Escherichia coli multi-resistente tendo tido alta com antibiótico dirigido. Em 5 de Setembro 2017 é observado por tumefação inguinal bilateral e febre. Realizou angio-TC que mostrou infeção protésica, aposição da ansa duodenal D3 com provável fístula aorto-entérica e doença arterial obstrutiva com oclusão das artérias femorais superficiais. Foi feita drenagem de exsudado purulento (figura 3) em grande quantidade e iniciado antibiótico de alto espectro.

 

 

No dia 19/09 foi operado tendo sido realizado: excisão completa de prótese infetada, exclusão de fístula aorto-entérica duodenal (excisão de D2 e D3) seguido de duodeno-jejunostomia, construção de conduto biológico tubular com patch de pericárdio bovino (Patch biológico XenoSure, LeMaitre® 8x14cm). A sutura contínua foi realizada com prolene 4-0 (figura 4) e artérias femorais superficiais autólogas endarterectomizados ex-vivo obtendo um enxerto em Y (figura 5 e 6). A anastomose aórtica foi realizada em posição termino-terminal e as femorais em profundoplastia.

 

 

 

 

Das culturas realizadas ao exsudado purulento e segmento de prótese infetada verificou-se isolamento de Klebsiella pneumoniae sensível aos carbapenemos.

Internamento decorreu sem intercorrências, tendo realizado cerca de 45 dias de antibiótico de alto espectro e teve alta a 10 Outubro com indicação para manter antibiótico oral ad aeternum e medicação antiagregante na forma de monoterapia.

Em consulta de follow-up aos 6 meses constatou-se o aparecimento de sintomas sugestivos de claudicação intermitente. O exame eco-doppler realizado mostrou curvas monofásicas na artéria femoral comum esquerda e a angiografia (figura 7) realizada estenose difusa do ramo esquerdo (artéria femoral superficial). Foi instituído tratamento médico com melhoria clínica e aumento de distância de marcha. Os parâmetros infeciosos controlados periodicamente não revelaram alterações.

 

 

Comentários

A infeção protésica aórtica é uma das complicações mais temidas na cirurgia vascular com uma mortalidade associada de cerca de 25-60% e taxas de perda de membro de 25%(3,4) .

O seu tratamento envolve, além da antibioterapia, a completa excisão do material protésico infetado, desbridamento extenso e a restabelecimento da perfusão distal que poderá ser realizada in situ ou através de revascularização extra-anatómica. Esta última, na forma de bypass axilo-femoral, tem uma taxa de permeabilidade primária aos 5 anos de apenas 43% e com um risco adicional de reinfeção bem como rotura do coto aórtico laqueado em 10-20% dos doentes(5). No caso que apresentamos a laqueação do coto aórtico não seria segura dada a sua posição justa-renal condicionada pelas cirurgias prévias, e que poderia condicionar o sacrifício das artérias renais.

Assim, apesar da reconstrução in situ ser considerado o tratamento de escolha, também o tipo de material usado para a reconstrução não é consensual e depende de vários fatores, nomeadamente a disponibilidade de material autólogo, condição clínica do doente, envolvimento total ou parcial da prótese e virulência do microrganismo invasivo. Os condutos usados poderão ser próteses revestidas a antibiótico ou prata, alo-enxertos criopreservados, xeno-enxertos, condutos autólogos arteriais e venosos e material biosintético.

A veia femoral profunda apresenta as mais baixas taxas de reinfeção, contudo, o mismatch de diâmetro poderá levar a insuficiência da anastomose ou mesmo estenose.(6). Uma modificação do neo-aortoiliac system com sistema venoso profundo é com recurso às artérias femorais superficiais e que também tem sido descrito esporadicamente na literatura(7) e que foi decidido pela equipa cirúrgica pela menor morbilidade cirúrgica associada á sua excisão e pelo facto de estarem previamente ocluídas não acrescentando um risco de isquémia grave dos membros inferiores.

O pericárdio bovino é usado com frequência na cirurgia cardíaca e aórtica proximal e apresenta um bom comportamento no contexto de infeção com taxas de sobrevida livre de reinfeção de 80%(8). Também é usado no território carotídeo e femoral onde a literatura descreve muitos poucos casos de rotura ou formação de falsos aneurismas(9,10)

O recurso a xeno-enxertos tem a grande vantagem da sua disponibilidade imediata, ao contrário do homo-enxertos criopreservados. Além disso, usando como patch é possível a construção do tubo intra-operatoriamente sendo possível adaptar diferentes diâmetros de acordo com a anatomia do doente. A sua textura sólida, mas flexível confere-lhe ótima propriedade de manuseio tal como nos reporta Li et al.(11)

A experiência com os xeno-enxertos na aorta descendente e abdominal é limitada. A maior série reportada diz respeito à de Czerny et al. que usaram este método em 15 doentes com infeção aórtica e que descrevem bons resultados no que diz respeito à durabilidade e resistência à infeção durante o follow-up de 24 meses, sem necessidade de cirurgia de revisão e com taxa de sobrevida de 68%(12).

Conclusão

O conduto ideal usado para a reconstrução aórtica não existe, contudo deve exibir propriedades como fácil manuseio, disponibilidade imediata, resistência à infeção e durabilidade. O pericárdio bovino é assim uma opção viável para o tratamento de infeção aórtica com o intuito de tratamento inicial e definitivo bem como tratamento ponte até uma reconstrução definitiva.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Revest M, Camou F, Senneville E, Caillon J, Laurent F, Calvet B, et al. Medical treatment of prosthetic vascular graft infections: review of the literature and proposals of a Working Group. Int J Antimicrob Agents 2015; 46:254-65.         [ Links ]

2. O’Connor S, Andrew P, Batt M, Becquemin JP. A systematic review and meta-analysis of treatments for aortic graft infection. J Vasc Surg 2006; 44:38-45        [ Links ]

3. Charlton-Ouw, K.M., Sandhu, H.K., Huang, G., Leake, S.S., Miller, C.C. 3rd, Estrera, A.L. et al. Re-infection after resection and revascularization of infected infrarenal abdominal aortic grafts. J Vasc Surg. 2014; 59: 684-692        [ Links ]

4. Swain, T.W. 3rd, Calligaro, K.D., and Dougherty, M.D. Management of infected aortic prosthetic grafts. Vasc Endovasc Surg. 2004; 38: 75-82        [ Links ]

5. Dulbecco E, Camporrotondo M, Blanco G, Haberman D. In situ reconstruction with bovine pericardial tubular graft for aortic graft infection. Rev Bras Cir Cardiovasc 2010;25(2):249-52.         [ Links ]

6. Aavik A, Lieberg J, Kals J, Pulges A, Kals M, Lepner U. Ten Years Experience of Treating Aorto-Femoral Bypass Graft Infection with Venous Allografts. Eur J Vasc Endovasc Surg 2008;36(4):432-7.         [ Links ]

7. Dinis da Gama, A.; Rosa, A.; Soares, M. & Moura, C. (2004). Use of autologous superficial femoral artery in surgery for aortic prosthesis infection. Annals of Vascular Surgery, Vol.18, No.5, (Sep), pp. 593-596, ISSN 0890-5096        [ Links ]

8. Leontyev S, Borger MA, Modi P, Lehmann S, Seeburger J, Doenst T, et al. Surgical management of aortic root abscess: A 13-year experience in 172 patients with 100% follow up. J Thorac Cardiovasc Surg 2012;143(2):332-7.         [ Links ]

9. McMillan W, Hile C, Leville C. Bovine Pericardial Patch Repair in Infected Fields. J Vasc Surg 2011;54(5):1542.         [ Links ]

10. Li X, Guo Y, Ziegler KR, Model LS, Eghbalieh SDD, Brenes RA, et al. Current Usage and Future Directions for the Bovine Pericardial Patch. Ann Surg 2011;25(4):561-8.         [ Links ]

11. Li X, Guo Y, Ziegler KR, Model LS, Eghbalieh SD, Brenes RA, et al. Current usage and future directions for the bovine pericardial patch. Ann Vasc Surg 2011;25:561-8.         [ Links ]

12. Czerny M, von Allmen R, Opfermann P, Sodeck G, Dick F, Stellmes A, et al. Self-made pericardial tube graft: a new surgical concept for treatment of graft infections after thoracic and abdominal aortic procedures. Ann Thorac Surg 2011;92(5):1657-62.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Correio eletrónico: ana.raquel.22@gmail.com (A. Afonso).

 

Recebido a 03 de julho de 2018

Aceite a 16 de janeiro de 2019

 

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