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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.14 no.2 Lisboa jun. 2018

 

CASO CLÍNICO

Iliac branch device bilateral na correção endovascular de aneurismas aorto-ilíacos

Endovascular repair of aorto-iliac aneurysms with bilateral iliac branch devices

Miguel Lemos Gomes1,3, Mariana Moutinho1,3, Alice Lopes1,3, Pedro Garrido1,3, Karla Ribeiro1,3, Luís Silvestre1,2,3, Gonçalo Sobrinho1,2,3, Ruy Fernandes1,2,3 e Luís Mendes Pedro1,2,3

 

1Serviço de Cirurgia Vascular, Hospital de Santa Maria (CHLN), Lisboa

2Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

3Centro Académico de Medicina de Lisboa

 

Autor para correspondência

 

RESUMO

Os aneurismas aorto-ilíacos envolvem ambas as artérias ilíacas primitivas em 30% dos casos. O seu tratamento por via endovascular pode ser efetuado com recurso a técnicas de revascularização e de embolização combinadas, mas em alguns casos, existe vantagem na preservação das duas artérias hipogástricas. Assim, torna-se necessário recorrer à colocação de endopróteses ilíacas ramificadas (iliac branch devices- IBD) bilaterais cuja utilização implica estratégias técnicas próprias e tem sido relatada pouco frequentemente na literatura.

Neste trabalho, os autores descrevem a técnica, discutem as suas particularidades e relatam dois casos clínicos operados recentemente.

Os registos dos processos clínicos dos doentes submetidos a este procedimento foram revistos. Eram ambos do sexo masculino, com idades de 70 e 73 anos. Ambos os doentes tinham concomitantemente aneurisma da aorta abdominal infra-renal (diâmetros da aorta de 61mm e 37mm e artérias ilíacas primitivas de 37/38mm e 32/44mm respectivamente). Foi utilizado em ambos os casos acesso femoral bilateral e axilar esquerdo. No primeiro caso a ordem das próteses foi EVAR, IBD esquerdo e IBD direito, e no segundo realizou-se primeiro o IBD direito, de seguida o EVAR e por fim o IBD esquer­do. O sucesso técnico foi obtido em ambos dos casos. Não existiram complicações pós-operatórias. O seguimento médio foi de 3 e 12 meses. Não ocorreram endoleaks ou oclusões de ramo.

Os IBD bilaterais podem ser utilizados com segurança em pacientes apropriadamente selecionados, com excelentes taxas de sucesso técnico e de permeabilidade dos ramos. Os aspetos técnicos a equacionar em cada caso são as vias de acesso e a ordem de abertura das endopróteses.

Palavras-chave: Aneurisma, aorto-ilíaco, iliac branch device

 

ABSTRACT

Aorto-iliac aneurysms involve both common iliac arteries in 30% of cases. Endovascular treatment can be performed using combined revascularization and embolization techniques, but in selected cases, the preservation of the two hypo­gastric arteries appears to offer a clear advantage. Thus, in order to accomplish this goal, it is necessary to use bilateral iliac branch devices (IBD), which require specific technical strategies.

In this paper, the authors report two clinical cases, describe the technique and discuss its peculiarities.

Keywords: Aneurysm, aorto-iliac, iliac branch device

 

INTRODUÇÃO

Os aneurismas aorto-ilíacos envolvem ambas as artérias ilíacas primitivas em cerca de 30% dos casos.(1) A preser­vação da artéria mesentérica inferior e/ou de pelo menos uma artéria hipogástrica é importante como forma de diminuir o risco de complicações como a isquemia do cólon e da espinhal medula, de disfunção eréctil ou de claudica­ção glútea.(2) A ocorrência destas complicações isquémicas é relativamente frequente (10 a 40% dos casos), mesmo quando se preserva uma das artérias hipogástricas.(3)(4)

A mudança no paradigma de tratamento dos aneurismas da aorta abdominal (AAA), com maior número de casos tratados por via endovascular, levou ao desenvolvimento de alternativas técnicas para lidar com o envolvimento ilía­co pela doença aneurismática, as quais incluem o recurso a métodos de embolização e revascularização. Esta, pode implicar a utilização de ramos ilíacos de maior diâmetro (bell-bottom technique) ou a utilização de endopróteses ilíacas ramificadas (iliac branch devices- IBD). Em doentes selecionados, pode haver mesmo a indicação clínica de preservar as duas artérias hipogástricas através da colo­cação bilateral de sistemas IBD, os quais têm sido relatados pouco frequentemente na literatura. No entanto, a utiliza­ção bilateral de IBD implica estratégias técnicas próprias, cujas particularidades são discutidas neste trabalho a propósito de dois casos clínicos operados recentemente.

 

CASOS CLÍNICOS

Os registos dos processos clínicos dos doentes submetidos a este procedimento foram revistos.

Caso 1

Doente de 70 anos, sexo masculino, com antecedentes de hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo II, ex-fumador, neoplasia da bexiga (submetido a cistectomia) e obesidade (submetido a sleeve gástrico); apresentava um aneuris­ma da aorta abdominal infra-renal de 61mm envolvendo também ambas as artérias ilíacas comuns (37mm à direita e 38mm à esquerda- figura 1).

 

 

As artérias ilíacas externas apresentavam um diâmetro de 11 mm e as artérias hipogástricas de 8 mm. Tendo em conta as co-morbilidades (cirurgia pélvica prévia) e a anatomia favorável do doente, optou-se pelo tratamento endovas­cular com revascularização das duas artérias hipogástricas.

Procedimento endovascular

Foi utilizado acesso femoral bilateral e axilar esquerdo. Em primeiro lugar foi introduzido e aberto o corpo principal por via femoral esquerda (Zenith Flex TFFB-32-82-ZT, Cook Medical, Bloomington, IN, USA)- figura 2-, seguido da catete­rização do ramo contralateral e da colocação do IBD esquer­do (ZBIS-12-45-41, Cook Medical, Bloomington, IN, USA). A cateterização e stenting da artéria hipogástrica esquerda foi efetuada por via axilar esquerda (bainha Flexor Ansel 9F 110cm, Cook Medical, Bloomington, IN, USA) utilizando um stent coberto Advanta V12 9x38mm (Atrium Medical, Hudson, NH, USA)- figura 3. De seguida, foi colocado o brid­ging stent (extensão ZSLE-16-56-ZT, Cook Medical, Bloo­mington, IN, USA) e dilatado o colo proximal, as zonas de overlap do bridging stent e a landing zone da artéria ilíaca externa esquerda.

 

 

Finalmente, foi introduzido e aberto o IBD direito (ZBIS-12-45-41, Cook Medical, Bloomington, IN, USA), foi cateteriza­da a artéria hipogástrica direita por via axilar esquerda e efetuado o stenting desta com um stent coberto Advanta V12 9x59mm (Atrium Medical, Hudson, NH, USA)- figura 4. O bridging stenting foi realizado com uma extensão ZSLE-16-74-ZT (Cook Medical, Bloomington, IN, USA) e procedeu-se finalmente à dilatação das zonas de overlap do bridging stent e da landing zone da artéria ilíaca externa direita. O resultado final visualiza-se na figura 5.

 

 

O procedimento demorou 3 horas 40 minutos. Não exis­tiram complicações pós-operatórias, tendo o doente alta ao 3º dia. O seguimento foi de 12 meses. Não ocorreram endoleaks ou oclusões de ramo, como se pode observar na angiotomografia computorizada (angio-TC) de controlo aos 12 meses (figura 6).

 

Caso 2

Doente de 73 anos, sexo masculino, com antecedentes de hipertensão arterial, dislipidemia, doença cérebro-vas­cular, ex-fumador, hiperplasia benigna da próstata (croni­camente algaliado). O diagnóstico de AAA foi efetuado acidentalmente por angio-TC, que revelou um AAA infra­-renal de 37mm com extensão a ambas artérias ilíacas comuns (44mm à direita e 32mm à esquerda- figura 7).

 

As artérias ilíacas externas apresentavam um diâmetro de 11 mm e as artérias hipogástricas de 7 mm à esquerda e 6 mm à direita. Tendo em conta as várias patologias de base e o risco global de complicações isquémicas (doente com aterosclerose oclusiva avançada), bem como a anatomia favorável, optou-se também pelo tratamento endovascu­lar com preservação das duas artérias ilíacas internas.

 

PROCEDIMENTO ENDOVASCULAR

Foi utilizado acesso femoral bilateral e axilar esquerdo, tendo sido realizado primeiro o IBD direito (ZBIS-12-45-41, Cook Medical, Bloomington, IN, USA); a artéria hipogástri­ca direita foi cateterizada por via femoral esquerda (cros­s-over), uma vez que a anatomia era favorável a esta via. Verificou-se que a progressão do fio-guia nesta artéria foi extremamente laboriosa e demorada, pela presença de doença parietal e tortuosidade associadas, sendo respon­sável pelo prolongado tempo operatório. Finalmente foi possível a correta colocação da bainha e abertura do stent coberto Advanta V12 6x59mm (Atrium Medical, Hudson, NH, USA)- figura 8.

 

De seguida, por via femoral esquerda, procedeu-se à intro­dução e abertura do corpo principal (Zenith LP ZLAB-28-70, Cook Medical, Bloomington, IN, USA) e completou-se o lado direito através da colocação do bridging stenting com uma extensão ZSLE-16-56-ZT (Cook Medical, Bloomington, IN, USA); foi então dilatado o colo proximal, as zonas de overlap do bridging stent e a landing zone da artéria ilíaca externa direita- figura 9.

 

Por fim o introduziu-se o IBD esquerdo (ZBIS-12-45-41, Cook Medical, Bloomington, IN, USA); a cateterização e stenting da artéria hipogástrica esquerda foi efetuada por via axilar esquerda (bainha Flexor Ansel 9F 110cm, Cook Medical, Bloomington, IN, USA) usando dois stents cober­tos Advanta V12 8x59mm e 8x38mm (Atrium Medical, Hudson, NH, USA)- figura 10; completou-se o procedimen­to utilizando uma extensão ZSLE-16-39-ZT (Cook Medical, Bloomington, IN, USA) como bridging stent, finalizando com a dilatação das zonas de overlap e da landing zone na artéria ilíaca externa esquerda.

 

O controlo final mostrou um bom resultado, como demons­trado na figura 11.

 

O procedimento demorou 6 horas 30 minutos. Não ocor­reram complicações pós-operatórias, tendo o doente alta ao 2º dia. O seguimento foi de 3 meses, nos quais não se observaram endoleaks ou oclusões de ramo, como se pode observar na angio-TC de controlo um mês após a interven­ção (figura 12).

 

 

DISCUSSÃO

A exclusão de uma ou das duas artérias hipogástricas no contexto do tratamento endovascular ou por via aberta dos pode associar-se a complicações isquémicas, as quais podem colocar em risco a vida ou a qualidade de vida dos doentes. A ocorrências destas complicações são habitual­mente problemas clínicos “sem retorno”, uma vez que o seu tratamento não é muito eficaz. Assim, qualquer interven­ção que envolva as artérias ilíacas deve ponderar cuidado­samente as opções, face à necessidade de ocluir ou revas­cularizar as artérias hipogástricas.

Por outro lado, é difícil determinar com rigor quais os doen­tes que irão desenvolver estas complicações,(2) e mesmo quando a permeabilidade de ambas as artérias ilíacas internas é conservada, estas podem surgir num número relevante de casos. Sabe-se, no entanto, que existem doentes de risco mais elevado e com menos tolerância à diminuição do débito sanguíneo pélvico, como aqueles que foram previamente submetidos a intervenções cirúrgicas abertas na região (interrupção das vias de circulação cola­teral), os mais idosos e com doença aterosclerótica avan­çada, bem como aqueles que já têm previamente oclusão de uma ou das duas artérias hipogástricas. Outro grupo problemático são os doentes mais jovens, em a possibili­dade de disfunção sexual pode ser devastadora para a sua qualidade de vida.

No contexto do tratamento endovascular dos AAA exis­tem várias soluções técnicas para lidar com as artérias ilíacas internas, de forma a que estas não sejam a causa de endoleak retrógrado. Uma é a embolização unilateral associada à preservação da artéria contralateral. Vários estudos demonstraram que esta alternativa apresenta um risco superior em relação à preservação bilateral(3)(4) (a embolização ou exclusão bilateral deve ser evitada sempre que possível). Outra possibilidade é a utilização de ramos protésicos de largo diâmetro na artéria ilíaca comum, supe­riores a 20 mm, e denominados de bell-bottom. Esta técni­ca é utilizada com frequência, mas tem um risco superior de endoleak tardio por dilatação da artéria ilíaca primitiva.

A permeabilidade hipogástrica pode ainda ser mantida por outros métodos como a técnica de sandwich ou a realização de bypass cirúrgico associado com prótese sintética ou híbrida.

Finalmente, encontra-se na atualidade bem estandardiza­da a técnica de revascularização endovascular com IBD que é exequível quando estão reunidas as instructions for use (IFU)- artéria ilíaca externa de comprimento superior a 20 mm, com diâmetro externo entre 8 e 11 mm e artéria ilíaca interna de comprimento superior a 10 mm (ideal 20 a 30 mm), com diâmetro adequado para selagem apropriada.

A sua realização unilateral é habitual, mas a colocação bilateral de IBD tem sido reportada menos frequentemente e associa­-se a alguns requisitos técnicos que são discutidos neste artigo.

Os principais aspetos técnicos a ter em conta são os seguintes:

1. Acesso: a cateterização por via contralateral do segundo IBD, quando já existe um IBD aberto, é possível sem risco apenas quando as artérias ilía­cas primitivas são longas de forma a que ambas as próteses não se estendam proximalmente na aorta. De outra forma, a progressão da bainha poderá ser difícil ou arriscada, podendo danificar o IBD prévio ou o stenting da artéria ilíaca interna.Assim, a realização de acesso femoral bilateral combinado com acesso axilar esquerdo é a opção mais comum e possivelmente com menos risco técnico. Deve ter-se em conta que o comprimento das bainhas é crucial (devem atingir pelo menos a terminação distal do ramo hipogástrico dos IBD) pelo que se aconselha a via axilar e não braquial, atendendo também à elevada taxa de complicações deste última (6 a 11%).(5)

2. A ordem de colocação e abertura das endopró­teses é outro ponto de relevo. Deve evitar-se que o corpo principal da prótese seja introduzido através de um IBD previamente colocado evitando assim possíveis complicações de deslocamento ou insta­bilização da endoprótese ilíaca e respetivo stent coberto. Assim, existem duas opções que devem ser consideradas no planeamento e foram utiliza­das nos dois casos apresentados. Uma é a colocação em primeiro lugar do corpo principal (CP) seguida de um dos IBD (bainha por via contralateral ou axilar), de preferência o ipsilateral (IBD IL) à entrada do CP (para que este lado seja completado e retirado mais precocemente o material, perfundindo normalmen­te o membro) e finalmente do segundo IBD (IBD CL) (opção 1: CP-IBD IL-IBD CL). A outra opção é a coloca­ção inicial do primeiro IBD, seguida da introdução do corpo principal por via contralateral e finalmente a execução do segundo IBD (opção 2: IBD CL-CP-IBD IL).

3. Finalmente, deve ponderar-se o risco potencial na captação do indwelling wire dos IBD após a colocação do corpo principal. Esta captação não deve ser efetuada dentro do saco aneurismático pelo risco de poder prender inadvertidamente o ramo do corpo principal pelo laço do snare, pelo que nestes casos, a extremidade do IBD fechado deve ser levada dentro do main body, sendo depois avan­çado o indwelling wire até à aorta torácica descen­dente, onde será captado por via axilar sem risco.

A ponderação destes aspetos técnicos parece-nos impor­tante no planeamento dos casos em que se equacione a utilização bilateral destes dispositivos, para além das limitações impostas pelas respetivas normas das IFU. No entanto, a sua generalização ainda não é recomendada uma vez que implica um acréscimo significativo dos custos do procedimento, devendo ser reservada para os doentes considerados de maior risco na avaliação clínica, sendo necessário uma anatomia adequada à sua realização.

 

CONCLUSÃO

Os IBD bilaterais podem ser utilizados com segurança em pacientes apropriadamente selecionados, com bom resultado técnico e de permeabilidade dos ramos. No entanto, devem considerar-se aspetos técnicos que nos parecem relevantes.

As indicações devem pesar os riscos de complicações isquémicas com a oclusão hipogástrica face ao custo acres­cido que esta utilização implica.

 

REFERÊNCIAS

4. Karthikesalingam A, et al.: Endovascular aneurysm repair with preservation of the internal iliac artery using the iliac branch graft device. Eur J Vasc Endovasc Surg. 39 (3):285-294.         [ Links ]

5. Unno N, et al: Early outcomes of iliac branch grafts in the endo­vascular repair of abdominal aortic aneurysms with concomitant bilateral common iliac artery aneurysms at a Japanese institution. Surg Today. 45 (6):688-94.         [ Links ]

6. Razavi MK, et al: Internal iliac artery embolization in the stent­-graft treatment of aortoiliac aneurysms: analysis of outcomes and complications. J Vasc Interv Radiol. 11         [ Links ]

7. Maldonado TS, et al: Ischemic complications after endovascular abdominal aortic aneurysm repair. J Vasc Surg. 40 (4):703–9.         [ Links ]

8. Heenan SD, et al: Transbrachial arteriography: indications and complications. Clin Radiol. 51 (3):205-209.         [ Links ]

 

*Autor para correspondência

Correio eletrónico: miguellemosgomes@gmail.com (M. Gomes).

 

Recebido a 14 de junho de 2017

Aceite a 24 de maio de 2018

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