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Angiologia e Cirurgia Vascular

versión impresa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.14 no.1 Lisboa mar. 2018

 

CASO CLÍNICO

Aneurisma micótico da artéria radial secundário a endocardite Por streptococcos bovis

Radial artery myocotic aneurysm secondary to streptococcus bovis endocarditis

Carolina Lobo Mendes1, Roger Rodrigues1, André Marinho1, Juliana Varino1, Luís Antunes1, António Albuquerque Matos1, Óscar Gonçalves1

 

1Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Portugal

 

Autor para correspondência

 

RESUMO

Os aneurismas micóticos periféricos são complicações raras de endocardite infecciosa. Relata-se o caso de um homem de 49 anos com um aneurisma da artéria radial num contexto de endocardite infecciosa por Streptococcos bovis em período pós-operatório de substituição valvular aórtica mecânica por homoenxerto.

Após confirmação diagnóstica por eco-Doppler, optou-se por ressecção do saco aneurismático com anastomose termino-terminal. Aos 2 anos de follow-up presenta-se assintomático, com pulso radial palpável e fluxo trifásico na arcada palmar e artéria cubital.

Palavras-chave: Aneurisma micótico; endocardite.

 

ABSTRACT

Peripheral mycotic aneurysms are rare complications of infective endocarditis. The case of a 49-year-old man with a radi­al artery aneurysm in a context of infective endocarditis caused by Streptococcus bovis in the postoperative period of mechanical aortic valve replacement by homograft is reported. After diagnostic confirmation by Doppler scan, we chose to resect the aneurysmal sac with termino-terminal anastomosis. At 2 years of follow-up he presented asymptomatic, with palpable radial pulse and thriphasic flow in the palmar arch and ulnar artery.

Keywords: Myocotic aneurysm; endocarditis.

 

INTRODUÇÃO

Aneurismas são, por definição, dilatações permanentes de artérias com um aumento superior a 1.5 vezes o seu diâmetro, comparando com medidas padronizadas ou com o segmento arterial adjacente saudável.(1)(7)

Os aneurismas podem ser classificados pela sua localiza­ção, causa e forma.

Aneurismas verdadeiros da artéria radial são raros, sendo a principal causa o traumatismo contuso repetido, seguida pela etiologia idiopática.(1)(5)(7)(8)(11) Outras causas incluem doença aterosclerótica, doenças metabólicas, congénitas ou associadas a neurofibromatose, doença de Buerger, sarcoma de Kaposi ou síndrome de Kawasaki.(11) A ruptura ocorre raramente, sendo a trombose e embolia as princi­pais complicações.

Mais comuns, contudo, são os falsos aneurismas associa­dos a traumatismos penetrantes ou iatrogénicos. Estes ocorrem, frequentemente, após punções para procedi­mentos endovasculares ou monitorização invasiva da pressão arterial (incidência de seis por 12.500 procedi­mentos, podendo estar associados a infecção).

Outros fatores de risco que predispõem à sua formação incluem idade avançada, estado anormal da parede do vaso (aterosclerose), múltiplas tentativas de punção e doenças do tecido conjuntivo.

Relata-se o caso de um aneurisma da artéria radial num contexto de endocardite infecciosa por Streptococcos bovis.

A endocardite infecciosa é uma condição inflamatória potencialmente fatal.

Além da destruição local, podem também ocorrer compli­cações sistémicas por diversos mecanismos. Estas compli­cações são frequentes e severas, apesar de todos os progressos realizados na terapêutica antibiótica.

As complicações vasculares estão geralmente associadas a embolização séptica com ponto de partida nas vegeta­ções valvulares, com consequente trombose ou hemor­ragia dos órgãos alvo.(2)(3) A mais frequente é a isquemia cerebral por embolização. Os AVC hemorrágicos são menos frequentes e responsáveis por 12-30% das complicações neurológicas.(13)

Em diversas situações, a primeira manifestação de doença é o aparecimento de complicações vasculares. Nas restan­tes, relata-se que em 71,4% dos casos as complicações ocorrem nos primeiros 15 dias (tempo médio de 7 dias) de antibioterapia instituída para tratamento.(13)

Complicações embólicas ocorrem em 22 a 50% dos casos, geralmente mais associadas a oclusão arterial do que a degenerescência aneurismática.(7)

Osler descreveu pela primeira vez em 1885 a formação de aneurismas micóticos como resultado de um êmbolo infectado alojado numa artéria, levando à digestão parcial de elementos da parede arterial, resultando, assim, em necrose mural e subsequente formação aneurismática.(3)(7)

Os aneurismas micóticos ocorrem com mais frequência nas artérias cerebrais (65%), seguidos pelas artérias viscerais e, posteriormente, pelas artérias dos membros.(7)

Os factores predisponentes locais, como traumatismo repetido ou intervenções cirúrgicas prévias, são de extre­ma importância para o desenvolvimento desta patologia.

A cirurgia valvular tem um papel fundamental na preven­ção de embolismo, apresentando maior benefício nos estágios iniciais da doença. Os pacientes com vegetações maiores, organismos resistentes à antibioterapia e válvu­las protésicas são os que apresentam maior risco.

O tratamento destes aneurismas vai depender do seu tamanho e localização, sendo a opção cirúrgica conven­cional a mais comummente aceite pelo risco inerente à não excisão total.

 

CASO CLÍNICO

Doente de 49 anos, sexo masculino, com antecedentes de HTA, dislipidemia e tabagismo, portador de válvula mecâni­ca aórtica (cirurgia realizada nos EUA, sem informação clíni­ca) desde Junho de 2013 por provável estenose valvular aórtica complicada de edema agudo do pulmão. Dá entra­da, a 3 de Dezembro, no serviço de urgência por quadro de isquemia aguda do membro inferior direito e possível AIT (disfonia transitória com TC cerebral normal).

Submetido de imediato a tromboembolectomia via femo­ral direita tendo recuperado sem sequelas.

Ao realizar ecocardiograma para estudo etiológico verifi­cou-se prótese aórtica com insuficiência severa, associa­da a endocardite.

Identificado, por hemocultura, Streptococcus bovis, iniciou antibioterapia com vancomicina, gentamicina e rifampi­cina. Transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos Coronários, manteve-se febril durante os 20 dias seguintes, altura em que teve episódio de paragem cardio-respirató­ria, revertendo com manobras de suporte avançado de vida.

Perante o contexto de insuficiência aórtica grave por endocardite bacteriana aguda por Streptococcos bovis foi transferido para o Serviço de Cirurgia Cardíaca. Submeti­do, então, a substituição de prótese valvular aórtica por homoenxerto valvulado de 25mm. Salienta-se a necessida­de peri-operatória de colocação de cateter de monitoriza­ção de pressão arterial ao nível da artéria radial esquerda.

Ao 4º dia pós-operatório, apresentava tumefacção pulsátil, não dolorosa, ao nível do punho esquerdo (imagem 1).

 

 

 

 

Sem sinais inflamatórios locais ou comprometimento do preenchimento capilar a jusante, o doente manteve-se sempre assintomático, negando qualquer tipo de sintoma­tologia inerente a fenómenos compressivos, trombóticos ou embólicos que potencialmente poderiam complicar o quadro.

Suspeitando de falso aneurisma da artéria radial, na loca­lização de cateter de monitorização invasiva de pres­são arterial prévia, realizou-se eco-doppler arterial que demonstrou a presença de um aneurisma desta artéria, aparentemente fusiforme, com 1,4x1,3 cm de diâmetro.

O teste de Allen revelou oclusão da artéria cubital, com fluxo da arcada sustentado apenas pela artéria radial.

Submetido, posteriormente, a aneurismectomia total com anastomose termino-terminal (imagem 3). A intervenção decorreu sem intercorrências, apresentando pulso radial de amplitude normal e fluxo trifásico na arcada e cubital.

 

 

Manteve-se sob antibioterpia dirigida endovenosa duran­te 4 semanas, tendo tido alta com antibioterapia oral.

Manteve seguimento nas consultas de Cardiologia e Cirur­gia Vascular, apresentando-se, aos 2 anos de seguimento, assintomático, com pulso radial palpável, sem imagens sugestivas de recidiva ao Eco-Doppler e fluxo trifásico na arcada palmar e artéria cubital.

 

DISCUSSÃO

Os aneurismas da artéria radial são uma condição rara, sendo os falsos aneurismas ligeiramente mais frequentes e estando associados, na grande maioria dos casos, a rela­tos de traumatismo prévio.

O diagnóstico de aneurisma da artéria radial é sugerido pelas queixas do doente, respectivo exame físico e antece­dentes. Deve ser feito o diagnóstico diferencial com quisto sinovial, abcesso, tumores e fibroma.(5)(11)

Sendo a artéria radial um local pouco afectado pela ateros­clerose, na presença de uma formação aneurismática, outros factores predisponentes devem ser ponderados.

O Eco-Doppler é um exame complementar fundamental para a confirmação diagnóstica e exclusão de lesões asso­ciadas para um planeamento terapêutico mais eficaz.(3) A arteriografia de subtração digital, AngioTC ou AngioRM também poderão ser úteis no estudo pré-operatório em doentes selecionados.

O tratamento depende da localização, avaliação do leito distal e achados peri-operatórios.(5)(11)

Como opções terapêuticas incluem-se aneurismectomia com laqueação da artéria radial, aneurismorrafia, aneuris­mectomia com anastomose primária (término-terminal) e revascularização com enxerto venoso.

A artéria pode ainda ser embolizada angiograficamente ou ocluída com injecção percutânea de trombina3 , tendo, nestes casos, um cuidado acrescido no estudo prévio da circulação distal, devido ao elevado risco de embolização. No presente caso, tal técnica seria inexequível por oclusão prévia da artéria cubital.

As opções mais comummente aceites são as cirúrgicas convencionais, uma vez que, se não tratados ou se se mantiver localmente o foco infeccioso, se evidencia um rápido crescimento aneurismático com uma evolução potencialmente desfavorável.

Aliada a esta terapêutica, deve-se manter a antibioterapia de largo espectro, previamente instituída, por um período mínimo de 4-6 semanas. Se identificado o microorganismo responsável, deverá ser instituída antibioterapia dirigida. Há autores que defendem a manutenção de antibioterapia oral por tempo indeterminado após a toma inicial endove­nosa, sendo ainda controverso.

Resumindo, estamos perante um doente com endocardi­te infecciosa que apresenta como factor predisponente a presença prévia de uma linha arterial para medição inva­siva da pressão. Esta condição poderá ter levado a uma colonização bacteriana e, posteriormente, infecção e inflamação da parede com a vulnerabilidade consequente ao stress mecânico fisiológico associada.

O eco-Doppler realizado para esclarecimento diagnóstico, revelou um aneurisma de artéria radial, fusiforme, sem evidência de trombos ou outras alterações vasculares distais. No entanto, o teste de Allen mostrou demonstrou oclusão da artéria cubital esquerda.

Optou-se, então, por proceder a uma terapêutica cirúrgi­ca convencional. Intra-operatoriamente, confirmou-se a presença de aneurisma verdadeiro da artéria radial, optan­do-se pela aneurismectomia com anastomose primária termino-terminal.

Manteve-se a terapêutica antibiótica dirigida durante 4 semanas pós-operatoriamente.

Actualmente, após 2 anos de seguimento, mantém pulso radial palpável e fluxo trifásico na arcada palmar e artéria cubital.

 

BIBLIOGRAFIA

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*Autor para correspondência

Correio eletrónico: carolinalobomendes@gmail.com (C. Mendes).

 

Recebido a 12 de maio de 2017

Aceite a 07 de maio de 2018

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