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Angiologia e Cirurgia Vascular

Print version ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.8 no.4 Lisboa Dec. 2012

 

Falso Aneurisma da Artéria Tibial Anterior*

 

Pseudo aneurysm of the anterior tibial artery

 

Sandrina Figueiredo Braga*, Joana Ferreira*, João Vasconcelos*, Ricardo Gouveia*, Pedro Pinto Sousa*, Victor Martins*, Pedro Brandão*, António Guedes Vaz*

*Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular

Centro Hospitalar de Vila Nova Gaia/Espinho

 

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|RESUMO|

As lesões traumáticas são muito comuns, sendo responsáveis por 2.6 milhões de hospitalizações por ano nos Estado Unidos. A incidência de lesões arteriais na sequência de traumatismo penetrante dos membros é de 10%. O trauma vascular ocorre mais frequentemente nas extremidades inferiores.

A presença de hematoma pulsátil após um traumatismo penetrante deve levantar a suspeita de falso aneurisma, que ocorre por laceração arterial parcial.

Os autores descrevem um caso clínico de um doente de 16 anos tratado por falso aneurisma da artéria tibial anterior.

Palavras-chave: Falso aneurisma, pseudoaneurisma, artéria tibial anterior, lesões arteriais, trauma

 

|ABSTRACT|

Traumatic injuries are very common, accounting for 2.6 million hospitalizations per year in the United States. The incidence of arterial injuries following penetrating trauma of the limbs is about 10%. Vascular trauma occurs more often in the lower extremities.

The presence of pulsatile hematoma after penetrating trauma should raise the suspicion of false aneurysm, which occurs by partial arterial laceration.

The authors describe a case of a 16 years-old patient treated by false aneurysm of the anterior tibial artery.

Key words: false aneurysm, pseudoaneurysm, anterior tibial artery, arterial injuries, trauma

 

INTRODUÇÃO

As lesões traumáticas são muito comuns, sendo responsáveis por 2.6 milhões de hospitalizações por ano nos Estado Unidos. A maioria dos doentes corresponde a homens com idade inferior a 45 anos [1]. As lesões vasculares periféricas correspondem a 80% de todos os casos de lesão vascular. O trauma vascular ocorre mais frequentemente nas extremidades inferiores, com predomínio dos traumatismos penetrantes em relação aos traumatismos fechados. A incidência de lesões arteriais na sequência de traumatismo penetrante dos membros é de 10%. [1].

A apresentação clínica das lesões arteriais pode ocorrer sob a forma de hemorragia externa, isquemia aguda, falso aneurisma ou hemorragia interna com sinais de choque [1].

Os falsos aneurismas podem ocorrer após traumatismo penetrante ou fechado da parede arterial [2].

A ocorrência de falso aneurisma das artérias crurais secundária a traumatismos penetrantes é relativamente rara e configura uma complicação tardia de lesão arterial [2].

A incapacidade funcional secundária a lesões vasculares crurais, predominantemente associada a destruição musculo-esquelética e nervosa, pode permanecer como um problema em 20-50% dos casos. A maior ameaça à viabilidade do membro não é a perda de um eixo infra-poplíteo, mas a síndrome de compartimento muitas vezes presente. A maioria destes doentes são jovens, com leitos arteriais sem doença, massas musculares bem desenvolvidas e compartimentos fasciais robustos.

O índice de suspeição deve manter-se elevado por forma ao diagnóstico e tratamento precoces a fim de minimizar as consequências da síndrome de compartimento [1,2].

  

CASO CLÍNICO

Doente do sexo masculino, com 16 anos de idade, sem antecedentes pessoais relevantes. Admitido no Serviço de Urgência por ferida corto-contusa vertical, com cerca de 10 cm de comprimento, na face anterior do terço médio da perna direita, que resultou de uma queda com traumatismo num objecto metálico contundente. Foi suturado e realizou radiografia da perna, que excluiu fractura, luxação ou corpo estranho radio-opaco.

Uma semana depois recorreu novamente ao Serviço de Urgência por dor e edema da perna e parestesias no pé direitos. Ao exame físico, apresentava tumefacção pulsátil e expansível no local da sutura, associada a frémito e sopro | FIGURA 1 |. Os pulsos pedioso e tibial posterior estavam presentes e a auscultação de fluxos doppler revelou fluxos trifásicos nos três eixos distais.

 

| FIGURA 1 | Tumefacção pulsatil e expansível no local da sutura

 

O exame neurológico mostrou limitação da dorsiflexão do pé e da extensão dos dedos e diminuição da sensibilidade no primeiro espaço interdigital, sem outras alterações motoras ou sensitivas. O compartimento muscular anterior encontrava-se sob tensão.

A realização de Ecodoppler arterial dos membros inferiores confirmou a presença de falso aneurisma da artéria tibial anterior direita, com 2.3x3.5 cm | FIGURA 2 |.

 

| FIGURA 2 | Ecodoppler: Falso aneurisma da artéria tibial anterior direita

 

Dada a presença de síndrome de compartimento, com compressão nervosa, foi submetido a cirurgia, sob bloqueio do neuro-eixo. Procedeu-se a exploração cirúrgica, constatando-se destruição muscular parcial dos músculos do compartimento anterior da perna com integridade do nervo peroneal profundo. Realizou-se ressecção do falso aneurisma e laqueação proximal e distal da artéria tibial anterior | FIGURA 3 | e fasciotomia do compartimento anterior, com cerca de 15 centímetros de extensão. O encerramento cutâneo foi protelado por três dias e realizado em segundo tempo. O pós-operatório decorreu sem complicações e com melhoria significativa das queixas álgicas e dos défices neurológicos. Teve alta ao 4º dia de pós-operatório, orientado para Consultas de Cirurgia Vascular e de Medicina Física e de Reabilitação.

 

| FIGURA 3 | Fotografias da Cirurgia. Seta branca – Falso aneurisma

 

Após três anos de seguimento, apresenta boa perfusão distal do pé direito, com pulso tibial posterior, fluxo peroneal trifásico e sem défices motores ou sensitivos.

 

DISCUSSÃO

A presença de tumefacção pulsátil após um traumatismo penetrante deve levantar a suspeita de falso aneurisma. Este resulta da laceração parcial da artéria, sem secção completa, mas com lesão das três camadas da parede arterial [1,3,4]. O defeito na parede arterial permite o extravasamento de sangue, com formação de uma cavidade com fluxo sanguíneo contida pelos tecidos circundantes e que mantém comunicação com o sistema arterial, o que lhe permite adquirir pulsatilidade [1,3,4,5]. Distinguem-se dos hematomas pela presença de fluxo arterial no saco aneurismático, unido ao lúmen arterial pelo colo [1]. Os falsos aneurismas diferem dos verdadeiros porque nenhum elemento da parede arterial participa na formação do saco aneurismático [1]. A parede do falso aneurisma é composta por trombo e pelos tecidos circundantes comprimidos [1]. A fragilidade da parede do falso aneurisma confere-lhe risco aumentado de expansão e rotura [3,6].

A etiologia dos falsos aneurismas pode ser traumática, iatrogénica ou infecciosa [3].

Os mais frequentes são aqueles que resultam de punção percutânea para acesso arterial, com uma taxa que varia entre os 0.8-8% [1,5,7]. Outras causas menos frequentes são procedimentos endovasculares (<1% depois de angioplastia ou stenting) e cirurgia arterial reconstrutiva (1-5% das anastomoses femorais com conduto sintético) [7].

Os falsos aneurismas infra-poplíteos estão muitas vezes associados a fractura de um osso longo ou luxação da articulação do tornozelo [4,6].

Na presença de falso aneurisma, o exame físico inicial pode ser normal ou pode apresentar-se como uma tumefacção pulsátil e expansível, associada a frémito e sopro sistólico, dias a meses após o traumatismo [1,3].

O diagnóstico pode ser confimado por ecodoppler, TAC, ressonância magnética ou arteriografia [3]. O Ecodoppler tem 94% de sensibilidade e 97% de especificidade na avaliação de traumatismos penetrantes e fechados do pescoço e dos membros e é a modalidade diagnóstica de eleição [1, 7]. A aparência ecográfica típica de um falso aneurisma é a de um saco ecolucente, pulsátil, com fluxo arterial turbilhonar e com um colo que liga o saco aneurismático ao lúmen arterial [1]. Na janela espectral, observa-se um padrão de fluxo “to-and-fro” no colo, patognomónico, que corresponde ao movimento do sangue para o interior do saco na sístole e ao esvaziamento durante a diástole [1].

Não estão publicados dados relativamente à importância do tamanho do falso aneurisma das artérias crurais [2]. As complicações possíveis são a rotura, com hemorragia e eventual instabilidade hemodinâmica, a embolização distal com isquemia, a compressão de estruturas adjacentes e a isquemia cutânea, com ulceração e progressão para necrose [1,3,8,9].

Os falsos aneurismas arteriais podem ser tratados por compressão, injecção de trombina, por abordagem endovascular ou cirúrgica [2,3,7,9].

A primeira abordagem terapêutica na ausência de sintomas compressivos é a compressão, que pode ser ecoguiada [5,7]. A compressão ecoguiada tem uma taxa de sucesso de 78-95% [5]. Quando esta falha recomenda-se injecção de trombina, guiada por ecodoppler [1,5,7]. Em tripplex scan, a agulha é inserida no saco e a trombina é injectada lentamente. O processo é completado pela confirmação da trombose do saco permanecendo o lúmen arterial com fluxo normal [1]. A taxa de sucesso é de 90-94% [5].

A escolha de outras técnicas depende de diversas circunstâncias: o local anatómico e o diâmetro do falso aneurisma, as características do doente, o leito vascular periférico e presença de complicações (dor, sintomas neurológicos, edema por compressão venosa, etc) [7].

O tratamento endovascular pode ser realizado através de oclusão transluminal temporária com balão do colo do falso aneurisma [7].

Pode proceder-se a embolização com coils de aço, partículas de gelatina ou dacron ou esferas de silicone e bário [1,2,3,7,9]. Em alternativa, o falso aneurisma pode ser excluído através da libertação de um stent recoberto [1,2,7,8]. As vantagens do tratamento endovascular são a capacidade para chegar a locais que iriam requerer exploração cirúrgica extensa, com maior risco de complicações. Além disso, permite a mobilização rápida e o rápido retorno à actividade normal, porque é minimamente invasiva e associada a uma baixa taxa de complicações [3].

Quando o falso aneurisma é sintomático preconiza-se o tratamento cirúrgico [6]. As opções cirúrgicas são sutura directa da lesão da parede arterial, angioplastia com patch, exérese de falso aneurisma com anastomose topo-a-topo ou laqueação proximal e distal do vaso. Nesta última circunstância, pode ou não optar-se por reconstrução através de interposição de enxerto ou bypass [1,2,6]. A lesão de um único eixo infra-poplíteo pode ser tratada com laqueação da artéria se a perfusão do pé estiver assegurada por dois eixos íntegros, como no caso apresentado [2].

A maior ameaça à viabilidade do membro é a síndrome de compartimento e subsequente lesão de tecidos moles e compressão nervosa, pelo que se recomenda fasciotomia. O compartimento anterior da perna é o mais sujeito ao desenvolvimento de síndrome de compartimento, pelo que as lesões aí localizadas requerem maior vigilância [1].

A maioria das lesões arteriais é clinicamente silenciosa e em 25% dos casos estão presentes pulsos arteriais distais à lesão, configurando um desafio diagnóstico [1].

 

BIBLIOGRAFIA

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Contactos

Autor Correspondente: Sandrina Maria Pereira Figueiredo Braga

Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho EPE

Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular

Rua Conceição Fernandes

4434-502 Vila Nova de Gaia

Telefone: 227 865 100

Fax: 227 830 209

Email: sandrinafigueiredo@portugalmail.pt

 

Notas

*Apresentado no VIII Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular.

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