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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc v.7 n.4 Lisboa dez. 2011

 

Angiossomas do pé e do tornozelo – implicações no tratamento da isquémia crítica dos membros inferiores

 

Emanuel Dias*

Hospital do Divino Espírito Santo, EPE

Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular

(Directora: Dra. Isabel Cássio)

 

* 6º Ano do Internato Médico de Angiologia e Cirurgia Vascular

 

|RESUMO|

A revascularização, por cirurgia convencional ou por procedimentos endovasculares, nos doentes com isquémia crítica dos membros inferiores tem um papel importante na prevenção da perda de membro, na melhoria da qualidade de vida e sobrevida destes doentes.

No entanto, até 15% das revascularizações de úlceras isquémicas do pé, apesar do sucesso técnico, podem falhar a cicatrização e conduzir o doente a uma amputação major[1-3]. Isto poderá acontecer por uma revascularização local inadequada, com conexões vasculares inadequadas entre a artéria revascularizada e a área isquémica local.

O conhecimento e aplicação do conceito dos angiossomas do pé e tornozelo permitem ao cirurgião vascular um melhor planeamento, adequação de meios terapêuticos e tratamento da isquémia crítica dos membros inferiores.

Palavras-chave: isquemia crítica, revascularização do membro inferior, angiossomas do pé e tornozelo

 

Angiosomes of the foot and ankle and its importance in the treatment of critical limb ischaemia of the lower limb

|ABSTRACT|

Revascularization by conventional surgery or endovascular procedures in patients with critical lower limb ischaemia plays an important role in preventing the loss of limb, in improving the quality of life and survival of these patients. However, up to 15% of the revascularization of ischemic ulcers of the foot, despite the technical success, may fail to heal and lead to a major amputation. This may be due to an inadequate local revascularization, with inadequate vascular connections between the revascularized artery and the ischemic site. The knowledge and application of the concept of the foot and ankle angiossomes allow the vascular surgeon to better plan, adequate therapeutic means and treat critical lower limb ischaemia.

Key words: critical limb ischaemia, revascularizacion lower limb, angiossomes of the foot and ankle

 

ANGIOSSOMAS DO PÉ E TORNOZELO

Um angiossoma é definido como uma unidade anatómica de tecido (constituído por pele, tecido subcutâneo, fascia, músculo e osso) nutrido por uma artéria. Taylor[4] descreveu 40 angiossomas no corpo humano. Destes, seis estão localizados no pé e tornozelo | FIGURA 1 | e adstritos às 3 principais artérias da perna: a artéria tibial posterior, a artéria tibial anterior e a artéria peroneal.

 

| FIGURA 1 | Angiosossomos do pé e tornozelo

 

A artéria tibial posterior supre três territórios/angiossomas:

> o calcanhar medial e plantar via seu ramo calcâneo;

> a parte medial da região plantar via artéria plantar medial:

> a parte plantar lateral do pé e plantar distal pela artéria plantar lateral.

A artéria peroneal supre 2 angiossomas:

> parte anterior e superior do tornozelo lateral pelo seu ramo perfurante anterior;

> zona do calcanhar plantar e lateral via ramo para o calcâneo.

A artéria tibial anterior supre o tornozelo anterior e depois torna-se na artéria pediosa que nutre o angiossoma do dorso do pé[5].

 

AVALIAÇÃO CLÍNICA DAS CONEXÕES ARTERIO-ARTERIAL

A vascularização do pé e do tornozelo pode ser encarada como uma de um órgão de circulação terminal, tendo as suas 3 artérias principais numerosas conexões directas arterio-arterial, que permitem o desenvolvimento de rotas alternativas de fluxo sanguíneo, se as rotas directas (i.e. angiossoma) estiverem comprometidas.

O uso do doppler de onda contínua nas localizações específicas onde estas conexões ocorrem permite a avaliação precisa do fluxo sanguíneo através do pé, interpretando o som da sonda doppler (monotonal, bitonal e tritonal) e a direcção do fluxo sanguíneo (anterógado ou retrógado), pela aplicação da oclusão selectiva com o indicador do operador proximal ou distalmente à área a ser investigada | FIGURA 2 |. Dessa maneira, pode-se seleccionar a artéria a ser revascularizada (com o melhor outflow para o pé). Incisões, desbridamentos, amputações e encerramentos de feridas podem ser feitos sem comprometer o fluxo sanguíneo de um pé em risco[6].

 

| FIGURA 2 | Conexões arterio-arterial por doppler: ocluindo as artérias proximal ou distalmente ao sinal arterial, é possível perceber a direcção do fluxo arterial.

 

AVALIAÇÃO DA ÚLCERA ISQUÉMICA

A avaliação clínica actual da necessidade de revascularização de uma ferida ou úlcera do pé e tornozelo (Rutherford V e VI), principalmente em doentes diabéticos, deve ser sempre iniciada com a avaliação da própria ferida e do status vascular da extremidade em questão, incluindo a examinação dos pulsos e estudos do laboratório vascular para tentar perceber do potencial de cicatrização da úlcera. Se esta avaliação indicar um baixo potencial de cicatrização que se manifesta por uma ausência de pulsos distais, índice tornozelo braço inferior a 0.3, ondas doppler segmentares monofásicas, tensão de oxigénio transcutânea (Tco2) inferior a 25 mmHg de valor absoluto ou o índice de Tco2 inferior a 0.4, então a revascularização deve ser executada[7]. Evidências recentes, mostram que a pressão de perfusão cutânea (SPP) à volta da ferida isquémica como sendo o método com melhor predição de cicatrização, principalmente em doentes hemodialisados[8].

As únicas feridas a serem desbridadas antes de uma revascularização são aquelas com gangrena húmida ou com fasceíte necrotizante. Isto porque foi demonstrado que a Tco2 ao redor da úlcera isquémica aumenta muito lentamente após um bypass vascular e atinge o máximo apenas 2 a 4 semanas após a revascularização. Assim, uma tentativa de encerrar prematuramente uma ferida ou executar uma amputação definitiva pode ter consequências desastrosas.

Após a revascularização a úlcera deve ser tratada com o ambiente tópico apropriado e a reconstrução dos tecidos moles deve ser adiada até não existirem mais sinais de infecção e a ferida exibir sinais de cicatrização (tecido de granulação). Este hiato temporal (habitualmente 2-4 semanas) permitirá, como anteriormente dito, a optimização do ganho local da revascularização. Posteriormente o doente deve voltar ao hospital para um desbridamento final e um encerramento apropriado da úlcera, que pode tomar a forma de um encerramento secundário após desbridamento adicional, enxerto cutâneo, cobertura da ferida com rotação de flap muscular ou amputação minor definitiva.

 

USANDO O CONCEITO DE ANGIOSSOMAS PARA FAZER INCISÕES E AMPUTAÇÕES

Existem 4 factores gerais a ter em conta aquando da realização de uma incisão no pé/tornozelo: exposição adequada, fluxo sanguíneo adequado em ambos os lados da incisão para optimização da cicatrização, preservação de nervos sensitivos e motores, e não optar por uma incisão perpendicular a uma articulação (risco de contractura cicatricial).

Se existe um bom fluxo da artéria (presença de pulso ou fluxo trifásico) que supre cada angiossoma, a incisão mais segura a fazer é ao longo do bordo entre dois angiossomas, porque cada lado da incisão tem o máximo de fluxo sanguíneo. No entanto, quando o sinal da artéria de um de dois angiossomas adjacentes está ausente, o angiossoma isquémico afectado depende dos angiossomas limítrofes para fluxo sanguíneo via vasos colaterais. Estes, podem levar cerca de 2 a 4 semanas a se desenvolverem depois de um dado angiossoma ficar isquémico. Assim, incisões realizadas demasiado cedo, antes do desenvolvimento de vias alternativas, podem levar a fraca cicatrização, necrose e gangrena.

Quando existe compromisso de sangue e está a ser planeada uma amputação do antepé ou de Lisfranc, é importante ter em conta qual o fluxo sanguíneo restante e mapear completamente todas as conexões arterio-arteriais. Se a circulação dorsal do pé depende da circulação plantar ou vice-versa, as conexões entre elas não podem ser perturbadas, ou seja, a conexão entre a artéria pediosa e a artéria plantar lateral no 1º espaço inter metacárpico proximal deve ser mantida. Assim, para preservar esta conexão durante uma amputação transmetatársica ou de Lisfranc, os 4 metatarsos laterais são removidos lateralmente e o 1º metatarso removido medialmente[5].

 

ANGIOSSOMAS E TRATAMENTO ENDOVASCULAR DA ISQUÉMIA CRÍTICA DOS MEMBROS INFERIORES

Com o seu recente desenvolvimento técnico, o tratamento endovascular da isquémia crítica dos membros inferiores tem passado a ser o de primeira linha nestes doentes, pelos seus resultados favoráveis, com excelente taxa de sucesso inicial, baixa incidência de complicações e alta taxa de salvamento de membro[9].

O tratamento actual da isquémia crítica dos membros inferiores deve ir mais além, com integração do conceito dos angiossomas do pé e tornozelo[10-12]. Será uma oportunidade para uma terapêutica dirigida, revascularizando a artéria relacionada com a úlcera isquémica.

Compete ao cirurgião vascular atual adquirir competências nesta área da revascularização endovascular infra-poplitea. Mas, ao mesmo tempo, compreender a necessidade de optimização do tratamento local da ferida adquirindo competências na área de cuidados tópicos da ferida, enxertos cutâneos ou musculares, amputações funcionais que preservem a biomecânica do pé; ou integrar grupos multidisciplinares de tratamento de isquémia crítica e/ou pé diabético com cirurgiões plásticos e ortopedistas dedicados ao pé e tornozelo. Só neste contexto abrangente de cuidados é que parece fadado o sucesso global do tratamento da isquémia crítica dos membros inferiores.

 

BIBLIOGRAFIA

[1] BERCELI SA, CHAN AK, POMPOSELLI FB, GIBBONS GW, CAMPBELL DR, AKBARI CM: et al. Efficacy of dorsal pedal artery bypass in limb salvage for ischemic heel ulcers. J Vasc Surg 1999;30:499–508.        [ Links ]

[2] ELLIOTT BM, ROBISON JG, BROTHERS TE, CROSS MA: Limitations of peroneal artery bypass grafting for limb salvage. J Vasc Surg 1993;18:881–888.        [ Links ]

[3] JOHNSON BL, GLICKMAN MH, BANDYK DF, ESSES GE: Failure of foot salvage in patients with end-stage renal disease after surgical revascularization. J Vasc Surg 1995;22:280–286.        [ Links ]

[4] TAYLOR, G. I., and PALMER, J. H. The vascular territories (angiosomes)of the body: Experimental studies and clinical applications. Br. J. Plast. Surg. 43: 1, 1990.        [ Links ]

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[10] NEVILLE RF, ATTINGER CE, BULAN EJ, DUCIC I, THOMASSEN M, SIDAWY AN: Revascularization of a specific angiosome for limb salvage: Does the target artery matter? Ann Vasc Surg 2009;23:367–373.        [ Links ]

[11] ALEXANDRESCU VA, HUBERMONT G, PHILIPS Y, GUILLAUMIE B, NGONGANG C, VANDENBOSSCHE P, AZDAD K, LEDENT G, HORION J: Selective primary angioplasty following an angiosome model of reperfusion in the treatment of Wagner 1–4 diabetic foot lesions: Practice in a multidisciplinary diabetic limb service. J Endovasc Ther 2008;15:580–593.        [ Links ]

[12] IIDA O, NANTO S, UEMATSU M, IKEOKA K, OKAMOTO S, DOHI T, FUJITA M, TERASHI H, NAGATA S: Importance of the angiosome concept for endovascular therapy in patients with critical limb ischemia. Catheter Cardiovasc Interv. 2010 May 1;75(6):830-6.        [ Links ]

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