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Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.13 no.3 Lisboa ago. 2019

https://doi.org/10.15847/obsOBS13320191304 

Remix e cultura participativa

Remix and participatory culture

 

Pedro Pereira Neto*, Cláudia Lamy**

*ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa & Escola Superior de Comunicação Social-IPL, Lisboa

**CIES-IUL -Centro de Investigação e Estudos de Sociologia & ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa.

 

RESUMO

A utilização da linguagem num discurso constitui um espaço de negociação de significado e de interreconhecimento, ancorando a comunicação na convocação de conhecimento apropriado, experimentado e articulado em função das circunstâncias de uma situação social, de acordo com o reconhecimento de património simbólico partilhado (Goffman, 1947). Uma crítica à utilização de discursos audiovisuais cidadã(o)s para afirmar a narrativa da mudança em processos comunicacionais baseada no papel atribuído às TIC exige questionar as bases de uma 'nova' cultura Remix [1], ou seja, as 'novas' formas de (re)criação, consumo e interacção comunicativa, o conceito de convergência, e os processos de inteligência coletiva participativa enquanto espaço de práticas discursivas e performativas com ênfase deterministia nos instrumentos utilizados, reafirmando o primado dos processos de interreconhecimento que as tornam possíveis.

É objectivo deste trabalho oferecer um conjunto de reflexões teóricas sobre a necessária ancoragem social pré-ressignificadora, procedendo a uma actualização da temática do (re)enquadramento discursivo mediante a convocação de heranças teórico-paradigmáticas e de dois exemplos onde tal ancoragem é demonstrada a partir da aplicação de estratégias metodológicas que incluem a análise fílmica e o método das máscaras. A análise destes exemplos permitiu concluir do carácter decisivo da revalorização do contexto, do perfil de actores e actrizes sociais envolvidas/os, e do processo de recepção e (re)interpretação para a ressignificação.

Palavras-chave: remix, cultura participativa, autonomia, frame, significação

 

ABSTRACT

The use of language in a discourse constitutes a space for meaning negotiation and interrecognition, anchoring communication on the summoning of acquired, experienced and articulated knowledge according to the circumstances of a social situation, according to the recognition of shared symbolic heritage (Goffman, 1947). A critique of the use of citizen audiovisual discourses to affirm the narrative of the change in communication processes based on the role assigned to ICTs requires questioning the basis of a 'new' Remix culture, that is, the 'new' forms of communication (re)creation, consumption and interaction, as well as the concept of convergence and participatory collective intelligence processes as  spaces of discursive and performative practices with a deterministic emphasis on the instruments used, while reaffirming the primacy of interrecognition processes that make them possible.

The objective of this work is to offer a set of theoretical reflections on the necessary pre-re-signification social anchoring, effectively updating the discursive (re)framing theme through the convening of theoretical-paradigmatic heritages and two examples where such anchorage is demonstrated from the application of methodological strategies that include film analysis and the masking method. The analysis of these examples allowed us to conclude from the decisive nature of the revaluation of the context, the profile of social actors and actresses involved, and the process of reception and (re) interpretation for resignification.

 

O pathos analítico vigente

O devir conhecido pelas sociedades pós-industriais contemporâneas é afirmado por diversas vozes como sendo maioritariamente caracterizado – ou, em versões mais recelebratórias das teses dos efeitos totais dos media, mesmo determinado – pelo conjunto de evoluções de natureza tecnológica tornadas possíveis a partir de – ou tornando possível – uma ainda maior articulação, interoperabilidade ou mesmo integração de várias linguagens e códigos, disponibilizáveis, acessíveis e manipuláveis em redes tecnológicas interativas tendencialmente globais e ingenuamente livres [2].

Contudo, é a recriação e manipulação contínua de códigos e respectivas gramáticas culturais partilhadas, (re)apropriadas e (re)articuladas socialmente em qualquer interacção a constituir a principal responsável por uma performatividade comunicacional individual – e eventualmente colectiva – nessas sociedades, e não, como afirma Castells (2002), um fruto resultante essencialmente da árvore do condicionamento proveniente da evolução tecnológica.

A pervasividade (Lemos e Palacios, 2001), definida como a qualidade daquilo que se dissemina, difunde ou infiltra no tecido social, tende a ser tomada numa acepção infra-estrutural técnica, ou seja, relativa à contaminação das possibilidades de troca comunicacional em função dos recursos materiais existentes para esse efeito – de que é exemplo, noutro contexto analítico, a Teoria dos Recursos Mobilizáveis (McAdam et al, 1996). Contudo, é sobretudo no plano das intenções e quadros simbólicos subjacentes à autonomia da performatividade individual e colectiva que a pervasividade deve ser equacionada, antes de considerados os meios materiais através dos quais se efectiva.

Se é legítimo considerar que as sociedades contemporâneas se encontram organizadas – como na realidade sempre estiveram – em torno das representações sociais da importância da comunicação enquanto veículo de reconhecimento de culturas partilhadas, a transcendência de barreiras é sobretudo afirmada em planos técnicos reificados, de que são exemplo os planos financeiro e legal apontados por Schultz, Utz & Göritz (2011). Não é por acaso que se afirma que a lógica da comunicação em rede se desenvolve sobretudo por associação a uma nova fronteira territorial supostamente desmaterializada [3] designada de ciberespaço, compreendendo materiais, informações e software, no qual se afirma ter lugar uma comunicação mediada por computadores (Capobianco, 2010). Na realidade, são sempre as realidades tendencialmente técnicas, objectivas ou facilmente objectiváveis a constituir o centro da caracterização desse espaço – com ocultação e sacrifício óbvios de uma abordagem sustentada das subjectividades humanas e da renegociação constante de quadros simbólicos de que depende efectivamente a comunicação.

Assim, não surpreende que o grande sucesso discursivo ideológico das sociedades contemporâneas se baseie, na prática, na promoção da adesão a uma conceptualização das trocas simbólicas reduzida a mera acção da intermediação comunicativa praticada através de objectos técnicos às quais se apõe, sem aprofundamento analítico discursivo prévio [4]. Daí que, se considerarmos o ciberespaço como constituindo o resultado da acção social que o produz e simultaneamente o caracteriza (Lévy, 1999), é novamente no plano da caracterização da comunicação enquanto recriação e convocação performativa eminentemente simbólica e social que o debate deve ser situado – exactamente o sentido que Souza & Costa parecem apontar, ou seja, comunicação entre indivíduos numa relação com a cultura por eles mesmos reproduzida (2005), da qual a infra-estrutura técnica é instrumento mas não actor principal.

Deste modo, a afirmação de que a transformação da cultura provém das redes virtuais enquanto instrumentos ou infra-estrutura técnica, ou da possibilidade igualmente tecnológica de navegação pelos conteúdos nelas disponíveis (Lemos, 2004: 14), ignora – ou pelo menos subalterniza de forma cientificamente inválida – o decisivo e central encontro performativo entre os quadros simbólicos dos (e corporizados nos) participantes de uma interacção, de acordo com os perfis em jogo numa situação social. Se faz sentido considerar que os contornos deste 'novo' contexto cultural são reconstruídos enquanto resultado do envolvimento dos participantes, já a escolha da infra-estrutura técnica e do acesso a ela TIC como a variável mais importante (Capobianco, 2010) traduz uma relativa miopia analítica própria da contaminação do olhar por uma racionalidade instrumental reificada que reduz problemas complexos aos objectos técnicos neles existentes [5].

Como tal, mais que considerar que o ciberespaço e o mundo offline [6] mantêm uma relação de dependência recíproca, é decisivo manter presente ser a representação/apresentação do eu comunicacionalmente performativo a transitar para o online, implicando-se nele como palco onde desenvolve a sua encenação, em função de características que lhe pré-existem.

 

O viés tecnologicamente determinista dos conceitos de Remix e de Inteligência Colectiva

A convergência, definida por Jenkins em torno de eixos eminentemente técnicos de que são exemplo as expressões "fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas", "cooperação entre múltiplos mercados mediáticos", ou "comportamento migratório dos públicos dos meios" (2009: 29), denota de forma particularmente clara o viés objectivante da sua análise, que o autor faz corresponder a transformações não apenas tecnológicas e comerciais mas, e significativamente, culturais e sociais. Não parece ser fruto do acaso, a centralidade e valorização traduzida pela referência primeira a planos eles próprios em reificação conceptual acelerada em sociedades pós-industriais (as duas primeiras transformações apontadas), deixando para o final da definição o que se pretende discursivamente considerar determinado por ou consequência da acção dos primeiros, espécie de meros figurantes numa história em que os actores principais são designados primeiro.

Na verdade, este viés não é novo: remonta, pelo menos, às acepções saint-simonistas mais afirmativas esta projecção, esta versão melhorada das sociedades e dos seus actores por acção do pensamento e respectiva concretização em instrumentos técnicos. Na prática, uma mudança apenas ligeira do fecho da lente analítica revela que o problema é cronicamente colocado a jusante e não a montante, centrando a atenção nos dispositivos e nas condicionantes/possibilidades que colocam  em detrimento de uma reflexão sobre a componente do perfil e do contexto de intervenção humana na própria inscrição dessas condicionantes ou no enquadramento ideológico a que obedecem essas possibilidades nelas inscritas.

Se é verdade que um tweet impunha, até há bem pouco tempo, um forte condicionamento ao nível da extensão do discurso e, por via dela, do seu conteúdo, não é menos verdade que a definição dessa condição não surge de um vazio aparticipado ou social, mas sim de decisões tomadas por outros actores, inscritos em estruturas também elas resultantes de condutas terceiras, num encadeamento de decisões, posicionamentos e agendas múltiplas que devem merecer processos complexos de análise, e não uma redução conveniente a problemas exclusivamente tecnológicos. Por outro lado, o colocação do foco numa variável ela própria objectivada e quantitativa – a dimensão – convida a reduzir de forma implícita as possibilidades de análise aos limites numéricos do tweet único, como se um diálogo oral pudesse, por comparação, ver reduzidas as suas possibilidades a uma única frase.

Neste sentido, não é tanto a definição apriorística de condições tecnológicas a esclarecer as estratégias performativas dos actores sociais, mas sim estas últimas a constituir-se o fundamento das opções tomadas, e da medida em que o respectivo actor aceita a prossecução dos seus objectivos por meio de instrumentos com essas limitações, sendo perfeitamente possível constatar opções que, não sendo as mais tecnologicamente sofisticadas, são representadas pelos seus utilizadores como estando mais em linha com as respectivas intenções, quadros simbólicos de referência, performatividades e hetero-representações pretendidas, à luz da sua própria representação da expectativa alheia e do modo como melhor a satisfazer.

Corolário deste conjunto de proposições, a própria definição de inteligência coletiva enquanto distribuída, reequacionada e revalorizada, coordenada em tempo real, e conducente a dinâmicas de mobilização de competências (Lévy, 2004) afigura-se apenas nova na medida em que operacionaliza meios de comunicação de natureza tecnologicamente mais recente e (discutivelmente) mais sofisticada: com efeito, a maioria das características que lhe são atribuídas é anterior ao seu perfil tecnológico actual – ele próprio já resultado de representações também elas sociais quanto à utilidade do seu desenvolvimento – e decorre sobretudo de imperativos organizacionais da comunidade relacionados com os modos de interreconhecimento performativo nela praticados.

Em sentido semelhante, Jenkins (2006) faz depender o potencial participativo da inteligência colectiva – enquanto mobilização e combinação de conhecimentos individuais alternativas ao poder da comunicação mainstream – da disponibilidade e do manuseio de competências maioritariamente tecnológicas, subalternizando a importância decisiva que os fundamentos do processo de significação assumem no processo. Com efeito, ainda que abordando a comunidade como espaço de criação coletiva, reifica meios materiais em processos de natureza eminentemente simbólica, deixando para segundo plano a própria partilha prévia de frames e o interreconhecimento performativo por eles tornado possível muito antes de qualquer capacitação, selecção ou condicionamento de base tecnológica – os mesmos frames que contribuem para distinguir entre a passividade da massa, a definição instrumental da audiência, e a reflexividade do público. De modo mais simples, antes da equação da capacitação técnica para a escolha, para a manipulação de conteúdos, para a sua difusão, os indivíduos envolvidos nesta comunidade existem já como membros dela porque partilham esses quadros, encenando papéis em função de guiões que já partilham e que os definem antes e para lá dos recursos materiais.

O Remix, ora definido como prática social e comunicacional, ora como intercâmbio criativo de informação a partir das TIC (Lemos, 2005; Navas, 2010), apoia-se na apropriação, recombinação e reutilização de aspetos de uma cultura partilhada, ou seja, de traços cuja performatividade é reconhecida pelos participantes na actividade considerada. É este conjunto de práticas a constituir pilar da cibercultura em que, segundo diversas vozes, nos encontramos actualmente – a mesma à qual são atribuídas a multiplicação das instâncias de acção comunicativa e potencial reforço do pluralismo de actores) e a transformação das estratégias e espaços discursivos enquanto princípios fundacionais (Lemos, 2005). No entanto, é relativamente visível o viés tecnológico existente em cada um destes principios uma vez que neles é sublinhado o contributo determinante dado pelas TIC [7] e afirmado que um dos planos decisivos para a afirmação da novidade desta cultura é o da ampliação do seu alcance técnico. Detenhamo-nos um pouco a desmontar esta argumentação.

Importa reconhecer desde logo que quaisquer iniciativas ou estratégias de apropriação, recombinação e reutilização de aspetos de uma cultura partilhada pressupõem a) a reflexividade necessária ao reconhecimento dos traços culturais partilhados, b) o reconhecimento do Outro como actor igualmente capaz de proceder a esse reconhecimento caso se constitua receptor comunicacional em processos de natureza interactiva, mesmo na ausência de dispositivos tecnológicos, e c) a partilha de um código que torna possível não apenas o reconhecimento de processos de significação discursiva prévia mas, a partir dele, de processos de ressignificação discursiva que tornem possível qualquer performatividade na presença desse Outro, para os quais, no plano da compreensão de uma mensagem, meios tecnicamente sofisticados são instrumentos e não actores em si mesmos.

Adicionalmente, perante a afirmação de uma pretensa igualdade de vozes no meio online, impõe-se recordar que os efeitos de reputação não desaparecem quando transitamos entre meios: sendo possível que algumas vozes atinjam nele uma representação anteriormente inexistente junto de terceiros, os fenómenos de popularidade fora do meio online tendem a repercutir-se nele. Acresce ainda que a multiplicação das instâncias de acção comunicativa e potencial reforço do pluralismo de actores encontram-se sujeitos não apenas às mesmas questões elencadas no parágrafo anterior mas principalmente ao perfil do participante, no qual emerge como variável decisiva a disponibilidade e importância atribuída à participação, para o que qualquer dispositivo dificilmente constitui condição suficiente ou sequer necessária. Na realidade a participação requer um habitus (Bourdieu, 1992) prévio particular e uma auto-representação na qual a participação através da manipulação simbólica seja relevante, e uma expectativa quanto à recompensa hetero-representacional resultante da apresentação do fruto dessa manipulação simbólica, planos nos quais nem todos os envolvidos necessariamente se encontrarão.

Tal permite introduzir neste debate a questão da autonomia: não apenas das suas diversas dimensões – em particular como rediscutidas nas sociedades pós-industriais – mas sobretudo no que a define em termos da sua irredutível essência social e simbólica, antes de qualquer consideração de natureza tecnológica. Com efeito, se traço existe de caracterização de um ambiente activo de recriação performativa de quadros simbólicos, ele remonta à transição do séc. XIV para os séculos seguintes, nos quais se afirma crescentemente um entendimento de participação, reformulação e redefinição de significados enquanto prerrogativas sociais e individuais, para além da mera dinâmica anterior de herança, apropriação e reprodução mimética desses quadros (Hesmondhalgh, 2007).

Neste sentido, a própria afirmação de uma cibercultura novomediática característica do início do século XXI – baseada numa cultura Read/Write por oposição a uma outra, de natureza Read Only, também associada a tecnologia mas de sofisticação técnica menor, ainda que igualmente afirmada como determinante da conduta dos indivíduos (Lessig, 2004; 2008) – não sobrevive a um escrutínio analítico menos míope. Conceptualizado como prática quintessencial da cibercultura, o Remix afigura-se na realidade um mero rebaptismo de uma prática historicamente muito antiga, e que mais que confundir-se com o aparato técnico (deste século ou de qualquer outro) provém do perfil de matrizes sociais e simbólicas pré-existentes.

Aliás, poucas serão as afirmações feitas sobre a suposta novidade do processo ou mesmo do seu fundamento que não devam antes ser reconceptualizadas como ancestrais – desde a posição de Lessig (2008) segundo a qual a cultura RW promove a crítica e, através dela, a aprendizagem e a capacidade de construir conhecimento, até à posição de Navas (2012), para quem, enquanto discurso, o Remix transporta/ilustra ideologias, traços culturais e históricos que interferem, ou mesmo guiam a produção desse discurso. No caso desta última posição as palavras empregues são taxativas quanto ao viés técnico subjacente à análise: quer considerando o remix o "resultado de um longo processo de experimentação com diversas formas de gravação e reprodução mecânica" (Navas, 2012: 5), quer considerando que as competências técnicas para manipular material produzido por outras pessoas se tornaram essenciais enquanto estética predominante nos tempos atuais (Manovich, 2013).

 

Uma reconceptualização não tecnocentrada da autonomia

A medida em que o conceito de autonomia [8] se torna relevante neste debate decorre também da sua qualidade de indicador de liberdade de participação. Com efeito, a uma alteração no perfil de participação em processos de mediação comunicativa pode corresponder uma alteração das condições de exercício de cidadania (social, política) e de experiência individual do mundo, designadamente na capacidade de expressão e criação cultural ou de participação de uma cultura comum. Contudo, importa não reduzir a critérios meramente técnicos esse perfil de participação, sob pena de ver-se reduzido o debate não a actores sociais mas a simples utilizadores, definidos exclusivamente por uma relação com o objecto técnico que manuseiam. Vale, por isso, a pena recordar o papel do conceito para desmistificar a valorização da componente técnica subjacente à acção simbólica e cultural.

Primeiro, uma abordagem da participação / ressignificação simbólica e criativa limitada aos condicionalismos de liberdades juridicamente definidas pela negativa (Colby, 2005), ou seja, a medida em que a participação é coartada pelos direitos supervenientes associados à autoria e propriedade originais do material intervencionado. Na prática, tal pode corresponder a uma leitura de fundamentação marxista [9] do conceito de autonomia, ligada à acumulação de capital material e simbólico, que se traduz numa presença tendencialmente menor de novas vozes criativas em virtude da inexistência dos necessários capitais para essa participação ou para o custeio da intervenção ressignificante.

Desta abordagem resulta ainda uma acepção de participação que se encerra numa visão de desempenho de um papel adaptado às necessidades (de funcionamento e viabilidade) do mercado, e não necessariamente aos interesses de um(a) participante efectivamente fabricado na sua 'necessidade' de acesso aos meios dessa participação. Como tal, antes mesmo de produzir conteúdo a/o participante já se encontra prevista/o, enquadrada/o e manietada/o pela aquisição/apropriação do instrumento de produção, ilustração da vigência de uma racionalidade de tipo instrumental.

É também patente nesta abordagem uma divisão tipicamente habermasiana entre uma identidade individual pública e uma outra privada, associada a um mecanismo de simulação de compensação da exclusão de participação pública baseado na propriedade privada. Em sentido semelhante, contribuiria para essa domesticação simulacral (Neto, 2001) a celebração do objecto enquanto signo socialmente significante de condutas e relações sociais, a qual representa para Baudrillard (2008) o estádio completo e consumado do nosso processo evolutivo social [10].

Em conjunto, uma privação ou desigualdade de acesso aos próprios meios de participação, uma desactivação prévia da participação pela submissão da criatividade ao espaço pré-atribuído pelo mercado a cada participante, e um simulacro (Baudrillard, 1991) de compensação por privação de participação não podem deixar de contribuir para constranger a circulação de materiais culturais e o próprio pluralismo/diversidade necessários não apenas à renovação cultural mas ao próprio exercício de direitos de cidadania, desarmando qualquer expectativa de efectiva mudança de paradigma, mesmo no caso da apropriação de novos media. Como afirma Colby,

 

"it is important to view the deployment of new media (…) as primarily serving the function of the reification of the individual user of the new media as a consumer-object destined for elite determination" (2005: 446).

 

Segundo, uma abordagem de tendência liberal-progressista, ligada aos recursos mobilizáveis para o exercício de autonomia, submetidos ou pré-condicionados por liberdades definidas positivamente – ou seja, no qual a desigualdade inscrita no funcionamento do mercado, por via da dimensão da produção institucionalmente organizada ou de maior estruturação empresarial, prevalece sobre critérios de valoração moral(izante) ou simbólica.

Sobressai aqui um entendimento da autonomia enquanto isolamento: contudo, tal isolamento constitui uma conveniente subalternização das condições efectivas de existência do indivíduo, reduzidas à paisagem na qual a afirmação celebratória do consumo pode ser feita sem ser perturbada. Se, a um tempo, parece constituir um reconhecimento do poder individual de significação da realidade subjectiva própria, noutro conduz esse processo a um colorário próximo de um nihilismo militante que exclui o indivíduo da realidade que este pode ressignificar e na qual pode, a partir dessa ressignificação, agir. Exemplo disto é, num outro registo, o facto de nem mesmo um dos campos teóricos mais férteis nessa valorização da racionalidade individual – o dos Estudos Culturais – permanecer à margem de crítica dada a forma como a considerou imune aos apelos da significação comercial circunstancial [11].

Finalmente, uma terceira abordagem desenvolvida originalmente por Dewey (Czitrom, 1982), relativa ao acesso a recursos e competências de natureza especificamente cultural enquanto condições de capacitação para a participação criativa individual, com vista à superação dos dualismos emissor/receptor ou criador/consumidor. Nesta abordagem a literacia mediática, a capacidade de aceder, compreender e avaliar criticamente conteúdos e de recriar significações contextuais [12], surge enquanto condição essencial para uma cidadania plena, diminuindo os riscos de exclusão: segundo a Comissão Europeia, "(…) uma sociedade com um bom nível de literacia nas questões dos media será simultaneamente um estímulo e uma pré-condição para o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social" [13].

No entanto, ainda que a evolução na posse de literacia mediática se apresente significativa não induz automaticamente literacia simbólica ou disponibilidade/interesse em processos de participação criativa. Como afirma Gounari, a primeira apenas poderá "(…) alargar o fosso, em vez de democratizar os espaços e de aumentar o acesso (…)" (2009: 27), pelo que estaremos perante um "apartheid cultural" que separa aqueles que têm meios e competências de todos os demais (Paiva , 2004: 4).

 

O necessário enquadramento à significação

Qualquer projecto crítico conducente a reconsiderar o papel do perfil prévio do actor social em situações sociais de interacção comunicativa, designadamente ao nível da sua intervenção através de tecnologias de comunicação com fins de recriação do conteúdo de uma mensagem e da sua influência posterior, requer necessariamente uma reconsideração dos fundamentos do próprio processo comunicativo. Desde modo, antes de proceder à equação da significação enquanto processo importa recordar o que a torna possível e como se processa a partir desse momento.

Peirce ambiciona desde a segunda metade do século XIX o estudo das leis gerais do signo e, a partir delas, da semiose ou relação dinâmica contínua entre signo, objeto e intérprete. Para este fim a própria concepção de signo enquanto processo de mediação, colocando significantes em ligações lógicas (e irredutivelmente sociais, acrescento) numa cadeia interminável, torna possível a (re)produção de quadros lógicos de conhecimento, a partir dos quais é possível modular e efectivar a experiência (linguística) humana.

No entanto, e sem prejuízo de Peirce (pretender) instaurar a Semiótica como projecto de natureza leibniziana tendencialmente universal(izante) englobando as restantes ciências (no que designa de Semiótica Ilimitada), é na Semiologia de Saussure que encontramos uma das mais importantes considerações neste âmbito – a de um acto sémico, de atribuição de significado, enquanto facto social que coloca em interacção um emissor e um receptor (Prado Coelho, citado em Fidalgo, 1995: 17). Todo um universo de diferentes acepções vem a separar estes dois autores no que ao lugar, papel e importância do signo diz respeito, bem como à abrangência da sua utilização para fins analíticos.

Um signo, enquanto representação de algo, constitui para Peirce o primeiro elemento do processo conducente a essa representação, estabelecendo com aquilo que representa (e em cujo lugar surge) uma relação, cujo resultado se pretende que seja uma interpretação particular por parte de um actor social comunicacional. Sendo constituído por duas metades essenciais – um significante (ou apresentação material, seja como palavra, imagem, som, ou outra), e o respectivo significado (aquilo que se pretende ver reconhecido como / associado ao significante) – é descrito segundo três tipologias, as designadas tricotomias:

 

• de acordo com a primeira, são descritas em cada signo a sua Qualidade (características qualitativas únicas, como a sua cor ou dimensão, por exemplo), a sua Singularidade (na qual se verifica ou codifica uma localização em termos de espaço ou tempo), e a sua Lei (termo no qual são codificáveis convenções/normas relativas ao reconhecimento / significação pretendidos);

• de acordo com a segunda, a imagem pode constituir qualquer um dos elementos icone, index ou simbolo consoante a literalidade da sua representação face ao objecto representado;

• de acordo com a terceira, são enfatizadas capacidades relativas àquilo cuja representação se pretende através do signo, como a plausibilidade da representação feita de uma característica singular do objecto por um signo (cor de uma flor), a probabilidade de descodificação/interpretação particular de uma característica do objecto através de um signo (uma cerca como indicador de privação de passagem), e a capacidade argumentativa ou veracidade do juízo que o interprete/receptor faz de um signo.

 

Assim, segundo Barthes (1991), a significação enquanto acção desde há muito une o significante e o significado, o plano da expressão e o plano do conteúdo, implicando-se mutua e necessariamente: sem um significante o significado é incomunicável, e sem um significado o significante é apenas um objeto de existência inútil porquanto nada significa ou transmite que seja reconhecível. Estes dois elementos, reunidos, constituem então estímulo de evocação de algo, no âmbito de um processo de comunicação (Guiraud, 1980) [14].

Deste modo, qualquer palavra / imagem / som constitui um significante que pretende suscitar a descodificação / reconhecimento de algo em cujo lugar surge, reproduzindo ou insinuando características (tendencialmente) únicas desse algo, de acordo com convenções contextuais partilhadas sem as quais, como defendeu Luhmann (1993), a comunicação não é sequer possível: isoladamente signo algum tem significação, pois esta nasce necessariamente do contexto (Hjelmslev, 1975).

Deve, contudo, ser mantido em conta que a significação é verificada apenas parcialmente pelo contexto sendo necessário considerar outros factores, como as relações extra-linguísticas e a sintonia entre interlocutores (Barthes, 1991). Considerando então o necessário âmbito e enquadramento contextual das ligações intersígnicas e das efectivas significações por elas permitidas, (a utilização dos significantes de) uma língua não deve ser pensada apenas como sistema de signos mas como a incubadora subjectiva das micro-significações desencadeadoras de macro-significações contextuais (Hjelmslev, 1975). Deste modo, sem a consideração primeira do seu contexto e da carga ideológica que o define, um signo e o processo de significação que permite não cumprem a sua função: "cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade" (Bakhtin, 2002).

 

A significação, hoje e ainda

Todas as considerações do capítulo anterior apontam para a centralidade incontornável, não do aparato tecnológico usado recorrentemente como variável independente em processos de análise social, mas sim do contexto em que tal utilização tem lugar, do perfil dos significadores e descodificadores/ressignificadores, para além da intencionalidade subjacente à sua acção também ela contextualmente enquadrada.

Tal não significa a absoluta irrelevância da consideração da variável técnica: significa que também ela tem de ser enquadrada, quer nos termos em que a sua utilização é promovida enquanto catarse compensatória de défices de participação de outra natureza, quer nos termos em que tal utilização é ela própria refém dos perfis, intencionalidades, representações e contextos em que / através das quais se desenvolve, sendo vítima das mesmas desigualdades características do tecido social às quais um olhar tecnocentrado escapa com demasiada (e conveniente) frequência.

Assim, escudados desse viés, e como forma de recuperar o ângulo original do conceito em que, pela primeira vez, o processo de significação foi ligado à esfera da comunicação social sem o sacrificar às características dos meios desta última, importa recuperar o trabalho de Goffman em torno do enquadramento ou, na sua formulação original, frame. Abordada pelo autor em 1974, a frame analysis reconhece a existência de dois tipos de matrizes de enquadramento primário com desempenho de papel na significação / interpretação de um evento ou mensagem por um receptor, auxiliando-o na acção social que desenvolve no seio do seu contexto e à luz das suas circunstâncias específicas (Goffman, 1974): por um lado, um processo quase automático de ressignificação de uma mensagem relativa a um evento considerado natural ou devido a causas dessa indole, de cuja causalidade se exclui a acção humana ou social; por outro lado, e com interesse directo para os argumentos apresentados ao longo deste artigo, um processo de ressignificação de uma mensagem relativa a um evento interpretado como tendo origem ou fundamento social, ou seja, fruto de agendas, objectivos, caprichos ou manipulações de outros actores sociais, a jusante destes. Associado a este processo de ressignificação encontra-se, a montante, um processo de codificação/significação da parte de quem é responsável pela mensagem, ao nível das escolhas sígnicas praticadas, ou seja, dos significantes escolhidos para veicular significados específicos, de forma a produzir as semioses pretendidas do lado do receptor.

Paralelamente, Goffman considera a existência de uma designada ordem da interacção, modo de organização social visível na (e baseada em) normas que disciplinam a interacção – a que não será estranha, mais tarde, a ordem do discurso de Foucault enquanto mecanismo precisamente de visibilidade de normas de conduta implícitas mas fortemente embrenhadas e condicionadas de  situações de interacção social (Foucault, 1971).

Importa aqui também recordar que estas matrizes terão, anos mais tarde, eco nas estruturas estruturadas e estruturas estruturantes cuja operabilidade é identificada por Bourdieu (1992) no conceito de habitus. Neste sentido, são matrizes simultaneamente pré-existentes e o fruto da acção posterior do actor social, qualquer que seja a consciência reflexiva deste quanto ao seu papel no processo.

Também a valorização do receptor enunciada e praticada pelos trabalhos de culturalistas como Hoggart ou Hall (During, 1993) aponta no sentido do reconhecimento da importância do contexto – de caracterização do perfil do receptor, da própria recepção, da interpretação – para o processo de ressignificação. Neste âmbito, até ao nível da compreensão das próprias características dos trabalhos dos autores inclusos nesta corrente vale a pena recordar a decisiva importância do contexto – no caso, marcado por acepções de profundo determinismo mediático e flagrante desvalorização do arbítrio e reflexividade individuais, bem como por um olhar de considerável funcionalismo sistémico conhecido pela sua diluição do poder individual em favor de uma homeostase social à qual o anterior seria francamente danoso.

Mais uma vez, a herança do pensamento crítico marxista recoloca a questão do necessário enquadramento do perfil dos actores sociais envolvidos, recordando ser impossível separar a cultura das relações de poder (Mattelart & Neveu, 2006). A abordagem interaccional de base analítica semiótica crítica praticada pelos culturalistas permitirá, no seu tempo, reconhecer a decisiva importância da vida quotidiana e dos seus elementos de experiência prévia em processos de recepção / ressignificação contextualizada, a prevalência de formas ancestrais comunais, colectivas ou sociais enquanto gramática de ressignificação comunicacional, a ressignificação enquanto materialização de uma percepção particular numa sociedade caracterizada por desigualdade de acesso a instrução e, através dela, por assimestrias no controlo dos mecanismos de difusão cultural e de respectivo exercício de poder (During, 1993).

Em todos estes cenários a tónica é constantemente colocada no contexto, na circunstância, no perfil – e raramente, por boas razões, nos instrumentos objectivos e nos paradigmas da sua reificação, e por comparação perpassa nesses paradigmas uma certa sobranceria paradigmática sobre visões de reenquadramento social da acção social, como se de autêntico desvio se tratasse. Aqui importa recordar as teses de Becker (1963, citado em Mattelart & Neveu, 2006: 37), segundo o qual o carácter desviante desse enquadramento não dependeria dos seus argumentos mas da acção das instituições e pressupostos académicas, que os definem como indesejáveis a um projecto de reificação analítica baseada num foco desmesurado e perfeitamente injustificado nos meios tecnológicos, contra o qual a principal defesa não pode deixar de ser a rememoriação da dimensão ritualística e profundamente identitária da acção individual.

 

A ressignificação audiovisual socialmente movida e enquadrada: exemplos

Chegados a este ponto vale a pena apresentar alguns indícios que ilustram os pontos de vista afirmados até ao momento, designadamente a centralidade das práticas de significação pré-existentes e a sua incontornável ancoragem social identitária individual e colectiva.

O primeiro dos casos com indícios relevantes para este debate prende-se com a ressignificação praticada a partir de materiais audiovisuais emitidos em contexto noticioso no Brasil, no âmbito de protestos inicialmente motivados por um aumento do preço dos bilhetes de transportes públicos mas rapidamente se orientaram para a veiculação do descontentamento popular com as políticas seguidas no país. Neste caso coube a uma comunidade movida por um sentimento partilhado de injustiça cívica e política ressignificar materiais audiovisuais, colocando os respectivos signos ao serviço de uma nova semiose alinhada com a sua representação dos eventos, do mundo, e do seu lugar nele.

O segundo caso com relevância para este debate lida com a ressignificação praticada com materiais audiovisuais emitidos em contexto de entretenimento, designadamente da série Once Upon A Time. Aqui o enredo e algumas das personagens são comunitariamente ressignificadas e conotadas com uma relação afectiva não evidente mas considerada latente pela comunidade de consumo, a qual toma em braços a responsabilidade de reapropriar e ressignificar os materiais audiovisuais de modo a colocá-los ao serviço da narrativa que pretendem apôr à originalmente transmitida. Mais uma vez é a natureza colectiva identitária a encontrar-se na base da releitura sígnifica, sendo extirpados do seu contexto original determinados significantes (pedaços de signos, ou seja, de imagem e som) para, por trabalho de ressignificação baseado em tratamento e montagem próprios, oferecer actos sémicos novos.

Em ambos os casos é possível observar em acção as três etapas do processo de (re)construção de enquadramentos (Kitzinger, 2007): a classificação dos materiais originais, ou seja, a introdução de um conteúdo numa categoria particular a partir de (pré-)conceitos a ele relativos; a seleção de entre eles de unidades de conteúdo particularmente relevantes ou adequadas à ressignificação pretendida; e a sua apresentação, ou seja, colocação à disposição de uma comunidade que partilhe os novos sentidos atribuídos aos materiais audiovisuais em causa. Considerando que cada enquadramento constitui uma ideia organizadora de (re)atribuição de sentido (Gamson e Modigliani, 1987, citado por Scheufele e Iyengar, 2014: 6), vale a pena recordar também o papel de cada enquadramento ao nível do reforço de (pré-)conceitos já socialmente estabelecidos em quadros mentais pré-existentes, desenvolvido a partir de um ponto de vista de (re)interpretação da realidade mediante a escolha selectiva de dados, fontes, e linguagem (Goffman, 1947).

 

O caso do vídeo 'Um Pouco do Troco'

Criado no contexto político e social das manifestações de Junho de 2013 no Brasil, o vídeo remix 'Um Pouco  do Troco', da autoria da página de humor Pandemideias, permite um olhar crítico particularmente bem situado, designadamente vinculando o conteúdo do seu discurso a intenções conjunturais de participação política e crítica social.

Relacionado em primeira instância com a política de preços para transportes públicos, rapidamente o contexto de protesto se alargou à res publica praticada pela Administração Pública, em particular nas regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, em torno de temas como um contexto economico-social percebido como pleno de insegurança pública e de desemprego, e de uma desqualificação dos serviços públicos contrastante com um excessivo peso da fiscalidade sobre a população, praticado por uma classe política não apenas associada a actos de corrupção mas também a despesas de prioridade política duvidosa em torno de grandes eventos desportivos.

Face a essa insatisfação veio a juntar-se, primeiro, uma dinâmica fortemente repressiva colocada em prática pelas autoridades policiais, e mais tarde, de forma complementar, estratégias de framing praticadas pelos principais media nacionais, significando também estes a acção da população insatisfeita enquanto conduta violenta e ilegítima. Em resposta, este produto audiovisual ressignificou conteúdos provenientes em grande medida das emissões destes medias, com a intenção manifesta (assumida) de relatar os eventos do ponto de vista da população em protesto, projectando e valorizando a sua voz nos temas indicados.

Metodologicamente, a constatação do recurso à ressignificação só foi possível mediante o recurso ao processo de observação designado de 'método das máscaras', ou seja, o visionamento repetido de uma mesma sequência "[…] ora mascarando a imagem ora cortando o som" (Chion, 2011: 146). Este processo permite iterações sequências de dissecagem do conteúdo semiótico de produtos audiovisuais, sem que cada uma das linguagens envolvidas contamine a descodificação da outra, sendo confirmada no final a medida em que tais processos de ressignificação se reforçaram ou contradisseram.

Como afirma Queiroz (2015: 42), os elementos presentes, a sua edição, e as tomadas de posição da organização responsável pela autoria do vídeo "[…] agregaram um sentimento espalhado por todo o país e levaram para o ambiente virtual um sentimento coletivo que já estava nas ruas". Tal significa, portanto, um primado dos quadros de referência, de literacia e de intencionalidade cívica política sobre os meios e as mensagens, reforçando o argumento de que pré-existe a qual remix uma significação proveniente da esfera social, e só depois transportada para a escolha estrategicamente considerada mais profícua em termos técnicos.

 

O caso da comunidade SWEN

Outro domínio no qual o argumento subjacente a este trabalho pode ser equacionado é o dos estudos sobre comunidades de fãs (ou fandom [15]) de produtos audiovisuais, inicialmente desenvolvidos nos anos 50 no âmbito da abordagem das fan cultures (Gooch, 2008). De entre as actividades desenvolvidas por estas comunidades interpretativas (Kaplan, 2006; Fish, 1980), consideradas no sentido de Gemeinschaft definido por Tonnies (2001: 55) e no comunidade de McMillan & Chavis (1986: 9-12), sempre se destacou a produção e distribuição de conteúdos próprios, orientada por uma insatisfação sentida relativamente à interpretação sugerida/associada a conteúdos mediáticos originalmente produzidos por entidades terceiras, designadamente meios de comunicação social de massa.

Movidas pela necessidade de uma reinterpretação destes conteúdos, estas comunidades – e mesmo no seio de cada uma – permitem a sugestão de interpretações alternativas, mais tarde efectivadas com uma edição/manipulação própria desses conteúdos à luz dos valores defendidos e promovidos por essas comunidades ou pelas diferentes sensibilidades nelas existentes. E se podem ser argumentadas uma simplificação do processo de edição e uma ampliação da esfera na qual essas reinterpretações podem ser disseminadas, o essencial que lhes é subjacente é o facto de que estas últimas sempre existiram desde logo na imaginação ressignificante do lado das respectivas audiências, momento inicial de todo o processo, e de acordo com os seus quadros de valores simbólicos e experienciais. Como tal, e de acordo com Fortuna (2015: 22),

"[…] o fandom torna-se o lugar ideal para criar conteúdos, partilhá-los e encontrar outros elementos que partilhem e compreendam as leituras [16] (texto ou subtexto) que fazemos do objecto original. Existem, assim, conceitos decisivos […]:  as comunidades […]; as leituras de texto e subtexto; e [só] por fim a criação de conteúdos. […] Ainda que a cultura participativa […] possibilite também a existência de uma cultura remix, torna-se […] mais importante perceber o fandom, não apenas como fonte de partilha, mas também como fonte de criação de conteúdo".

No âmbito de um trabalho de caracterização semiótica de fan videos provenientes de uma subcomunidade especifica (Swen), é analisado o modo como esta se define enquanto espaço de reinterpretação de conteúdo mediático de produção terceira (a série "Once Upon a Time"). Subjacente a esta reinterpretação encontra-se forçosamente a partilha de interesses, a heteroidentificação, e uma satisfação partilhada em torno dos mesmos valores (Christians, 2000; Fish, 1980; Sullivan, 2012, Stein & Busse 2009).

Do ponto de vista metodológico, tal reintrepretação foi observada a partir de uma selecção, feita no período decorrido entre 6 e 15 de Julho de 2015, de fan videos obtida a partir de uma pesquisa por termos-chave relativos a esta série [17], tendo o número encontrado – mais de 500 – obrigado a posterior estratégia de constituição de uma amostra operacionalizável, o que foi conseguido mediante a escolha apenas daqueles 10.000 ou mais visualizações, no total de 162 fan videos, agrupados em função do seu subgénero [18], e com duração entre 01m30s e 03m15s. A partir deste conjunto de materiais foi possível conduzir uma análise fílmica de conteúdo, a partir dos contributos de Thompson e Bordwell (2010), e de Prunes, Raine e Litch (2002), designadamente ao nível da mise-en-scene, cinematografia, edição e banda sonora.

No seio destas comunidades são, pois, conhecidas e partilhadas, bem como plenas de sentido e de significado, as respectivas convenções e a forma como se projectam na reinterpretação dos conteúdos provenientes da fonte original – bases absolutamente centrais para suprimento de uma das necessidades vitais de uma comunidade: a coesão. É, aliás, a elas que se devem as categorias partilhadas de conteúdo (e interpretação) 'apropriado' e 'inapropriado', à luz da identidade da comunidade (Harris, 1998).

Como tal, não é possível compreender quaisquer conteúdos ressignificados ou atribui-los em primeira instância ao aparato técnico utilizado para a sua produção – como fazem, frequentemente, as definições do conceito de remix – sem compreender os processos de construção e confirmação contínua da identidade social (comunitária e individual) e o respectivo conjunto de critérios  avaliadores baseado na respectiva sensibilidade afectiva partilhada (Grossberg, 1992).

 

Considerações finais

Na base deste trabalho encontrou-se uma intenção: num contexto científico em que predomina uma conceptualização tecnocentrada da autonomia comunicacional, um projecto crítico de reconsideração sociológica o enquadramento contextual das ligações intersígnicas e das efectivas significações por elas permitidas em situações sociais de interacção comunicativa, recuperando o ângulo original do processo de significação ligado à esfera da comunicação social, sem o sacrificar às características dos meios.

Considera-se neste trabalho que a afirmação de uma cibercultura novomediática característica do início do século XXI em torno do conceito de Remix não sobrevive a um escrutínio analítico mais amplo, designadamente à consideração de que se afigura efectivamente um mero rebaptismo de uma prática historicamente muito antiga, e que mais que confundir-se com o aparato técnico (deste século ou de qualquer outro) provém do perfil de matrizes sociais e simbólicas pré-existentes.

Como tal, este projecto crítico implicou (e, sugere-se, implica necessariamente) uma revalorização / reconhecimento da importância do contexto – de caracterização do perfil do receptor, da própria recepção, da interpretação – para o processo de ressignificação, ou seja, centrado no contexto, na circunstância, no perfil – e raramente, por boas razões, nos instrumentos objectivos e nos paradigmas da sua reificação.

Um dos aspectos fundamentais da descodificação do significado de um conteúdo comunicacional prende-se com a sua dimensão conotativa, processo de interpretação cultural e simbolicamente ancorada (Barthes, 1977) em função de um enquadramento economico-cultural e de experiências pessoais ou grupais partilháveis/partilhadas (Hall, 1979), e de acordo com os recursos simbólicos associados à localização, contexto e caracterização social dos indivíduos (Livingstone, 2003).

O conhecimento sobre esta ancoragem necessariamente social dos processos envolvidos remete-nos então para o tempo longo (Elias, 1984) em que estes se desenvolvem, de abordagem já em curso há tempo muito superior ao dos (comparativamente) recentes desenvolvimentos em sede das TIC, e sobretudo na dependência de enquadramentos que, mais que não se esgotarem em dimensões de disponibilidade ou literacia puramente técnica, desta última só em muitíssimo reduzida forma dependem ou são por ela explicados.

Assim, ao nível desta recepção/ressignificação, e como reconhece Lessig (2008), os utilizadores sempre foram produtores, muito antes de qualquer desenvolvimento tecnológico – como aquele contemporaneamente utilizado para ancorar o conceito de remix – pois a verdadeira produção é primeiro a do sentido e só depois a do conteúdo. Na prática, ao centrar em esferas tecnológicas a questão da produção de conteúdo (o argumento de que o user também é producer) só revelamos o quanto o prisma usado é o da ferramenta/técnica, e não o da cultura (significado) previamente partilhada, a partir da qual uma reivindicação (Raud, 2016) de ressignificação pode ser desenvolvida e, posteriormente, aceite, negociada ou recusada – algo que sabemos não depender em primeira instância de um medium pelo menos desde… 1944 (Lazarsfeld et al).

 

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Submitted: 29th April 2018

Accepted: 25th February 2019

 

How to quote this article:

Neto, P. & Lamy, C. (2019). Remix e cultura participativa. Observatorio, 13(3), 52-70.

 

 

Note

[1] De acordo com a nomenclatura de Navas (2012), Remix com inicial maiúscula constitui uma forma de discurso, ao passo que remix com inicial minúscula diz respeito a um produto específico resultante desse modo de produção discursiva.

[2] Ingenuamente no sentido em que são pré-condicionadas pelas possibilidades inscritas por quem programou, e pelas funcionalidades permitidas por quem disponibiliza, e ingenuamente também no sentido em que não são gratuitas a partir do momento em que a moeda de troca deixou de ser o numerário cedido por quem utiliza mas sim os próprios dados fornecidos durante a utilização. Assim, mais que determinação técnica da utilização, é sobretudo um condicionamento a priori de base humana, empresarial, mercantil e economico-financeira – todos estes últimos também fruto de vontade humana consciente ou involuntária – traduzida em aspectos técnicos mas não prioritariamente redutíveis a eles.

[3] Supostamente na medida em que a informação estará sempre alojada em suporte físico, mesmo que sem co-presença face a quem a consulta, de que é exemplo a ideia de cloud, que mais não constitui que um exercício de rebranding eficaz da prática ancestral de armazenamento da informação codificada sob uma qualquer forma física, no caso, em servidor.

[4] Vale a pena, desse ponto de vista, reconhecer a parte menos valorizada da definição original de Gibson (2013: 61): "Uma alucinação consensual vivenciada diariamente por bilhões de operadores autorizados […]".

[5] Entre outras fontes, o debate em torno do determinismo tecnológico na análise da relação entre indivíduo, sociedade e tecnologia pode ser observado em Williams (1974), Bijker et al (1987), Smith e Marx (1994), Chandler (1995), Boczkowski (1996), Dagnino (2002), Flusser (2007), Dusek (2008), Wyatt (2008), Feenberg (2010), e Martino (2012).

[6] É significativo, o facto de a própria definição destes mundos já apresentar, no plano discursivo, uma reificação do online como o standard, face ao qual outros territórios devem passar a ser comparados pela negativa.

[7] Ainda que considerando que alguns dos processos, na sua essência, lhes são anteriores.

[8] Não se pretende neste trabalho uma abordagem à natureza do conceito no âmbito da filosofia política liberal como em Rawls (1971) ou Fallon (1994), ou seja, baseado na capacidade moral de tomada de decisão enquanto traço constitutivo da identidade ou personalidade jurídicas.

[9] Ainda que nem sempre reconhecendo-o na sua plenitude: tal caracterização resulta, aqui, da classificação que é possível fazer-se do conteúdo do retrato que desenvolvem, e não necessariamente da assumpção dessa classificação por parte de quem produz esse retrato.

[10] Consumo aqui considerado igualmente enquanto prática de felicidade pelos objectos e pelos seus signos, cuja esperança alimenta um quotidiano definida pela resolução de tensões e que se reduz à mera acumulação de significados (Neto, 2001).

[11] Tal esteve também na base do abandono progressivo do paradigma dos Usos e Gratificações, sem prejuízo do contributo que este havia oferecido na recusa do determinismo das teses dos efeitos totais dos media e a favor de uma reconsideração do papel do indivíduo em processos de tomada de decisão – designadamente na recusa de assimilação / reprodução acrítica de processos de significação mediática prévia ou de recusa/ressignificação das mensagens provenientes desse processo.

[12] Recomendação da Comissão Europeia, de 20.8.2009, parágrafos 11 e 13.

[13] Recomendação da Comissão sobre literacia mediática no ambiente digital para uma indústria audiovisual e de conteúdos mais competitiva e uma sociedade do conhecimento inclusiva, de 20.8.2009, parágrafos 15 e 16.

[14] As categorias/âmbitos considerados no trabalho do autor são os signos naturais, identificados e classificados pela ciência, os de representação ou imagem (quadros, fotografias), aqueles associados ao processo de comunicação (letras, números), e os de comunicação iconico-simbólicos (moda, simbologias religiosas).

[15] Abreviatura de Fan Kingdom.

[16] Sublinhado nosso.

[17] "Emma  and  Regina", "Regina  and  Emma", "Emma  & Regina", "Regina &  Emma"  e  "Swan  Queen".

[18] Recruiter Video (no qual a/o autor(a) tenta seduzir novos fãs para uma determinada série), Constructed Reality Video (no qual a/o autor(a) cria uma nova história original mediante a ressignificação de imagens pré-existentes), Story Video (no qual a/o autor(a) propõe uma única narrativa através de diálogos, texto e música pré-existentes), Fic Trailer (no qual a/o autor(a) promove as obras ressignificadas criadas nos fandoms), e Mix Vid (no qual a/o autor(a) propõe apenas uma releitura do conteúdo original da série), definidos segundo a taxonomia da wiki Fanlore (disponível em https://fanlore.org/wiki/Main_Page).

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