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Observatorio (OBS*)

versión On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.13 no.3 Lisboa ago. 2019

https://doi.org/10.15847/obsOBS13320191430 

Reflexões sobre ética e autorregulação no exercício do jornalismo por amadores [1]

Reflections on ethics and selfregulation on journalism exercise by amateurs

 

Dairan Mathias Paul*, Rogerio Christofoletti*

*Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

 

RESUMO

O artigo apresenta percepções de não-jornalistas de dois coletivos brasileiros sobre valores deontológicos do jornalismo. A partir de entrevistas com membros do Mídia Independente Coletiva e do Carranca, debatemos possibilidades de autorregulação nas rotinas de amadores que praticam atos de jornalismo, ou seja, apuram e divulgam informações por conta própria, sem filtros editoriais de veículos jornalísticos. Conclui-se, entre outros aspectos, que os sujeitos da pesquisa reconhecem os valores da deontologia jornalística, mas se mostram resistentes à autorregulação por verem nela um caminho de censura às suas práticas.

Palavras-chave: não-jornalistas; ética jornalística; autorregulação; deontologia do jornalismo; pro-am.

 

ABSTRACT

The article presentes perceptions by non-journalists from two Brazilian collectives regarding deontological values of journalism. From the interviews with members from Collective Independent Media group (Mídia Independente Coletiva) and from Carranca, a discussion on the possibilities of selfregulation in the routines of amateurs who practise acts of journalism took place, that is, people who investigate and publish information on their own account, without editorial filters by any journalistic media. The conclusion drawn, among other aspects, is that the research subjects acknowledge the values of journalism deontology, but still display resistance to selfregulation as it is deemed by them as a pathway for censorship to their practices.

Keywords: non-journalists; journalism ethics; selfregulation; journalism deontology; pro-am.

 

A participação do público na produção de conteúdos jornalísticos cresce a taxas cada vez maiores nas últimas duas décadas. Para além do convencimento e da atração das audiências pelos meios profissionais, é preciso que se reconheça que existem empreendimentos distintos dos corporativos e que se ocupam da elaboração e difusão desses conteúdos por sujeitos não-jornalistas. Esses amadores praticam "atos de jornalismo", que consistem em gestos espontâneos que emulam a prática profissional, mas não atendem necessariamente a códigos deontológicos da área (STEARNS, 2013; PAUL, 2017). Não se trata, portanto, de uma atividade perene, duradoura, que gera vínculos trabalhistas ou empregatícios, e que depende de remuneração. É episódica, não-programática e que às vezes contradiz as lógicas industriais do jornalismo e seus cânones deontológicos.

Neste artigo, abordamos questões morais que surgem a partir da ampliação de não-jornalistas que disseminam informações e praticam atos de jornalismo. Algumas de nossas inquietações dizem respeito às possibilidades de autorregulação dessas práticas, e se referem também à disposição dos atores em aderir a códigos de ética a partir de suas percepções sobre valores deontológicos previstos em documentos.

As questões éticas envolvendo não-jornalistas podem se referir ao consumo e à produção de informações. O primeiro sinaliza para a responsabilidade de uma leitura crítica da mídia, e Bertrand (2002) já destacava a importância da alfabetização midiática das audiências. Mais recentemente, Elliot e Spence (2017) percorreram diferentes tradições filosóficas, de Aristóteles e John Stuart Mill a Albert Borgmann, para discutir a responsabilidade cidadã na era digital. Kovach e Rosenstiel (2007), por sua vez, sustentam que a relação entre jornais e leitores é uma via de mão dupla – públicos precisam estar abertos a fatos que possam contrariar seus pontos de vista; ao jornalismo, cabe abrir sua "caixa preta" e tornar os processos produtivos mais transparentes. Christofoletti (2014) lembra que o esforço para um letramento midiático envolve não apenas ações de setores educacionais, mas também a disposição para transparência das empresas jornalísticas.

Nas páginas a seguir, não discutimos colaboração, mas atuação de não-jornalistas, tipificados aqui como sujeitos sem instrução formal em Jornalismo, mas que disseminam informações apuradas por eles mesmos e publicadas em blogs, páginas de redes sociais e sites. Especificamente, debatemos os valores morais de cidadãos organizados em coletivos, e nos interessa observar suas percepções sobre normas deontológicas manifestas no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Com isso, discutimos as possibilidades de autorregulação para esses grupos.

 

Amadores, espontâneos e engajados

Não-jornalistas estão presentes no ambiente jornalístico muito antes do que se convencionou chamar de jornalismo "participativo", "cívico", "open source", "cidadão" ou "colaborativo" (AGUIAR; BARSOTTI, 2014). Groth (2011) já questionava se o critério de "ocupação principal" seria suficiente para classificar determinadas atividades como jornalísticas, uma vez que diversos atores, não necessariamente jornalistas, poderiam estar envolvidos na produção de notícias. Há mais de cinquenta anos, o autor reforçava as incertezas na delimitação profissional da área, ressaltando a fluidez e o dinamismo dos seus limites.

A popularização das redes sociais, sustentada pelo desenvolvimento e barateamento no custo das tecnologias digitais, suscitou com que cada vez mais não-jornalistas se somassem ao contingente jornalístico. Nesses espaços, os sujeitos tendem a mimetizar técnicas do jornalismo visando conquistar a credibilidade do seu público (KARAM; CHRISTOFOLETTI, 2011). Por não serem profissionais, os indivíduos se veem livres dos compromissos deontológicos dos jornalistas, embora possam aderir a esses princípios por livre vontade.

Devido a essa dubiedade, a participação de amadores em processos jornalísticos é controversa. Para Radojkovic (2010), os "jornalistas cidadãos" são uma ameaça que podem causar prejuízos, como invadir a privacidade alheia, violar direitos humanos e veicular conteúdos falsos. O autor lembra que estes grupos não estão submetidos a regulamentações, e tampouco são obrigados a reconhecer a ética profissional. Embora considere que a livre circulação de informações seja um sinal positivo de liberdade, Radojkovic sinaliza que a ação desses sujeitos estabelece um "teste moral" a ser enfrentado pela sociedade.

Mais otimista, Heinderyckx (2009) considera que a entrada de novos atores é bem-vinda por retomar debates sobre dilemas éticos no jornalismo. Três questões são apresentadas pelo autor: 1) esses sujeitos se enxergam enquanto profissionais?; 2) a audiência reconhece seus conteúdos como jornalísticos?; 3) há submissão de suas práticas às normas deontológicas do jornalismo?

Allan (2013) afirma que não-jornalistas passam a ter alguma responsabilidade social quando testemunham um acontecimento, decidem registrá-lo e circulam tais relatos. Contudo, os indivíduos tendem a gastar pouco ou quase nenhum tempo em pesquisas para contextualizar aquilo que publicaram, por estarem mais preocupados em fazer circular seus testemunhos. Daí, "a menos que os cidadãos em questão estejam preparados para assumir essa responsabilidade para si (…), eles provavelmente se voltarão a uma organização de notícia para que ela o faça por sua conta" (ALLAN, 2013, p. 19).

A partir disso, é possível distinguir que há pelo menos dois grupos no universo de não-jornalistas que disseminam informações: sujeitos que acidentalmente se deparam com um fato, e indivíduos já engajados na cobertura de um acontecimento. Essa constatação também foi apontada por Mortensen, Keshelashvili e Weir (2015), que pesquisaram a definição de 42 jornalistas-cidadãos sobre suas próprias práticas e categorizaram seus resultados em três grupos. O primeiro reuniu indivíduos que produzem conteúdos simples, como fotos de viagens, filmagens casuais ou textos pessoais; suas produções mais jornalísticas são feitas acidentalmente, por estarem no local do acontecimento na hora certa. Na segunda categoria, estão pessoas que compreendem a função social do jornalismo, mas discordam de práticas da mainstream media. Não-jornalistas deste grupo normalmente estão organizados em coletivos e produzem conteúdos ligados a temáticas ativistas. Por fim, a terceira categoria englobou indivíduos que estão atrás de reconhecimento e visibilidade para iniciar uma carreira profissional no jornalismo. Contudo, conflitam com valores tradicionais do jornalismo por renegarem a objetividade e o papel de cães de guarda das instituições.

No contexto brasileiro, Oliveira (2013) identifica competências e disposições sociais prévias que interferem na motivação dos não-jornalistas. Ao pesquisar seis cidadãos que colaboravam com o Diário de Pernambuco e passaram a apurar e publicar notícias nos seus próprios blogs, a autora reuniu, a partir da trajetória de vida dos entrevistados, fatores que contribuem para esse deslocamento: 1) inclinação ao assistencialismo (os participantes moravam em comunidades do Recife e buscavam resolver conflitos locais); 2) descontentamento com a edição do Diário de Pernambuco (enquanto ainda colaboravam com o veículo, os entrevistados discordavam da angulação adotada nas pautas sugeridas por eles); 3) competência para a leitura e escrita, manifestada no gosto por expressar publicamente suas opiniões; 4) a experiência prévia de colaboração com o jornal, permitindo uma compreensão mínima sobre as rotinas jornalísticas; 5) acesso à internet e utilização de plataformas gratuitas, como blogs, para publicação de conteúdo.

Essas características colaboram para uma melhor compreensão do nosso objeto empírico, os coletivos Carranca e Mídia Independente Coletiva. Ambos se encaixam na segunda categoria de Mortensen, Keshelashvili e Weir (2015): são grupos ativistas que têm como principal conteúdo a cobertura de protestos e movimentos sociais. Opõem-se às mídias tradicionais e contestam seu trabalho, mas não têm a pretensão de profissionalizar os coletivos e constituir carreira jornalística a partir deles. Ao privilegiarem temas como a violência nas favelas do Rio de Janeiro, os sujeitos também estão motivados pela resolução de problemáticas locais, assim como os indivíduos pesquisados por Oliveira (2013). Da mesma forma, o descontentamento com as coberturas políticas de jornais convencionais também impulsiona o trabalho de apuração dos não-jornalistas.

 

Ética blogueira e autorregulação

A despeito de suas motivações – se puramente pessoais ou orientadas por insatisfação com o jornalismo –, as nuances morais que envolvem a produção destes atores correspondem a uma ordem de valores mais geral, uma vez que os sujeitos não necessariamente compartilham de um ethos jornalístico. Tilton (2016) sugere que os padrões éticos que tendem a moldar as práticas dos jornalistas cidadãos originam-se nas netiquetas, conjuntos de prescrições sobre como se comunicar em fóruns, e-mails e programas para troca de mensagens. Informal, a normatização dessa conduta foi um primeiro sinal para discussões mais específicas a respeito de um código para blogueiros, assunto debatido sem consensos quanto à sua eficácia ou mesmo necessidade (KUHN, 2007; CENITE, 2009; COSTA E SILVA, 2014).

Uma primeira tentativa foi proposta por Rebecca Blood (2002, online), que indicou seis princípios a serem seguidos "por qualquer weblogger que espera estar de acordo com os privilégios e proteções de um jornalista profissional". Dentre os tópicos, estão o reforço para publicar apenas fatos verdadeiros, a necessidade de inserir links para fontes externas, corrigir e não apagar erros, expor eventuais interesses pessoais e profissionais do blogueiro, informar quando as fontes são partidárias. No ano seguinte, o editor do site Cyber Journalist Jonathan Dube trouxe uma nova versão [2] baseada no código da Sociedade dos Jornalistas Profissionais. O documento salienta cuidados como honestidade – não plagiar, evitar manipulação de fotos –, minimização de danos – estabelecer bons contatos com fontes, refletir sobre questões delicadas – e responsabilidade – especialmente na relação com audiências.

Como podemos observar, os dois documentos possuem tópicos similares porque se baseiam em modelos jornalísticos e tem como horizonte a credibilidade. Para Kuhn (2007), essas propostas são reducionistas à medida que abrangem apenas uma parte da blogosfera – aquela que, de fato, pretende se engajar em práticas semelhantes ao jornalismo. Costa e Silva (2014) também entende que utilizar valores do jornalismo como parâmetro para uma possível regulamentação pode não fazer sentido, a não ser quando os blogs estão hospedados nos próprios sites dos jornais.

Devido às várias finalidades para um blog, a proposta de um código é, por vezes, controversa. Como lembram Cenite et al (2009, p. 580), codificar normas em documentos parece ser um objetivo restrito a grupos profissionais, o que não se aplicaria a "atividades recreativas", como o ato de blogar. Para entender se os próprios blogueiros concordariam com a criação de regras, os pesquisadores desenvolveram um questionário online para 1224 sujeitos, que foram divididos em dois grupos: blogueiros pessoais (73%), cujas publicações remetem a aspectos íntimos de sua vida, e blogueiros não-pessoais (27%), que publicam informações ou comentam notícias. A concordância com um código de ética para blogueiros prevaleceu nos dois grupos em proporções semelhantes, mesmo que os valores dos não-pessoais estejam mais próximos de uma ética jornalística convencional.

Contudo, Cenite et al (2009, p. 591) advertem que "essencialmente, um código é apenas útil conforme o número de pessoas que aderem a ele". Mesmo com o aceno positivo dos blogueiros pesquisados para a criação do documento, a diversidade da blogosfera é um entrave a considerar para a concordância de todos os indivíduos a determinados princípios. Uma saída sugerida pelos autores é a criação de códigos de ética diversos conforme as diferentes práticas blogueiras, de modo que estes subgrupos teriam motivações mais fortes para aderir a normas específicas. No Brasil, temos o exemplo da Associação Brasileira de Blogs de Viagem (ABBV), cujo regimento interno [3] prevê transparência com anunciantes e leitores. Outro caso é a criação de um código de ética por uma associação de blogs gastronômicos. O Food Blog Code of Ethics[4] é assinado por 26 sites e inclui princípios como civilidade, transparência e as "boas regras do jornalismo", tópico referente a plágio e direitos autorais. Em 2011, o código foi atualizado e adicionou um item dedicado à moderação de comentários.

Tais tentativas de autorregulação da blogosfera não são aceitas consensualmente entre todos os blogueiros. Se já há dificuldade para encontrar um denominador comum quando as discussões partem dos próprios membros, podemos perceber que a recepção a iniciativas de heterorregulação – ou seja, aquelas que advêm de instituições externas à blogosfera – é ainda mais controversa. Para Costa e Silva (2014), uma possível regulamentação dos blogueiros levando em consideração parâmetros jornalísticos deve ser vista com cuidado, pois pode minar os valores específicos da blogosfera: "(…) a defesa da neutralidade e da objetividade, como marca da profissão do jornalismo, colocam a tónica na perspetiva factual dos acontecimentos, o que contraria, em muito, o que é o espírito partidário – de causas, de gostos, de interesses – de muitos blogues. Nesse sentido, sendo não-profissionalizada, a intervenção do blogger é mais livre porque não está limitada pela necessidade de um pretexto que cumpra normas ou rotinas produtivas, nem depende de fontes de informação que podem produzir enviesamentos – discute ideologia, alternativas, questiona opções políticas e pode introduzir temas diferentes na agenda. É, por isso, que uma eventual regulação dos blogues deve evitar comprometer a livre iniciativa neste espaço e evitar espartilhar a participação dos cidadãos com regras que possam minar a expressão da diversidade, normalizando a sua intervenção na esfera pública" (COSTA E SILVA, 2014, p. 248).

Em sua pesquisa sobre a blogosfera política portuguesa, a autora identificou preocupações com temas como plágio, anonimato em comentários, qualidade da informação e diversidade de opiniões. Ela destaca que a atribuição é um importante valor para os sujeitos e auxilia a consolidar uma cultura entre a comunidade blogueira: uma "ética do link". Há, portanto, grande apreço por transparência, correção de erros e interação com outros blogs.

Neste sentido, quando a prática de blogueiros está mais próxima da jornalística, seus valores também parecem mais semelhantes aos da profissão. Para Friend e Singer (2007, p. 133), ainda que uma aplicação direta da ética jornalística a blogueiros tenha entraves, os valores morais entre os dois grupos são antes complementares do que contraditórios, numa relação definida pelas autoras como "simbiótica". Logo, não é possível falarmos que a ética do jornalismo está próxima da prática de todos os blogueiros, mas de um grupo específico – aqueles engajados em atos de jornalismo.

Essa mimetização ocorre porque os sujeitos também são leitores que reconhecem as finalidades do jornalismo (REGINATO, 2016), como fiscalizar o poder, apresentar uma visão plural da sociedade e verificar a veracidade das informações. Tais percepções estão amparadas na legitimidade construída historicamente pela instituição jornalística, ao sedimentar papéis sociais perante suas audiências (BERNIER, 2004).

Mas a confiança no jornalismo também perpassa um compromisso moral com o enunciador e envolve uma negociação de sentidos que se desdobra na credibilidade constituída e percebida (LISBOA; BENETTI, 2015). Neste contexto, os códigos deontológicos seriam uma "garantia" adicional ao público para crer no discurso jornalístico, além de servirem como guia de conduta para os profissionais.

No Brasil, estes documentos podem ter origem empresarial – como os códigos das associações nacionais de jornais (ANJ), de editores de revistas (ANER) e de emissoras de rádio e TV (ABERT) – ou profissional – a exemplo da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). Existem ainda códigos que partem de organizações jornalísticas, como os Princípios Editoriais do Grupo Globo.

Os valores deontológicos normatizados em códigos são antes um horizonte do que uma realidade, pois prescrevem e idealizam comportamento profissional que não necessariamente se concretiza na prática. Há estudos comparativos que analisam códigos dos cinco continentes (CHRISTOFOLETTI; FERREIRA, 2013), dos países europeus (LAITILA, 1995), de religião muçulmana (HAFEZ, 2002), latino-americanos (CAZZAMATTA, 2015) e brasileiros (CHRISTOFOLETTI, 2011). Tanto nas análises internacionais como nas locais, há mais semelhanças do que diferenças nos valores básicos do jornalismo. No entanto, em que pese a repetição de termos como "objetividade" e "precisão", Hafez (2002) sugere que as condições para se verificar a veracidade de uma notícia – ou seja, para colocar em prática os valores deontológicos – variam entre os países, extrapolando os limites dos códigos, como censura e controle de informação. Isto, no entanto, não quer dizer que os resultados obtidos a partir de análises de documentos deontológicos devam ser ignorados. Por se tratarem de códigos, sua construção é horizontal, atravessa tensões e culmina em valores que resultam de consensos entre seus membros (CHRISTOFOLETTI, 2017). Desse modo, estes textos nos possibilitam vislumbrar preocupações da comunidade jornalística em torno de sua ética profissional.

 

Valores percebidos pelos coletivos

Com o objetivo de analisar as percepções de não-jornalistas sobre valores deontológicos do jornalismo, entrevistamos integrantes dos coletivos cariocas Mídia Independente Coletiva (MIC) e Coletivo Carranca no primeiro semestre de 2017. Foram utilizados três critérios que nos guiaram para a escolha dos objetos empíricos, uma vez que o universo de não-jornalistas é vasto e heterogêneo. São eles: 1) iniciativas próprias de não-jornalistas (ou seja, sujeitos que não colaboram com outros veículos, mas que constituem plataformas próprias para exercer uma atividade jornalística; pressupomos que este parece ser um local privilegiado para observarmos embates entre valores morais do jornalismo "tradicional" e aquele realizado por não-profissionais); 2) organização em coletivos (ou seja, com sujeitos que não se "deparam" ocasionalmente com um acontecimento e o registram, mas que já possuem uma organização prévia, em grupos, com a intenção de praticarem atos de jornalismo); 3) conteúdo próprio e atualizado (dentre a diversidade de coletivos, muitos deles replicam informações ou não são atualizados com frequência – uma vez por mês, por exemplo).

Mapeou-se inicialmente 25 coletivos através de suas páginas no Facebook, sendo que cinco deles não responderam ao contato dos pesquisadores para saber se não-jornalistas faziam parte da organização. A partir dos grupos que atenderam aos critérios iniciais, selecionamos aqueles que tivessem o maior número possível de não-jornalistas e uma melhor estrutura de organização, com sites próprios, por exemplo. O levantamento final chegou a três coletivos: Carranca (RJ), O Mal Educado (SP) e Mídia Independente Coletiva (RJ).

Em junho de 2016, foram realizados os primeiros contatos com O Mal Educado e Mídia Independente Coletiva (MIC), por meio de troca de mensagens, para responder quantos não-jornalistas existiam no grupo – Carranca possuía essa informação explicitada em seu site. Um segundo contato aconteceu em fevereiro e março daquele ano, quando o convite para a pesquisa foi feito. Neste momento, descartamos a participação do coletivo O Mal Educado, que não nos respondeu mais. MIC e Carranca aceitaram o convite.

A página de Mídia Independente Coletiva foi criada em 23 de junho de 2013, ainda no calor das chamadas Jornadas de Junho que movimentaram o Brasil naquele ano. Até junho de 2017, contava com 125.924 curtidas em sua página no Facebook. Três membros fundaram o coletivo: dois cineastas e um fotógrafo – à época da entrevista, o grupo estava entre 15 pessoas, incluindo colaboradores de outros estados. MIC chegou a ter um site, o Mídia Independente Coletiva, em conjunto com outros dois coletivos cariocas, Mariachi e Rádio Mutirão. De conteúdo diverso, dividia-se em nove editorias: Brasil, América Latina, Internacional, Política, Movimentos Sociais, Elite Global, Meio Ambiente, Cultura e Entrevistas. Atualmente, as atividades do grupo estão pausadas e tanto a página no Facebook como o site foram excluídos.

Carranca, por sua vez, é formado a partir de uma dissidência com o coletivo Mídia Ninja. Fundado em 2013 por dez pessoas das mais diversas profissões – jornalistas, cineastas, artista plástico, fotógrafos, escritores –, a página do grupo possuía, em junho de 2017, 10.211 curtidas. Em maio de 2014, Carranca inaugura um site próprio, o coletivocarranca.cc, que atualmente redireciona para a sua fanpage no Facebook.

Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com a exposição de seus nomes. No entanto, optamos por preservar suas identidades. As nomenclaturas utilizadas significam Sujeito 1 Mídia Independente Coletiva (S1M), ou Sujeito 2 Carranca (S2C); a numeração refere-se à ordem em que as entrevistas foram realizadas.

Do primeiro grupo, fazem parte S1M (40 anos, cineasta), S2M (47 anos, ex-estudante de administração e teatro) e S3M (23 anos, estudante de direito). Os integrantes se dividem em funções que vão da transmissão ao vivo de protestos ao gerenciamento de redes sociais, incluindo também administração do coletivo, redação de matérias, ensaios fotográficos e documentários. No Coletivo Carranca, S2C foi entrevistado sob condição de anonimato, tendo, portanto, sua idade e profissão preservadas. Já S4C, de 35 anos, é formado em ciências sociais, com mestrado em antropologia. Para contrapor às falas dos amadores e permitir uma compreensão comparada, convocamos também trechos de entrevistas realizadas com dois jornalistas, que atuam no coletivo Carranca: S1C (49 anos) e S3C (28 anos). Sua presença ajuda a entrever parte das tensões existentes entre profissionais da área e não-jornalistas.

O objetivo geral da pesquisa questionou não-jornalistas sobre práticas, motivações e dilemas morais que enfrentaram [5]. Para os fins deste artigo, vamos nos ater às respostas dos participantes que dizem respeito a somente uma das categorias analisadas, quando foi proposto aos entrevistados que analisassem o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Pretendia-se, assim, observar a concordância ou não dos sujeitos aos valores deontológicos, bem como suscitar reflexões sobre as práticas que os não-jornalistas exerciam nos coletivos e se o documento em questão as supria.

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros encontra-se na sua quarta edição, atualizada em 2007. Dividido em cinco capítulos, aborda temas como direito à informação, prescrição de condutas em relação a fontes e colegas de trabalho, responsabilidades profissionais, aplicabilidade e consequência de transgressões [6]. Embora tenha sido reformado duas décadas após a versão anterior, o código brasileiro não foi contagiado pelas muitas novidades tecnológicas e culturais derivadas do surgimento da internet em meados dos anos 1990. Neste sentido, não constam do documento orientações mais assertivas para os profissionais sobre moderação de comentários em sites e portais, sobre coleta em bancos de dados ou mesmo subtração de imagens e conteúdos em redes sociais.

Diferente de códigos como os da Holanda e Canadá, que são bem descritivos nos aspectos tecnológicos, o código brasileiro é genérico e quase omisso em muitos desses aspectos (CHRISTOFOLETTI, 2011; CHRISTOFOLETTI; FERREIRA, 2013). Tófolli (2008) empreende uma análise detalhada sobre o regramento, ressaltando o forte assento na liberdade de imprensa e no dever de informar, mas nota-se que a revisão trouxe como grande avanço a Cláusula de Consciência (tão bem tratada por LEITÃO, 2017), deixando de lado questões como a privacidade, por exemplo (CHRISTOFOLETTI; GAIA, 2018).

Antes de passarmos às respostas, frisamos que se trata de um documento ideal, que não reflete necessariamente as práticas do jornalismo brasileiro contemporâneo. É também preciso reconhecer que, nesta análise, os valores deontológicos canônicos não estão colocados como parâmetros para aquilo que os coletivos de não-jornalistas "deveriam" alcançar. Pretende-se, antes, observar as aproximações e distanciamentos destes sujeitos com práticas já estabelecidas no campo. Suas discordâncias não são analisadas sob um prisma moralista, no sentido de considerá-las antiéticas a priori.

A defesa do diploma, presente no artigo 7º, inciso VII, foi uma das primeiras questões que chamou a atenção dos entrevistados – a exigência deixou de ser obrigatória em 2009, data posterior à entrada em vigor do Código. Sujeito S3M sugere que se revise a futura edição do documento. O participante ainda pontua que a obrigatoriedade do diploma é "uma defesa corporativa que não faz o menor sentido", aspecto que é concordado pelo colega S2M. S1C, que é jornalista, traz uma problematização: se a lógica vigente entende que todos são profissionais do jornalismo, então o Código, em tese, deveria ser aplicado a cada cidadão.

Todos os entrevistados consideraram de suma importância o sigilo da fonte – destacado no 5º artigo do Capítulo II –, inclusive para suas próprias práticas no coletivo. A menção feita à liberdade de expressão (inciso III, artigo 6º) também se destaca. Para S2M é algo "óbvio", enquanto que S1C diz se tratar de uma luta que ocorre com mais ênfase entre midiativistas do que jornalistas de redação.

A caracterização do documento como amplo e vago em diversos pontos foi resposta comum aos entrevistados. S2M, por exemplo, foi irônico ao adjetivar o Código de "perfeito, como a Constituição Brasileira", assim como o não-jornalista S2C (2017, informação verbal), que o resumiu a um "conto de fadas maravilhoso". O jornalista S3C, por outro lado, elogia a amplitude do documento, embora entenda que normatizações não deem conta de situações específicas da prática jornalística. Na mesma linha, S1M critica a falta de fundamentação do Código em determinados pontos, como a defesa pela "soberania nacional", presente no artigo 12, inciso VII: "concordo em tese (…), mas que soberania é essa? Isso tem que ser discutido".

Um valor deontológico manifestado no Código é a isenção – veja-se, por exemplo, o artigo 7º, inciso Vi, ao condenar coberturas jornalísticas que defendem interesses institucionais, de autoridades ou particulares. Divergências foram sinalizadas pelos participantes. Integrantes do Mídia Independente Coletiva tendem a rejeitar a imparcialidade no jornalismo, como responde S2M. No caso do Carranca, S2C comenta que negar um comportamento isento não é uma contradição com o dever da verdade: "eu acho que o grande problema do jornalismo brasileiro, de forma geral, é o discurso da isenção (…). O Mídia Ninja, por exemplo, é contra. Só que eles fazem uma coisa que eu acho ruim também: se não existe isenção, a gente vai ser parcial. (…) acho que você precisa reconhecer, porque isso faz parte da verdade, e o compromisso do jornalista é com a verdade, né. Então a verdade é: eu sou S2C, eu sou de esquerda, tenho pontos de vista específicos e isso vai transparecer no meu trabalho. Acho importante esse fato. Mas não quer dizer que eu, S2C, vou produzir matérias de esquerda defendendo pessoas de esquerda, e achando que a esquerda é a única solução. (…) então eu acho que o grande problema da coisa da isenção é essa, porque incentiva a desonestidade".

De forma geral, S1C, jornalista, entende que o midiativista "é levado [a agir] por impulso, porque aquilo ali é uma aberração e ele acha que tem que ser divulgado. Eles não apuram, simplesmente replicam". Uma das causas, sugere, é a despreocupação em relação à variedade de fontes.

Por outro lado, o colega de coletivo S4C, não-jornalista, faz autocrítica em relação ao valor da contradição, mencionando as coberturas ao vivo do Carranca: "apesar da gente ir lá, conversar com os oficiais, comandantes, a gente nunca conseguiu ter esse contraditório nas narrativas. Acho que elas sempre foram muito mais pautadas dentro dessa visão de que éramos poucos e tínhamos que dar voz aos oprimidos, não aos opressores".

Durante a cobertura ao vivo de protestos que o Coletivo Carranca realizava via streaming, outro dilema moral presente envolvia a questão da imagem e do sensacionalismo. "Acho que era uma ponte muito tênue (…) com o que as pessoas acham que é importante de ser mostrado. Então, às vezes, [os manifestantes] começavam a depredar muito mais coisa porque estava uma mídia lá gravando. Tem certo ‘espetaculismo' (sic), uma coisa de tornar a cobertura um espetáculo", disse S4C.

A estética também foi ressaltada por S3M, ao observar o artigo 7º, inciso V, que condena o uso do jornalismo para incitar violência, crime e intolerância: "isso aqui talvez eu esteja de acordo (…). Eles alegam que você filmar um ato violento – violência objetiva –, galera queimando barricada, seria uma maneira de… sei lá, registrar isso seria algo de incitação à violência". O mesmo inciso é comentado por um jornalista, S1C: "alguns midiativistas fazem isso, eu acho, no seguinte sentido: existem algumas páginas que são consideradas mídias independentes e que vangloriam, por exemplo, uma manifestação que quebrou a p… toda e botou fogo no carro da polícia".

Em relação a métodos ilícitos para obter informação, como o uso de câmeras e microfones escondidos, citado no artigo 11º, inciso III, há concordância por parte dos integrantes da Mídia Independente Coletiva. S1M, por exemplo, enaltece a prática: "todos os meios necessários para a produção da notícia, desde que eles não prejudiquem (…) a pessoa". S3M também comenta que já realizou filmagens escondidas, "mas [porque] era dentro do interesse público". O inciso do Código ainda repudia o uso de identidades falsas por jornalistas. S4C comenta que vários membros do Coletivo Carranca não utilizavam crachá de imprensa porque eram profissionais de outras áreas: "vira e mexe você consegue coisas de gente que não sabia que estava sendo num contexto de jornalismo", diz, em tom crítico.

Ao final, foi questionado aos participantes se o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros poderia aplicar-se ao coletivo do qual faziam parte ou, ainda, se concordavam com o teor geral do documento. As respostas foram quase todas afirmativas. S2M identifica pontos em comum com as práticas do Mídia Independente Coletiva, como o sigilo de fontes. No entanto, considera que a maior parte das normativas não cabem à MIC. Seus companheiros de coletivo, por outro lado, tendem a acenar positivamente para o documento, como S1M, que concorda de modo geral com o documento. S3M ressalva sua discordância com o artigo VII do artigo 7º, que defende o exercício do jornalismo apenas por profissionais – "não acrescentaria nada (…), só ampliaria o debate [sobre] para quê serve o diploma". Destaca, ainda, que está de acordo "principalmente [com] a parte da ética. Eu vejo que as mídias alternativas talvez tenham mais compromisso com isso do que as mídias corporativas tradicionais".

Os membros do Coletivo Carranca também concordam que o Código poderia ser aplicado ao grupo. Contudo, S2C faz uma distinção: o caráter normativo do texto pode ser um "caminho para a censura", embora ressalte que são necessários parâmetros mínimos que avaliem a prática jornalística. Ao finalizar a leitura do documento, o entrevistado conclui que o jornalista é um "ativista de profissão", exemplificando que "o fato de você divulgar uma informação oculta já é um ato político". Por fim, sintetiza que a defesa dos direitos humanos seria o ponto essencial do jornalismo.

 

Considerações finais

De forma geral, interpretamos que há percepções comuns entre os não-jornalistas da Mídia Independente Coletiva e do Coletivo Carranca.

Os valores deontológicos são parcialmente aceitos e tendem a ser reconhecidos pelos sujeitos, em concordância com Reginato (2016). Assim, os resultados convergem com os alcançados por Assis (2017), que realizou um grupo focal com oito não-jornalistas, de profissões diversas, com um histórico de colaborações com jornais. Ao indagá-los sobre tomadas de decisão na construção de uma reportagem fictícia – como a angulação escolhida, os critérios de seleção e os cuidados éticos na apuração –, como parte da atividade proposta no grupo focal, o autor percebe que os sujeitos absorveram em alguma medida aspectos que concernem à deontologia do jornalismo, ainda que, por vezes, de forma superficial. No universo dos sujeitos que pesquisou, Assis identifica que os participantes 1) reconhecem espontaneamente a presença de uma audiência e a necessidade de construir estratégias para atraí-la; 2) compreendem que fontes institucionais exercem pressão sobre jornalistas; 3) não estão dispostos a assumir todas as etapas de apuração jornalística, seja por falta de tempo ou inexperiência.

Este último ponto diz respeito ao reconhecimento de não-jornalistas em relação aos papéis exercidos pelos profissionais – por ser uma profissão, são pessoas que se ocupam daquilo, têm mais tempo para apurar matérias e alguma expertise para lidar com casos mais delicados por conta de suas experiências anteriores. Neste sentido, as aproximações entre jornalistas e cidadãos no âmbito moral ocorre ao nível do indivíduo: espera-se que o sujeito a lidar com alguma forma de jornalismo respeite a "prática ética", mas somente a profissão organizada tem compromisso com uma "ética institucional", afirma Fidalgo (2013).

O caso dos dois coletivos analisados apresenta uma situação ambígua: não se trata de uma instituição jornalística, mas tampouco de cidadãos que agem isoladamente. Há uma organização interna entre os membros no que se refere às funções e à discussão de pautas, embora não existam diretrizes éticas formalizadas para orientá-los. Esta seria uma característica comum às mídias alternativas, segundo Harcup (2015), que tendem a estar menos preocupadas com mecanismos regulatórios e códigos normatizados, e mais atentas à ideia de "dar voz" para diferentes histórias de pessoas socialmente vulneráveis.

Observou-se ainda que nem todos os respondentes da pesquisa são favoráveis à implementação do Código nos seus coletivos. Justificam se tratar de uma abordagem vertical, que cercearia a sua liberdade de expressão. Estes dados corroboram o argumento de Ure e Parselis (2010), que rejeitam uma ética baseada no dever-ser como base teórica para a autorregulação de não-jornalistas que praticam atos de jornalismo. Eles entendem que cidadãos que agem autonomamente não seguem padrões, como aqueles que colaboram com veículos jornalísticos e estão sujeitos a filtros editoriais. Estariam orientados por princípios éticos gerais, que envolvem qualquer atividade humana. Desse modo, valores deontológicos, ou seja, específicos de uma profissão, nem sempre fazem sentido para esse grupo de atores – veja-se a questão da objetividade, por exemplo, no caso do jornalismo.

Assim como discutido anteriormente, Ure e Parselis (2010) também concordam que não-jornalistas estão mais propensos a seguirem regras de convivência geral da própria sociedade e, mais especificamente, as netiquetas, mimetizando a ética de blogueiros em valores como a defesa dos direitos autorais e a valorização de uma comunidade – como era a blogosfera. Quando prevalecem princípios morais amplos e mais abstratos, tem-se a impressão de que há mais liberdade do que no cenário institucional do jornalismo. Daí o estranhamento às regras deontológicas, entendidas pelos sujeitos como uma restrição à sua liberdade de expressão.

No contexto crescente de tecnologias digitais, Ess (2016) sugere que todos deveriam se tornar eticistas em algum grau, por entender que as preocupações éticas outrora confinadas aos especialistas em informação passam, agora, a ser domínio de todos. Conforme o autor, as responsabilidades do agente deixam de estar centradas unicamente no indivíduo, como no período da alta modernidade, por influência da racionalidade cartesiana. A emergência de novas formas de comunicação inter-relacionais, o engajamento de múltiplos atores (profissionais ou não) e a dissolução de categorias estanques (como produtor e consumidor) permitem uma redistribuição de agências e responsabilidades.

Contudo, não se trata de igualar as expectativas morais que se tem sobre as práticas de jornalistas e não-profissionais, tampouco cobrar uma adesão do último grupo a valores deontológicos que competem aos primeiros. O que percebemos é o reconhecimento, por parte de amadores, sobre normas do jornalismo, e a rejeição de tentativas autorregulatórias, entendidas como um caminho para a censura de suas práticas. Se os jornalistas profissionais têm algo a ensinar aos amadores sobre organização dentológica e atendimento a regras de conduta, talvez também tenham a aprender algo sobre liberdade, autonomia e autoafirmação dos não-jornalistas.

 

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Submitted: 21st November 2018

Accepted: 25th February 2019

 

How to quote this article:

Paul, D.M. & Christofoletti, R. (2019). Reflexões sobre ética e autorregulação no exercício do jornalismo por amadores Observatorio, 13(3), 20-33.

 

 

Note

[1] Este artigo traz resultados parciais da pesquisa "Valores morais em atos de jornalismo: reflexões sobre uma ética para não-jornalistas", dissertação defendida pelo primeiro autor junto ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC, Brasil, e orientada pelo segundo autor.

[2] Disponível em: https://bit.ly/2DE3EvX Acesso em: 02 nov 2018.

[3] Disponível em: https://bit.ly/1p44Hm1. Acesso em: 02 nov 2018.

[4] Disponível em: https://bit.ly/2DHLqto. Acesso em: 02 nov 2018.

[5] Entre as categorias usadas na pesquisa, estão práticas, motivações e dilemas morais enfrentados por não-jornalistas.

[6] Disponível em: https://bit.ly/2onJlXi. Acesso em: 19 nov 2018.

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