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Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.12 no.2 Lisboa jun. 2018

 

Benfica vs Sporting: o derby visto a partir do Twitter

Benfica vs Sporting: the derby seen from Twitter

 

Célia Gouveia*, Tiago Lapa*, Branco Di Fátima*

*Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-IUL

 

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo encontrar e analisar um determinado conjunto de perfis, o tipo de vínculos sociais que estabelecem, assim como a importância e influência dos seus papéis no Twitter durante o derby de Lisboa entre o Sport Lisboa e Benfica e o Sporting Clube de Portugal, realizado no dia 11 de dezembro de 2016. Apresentamos como estratégia de pesquisa um estudo de caso baseado no fluxo de mensagens publicadas na rede social indexadas com as hashtags #benfica e #sporting no dia e hora do derby. Foram interpretados através da Análise de Redes Sociais (SNA) uma amostra de 39.540 tweets e retweets postados por 18.710 perfis, provenientes da análise exploratória da rede de relações mediadas entre utilizadores da Twittersphere. Com base na observação da importância das relações entre unidades de interação, derivamos para o modelo de Análise e Visualização de Rede (NAV) e identificámos, através de grafos representativos dos dados obtidos, pistas que julgamos pertinentes para o entendimento de uma audiência moldada pela lógica da produção e circulação de mensagens afetas a uma determinada cultura de fãs cada vez mais em rede.

Palavras-Chave: Twitter, Fãs, Derby, Benfica, Sporting

 

ABSTRACT

This article aims to find and analyse a special group of profiles, the type of social bonds which they establish as the importance and influence of their preponderance on Twitter during the Lisbon derby between Sport Lisboa e Benfica and Sporting Clube de Portugal, played on the eleventh of December, 2016. We present as a search strategy a case study based on the flow of messages published on the referred network marked with the #benfica and #sporting hashtags during the hour and day of the match. A total sample of 39,540 tweets and retweets posted by 18,710 profiles were interpreted through the Social Networks Analysis (SNA), from the exploratory analysis of the network of mediated relations among Twittersphere users. Based on the observation of the significance of relationships between the interaction unities, we derived to the Network Analysis Visualization (NAV) model and identified, through graphs representative of the data obtained, clues that we believe to be pertinent for the understanding of an audience shaped by the logic of the production and flux of messages affected by a certain culture of fans increasingly connected to the networking world.

Keywords: Twitter, Fans, Derby, Benfica, Sporting

 

Introdução

A história do futebol é uma história de rivalidades e de oposição (Armstrong & Giulianotti, 2001). No contexto do futebol português, este processo é patente pela centralidade mediática e cultural do jogo como produtor de identidades intensas e profundamente sentidas, tanto a nível nacional como local (Mariovoet, 1998; Cardoso, Xavier & Cardoso, 2007; Pereira, 2012).

O presente estudo centra-se no vulgarmente designado de “clássico”, um derby entre os dois históricos clubes da capital portuguesa, do dia 11 de dezembro de 2016 e a atividade gerada em torno do mesmo na rede social online Twitter. A rivalidade entre o SL Benfica e o Sporting CP surge já no final dos anos trinta, do século passado, como um dos principais motores da narrativa desportiva na imprensa (Domingos & Kumar, 2012). Hoje, fruto da massiva cobertura mediática, quer da imprensa quer das televisões, o tema e as vicissitudes do derby percorrem de forma penetrante o quotidiano social.

Nos dias que antecedem o encontro, os jornais exibem capas com linhas de visibilidade predominantemente a vermelho e verde e uma enunciação ambígua e fraturante (Domingos & Kumar, 2012). Por outro lado, as televisões exibem apontamentos nos programas de informação, mas também em espaços próprios, criados para corresponder à procura das audiências de rubricas de antevisão do derby, pululadas por comentadores publicamente reconhecidos. Contudo, na lógica de comunicação em rede (Cardoso, 2006), pode-se sustentar que a massificação do desporto, que emergiu em uma sociedade de massas e industrial, se encontra hoje em transição para a dimensão informacional (Castells, 2007; Cardoso, Xavier & Cardoso, 2007). No modelo comunicacional em rede o contato com a realidade futebolística torna-se resultado de uma rede de mediação instituída entre diferentes media com o intento de acompanhar a progressão das equipas (Cardoso, Xavier & Cardoso, 2007), na qual participam um conjunto variado de atores ligados ao deporto, como atletas, treinadores, árbitros, fãs, comentadores e jornalistas (Kassing et al, 2004).

Como em qualquer derby, este foi um catalisador de paixões e de frustrações intensas. Levou ao estádio milhares de fãs, a melhor assistência da época em jogos da Liga Portugal1, porém, o principal foco da nossa reflexão ultrapassa os momentos vividos no estádio pelos cerca de 63.312 mil espectadores que se sentaram nas bancadas, transportando-nos para a Twittersphere. Um lugar de encontro dos vários stakeholders afetos ao futebol. Um lugar onde a audiência não é apenas vista como simples consumidores de mensagens pré-construídas, como na lógica de consumo dos media de massas, mas como indivíduos que têm a possibilidade de moldar e reformular os conteúdos dos media de maneira a criar uma rede de discussão e de ações coletivas dentro de comunidades, permitindo difundir conteúdo muito para além da sua proximidade geográfica e, assim, impulsionar novas dinâmicas de circulação de conteúdos (Kwak et al, 2010), neste caso de futebol.

Por isso, o foco na plataforma Twitter tem como objetivo demonstrar de que forma o futebol vai muito para além daquilo que se disputa dentro das quatro linhas, das capas dos jornais ou dos sucessivos diretos das televisões, no seio da Sociedade em Rede. A ascensão da internet é apenas um aspecto da revolução digital, uma transformação que trouxe um crescente número de fontes de dados, que incluem áreas tão diversas como as redes sociais online. Estas geram ambientes privilegiados onde os traços da atividade deixada pelos utilizadores podem lançar luz sobre o comportamento individual, as modalidades de construção identitária, as relações sociais e a eficácia das comunidades (Papacharissi, 2011).

O tipo de comportamento que cada indivíduo (ou nó) adota dentro de uma rede social online influencia a dinâmica da informação veiculada. Alguns (nós) são mais ativos, criam conteúdo, o que consiste numa ação, e cada vez que este conteúdo é twittado provoca-se um efeito. Por isso, são chamados de posters enquanto os lurkers são aqueles que simplesmente observam ou esporadicamente publicam (Williams et al, 2012).

Daí, a importância da Análise de Redes Sociais (ARS) com a premissa de que a vida social é primeiramente criada, e formalmente definida, como um conjunto de nós (ou membros da rede) que estão ligados por um ou mais tipos de relações (Wasserman & Faust, 1994). Segundo Scott & Carrington (2011), nestes termos, a vida social é conceptualizada em termos de estruturas de relações entre atores, e não em termos de categorias de atores.

Desta forma, escolhemos analisar a plataforma Twitter. Por que escolhemos analisar esta e não outra rede social online? Porque esta se assume como uma ferramenta de microblogging que permite difundir mensagens (tweets) com um máximo de 140 caracteres, convidando os membros da rede a partilhar acontecimentos num determinado momento, sobretudo, eventos ao vivo (Highfield, 2014). Como Van Dijck (2011) argumenta, é algo entre um serviço de mensagens curtas, um telefonema, um e-mail e um blog: menos complicado do que manter um blog, menos exclusivo do que falar com uma pessoa por telefone e menos formal do que a troca de e-mails. Note-se ainda, que, ao contrário da maioria dos sítios de redes sociais, a relação de seguir e ser seguido não requer reciprocidade (Kwak et al, 2010). Ademais, porque o Twitter não é uma plataforma propícia à exposição de informação extensa e complexa no sentido argumentativo, ainda que os tweets possuam linguagem, normas e símbolos específicos (Zappavigna, 2012).

 

A interação entre o Twitter e o futebol

Desde o seu lançamento oficial em julho de 2006, o Twitter ganhou notoriedade e popularidade em todo o mundo, tornando-se numa das mais importantes redes sociais presentes na Web (Kwak et al, 2010). Além disso, trata-se de uma tecnologia de comunicação que se espalhou rápida e proeminentemente na vida quotidiana contemporânea, incluindo nas comunidades desportivas (Kassing et al, 2004; Pegoraro, 2010; Sanderson, 2014; Rowe, 2014). O seu uso atual é impressionante: mais de 320 milhões de perfis ativos e 500 milhões de tweets por dia, em 37 idiomas. Em Portugal, o Twitter tem uma taxa de penetração de 23,6%, segundo um estudo da Marktest (2016).

No contexto desportivo, atletas, federações, ligas, clubes, sponsors, meios de comunicação e fãs usam frequentemente a plataforma de microblogging para comunicar experiências, estabelecer vínculos, relações comerciais ou formar comunidades de valores partilhados (Sheffer & Schultz, 2010). Kassing & Sanderson (2010) argumentam que o Twitter permitiu aos fãs comunicar com os stakeholders e responderem aos mesmos, ou seja, melhorar a perceção da experiência do fã.

Os grandes eventos desportivos e a cultura desportiva global são centrais na lógica cultural do capitalismo tardio (Horne & Manzenreite, 2006), como tal, são elementos importantes na orientação das nações no contexto internacional ou global. Os significados sociais destes grandes eventos são hoje mais visíveis à medida que cada vez mais indivíduos estão conectados à internet e acedem aos media sociais (Roche, 2000).

Esta tendência mostra que vivemos momentos sociais assentes na cultura dos laços sociais mediados, como ação conjugada de perfis em rede (Malini, 2016), por isso, plataformas de media sociais, como o Twitter, são arenas de debate público, onde perfis virtuais espelham as estruturas existentes, sendo responsáveis por um grande volume de dados que mostram o potencial da internet para reproduzir ou reverter as tradicionais hierarquias de poder ou de influência (Fuchs, 2008, 2016; Cardoso & Di Fátima, 2013).

A capacidade de mover uma ideia ou opinião através de uma rede social online cria influência na medida em que ao medir o conteúdo que circula através desse sistema, será possível quantificar uma parte do processo de influência (Barreto, 2015). Muitos perfis de fãs são hoje influenciadores apaixonados, por isso, embaixadores dos clubes (Domingos, 2012). Na verdade, os fãs e os clubes estão fortemente ligados (Hopwood, Skinner & Kitchin, 2010).

Um dos últimos grandes eventos de futebol a nível global foi o Mundial FIFA 2014, no qual foram enviados 672 milhões de tweets relacionados com o 2014 #WorldCup, durante os 64 jogos do torneio, merecendo destaque especial o fato de os fãs terem enviado mais de 35,6 milhões de tweets durante a semifinal entre o Brasil (@CBF_Futebol) e Alemanha (@DFB_Team), estabelecendo um novo recorde de tweets para um único evento (Rogers, 2014). Outro grande evento foi o EURO 2016, em que mais de 109 milhões de tweets foram enviados com a hashtag #EURO20162. Na noite da final, durante o jogo entre França e Portugal, foram enviados mais de 14,2 milhões de tweets. A discussão em torno da hashtag #PorFra não foi apenas um momento nacional ou europeu, foi também um momento global (Collin, 2016 ).

Note-se que o fenómeno de socialização na internet originou o que se designa por “comunidades”, grupos de indivíduos unidos por um objetivo comum e que cumprem procedimentos comuns, sem que isso tenha que significar a existência de uma ligação formal, fora da rede online. O que não significa, porém, como afirmam Wellman & Berkowitz (1988), que os atores e as suas ações nas redes sociais não sejam vistas como interdependentes em vez de unidades autónomas.

No mundo online, a ação de publicar (tuitar) é entendida como um vínculo (Seargeant & Tagg, 2014), dado ser uma atividade social que envolve uma abrangente prática comunicativa. Os vínculos sociais podem ser analisados segundo os processos relacionais, que refletem a proeminência de um indivíduo em uma rede, e a sua simetria. Nos vínculos simétricos a reciprocidade é central, mas quando esta não se verifica estamos perante um vínculo assimétrico (Cheng et al, 2011). Não obstante, da interação mediada nas redes sociais online faz parte uma lógica de ação, uma ação associada para afirmar um conceito ou ideia, para se distanciar ou se aglutinar a conceitos e dinâmicas mobilizadoras próprias (Malini, 2016). Nesta perspetiva, um perfil resulta sempre do seu entrelaçamento com outros perfis.

Se por um lado, os processos do Twitter são idênticos aos da generalidade das redes sociais, por outro, diferenciam-se face aos congéneres dada a possibilidade de criar vínculos assimétricos e unilaterais entre os participantes (Kwak et al, 2010). Se noutras redes sociais online, a regra é, para que possam existir conexões, ambas as partes têm de aceitar o vínculo, no Twitter é possível seguir um membro da rede, passando a acompanhar as suas publicações, sem ser seguido por esse membro. A plataforma gera, assim, duas listas de contatos distintas: os indivíduos que o utilizador segue e a dos utilizadores que o seguem. Quanto maior for o número de seguidores, maior é a popularidade do utilizador, o impacto que os seus tweets geram na audiência (Kwak et al, 2010), e a capacidade de expressão online de capital social (Palmer & Thompson, 2007), entendida como a capacidade de sedimentar e estabelecer pontes entre conexões de adeptos, emergindo diferenciações sociais quanto ao poder de cada ator ou nó de disseminar conceitos ou ideias.

No Twitter, cada vez que uma mensagem é retweetada provoca um efeito, entendido como a replicação de um tweet que foi escrito por outro perfil, estando frequentemente associado a um sentido e a certos valores do item de informação original publicado pelo perfil. Acresce que, de cada vez que um perfil replica um tweet, este está a ser o feed de outrem (Malini, 2016). Segundo Van Dijck (2011), o valor textual da comunicação em tempo real reside na rotina quotidiana e permite estabelecer a comunicação entre os interlocutores ao mesmo tempo que testa o canal de comunicação.

No caso do retweeting, embora possa ser visto como o ato de copiar e replicar uma determinada mensagem, na prática, contribui para uma ecologia conversacional em que as conversas são compostas por uma interação pública de vozes, que dão origem a um sentido emocional de contexto conversacional partilhado (Boyd, Golder & Lotan, 2010).

Os retweets são, por isso, um mecanismo chave para a difusão de informação no Twitter (Suh et al, 2010). Estes surgiram como uma forma simples, mas poderosa de disseminação de informações. Note-se, ainda, que o retweeting é uma prática importante no sentido de entender aquilo que os perfis valorizam e as estratégias que usam na fidelidade comunicativa (Boyd, Golder, & Lotan, 2010). De facto, é extenso o ecossistema em torno das práticas de retweeting.

Numa perspetiva, podemos olhar para a realidade da Twittersphere como refletindo as estruturas sociais mediadas identificadas por Wellman (2001), onde “o mundo é composto por redes, e não por grupos”. Neste sentido, o autor sugere que, nas plataformas online, os elementos centrípetos de agregação comunitária dominantes não serão mais baseados em lógicas particularistas que poderíamos apelidar de tribais, associadas a vínculos e normas mais tradicionais e/ou localizados em contextos sociais específicos (do qual pode constituir exemplo, ser adepto do clube de uma determinada região ou bairro), mas em lógicas de interesses e disposições mais universais (gosto pelo futebol enquanto desporto), articuladas em rede.

O que nos leva a questionar se os media sociais não só mudaram a forma como os atores sociais participam nos eventos desportivos, mas se mudaram igualmente as lógicas de segregação, muitas vezes institucionalizadas (em claques ou na segregação nos estádios), que podemos apelidar de homofilia clubística. Ou, se, por outro lado, a articulação ideológica das práticas online estreitou os laços comunitários em uma lógica intra-grupal (que espelha o interesse particularista dos fãs por um dado clube), que reforça a homofilia, entendida como a tendência de o “contato entre pessoas semelhantes ocorrer numa taxa mais elevada do que entre pessoas diferentes” (McPherson, Smith-Lovin & Cook, 2001), em detrimento de uma lógica intergrupal (que poderá espelhar a partilha de um interesse universalista pelo futebol).

Assistir a um jogo de futebol no estádio envolve os indivíduos nas dimensões interpessoais, sociais e experienciais (Palmer & Thompson, 2007). Porém, publicar um tweet sobre um determinado jogo, e em particular um derby, é muito mais que a simples disseminação de informação. Esta ação permite que se construam e se alimentem vínculos online, ainda que nem todos sejam relevantes ou suficientemente sustentados para criar laços de afinidade (Bauman, 2003). Em função do exposto, e muito embora se reconheça de antemão a complexidade do conceito de comunidade, uma vez que nem todas as relações sociais estabelecidas ou mantidas nos sítios de redes sociais são formas de comunidade, a proposta de Rheingold (2000) pode aplicar-se, em geral, ao fandom de futebol. Ou seja, em torno da filiação clubística podem formar-se comunidades online que refletem uma comunicação contínua, sustentada e comprometida, e que resulta em sentimentos de pertença, assumindo que as suas fronteiras podem ser plásticas, difusas e de difícil identificação.

Um exemplo claro de identificação de grupo, sentimento de pertença e lealdade é a paixão por uma equipa de futebol (Morris, 1985; Duarte et al, 2017). A importância da comunidade, online e offline, para os fãs de futebol contemporâneos define-se em termos da sua relação com a equipa, uma espécie de amor tribal (Morris, 1985), reproduzindo um sentimento coletivo de êxtase (quando a equipa do clube ganha) ou de desespero ou frustração (quando perdem), porque a equipa pode ser entendida como uma extensão de si mesmos. São emoções fortes que alimentam a paixão (clubística), no sentido de Vallerand (2015), em que o autor usa o conceito para descrever os interesses e disposições pessoais, e que estão inscritas nas próprias bases neurais, como demonstrado pelas neurociências (Duarte et al, 2017).

Estas considerações refletem a essência do clube de futebol, como um interesse unificador, movido por processos relacionais e fidelidades bem definidas, o que não implica, porém, que exista uma ligação formal com um dado clube. Por estas razões, as comunidades online afetas aos clubes de futebol sinalizam o conteúdo publicado com recurso às hashtags. As hashtags (termo em inglês para definir o símbolo #) são a principal sintaxe das mensagens do Twitter. São palavras-chave escritas sem espaços que se transformam em links e que funcionam dentro de uma rede através da colocação do símbolo “#” antes de qualquer palavra. Além disso, a hashtag é de grande importância para facilitar a categorização e recuperação de tweets (Lupton, 2015), dadas as dificuldades apontadas ao Twitter em termos de descoberta e recuperação de informação relevante (Boyd, Golder & Lotan, 2010; Hutchins, 2014), o que acontece nos casos em que o contexto da mensagem não é rotulado, mencionado ou adequadamente compreendido.

Recorde-se, antes de mais, que adicionar uma hashtag a um tweet equivale a aglutinar-se a uma comunidade, num sentido lato, de utilizadores que usam o mesmo marcador, por isso, discutem o mesmo tópico (Yang et al, 2012). Estas evidências ecoam na teoria da identidade social, que, segundo Williams et al (2012), suporta a noção de que a pertença a um grupo proporciona benefícios psicológicos, incluindo normas comuns, pontos de vista partilhados e a perceção da diferença em relação aos elementos fora da comunidade.

As hashtags são também usadas pelo Twitter para calcular as tendências do dia, chamadas de Trending Topics (TTs), e assim influenciar os utilizadores (lurkers) a tweetar nas comunidades sugeridas. Ou seja, as hashtags constituem um fator organizacional de informação, entidades textuais ou imagéticas, que padronizam a linguagem das redes sociais online (Lupton, 2015; Malini, 2016) e, tal como qualquer linguagem, possuem significados e formas de utilização próprias passíveis de evolução (Zappavigna, 2012), fazendo parte do conjunto de recursos linguísticos através dos quais se negocia a comunidade (Martin, 2010). As associações entre significados ideacionais, interpessoais e textuais operam para negociar valores no discurso e estabelecer laços sociais (Seargeant & Tagg, 2014).

De uma forma simples, podemos dizer que sempre que um utilizador usa uma hashtag para identificar o conteúdo que produz, permite que outros utilizadores encontrem os seus tweets e facilita a navegação na abundância informativa da Twittersphere. Isto constitui uma modalidade de interação que, por um lado, reforça a diferenciação social já referida entre posters e lurkers, fazendo jus à metáfora de Jenkins, Ford & Green (2013: 188): “se não espalhar, está morto!” Por outro, confere-lhe um carácter híbrido entre rede social online e media informativo consoante a domesticação da plataforma (Kwak et al, 2010).

Segundo Wasserman & Faust (1994), os laços relacionais (elos) estabelecidos entre os atores são instâncias mediadoras de recursos (materiais, simbólicos ou emocionais), definição que ecoa na teoria da filiação de Mehrabian & Ksionzky (1974), que postula uma relação direta entre reciprocidade e intercâmbio e a probabilidade de afiliação. No quadro da análise de redes, as filiações e vínculos podem ser aferidos pelas relações existentes entre unidades por via de, por exemplo, fluxo de recursos, apoio, interação comportamental ou adesão a grupos (Wasserman & Faust, 1994). Neste âmbito, analisar a construção de comunidades de fãs e os seus vínculos no Twitter requer entender, por um lado, como é que o fluxo contínuo de associações e dissociações entre si pode alinhar perfis em torno de valores partilhados e, por outro lado, as modalidades de interesses e filiações.

 

Abordagem e métodos de pesquisa

O estudo de caso analisado no Twitter centra-se no derby realizado no Estádio da Luz, no dia 11 de dezembro de 2016, entre o Sport Lisboa e Benfica e o Sporting Clube de Portugal, jogo este a contar para a 13ª jornada do calendário oficial da Liga NOS. A pertinência da análise do evento liga-se ao fato de ter sido um derby marcado pela proximidade pontual na tabela classificativa, pela dimensão que os dois clubes detêm no país, mas também pela rivalidade centenária enraizada na vida social e cultural portuguesa3.

A nossa abordagem visa interpretar o estudo de caso por via da Análise de Redes Sociais (ARS), metodologia que se constitui como uma ferramenta substancial para a compreensão sociológica das dinâmicas entre atores sociais baseadas em estruturas reticulares complexas (Wasserman & Faust, 1994; Reis & Malini, 2016). Com base na suposição da importância das relações entre unidades de interação, o presente estudo procurou identificar e processar os pontos de vista que são expressos no espaço e no tempo das interações do derby no Twitter. Quanto aos modelos matemáticos empregues para destacar aspectos específicos das estruturas retiformes (Scott & Carrington, 2011) destacam a teoria dos grafos como o cerne da ARS. Nesse sentido, dividimos o procedimento de análise em três etapas distintas, mas inter-relacionadas: extração, tratamento e visualização de dados.

Para a extração de dados, foi utilizado o Flocker4, um programa informático capaz de se conectar à Interface de Programação de Aplicação (API) do Twitter, gerando redes de tweets e retweets associados pelo emprego de hashtags ou palavras-chave. A nossa recolha de dados, realizada entre as 17h55 (cinco minutos antes do início do desafio) e as 19h45 (cinco minutos depois), em 11 de dezembro de 2016, reuniu originalmente 42.245 mensagens associadas pelas palavras “Benfica” e “Sporting”. Também foram recolhidos dados durante os 15 minutos de intervalo do jogo. Vale ainda destacar que o Flocker, desenvolvido pela equipa do Outliers Collective5, não faz recolha retroativa de dados; todo o trabalho precisa de ser feito em tempo real. Devido às limitações de memória do computador utilizado, os dados foram armazenados em nove arquivos, formato GEXF, que indicam um conjunto de metadados da mensagem e do mensageiro: nome do perfil, número ID, endereços URL de imagens da conta, conexões entre os perfis, a mensagem publicada no Twitter, entre outros.

Na etapa de tratamento, foi identificada a presença de perfis duplicados, o que comprometeria o resultado da amostra. Para agrupar os tweets e os retweets do mesmo perfil, foi usado um script Python para combinar arquivos de grafos GEXF, desenvolvido por Nelson Reis (Labic/UFES), disponível em código aberto sob licença GPL6. Em traços gerais, o script reuniu todos os arquivos numa base de dados e eliminou as duplicações de entrada. Essa nova base de dados, a qual empregaremos na análise da próxima seção, tem 39.540 tweets e retweets postados por 18.710 perfis da plataforma de microblogging7.

Na etapa seguinte, a visualização, foi utilizado o arquivo GEXT corrigido no programa Gephi, disponível em código aberto8, que permite: trabalhar um conjunto de dados complexos através de estatísticas, métricas ou filtros; e criar grafos, em que os perfis são representados por nós e as interações por arestas, numa rede flexível e multitarefa (Bastian, Heymann & Jacomy, 2009). O Gephi transformou a base de dados em um grafo direcionado, já que as interações efetuadas pelo Twitter, diferentemente do Facebook, nem sempre são recíprocas. O próximo passo foi aplicar o algoritmo Modularity, que emprega cores diferentes para cada um dos clusters da rede, isto é, para cada um dos conjuntos de perfis que se retweetaram (e que geraram, deste modo, processos de interação para criar comunidades com base em pontos de vista). Com o recurso ao Gephi foram igualmente utilizados, para efeitos de visualização dos dados, e em diferentes momentos, dois algoritmos de espacialização da rede: o layout Force Atlas 2 – que aproxima os perfis que mais interagiram dentro dos clusters – e o layout Yifan Hu – que destaca os clusters dentro da rede ou das sub-redes. Foram obtidas métricas de grafos diferenciadas quanto às comunidades de fãs do Benfica e do Sporting e, por fim, hierarquizados os perfis com a estatística Weighted Degree, que destaca os nós com maior número de conexões (tweets e retweets), ou seja, os principais hubs da rede geral e das respectivas comunidades.

 

Análise dos resultados e interpretação

A primeira análise deste artigo procura interpretar as perspetivas topológicas da rede, ou seja, como os perfis, representados por nós, são agrupados de acordo com as suas relações, simbolizadas por arestas, dentro do grafo do derby. A Figura 1 indica questões associadas, respetivamente, à disposição e à cor atribuídas aos nós. Nessa fase, foram aplicados os algoritmos Modularity e o layout Force Atlas 2. Dada a própria característica polarizada do acontecimento monitorizado – um jogo de futebol –, vemos surgir dois grandes clusters claramente identificáveis que ocupam toda a zona central do grafo.

 

 

Perfis que tweetaram ou retweetaram a palavra-chave “Benfica” foram alocados na comunidade vermelha, já os que mencionaram “Sporting” ficaram na comunidade verde. Ainda é possível identificar pelo menos dois agrupamentos periféricos, o hub azul (a comunidade gerada em torno do jornalista desportivo freelancer James Fielden) e os nós de outras cores ou cinza (os “descomprometidos”). De forma geral, o grafo apresentado é uma representação visual das 39.540 mensagens publicadas no Twitter por 18.710 utilizadores. A grande maioria dos perfis incluídos nas comunidades vermelha e verde são a expressão máxima de um ponto de vista - ser do Benfica versus ser do Sporting – o que promove a homofilia clubística. Os “pontos de vistas, ou perspetivas, são princípios, ideias, agregados, visões de mundos – em suma: cosmologias – que organizam, diferem, individualizam e interligam os seres” (Malini, 2016: 1).

No fundo, o que vemos, são perfis que apreciaram o mesmo evento desportivo por pontos de vista opostos, criando, assim, a sua própria cosmologia afetiva. Quanto maior o cluster, maior a probabilidade de pautar temas debatidos na rede e levá-los para outros nós dispersos no microblogging. Podemos afirmar que o Twitter é uma representação digital, em miniatura, da expressão na sociedade portuguesa das diferentes comunidades clubísticas. Os dois clubes em contenda têm pesos diferentes quanto à sua massa de adeptos e simpatizantes, o que se reflete no número de perfis integrantes dos clusters e no fluxo total de mensagens de cada agrupamento. Os 8.905 perfis integrantes do cluster vermelho (47,16% do total de nós) produziram 58,26% do fluxo total (23.137 mensagens), ao passo que os 5.660 perfis do cluster verde (29,98% do total de nós) geraram 28,95% (11.498 mensagens).

Por outro lado, podemos colocar como hipótese de que a prestação vencedora do Benfica foi galvanizando o fluxo de mensagens no cluster vermelho. Enquanto, na média ponderada, cada nó vermelho tweetou ou retweetou 2,6 vezes, cada nó verde publicou 2,0. Sendo a média, é ainda possível diferenciar os perfis que postaram um volume maior de mensagens – os posters do derby que ativamente alimentaram fluxos dialógicos e sustentaram a utilização do Twitter enquanto media social -, enquanto outros incorporaram o papel de testemunha do espetáculo alheio – os lurkers que domesticaram a plataforma essencialmente como media informativo, acompanhando o decorrer dos eventos e os seus efeitos comunicativos.

 

 

Os resultados ficam ainda mais evidentes quando o grafo é dividido em partições, com os filtros de Attributes (atributos), e analisados face ao conjunto de métricas disponíveis no Gephi, apresentadas no Quadro 1. Nesse caso, as estatísticas procuram medir cada uma das comunidades em separado, sendo possível comparar as comunidades entre si face às suas características topológicas. As Figuras 2 e 3 apresentam as sub-redes vermelhas e verde, agora, com o layout Yifan Hu. A comunidade benfiquista organizada em torno da discussão do derby é mais compacta e enfrenta um risco menor de ser desintegrada. Nesta comunidade o núcleo é visivelmente maior e é possível argumentar que as informações viajam com maior velocidade pois, em geral, os nós estão grandemente interconectados. A comunidade sportinguista, por seu turno, é mais dispersa e menos interconectada, com fluxos comunicativos potencialmente mais lentos, e com a possibilidade de se fragmentar com maior facilidade.

 

 

 

O Benfica também teve os três primeiros perfis com maior Weighted Degree, ou seja, o número médio de conexões com outros utilizadores: @TopoSul92 (1906), um perfil afecto à claque No Name Boys; @SLBenfica (1464), página oficial do clube; @InformGlorious (1459), conta gerida por fãs. O primeiro perfil declaradamente do Sporting aparece apenas em oitavo lugar, com a página oficial do clube: @Sporting_CP (616). De certa forma, o Weighted Degree indica a capacidade comunicativa dentro de um sistema. Quanto maior o grau de um nó, maior será a sua influência sobre os atores da rede, seja por tweetar outros perfis ou por ser retweetado. Assim, “o grau do nó é definido pelo número de arestas que são incidentes sobre ele” (Khokhar, 2015: 118). Ao somar mais entradas e mais saídas de mensagem, torna-se um importante produto e produtor de um ponto de vista.

Completam o TOP 10, respetivamente, perfis como @James_Fielden; @DanielaArod e @UrNextDaddy, dois jovens adeptos benfiquistas; @BenficaStuff, perfil com dados do clube; @FutMai5 e @B24pt, páginas que publicam estatísticas e resultados do futebol em geral. Esta lista parece confirmar uma hipótese crucial da comunicação em rede. Sendo tendencialmente horizontal e tendo a internet como base estruturante, a rede é capaz de articular vozes de atores díspares num mesmo ecossistema. Assim, precisamos recordar que o atual modelo comunicacional está assente na “ligação em rede dos media de massa e interpessoais”, já com os seus “diferentes graus de uso de interatividade”, num contexto fortemente marcado pela “globalização da comunicação” (Araújo, Cardoso, & Espanha, 2009, p. 21). No entanto, da rede emergem um conjunto de atores que ganham importância, não institucionais e fora do sistema dos media de massa, que funcionam como hubs e ganham poder no seio da rede, e no caso do Benfica não foi o perfil oficial do clube que angariou maior Weight Degree.

No grafo apresentado na Figura 4, que expõe os 50 perfis com maior índice Weight Degree, aparecem várias contas de fãs, estando ausentes os perfis dos meios de comunicação de massa entre os principais hubs. Embora haja perfis que ofereçam informações com algum tratamento jornalístico, como @FutMai5 e @B24pt, a imprensa mainstream foi relegada para segundo plano na rede do derby. Por negar a paixão da polaridade, nem ser do cluster vermelho - Benfica e nem do cluster verde - Sporting, o seu discurso não encontrou abrigo nem eco nas comunidades de fãs. E na maioria dos casos, a grande imprensa nacional resumiu a sua participação no clássico em tweetar o início e o fim do encontro, golos e lances polémicos. Teve Weighted Degree entre 1 e 5, como o Público, a TVI24, Expresso, A Bola, Record, Antena 1 e outros, bem longe do topo do ranking.

 

 

Segundo Hermida (2010), redes sociais como o Twitter não permitem que haja intermediação das notícias. Logo, enfraquecem a função de gatekeeping dos jornalistas. Compreende-se, por isso, o lugar assumido pela imprensa. Só divulgou informação: tweetar sem retweetar. Por outro lado, os fãs promoveram o retweeting e a capacidade de vinculação, entendida por Hermida (2010: 303), como “um sistema ideal para a construção de conversas partilhadas”. Essa até pode ser prova de imparcialidade e de objetividade, conceitos jornalísticos consagrados ao longo do século XX (Traquina, 2005), mas também pode ser a mostra da ténue relação entre meios tradicionais e novos públicos da notícia (Fidalgo, 2016; Salaverría, 2016). Por não usar a mesma linguagem dos fãs, a imprensa acabou empurrada para o desfiladeiro da incomunicabilidade. Em suma, falou para quase ninguém no Twitter.

Portanto, neste caso são os fãs e os perfis afetos aos clubes os principais atores sociais que mais facilmente conseguiram partilhar a sua cosmologia. Dessa forma, aparecem lado a lado perfis com visões de mundo e potencial de alcance tão destoantes como @SLBenfica (992 mil seguidores), @Sporting_CP (558 mil), @FutMai5 (47 mil), @TheDobrev10 (25.3 mil), @WtvCatarynna (6.0 mil), @SusanaMarinho12 (4.6 mil) ou @UrNextDaddy (2.4 mil). Estes perfis, mesmo com volumes discrepantes de seguidores, despontam entre os principais fazedores de opinião porque foram capazes de criar conteúdo relevante para a rede do derby, embora a análise da estrutura da rede em si não nos permita perceber como é que perfis particulares se tornaram, ao longo do tempo, hubs.

O cluster que domina o centro da rede também tende a ter peças mais importantes no duelo entre pontos de vista. Transpondo a teoria dos grafos para a análise dos grupos sociais, podemos classificar os perfis segundo o seu grau de centralidade, distinguindo os perfis centrais e periféricos, ou os insiders dos outsiders. Neste sentido, foram os principais perfis ligados ao SLB que conseguiram uma maior centralidade face aos perfis afetos ao SCP. Cada perfil exerce assim um papel na constituição de um ecossistema comunicativo. Enquanto os nós centrais são vistos com canais de informação, nós periféricos tendem a trazer para a rede assuntos alheios ao tema principal. Da Figura 4 podemos ainda retirar que os perfis com graus de centralidade elevados estão interconectados entre si, ou seja, compartilham, auto-reforçam e auto-regulam pontos de vista. É o mesmo que dizer que @TopoSul92 retweeta @InformGlorious; são parceiros na rede9.

No entanto, há um perfil que consegue quebrar um pouco a hegemonia dos perfis afetos aos clubes, de um jornalista estrangeiro que não está inserido institucionalmente na imprensa desportiva tradicional portuguesa, e que conseguiu constituir a sua própria comunidade no Twitter em torno do seu perfil. A Figura 5 revela assim uma tentativa de introduzir novas pautas na discussão do derby.

 

 

James Fielden é um jornalista desportivo freelancer sediado em Londres, especialista no comentário desportivo, com 9.595 seguidores. Tweeta em inglês; também é retweetado por perfis anglo-saxônicos. Durante a partida, @James_Fielden gerou fluxos comparáveis com nós ou perfis importantes dos clusters vermelho e verde. Fielden publicou às 15h50 um comentário de humor sarcástico: “Quando você pensa que o futebol já chegou no pico, o Benfica sai de campo através de um check-in da Emirates após o aquecimento”.10 A Emirates Airlines é um patrocinador de referência na indústria do futebol. Além de ser o principal patrocinador do Benfica, patrocina também clubes como o Real Madrid, Arsenal, AC Milan e Paris Saint Germain.

A mensagem teve 3.480 retweetes em questão de minutos. Fielden conectou à sua volta nós dispersos no microblogging que, na grande maioria, não se relacionaram com outros perfis. Embora tenha sido retweetidado por perfis do Sporting, ele não conseguiu contaminar a generalidade da rede, sendo contudo bem visível o cluster minoritário constituído em torno do seu perfil na Figura 1. Por outras palavras, o seu ponto de vista teve um alcance limitado. Em hipótese, James Fielden até poderia ter produzido o mimetismo necessário para a transformação do discurso, mudando, assim, a pauta da discussão do derby, não só para aquilo que se passa estritamente dentro de campo, mas relacionando o desporto com questões económicas, políticas ou sociais.

Molyneux, Holton, & Lewis (2017) estabelecem uma maior aproximação entre jornalistas e as redes sociais online, propõem que os jornalistas reconsiderem os seus papéis, como por exemplo, a inclusão de opinião, humor e informações pessoais. No caso, particular de James Fielden esta aproximação, apenas teve impacto na sua pequena comunidade. Fica assim a ideia para investigações futuras, em termos de aliar o estudo da estrutura da rede no Twitter e dos canais de partilha de informação em torno de um jogo de futebol com a análise do conteúdo que é tweetado e retweetado. Ademais, a análise apresentada neste texto poderá ser um ponto de partida para outra mais minuciosa que se debruce sobre a relação entre os acontecimentos no campo e os acontecimentos no Twitter.

 

Considerações finais

Através da análise e visualização de rede identificámos pistas que julgamos pertinentes para o entendimento de uma audiência cada vez mais moldada pelo fenómeno em rede, como defende Freeman (2009). Na sua perspetiva, a análise visual de redes ajuda os investigadores a encontrar padrões, e como é que os perfis interagem dentro de um fenómeno em rede. Ainda, segundo o autor, a visualização da estrutura de uma rede serve para suportar e realizar tarefas importantes como tomada de decisões, exploração e análise de fenómenos complexos em ciências sociais.

Em geral, os perfis do derby no Twitter organizaram-se em torno das relações de poder, por norma, um campo de disputa num ambiente em rede (Van Dijck, 2011). Também seguiram princípios estruturantes de homofilia clubística, o que sugere que o elo afetivo com um dado clube constitui um elemento motivacional para interagir na rede mais importante que um interesse generalista pelo desporto futebol.

É aliás curioso o caso do Benfica, em que os três primeiros perfis com maior Weighted Degree são de contas geridas por fãs, o que permeia os padrões de interação social e influência desses atores. Passe o exagero, os fãs gostam do clube e não de futebol. Olhando por outro prisma, podemos dizer que os perfis apreciaram o mesmo evento desportivo, porém, por pontos de vista diferentes, como é exemplo a comunidade formada em torno do jornalista inglês James Fielden.

No que respeita à discussão do derby no Twitter, conclui-se ainda que nem todos os membros da rede social são igualmente influentes na difusão de informações, alguns foram inativos e/ou periféricos, como foi o caso da imprensa desportiva nacional.

Ao longo dos anos a imprensa desportiva tem tido um papel preponderante quer ao nível informativo quer como influenciador. Porém, na Twittersphere, não foram capazes de criar conteúdo relevante dentro da rede que dinamizou o derby. Considerações que tornaram evidente a afirmação de Hermida (2010: 300) quando nos diz que embora o Twitter se possa situar no chamado “jornalismo colaborativo”, este não pode deixar de ser encarado como um sistema de comunicação com a sua própria lógica, forma e estrutura.

Quanto maior o grau de um nó, maior será a sua influência sobre os restantes atores da rede, seja por tweetar outros perfis ou por ser retweetado, pelo que podemos afirmar que em redes sociais online como o Twitter o papel de influenciadores passou da imprensa tradicional para os perfis afetos à comunidade de fãs ou torcedores dos clubes.

Destacamos o papel na rede de utilizadores como o @TopoSul92 e @InformGlorious, perfis com equivalência estrutural, ou seja, com laços idênticos, quer seja por estarem ligados a grupos organizados de adeptos (GOA) ou apenas fãs comprometidos. A sua ação na rede indica uma forte capacidade comunicativa dentro do sistema e de relevarem ter um elevado grau de conectividade. Mostram assim uma forte influência sobre outros atores da rede, seja por tweetarem outros perfis ou por serem retweetados. Uma ação que influencia o pensamento sistémico, pode dar origem a novos valores, novas formas de pensar, a novas atitudes ou novas formas de olha um acontecimento, agora moldadas pela atividade dos fãs. Por seu lado, o perfil oficial do SL Benfica - @SLBenfica não foi o perfil mais influente dentro da sua comunidade, acabando por dar espaço aos fãs. Neste sentido, Hull & Lewis (2014) concluem que para os fãs conectados o elo agregador e o sentido de comunidade pode não ter a equipa ou do jogador preferido como base essencial, mas o próprio Twitter.

No campo sportinguista, atendendo que a página oficial do Sporting CP tem menos seguidor do que a do SL Benfica, o perfil @Sporting_CP indicou boa capacidade comunicativa dentro de um determinado sistema. Por isso, Bauman (2003: 63) refere que “estar conectado” é menos dispendioso do que “estar envolvido”, mas também consideravelmente menos produtivo em termos de construção de obrigações e manutenção de vínculos. Apesar dos perfis oficiais dos clubes serem seguidos por muitos fãs, e, por isso, considerados atores dominantes, outros atores têm surgido e exercem influência sobre os demais agentes. De acordo com Boyd, Golder & Lotan (2010), o ato de retweetar traz novas pessoas para um segmento específico, convidando-as a envolverem-se sem as abordar diretamente. Daqui emerge a noção de que uma relação de interdependência, se bem desenvolvida, pode potenciar a promoção de uma identidade coletiva, neste caso de cariz clubístico, numa população que poderá estar globalmente dispersa.

A interação é uma componente chave do Twitter, e as interações criam uma rede de seguidores interligados (Hull & Lewis, 2014). Os perfis da imprensa tradicional passam para a irrelevância e os oficiais dos clubes passaram a dividir o protagonismo na arena da Twittersphere com perfis ligados às claques e a outros fãs, mais ou menos organizados, sendo impreterível para estudos futuros compreender mais aprofundadamente o contexto que os rodeia.

 

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NOTAS

1 Fonte: http://ligaportugal.pt/pt/liga/estatisticas/espectadores/jogo/20162017

2 Tipo de etiqueta ou rótulo de metadados.

3 Encontramos razões no contexto histórico que produziram práticas e crenças sociais que ajudaram a cimentar esta rivalidade, em particular, o primeiro derby lisboeta, que se realizou em 1907 e que foi jogado num ambiente muito tenso, tudo porque, escassos meses antes, oito jogadores haviam trocado o clube da Luz pelo clube de Alvalade, atraídos pelas melhores condições financeiras e desportivas oferecidas pelo clube, cuja fundação foi tutelada pelo visconde de Alvalade. Nos anos seguintes, quer por influência das dinâmicas políticas dos regimes no poder, quer pelas mudanças do interesse económico, o derby continuou a gerar ódios e paixões (Melo, 2007).

4 http://flocker.outliers.es

5 http://outliers.es

6 O script pode ser encontrado na plataforma GitHub em: https://github.com/n0513n/flocker-gexf-merge

7 Com a limpeza dos dados foram eliminados 45,30% dos perfis e 6,50% das mensagens contidos na base original dada a duplicação na recolha através do Flocker.

8 https://gephi.org

9 Obviamente, falamos de futebol, mas análises similares bem poderiam ser replicadas na política institucional, nos movimentos de protesto e em estudos literários (Malini, 2016; Khokhar, 2015; Cardoso & Di Fátima, 2013).

10 @James_Fielden: “Just when you thought football had reached peak cringe, Benfica exit the pitch through an Emirates check-in desk after warming up”. Fonte: https://twitter.com/james_fielden/status/808006106282737664?lang=nl

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