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Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.11 no.3 Lisboa set. 2017

 

A internet como mídia política nos países lusófonos: análise dos websites dos parlamentos de língua portuguesa

The internet as a political media in the Portuguese speaking countries: analysis of the websites of the lusophone parliaments

 

Antonio Teixeira de Barros*

* Centro de Formação e Treinamento da Câmara dos Deputados (CEFOR), Brasil

 

RESUMO

A informação e a interação se confirmam cada vez mais como elementos para dinamizar as relações políticas e a própria democracia. Com base nesse pressuposto, o objetivo do artigo é analisar como se dá o uso da internet pelos parlamentos dos oito países de língua portuguesa, considerando seu potencial de mídia política na atualidade. Os websites das casas legislativas foram monitorados com o propósito de mapear as informações oferecidas ao público e os canais de interação. Os resultados indicam maior investimento na divulgação de informações sobre o funcionamento, a agenda de trabalho e a atuação das instituições parlamentares. O levantamento registra baixa oferta de canais de interatividade e participação cidadã. Predomina, portanto, a lógica unidirecional da divulgação.

Palavras-chave: Websites legislativos. Mídias digitais. Mídia e parlamento.

 

ABSTRACT

Information and interactivity are increasingly being confirmed as elements for improving political relations and democracy itself. Based on this assumption, this article aims at analyzing the use of the internet by the parliaments of the eight Portuguese-speaking countries, considering their potential as political media. The websites were monitored to identify information offered to the public and interaction channels. Results indicate a more significant investment in the dissemination of information about how parliaments work, their role and their agenda. Research registers a low offer of citizen participation and interactivity channels. What dominates is, therefore, the unidirectional logic of divulgation.

Keywords: Legislative Websites. Digital media. Media and parliament.

 

Introdução

Este artigo tem como objeto de análise a configuração midiática dos websites dos parlamentos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com o propósito de examinar como a internet é utilizada pelas instituições legislativas, sob a perspectiva mais abrangente da relação entre mídias digitais e o campo político. De forma mais específica, o estudo explora como a internet é utilizada como mídia política para conferir visibilidade às atividades dessas instituições. Para cumprir esses objetivos, foram monitorados os websites dos parlamentos nacionais dos oito países que formam a CPLP1 durante o segundo semestre do ano de 2014.

O pressuposto que sustenta a análise tem como base o argumento de que os parlamentos atuam cada vez mais segundo a perspectiva da política informacional (CASTELLS, 2003), o que implica adesão à lógica de informação segmentada (WOLTON, 2006) e de mídias táticas, ou seja, meios alternativos aos veículos convencionais, capazes de produzir agendamentos e enquadramentos diferenciados (JURIS, 2005). Cabe ressaltar aqui a própria noção de parlamento como órgão de comunicação política entre o Estado e a sociedade, uma ideia presente na obra de autores como Durkheim (2002) e Max Weber (1999), por meio da noção de mediação política, uma função que requer comunicação intensa entre a esfera da representação e a esfera civil, com vistas à accountability discursiva (KARLSSON, 2013).

A opção pelo recorte centrado nos conteúdos dos websites dos parlamentos se justifica pela crescente relevância do uso de ferramentas digitais pelas instituições políticas (RÖMMELE, 2003; BLANCHARD, 2006). A relação entre internet e a esfera política tem se acentuado nos últimos anos, o que levou as instituições legislativas a adotarem projetos de parlamento aberto (FARIA, 2012).

É oportuno ressaltar que as agendas legislativas nacionais adquiriram maior projeção com a intensificação da mediatização da política, o que inclui a atuação dos parlamentos. Para o estudo, foram consideradas as seguintes áreas: dados administrativos sobre as casas legislativas, informações sobre as atividades legislativas, meios de divulgação institucional das atividades dos parlamentos, formas de contato e relacionamento com a sociedade. O monitoramento consistiu em visitas sistemáticas aos portais das oito instituições legislativas, com o registro em fichas próprias dos dados relativos às áreas acima mencionadas, a fim de estabelecer comparação entre os respectivos websites em estudo. Foram realizadas cinco visitas a cada website em dias diferentes da semana, ao longo do segundo semestre do ano de 2014.

 

A comunicação digital nos parlamentos

Com o avanço das tecnologias midiáticas, das quais a internet faz parte e constitui o mais importante avanço dos últimos 20 anos, a política passou a ser um fenômeno de penetração difusa nas diversas esferas da sociedade, ou seja, consegue atingir o cidadão mesmo fora do âmbito político no sentido estrito, pois a mídia contribui para a inserção ampliada dos temas políticos nas relações sociais. Seu elevado potencial de sedução, calcado na lógica do poder simbólico (Bourdieu, 1989), em muito contribui(u) para a reconfiguração dos fluxos e circuitos de informação nas sociedades metropolitanas.

A esfera da visibilidade pública e suas consequências nas dinâmicas sociais de discutibilidade coletiva (Gomes, 2011) reforçam o poder simbólico da mediatização da política. Além disso, grande parte do conhecimento e da experiência dos públicos no que se refere a assuntos de relevância social, política, econômica e cultural passa necessariamente pelo enquadramento dos media, que se tornaram fonte primordial de informação. “Os media traduzem e formam as percepções que as pessoas não experimentam diretamente” (Schmidt, 2003, p.69).  Trata-se da gramática da esfera da visibilidade mediática.

Essa abordagem coaduna-se com os pressupostos de Manin (1995; 2013), ao propor o conceito de audience democracy ou democracia do público. Para o autor, com o avanço da mediatização e suas interferências nos jogos de composição política, a democracia de audiência enfraqueceu a hegemonia dos partidos, reforçando o voto personalista (já que abre-se a possibilidade de comunicação direta com o público), além de reduzir a importância do parlamento como órgão de mediação política e fórum de debates.  Os media passam a assumir cada vez mais esse papel.

Em decorrência disso, as instituições legislativas e os próprios parlamentares passaram a recorrer aos mecanismos mediáticos para manter o vínculo eleitoral e prestar contas aos eleitores (MANIN, 1995). Castells (2000) identifica esse movimento como uma transição de uma esfera pública política até então ancorada nas instituições políticas para um novo modelo que se organiza em torno do poder simbólico dos sistemas e redes articulados pelos media.

Na mesma linha de pensamento, Urbinati (2013a; 2013b) reitera que as redefinições e crises do sistema político surgem em decorrência da consolidação da democracia do público e do plebiscito da audiência. Além dos media convencionais, a autora destaca o papel da internet nesse processo, tornando-se um “suporte sem precedentes para a democracia de audiência” (2013a, p.10). Nessa nova configuração societal, a internet teria a capacidade de superar o déficit democrático dos tradicionais meios de comunicação de massa (GOMES, 2008, p.304), especialmente no que se refere à superação dos limites de tempo e espaço para a participação política; à extensão e qualidade do estoque de informação online; à ausência de filtros e controles das mídias tradicionais; e às possibilidades de interatividade e participação.

A internet, portanto, constitui uma ferramenta útil para a atuação dos parlamentos. Afinal, no contexto de uma sociedade de multirredes (BAUMAN, 2000), as instituições políticas deparam-se com a lógica da inevitabilidade digital, resultante do processo de encolhimento do mundo (HARVEY, 1992) e de constituição de novos modos do fazer político. A internet reconfigurou o campo político, com um novo tipo de copresença, por meio da atuação online dos atores. Ressalta-se nesse aspecto, a capacidade de agência do usuário de internet, com sua múltipla atuação (espectador, ator e operador). Os parlamentos tiveram que aderir, portanto, à política de signos para criar e representar modos de pertencimento do cidadão à comunidade política (Ribeiro, 2000).

 

 

Os parlamentos da CPLP e os desafios das mídias digitais

Apesar de ainda guardar resquícios da cultura do segredo (votação secreta, fórum privilegiado), as instituições parlamentares avançaram nos últimos anos na adesão aos projetos políticos de transparência e accountability que começaram a ter impactos relevantes no cenário internacional2. Esses projetos passaram a fazer parte do debate político sobre as redefinições dos regimes democráticos, denominadas por Giddens (2009) de “democratização da democracia”. Trata-se de um processo inerente à modernização reflexiva, que passou a imprimir um ritmo de “revolução permanente das formas de organização política, de suas estruturas, funções e também das relações e práticas sociais” (BECK, 1994, p.12).

As deficiências da democracia liberal, com seu modelo de representação e participação focado na competição eleitoral sugerem formas mais radicais de democratização e modos intitucionais de revisão das próprias engrenagens do regime. Para Giddens, a transparência, associada às concepções de accountability, responsivity e advocacy apresentam potencial para aumentar a densidade da democracia, unindo o Estado à mobilização reflexiva da sociedade. Isso, contudo, requer inteligência diretiva na gestão política e burocrática, além de permeabilidade política das instituições, confiança ativa e autonomia dos indivíduos e grupos.

A publicidade em relação às ações de governo já foi devidamente defendida por autores renomados, inclusive Norberto Bobbio, segundo o qual “o poder político é o poder público (...) mesmo quando não é público, não age em público, esconde-se do público, não é controlado pelo público” (2005, p.28). Para Bobbio, a República diferencia-se dos regimes autoritários ou absolutistas exatamente porque há um controle público do poder e a livre formação de uma opinião pública. O caráter público do governo representativo – ou nos termos contemporâneos da discussão política, a transparência das decisões governamentais – é ressaltado na passagem em que o autor argumenta que nos casos em que a assembleia é a reunião dos representantes do povo, quando então a decisão seria pública apenas para estes e não para todo o povo, as reuniões da assembleia devem ser abertas ao público de modo que qualquer cidadão a elas possa ter acesso (BOBBIO, 2005, p.30).

A conexão entre política e internet é cada vez mais visível devido ao crescente uso dessa ferramenta pelos atores políticos e pelos cidadãos na vida cotidiana. As instituições políticas buscam cada vez mais visibilidade e legitimidade perante a opinião pública. Afinal, a visibilidade é da natureza da política (THOMPSON, 1995). Na esfera política parlamentar, marcada pelo debate, formulação e aprovação de políticas públicas, os efeitos das internet são crescentes. Cumprindo um papel mediador entre sociedade e Estado, conforme Weber (1999), o parlamento assume ainda as funções de fiscalização do Executivo e de representação dos interesses da população, que atenderiam, entre outras coisas, à lógica de conexão eleitoral dos parlamentares, ou seja, a reeleição.

Pesquisadores de vários países percebem o incremento nas estratégias de transparência por parte das instituições legislativas nos últimos anos. Para Leston-Bandeira (2012), o uso de dispositivos digitais é uma tentativa de reação ao descrédito e à apatia política das atuais sociedades, preocupantes não só pela sua importância para as eleições, do ponto de vista parlamentar, mas ainda mais para a democracia. Assim, os parlamentos percebem a internet como uma ferramenta de modernização da visibilidade institucional, capaz de promover um estilo político mais dialógico. As mudanças trazidas pela internet afetam principalmente o relacionamento das instituições políticas com a sociedade. A tendência é que os parlamentos utilizem a internet como forma de suprir lacunas de transparência e accountability e de, com isso, buscar legitimidade perante a opinião pública.

No regime de visibilidade da democracia de público (MANIN, 1995; 2013), a política informacional (CASTELLS, 2003) torna-se cada vez mais imperativa. Afinal, a geração, o processamento e a transmissão de informações e imagens tornaram-se as fontes fundamentais de produtividade de poder. Por isso, os parlamentos tendem cada vez mais a recorrer a estratégias de sedução política pela internet, cujos websites são o foco da divulgação, uma espécie de “palanque virtual” ou de outdoor na esfera virtual (CASTELLS, 2003). É oportuno ressaltar que a literatura especializada mostra como a relação entre política internet tornou-se inevitável, com o uso quase generalizado de websites pelas instituições políticas (FRICK, 2004; TRECHSEL, 2004). 

Na esfera parlamentar, marcada pelo debate, formulação e aprovação de políticas públicas, os efeitos da internet são crescentes, como registra a literatura especializada no internacional e no contexto brasileiro (NORRIS, 2003; TRECHSEL, 2004; FARIA, 2012). Nesse contexto, pesquisadores de vários países percebem o incremento nas estratégias de transparência digital por parte das instituições políticas. Tais estratégias se justificam, em linhas gerais, pela busca de maior visibilidade e legitimidade social.

Nesses termos, estudo de Silva et al. (2009) aponta três dimensões em que efetivamente os sites parlamentares podem contribuir para o avanço da democracia e da representação política: publicidade, accountability e participação. “Falar em publicidade, accountability e participação significa pensar em três elementos fundamentais para a dinâmica das democracias hoje” (SILVA et al., 2009, p.4). Se a publicidade é inerente ao poder, tornar públicos os atos dos representantes políticos é indispensável para a democracia e o exercício da representação política. Assim, uma função dos sites das instituições parlamentares seria disponibilizar o máximo de informações aos cidadãos.

A accountability pode ser entendida como a responsabilidade dos representantes e das instituições parlamentares de prestarem contas com regularidade à sociedade e aos cidadãos, por se tratar de uma relação assimétrica de poder. A participação, por sua vez, é entendida como retroalimentação da representação, em um processo de negociação contínua ou representação circular (URBINATI, 2005). Trata-se de um modo de incluir os eleitores na produção das decisões políticas. No caso dos parlamentos, isso implica abertura para a influência do cidadão sobre os agentes da representação (FRICK, 2004).

O debate sobre democracia digital, transparência política dos parlamentos, accountability e temas afins está diretamente relacionado com a questão da confiança do cidadão nas instituições políticas. Cabe ressaltar que o tema da confiança dos cidadãos nas instituições sociais e políticas e da legitimidade dos regimes políticos é um dos assuntos mais debatidos nas Ciências Sociais, já há algum tempo (GIDDENS, 1991). A confiança institucional é um dos elementos centrais da modernidade, na forma de credibilidade pública, o que se reflete diretamente na imagem e na reputação de governos e instituições públicas. Trata-se de “uma forma de fé na qual a segurança adquirida em resultados prováveis expressa mais um compromisso com algo do que apenas uma compreensão cognitiva” (GIDDENS, 1990, p.29). Dessa forma, a confiança expressa no nível de adesão ao regime democrático e na utilização das instituições oficiais constitui um fator simbólico relevante para a estabilidade política e institucional. No cenário atual, a confiança e a legitimidade das instituições políticas, especialmente as parlamentares, é constantemente posta à prova (MIGUEL, 2008).

A discussão está conectada à ideia de que a confiança da população nas instituições de seus países ou comunidades é um aspecto essencial para a legitimidade do regime político e, portanto, para a estabilidade do sistema social. De maneira geral, podemos dizer que quanto mais confiança nas instituições, maiores as chances de desenvolvimento de um regime democrático satisfatório para a população (NORRIS, 1999; LIJPHART, 2001; TILLY, 2008). No sistema representativo, com parlamentos, isso se adquire ainda mais importância.

Por outro lado, já se tornou comum o diagnóstico de vários autores (MOISÉS, 2009) sobre a crise de descrédito por que passam as instituições políticas contemporâneas. Pesquisas recentes revelam que o nível de confiança da população nas instituições políticas nunca foi tão baixo, especialmente em relação às casas legislativas (LESTON-BANDEIRA, 2012). Existe uma gama de razões que atuam em conjunto para construir esse contexto de desconfiança política, como o histórico de recorrentes escândalos políticos, informações distorcidas e instâncias políticas disfuncionais. O desenvolvimento de uma cidadania cada vez mais crítica e vigilante é apontado como um dos fatores do aumento da desconfiança (RIBEIRO, 2011).

As jovens democracias, como a maioria dos países de língua portuguesa, padecem da “síndrome de desconfiança generalizada” (Ribeiro, 2011).  Mas seriam as causas da desconfiança política nesses países as mesmas identificadas nas democracias avançadas? Segundo Ribeiro (2011), as razões são distintas e as explicações devem ser buscadas no contexto cultural e histórico. Enquanto nas democracias consolidadas a desconfiança é fruto do elevado nível de escolarização e informação dos cidadãos críticos, nas jovens democracias, a explicação estaria na desilusão dos cidadãos com o funcionamento concreto das instituições políticas, principalmente os parlamentos.

Os oito países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) atualmente apresentam grande diversidade e assimetrias em termos de organização política e de institucionalização do regime democrático. Esses países compartilham traços culturais e e linguísticos comuns, mas também são muito distintos em termos políticos. Não é objetivo deste artigo esmiuçar os pormenores relacionados às diferenças e semelhanças, mas apenas situar brevemente a atuação dos parlamentos de cada um desses países, a fim de compreender qual o papel da internet na relação entre tais parlamentos e a sociedade. Um traço comum relevante é que a maioria deles é formada por jovens democracias, após regimes autoritários que ainda hoje repercutem na vida política dessas nações.

Do ponto de vista específico dos parlamentos, cabe destacar que a maioria apresenta organização unicameral. Apenas o Brasil é bicameral. Ademais, os parlamentos dos países da CPLP enfrentam o desafio relativo ao aperfeiçoamento da democracia, além de tentar equilibrar as forças políticas relacionadas com a distribuição de poderes de agenda entre os diferentes atores no interior do Legislativo, resultando em ganhos democráticos no que se refere à estabilidade, accountability e representatividade (ANASTASIA e SANTOS, 2004).

Já existem vários estudos que avaliam a transparência e a abertura dos parlamentos3. Não pretendemos replicá-los, mas aprofundar alguns aspectos, considerando sobretudo eventuais alterações inerentes ao próprio dinamismo da internet e o seu uso para fins de promover a transparência política das instituições parlamentares no âmbito específico da CPLP. Cabe ressaltar ainda que existem poucos estudos sobre os parlamentos e a Internet no âmbito da CPLP, como registra Salgado (2012), à exceção do Brasil e Portugal4, onde os estudos coincidem com levantamentos sobre os impactos da adoção de mídias digitais pelo parlamento, especialmente com o uso de websites como instrumento de transparência informativa e de democracia digital, por meio da abertura à participação social.

No caso brasileiro os estudos registram como positiva a postura institucional do parlamento, com a adoção das tecnologias digitais que se apresentam como um amplo horizonte de redefinição da relação do cidadão com o Estado e com o parlamento em especial. Entretanto, esses estudos questionam a eficácia política desses instrumentos de participação do ponto de vista específico da democracia representativa em sua dimensão deliberativa e participativa: “até o momento, a ênfase da instituição tem sido na oferta de canais para receber manifestações da sociedade, mas isso, por si só, não garante participação do cidadão nos processos decisórios” (Barros, Bernardes e Rehbein, 2015a, p.264).

De forma similar, os diagnósticos acadêmicos sobre o uso da internet pelo parlamento português indicam que existem obstáculos tecnológicos, culturais e políticos que ainda dificultam o uso da Internet como veículo para a reformulação e melhoria da comunicação entre os parlamentares e os cidadãos. Cardoso e Nascimento (2003, p.136) ressaltam o predomínio da televisão, o uso individualizado das novas mídias pelos parlamentares. Além disso, os autores chamam atenção para a “não motivação dos cidadãos para a participação política tende também a não encorajar o fim deste ciclo vicioso, de não apropriação política da internet no quadro parlamentar” (p.136).

 

Análise dos dados

Todas as informações compiladas para o estudo foram captadas diretamente nos websites das instituições legislativas, conforme consta no Quadro 1. Dos oitos países da CPLP, o Brasil é o único com o parlamento bicameral, composto pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Para efeitos de comparação, optamos pela Câmara dos Deputados, pela sua analogia em relação às demais instituições legislativas analisadas.

 

 

Mapeamento das informações disponíveis ao cidadão nos websites dos parlamentos

A análise foi organizada em seis itens: informações gerais, atividades legislativas, meios de divulgação institucional, contato e relacionamento com a sociedade. A escala utilizada toma o índice 1,00 como o valor máximo, para efeitos comparativos entre as oito instituições.

O Quadro 2 mostra o levantamento sobre as informações gerais disponíveis. A avaliação revela um bom desempenho de todos os parlamentos da CPLP nesse quesito, cujo índice de menor expressividade registrado é de 0,692, referente   à Assembleia Nacional de Cabo Verde. Os índices mais elevados são da Câmara dos Deputados do Brasil e da Assembleia da República de Portugal, ambas com 1,00 de desempenho. Em segundo lugar está a Assembleia Nacional de Angola, com 0,923, seguida da Assembleia da República de Moçambique, com 0,846. Em quarto lugar estão empatadas com o mesmo índice: Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau, Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe e Parlamento Nacional de Timor-Leste, todos com 0,769.

 

 

Quanto aos itens com desempenho superior estão as informações relativas às normas e funcionamento das instituições, a legislação de cada país, os relatórios de legislaturas anteriores, lista e biografia dos parlamentares, dados sobre parlamentos regionais e organismos interparlamentares. Os itens com desempenho inferior, por sua vez, são a divulgação das atas de votações do plenário e das comissões, as normas de decoro e de ética parlamentar, os relatórios anuais de atividades, e a biblioteca parlamentar.

No campo das informações gerais, o levantamento revela um nível elementar de transparência ativa, ou seja, aquela que compreende as informações divulgadas por iniciativa das próprias instituições. Trata-se de documentos de domínio público, em sua maioria, como a legislação do país, a biografia dos parlamentares, estatísticas sobre eleições e dados sobre as relações interparlamentares. Apesar disso, ainda existem déficits de transparência, mesmo em se tratando de informações básicas, como as atas das votações do plenário e das comissões. Nesse quesito, cinco dos oito parlamentos não publicam esses registros: CV, GB, MZ, ST, TL.

Tal constatação conduz a alguns questionamentos sobre o uso político da internet por essas instituições, no que se refere à publicidade e à transparência de seus atos. Se, por um lado, a visibilidade é da natureza do poder (THOMPSON, 1995), a transparência está relacionada também à cultura política da população de cada país, a qual pode demandar em maior ou menor grau a divulgação de informações. Trata-se de um fenômeno relacionada à modernidade reflexiva (GIDDENS, 1991), ou seja, que envolve tanto a performance das próprias instituições, no que se refere á chamada transparência ativa, bem como o engajamento dos próprios cidadãos, no processo denominado transparência passiva. Isso não significa responsabilizar a população desses países pela falta de transparência de seus parlamentos, mas implica examinar o problema à luz de uma complexidade que envolve múltiplos atores e dinâmicas horizontais e verticais, em termos da definição e da retroalimentação das práticas e processos de visibilidade parlamentar e divulgação legislativa.

Quanto às atividades legislativas, destacam-se a Câmara dos Deputados do Brasil e a Assembleia da República de Portugal, com 1,00 e 0,94, respectivamente. A Assembleia da República de Moçambique registra 0,61. Em seguida aparecem o Parlamento Nacional de Timor-Leste (0,55) e a Assembleia Nacional de Angola (0,50). Na sequência, estão Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau e a Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe, ambas com 0,38. O índice menos expressivo fica para a Assembleia Nacional de Cabo Verde, com 0,27.

O desempenho de maior relevância diz respeito às informações sobre os projetos de leis em tramitação, a agenda do plenário e os tratados/acordos internacionais. Entre os tópicos mais deficitários de transparência estão a agenda de trabalho dos demais órgãos legislativos (excetuando-se o plenário e as comissões), o áudio e vídeo das sessões das comissões e do plenário.

Chama atenção a falta de informações ao público sobre a assiduidade dos parlamentares às sessões deliberativas. Apenas a Câmara dos Deputados brasileira publica em sua webpage relatórios mensais de presença dos deputados às sessões. O áudio e o vídeo das sessões das comissões são publicados apenas pela Câmara brasileira e a Assembleia portuguesa. Apenas três instituições publicam um glossário de termos legislativos: a Câmara brasileira, a Assembleia portuguesa e Assembleia de São Tomé e Principie. É de notório reconhecimento que os procedimentos legislativos são complexos e exigem o domínio de um repertório técnico de difícil domínio pela maioria dos cidadãos. A publicação de glossário com termos legislativos poderia ajudar na compreensão do público interessado em acompanhar as atividades legislativas por meio da internet. Em alguns casos, faltam até informações elementares como as funções de cada órgão do parlamento, como se vê no Quadro 3.

 

 

A respeito desses dados, cabe destacar alguns estudos recentes que ressaltam a função das instituições legislativas no que se refere à tarefa de transmitir conhecimentos relacionados à educação para a democracia, contribuindo assim, para fomentar o letramento político da população. Tal perspectiva é vista como um instrumento de fortalecimento do próprio Poder Legislativo e da relação entre sociedade e parlamento (CARVALHO, 2014; COSSON, 2008).  Além disso, educar para a democracia implica o empoderamento dos cidadãos, os quais passam a compreender melhor o funcionamento das instituições representativas, o trabalho dos parlamentares e como os eleitores podem monitorar tais atividades e participar dos processos políticos. Os déficits de informação acima apontados, certamente carecem de aprofundamento e maior reflexão.

No quesito divulgação institucional a Câmara dos Deputados do Brasil fica em primeiro lugar, com 1,00, seguida da Assembleia da República de Portugal, com 0,50. Na sequência está a Assembleia da República de Moçambique, com 0,375. A Assembleia Nacional de Angola, a Assembleia Nacional de Cabo Verde e a Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe aparecem em seguida, com 0,312. Em último lugar estão a Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau e o Parlamento Nacional de Timor-Leste, ambos com 0,250, como se lê no Quadro 4.

 

 

O uso da internet como mídia informativa, com a divulgação de noticiário eletrônico sobre o parlamento, é o principal recurso utilizado, seguido da possibilidade de download de conteúdos. Outro item contemplado por todas as instituições é a divulgação do diário oficial do parlamento, além de instrumentos de relacionamento com a mídia, com a divulgação de material informativo sobre o parlamento para a imprensa. A dimensão informativa prevalece, portanto. Apenas a Câmara dos Deputados do Brasil e a Assembleia da República de Portugal divulgam suas atividades por meio de canal próprio de televisão.

Os dados confirmam o uso da internet pelos parlamentos como um mural virtual (CASTELLS, 2003), com ênfase para o provimento de informações, seguindo a lógica da oferta de informações, ou seja, os websites das instituições atuam como emissores, com uma perspectiva próxima do que se denomina mídias táticas (JURIS, 2005), que buscam enquadramentos informativos diferenciados e estratégicos, segundo a perspectiva dos próprios parlamentos. São também denominadas mídias das fontes (SANT’ANNA, 2008), ou seja, mantidas e administradas pelas próprias instituições.

Em suma, percebe-se um baixo investimento em modalidades diversificadas de divulgação institucional que se aproximem da lógica da demanda ou das mídias segmentadas (WOLTON, 2006). Apesar das possibilidades e do baixo custo da internet, recursos como blogs, webtv e web rádio, por exemplo, ainda não são explorados pela maioria dos parlamentos dos países da CPLP. A Câmara dos Deputados brasileira figura como exceção, o que se justifica pelo seu projeto institucional de divulgação em mídias das fontes e seu projeto de parlamento aberto (FARIA, 2012).

Quanto às interfaces institucionais com a sociedade e formas de mediação com setores da esfera civil, mais uma vez, a Câmara dos Deputados do Brasil apresenta o maior desempenho, com 0,969. A Assembleia da República de Portugal aparece em segundo lugar, com 0,393. O terceiro lugar fica para a Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau, com 0,272. Em quarto lugar empatam com 0,242 a Assembleia da República de Moçambique e a Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe. Os menores índices são registrados, respectivamente pelo Parlamento Nacional de Timor-Leste (0,212), Assembleia Nacional de Angola e Assembleia Nacional de Cabo Verde (ambos com 0,151).

Os itens de melhor desempenho dizem respeito à divulgação de informações básicas, como endereço, número telefônico e correio eletrônico das instituições, além de ferramenta de busca para consultas temáticas nos websites. Nos demais quesitos avaliados observa-se um elevado déficit de estratégias de contato e relacionamento com a sociedade, apesar das alternativas oferecidas pelos mecanismos digitais de interação. Mesmo instrumentos simples como tour cívico virtual aparecem apenas nos websites da Câmara dos Deputados do Brasil, da Assembleia da República de Portugal e da Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe.

O levantamento mostra baixa adesão dos parlamentos dos países da CPLP aos recursos da democracia digital e de parlamento aberto (FARIA, 2012). Alguns dados chamam atenção, como a inexistência de serviço telefônico para atendimento ao cidadão, exceto a instituição brasileira. Apesar dos avanços e da expansão da internet, é sabido que ainda existem dificuldades para muitos cidadãos desses países, especialmente no caso das nações africanas, para uso cotidiano de internet com banda larga. Assim, um sistema telefônico de atendimento constitui uma alternativa. No campo digital, as lacunas identificadas, conforme o Quadro 5, são as seguintes: falta de ferramenta para comentários do público sobre os projetos de leis em tramitação, inexistência de mecanismos que permitam interatividade efetiva com os parlamentares, além da impossibilidade de assinatura de e-petições, de newsletter sobre temas legislativos, de enquetes e de programas de educação política. Chama atenção ainda a baixa adesão dos parlamentos dos países da CPLP ao uso das redes sociais digitais. Apenas a Câmara dos Deputados brasileira registra perfis nas principais redes, como Twitter e Facebook.

 

 

Considerando o índice geral de desempenho sobre o uso da internet pelos parlamentos dos países da CPLP, o Quadro 6 mostra a classificação final, com a Câmara dos Deputados do Brasil em primeiro lugar e a Assembleia da República de Portugal em segundo, com 0,977 e 0,610, respectivamente. Em terceiro lugar aparece o Parlamento Nacional de Timor-Leste, com 0,464, seguido da Assembleia da República de Moçambique, com 0,450. Na sequência temos: a Assembleia Nacional de Angola (0,425), a Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe (0,403), a Assembleia Nacional de Cabo Verde (0,375) e a Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau (0,313). Esses dados revelam que os potenciais democráticos da internet (SAMPAIO, 2010) ainda são subaproveitados pelas instituições legislativas da CPLP. Caberiam estudos mais aprofundados para analisar as razões que levam essas instituições a explorar de modo ainda incipiente as ferramentas digitais.

 

 

Do ponto de vista do balanço geral apresentado no Quadro 6, chama atenção o déficite de accountability informativa em relação à divulgação dos gastos e despesas das instituições parlamentares, com três níveis de performance informacional.  A Câmara dos Deputados do Brasil representa o primeiro nível, com o índice mais elevado (0,894).  O segundo nível é composto por três parlamentos, com igual desempenho (0,052): Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau, Assembleia da República de Moçambique e Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe. Por último, com ausência total de informações sobre as despesas estão a Assembleia Nacional de Angola, a Assembleia Nacional de Cabo Verde e o Parlamento Nacional de Timor-Leste. Excetuando-se a instituição brasileira, há uma carência expressiva de informações sobre as despesas dos parlamentos dos países da CPLP. Todos eles publicam apenas o orçamento geral do país, sem preocupação específica com os custos da representação parlamentar, excetuando-se a Câmara dos Deputados brasileira.

Nesse tópico certamente a atuação da imprensa e de entidades não-governamentais em defesa da transparência política exercem influência direta na divulgação dos gastos e despesas das instituições políticas, como tem sido no caso do Brasil. Desde que foi criada no ano 2000,  a Transparência Brasil (www.transparencia.org.br) passou a acompanhar sistematicamente os gastos do Poder Legislativo, fornecendo levantamentos completos para a imprensa. Esse modo de atuar favorece a visibilidade dessa agenda e aumenta a pressão social por maior transparência e accountability. Nos demais países, esse processo parece que tem produzido menos impacto, o que exigiria estudos contextuais para aprofundamento. O fato é que, conforme já foi argumentado, a transparência política é socialmente produzida, o que implica um interplay entre atores políticos e atores sociais. Quanto menor a transparência nas instituições parlamentares, certamente menor tem sido o engajamento dos demais atores e instituições sociais que exercem o papel de empreendedores morais em defesa da qualidade da democracia (GUGLIANO, 2013).

 

Considerações finais

Os dados mostram que a internet já é de uso generalizado nos parlamentos dos países de língua portuguesa, como ocorre nas demais instituições de representação parlamentar (FRICK, 2004; TRECHSEL, 2004; LESTON-BANDEIRA, 2012).  Ressalvadas as iniciativas mais abrangentes da Câmara dos Deputados do Brasil e da Assembleia da República de Portugal, conclui-se que ainda faltam estratégias mais efetivas de transparência pelas demais instituições da CPLP. Os potenciais democráticos da internet e suas ferramentas de transparência digital, apontados na primeira parte do texto por autores como Silva et al. (2009) ainda estão distantes de serem plenamente concretizados pela maioria das casas legislativas dos países da CPLP.

A baixa disposição da maioria das instituições em estudo, conforme mostram os dados, para o investimento em accountability digital pode comprometer a legitimidade e a confiança dos cidadãos. Além disso, reduz as chances de aumentar a satisfação da população com o desenvolvimento dos regimes democráticos (NORRIS, 1999; LIJPHART, 2001; TILLY, 2008). As conclusões indicam que nos parlamentos de países como Angola, Cabo verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, e Timor Leste ainda estão distantes da concepção de parlamento aberto (FARIA, 2012), uma vez que a internet tem sido subutilizada do ponto de vista de conexão das instituições parlamentares com a sociedade. A transparência é apontada na literatura especializada como um dos requisitos inerentes às instituições parlamentares, além da probidade, da representatividade, acessibilidade, responsabilidade e eficácia política (SÁEZ e MERCEDES, 2013). Nesse quesito, as instituições mencionadas ainda são nitidamente deficitárias, como mostram os dados.

Chama atenção ainda a primazia da função informativa dos websites dos parlamentos da CPLP, em detrimento das funções de interação, participação cidadã e debate sobre os temas em discussão nas instituições parlamentares. Esse diagnóstico confirma uma série de estudos empíricos já realizados sobre as lógicas de usabilidade das mídias digitais por instituições políticas (BRAGA, BLANCHARD, MARQUES, 2005; RÖMMELE, 2003). Acreditamos, contudo, que mais do que corroborar trilhas analíticas, é mais importante também uma reflexão sobre o que isso significa, em termos de compreensão da política informacional das instituições legislativas.

Nessa perspectiva, Marques (2005) avalia que o potencial da internet no campo político, até o momento, limita-se à exploração da “grande facilidade para se alcançar determinado público e distribuir materiais”, com o propósito de reforçar visões e representações políticas “e não para tornar os cidadãos mais próximos da discussão e do aperfeiçoamento das políticas e projetos para o país (p.143).

Sob o ângulo dos estudos sociomediáticos, a análise revela que as instituições parlamentares da CPLP ainda utilizam as “novas mídias”, com a mesma lógica das “velhas mídias”. O mesmo autor supracitado ressalva que, apesar das possibilidades de democracia digital, em termos de ferramentas interativas e dialógicas oferecidas pelas internet, permanece uma lógica unidirecional de oferta de conteúdos. Depreende-se, pois, que não se trata de carência de meios técnicos, mas de disposição de instituições e atores-chaves no processo de formulação e decisão da coisa pública” (p.144). Essa dissonância em relação aos prognósticos democratizantes e ao “imaginário da cibercultura” (LEMOS, 1988) conduz a vários questionamentos sobre o alcance efetivo da internet em termos de promoção de maior interação entre a esfera da representação e a esfera civil, o que lembra a observação de Pipa Norris (2003) de que o uso político das mídias digitais apenas reforça o uso dos demais meios de informação, uma vez que os cidadãos que buscam esses canais para fins políticos são aqueles que já mostravam algum engajamento fora da esfera virtual. Em outras palavras, seria “pregar para os convertidos”.

Em termos políticos, as implicações decorrentes desse diagnóstico revelado pelas conclusões do estudo é que a accountability é a principal função dos websites dos parlamentos dos países da CPLP, em consonância com os argumentos de Karlsson (2013), porém com pouca relevância para as demais funções políticas das mídias digitais, como inquiry e connectivity, o que reafirma o caráter unidirecional já apontado, desprovido de porosidade social. As duas últimas funções apontadas dizem respeito a um conjunto de estratégias para captar as percepções dos cidadãos, auscultar a opinião dos usuários dos websites e oferecer possibilidades de interação e participação nos debates que se desenrolam no interior das arenas legislativas. Ao privilegiar somente a primeira função, os parlamentos da CPLP usam a visibilidade no âmbito virtual como recurso simbólico para a renovação da sua legitimidade perante os usuários de internet que acessam suas webpages.

Dessa forma, as instituições parlamentares delimitam simbolicamente os papeis políticos e reforçam a visão liberal da divisão do trabalho político entre os representantes como agentes peritos do campo político e os cidadãos como leigos, meros receptores das informações e espectadores do teatro político. A função de debate, por exemplo, mantém-se como exclusiva dos parlamentares, os responsáveis pela formulação das políticas públicas e pela definição dos enquadramentos interpretativos referentes aos projetos de lei em tramitação. O cidadão é mantido à distância do processo político, portanto, principalmente no que diz respeito à esfera decisória, reforçando o papel do parlamento como agência deliberativa.

Por fim, é oportuno ressaltar os índices de baixo acesso da população na maioria dos países da CPLP, especialmente no caso de Angola, Guiné-Bissau São Tomé e Príncipe, Timor Leste. São nações que ainda se encontram em situação de divisão digital (CASTELS, 2003, p.221), ou seja, um tipo de divisão entre os países que detêm os recursos econômicos, políticos e culturais para operar na esfera digital e os que ficam excluídos do mundo das interconexões. A situação mais favorável é a de Portugal, onde a média de acesso da população é de 80%. No Brasil, o acesso à internet ainda é limitado à metade da população. A exclusão digital faz com que os parlamentos da maioria dos países da CPLP prestem contas de suas atividades apenas a restritas parcelas da população, excluindo grandes segmentos, mesmo do ponto de vista informativo. Essas informações circulam em núcleos privilegiados das sociedades, atingindo quase sempre as elites e setores com maior poder aquisitivo e capital cultural. Levantamentos recentes mostram que nos países da CPLP situados na África, as médias de acesso ainda estão na faixa de 15 a 35%, segundo dados da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, de 2014.

 

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NOTAS

1 A CPLP foi criada em 1996, com o objetivo de aprofundar a amizade mútua e a cooperação entre os seus membros. Reúne os oitos países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

2 Para um panorama sobre o contexto internacional, consultar Frick, 2004; Trechsel, 2004.

3 Eis alguns desses estudos: Frick, 2004; Sáez e Mercedes, 2013; Silva et al., 2009.

4 Para um panorama sobre as pesquisas brasileiras, ver: Braga (2007); Faria (2012); Barros, Bernardes e Rehbein (2015a; 2015b; 2016) e Braga, Mitozo e Tadra (2016), Bernardes e Leston-Bandeira (2016) entre outros. No caso português, destacam-se Cardoso e Nascimento (2003; 2006); Leston-Bandeira (2011); Serra (2012); e Ferro (2015).

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