SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número3­­­Conteúdo e interatividade nos portais das revistas brasileiras: uma proposta para análise da cobertura pré-eleitoralPublic Engagement with Science and Technology: contributos para a definição do conceito e a análise da sua aplicação no contexto português índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.9 no.3 Lisboa set. 2015

 

Utilização da Internet e do Facebook pelos mais velhos em Portugal: estudo exploratório

The use of the Internet and Facebook by the elders in Portugal: an exploratory study

 

Catarina Rebelo*

*Catarina Rebelo, Assistente de Investigação, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), 1649-026, Lisboa, Portugal. (catarina.c.rebelo@gmail.com)

 

RESUMO

Embora a crescente centralização nas tecnologias de informação e comunicação e o envelhecimento da população sejam duas das principais tendências sociais, poucos estudos se têm dedicado a analisar a relação da população mais velha com a Internet.

Este artigo foca-se nos utilizadores seniores portugueses da Internet e do Facebook e nos seus interesses e motivações para a utilização destas ferramentas.

Refletindo sobre os fenómenos de exclusão digital, da sociedade em rede e do envelhecimento da população este artigo analisa de que forma as questões de literacia, limitações biológicas associadas à idade e a motivação contribuem para o afastamento dos mais velhos da Internet.

Este artigo é um estudo exploratório de abordagem qualitativa, realizado com quatro seniores residentes da área da grande Lisboa utilizadores da Internet e do Facebook.

Mais do que informação, os mais velhos parecem procurar online acesso a contactos pessoais e às suas memórias. Parece também existir algum desinteresse pelos conteúdos e contornos da tecnologia provavelmente relacionado com a partilha geracional de determinados valores e preferências (Arnoldi & Colombo 2007) que não estão representados na Internet, moldada por gerações com mais literacias digitais.

Palavras-chave: população sénior; exclusão digital; Internet; Facebook; sociedade em rede.

 

ABSTRACT

This article is focused on the interests and motivations of Portuguese older people to use the Internet and Facebook.

Although the increasing mediation of society through the use of technology and the aging of the population are two main society trends, few studies have been analyzing the use of information and communication technologies by senior citizens.

We reflect about the digital divide, the network society and the aging of the population while also trying to understand how literacy issues, age related biological limitations and motivations keep older people away from using the Internet.

This article is an exploratory and qualitative study, conducted with four senior citizens living in the Lisbon area and being users of the Internet and Facebook.

More than information, the elders that go online seem to seek access to their personal contacts and memories. There seems to be also some lack of interest in the contents and the lines of technology probably related to certain generational values and preferences (Arnoldi & Colombo, 2007) that are not represented on the Internet, which is shaped by generations with more digital literacies.

Key-words: old people; digital divide; Internet; Facebook; network society.

 

Introdução

A sociedade em rede, em que vivemos, é também uma sociedade envelhecida. Os dois fenómenos são as principais tendências que as sociedades enfrentam. No entanto, em Portugal, a população sénior apresenta fortes números de exclusão digital. Há um evidente digital divide baseado na idade. Tal afastamento, dada a centralidade que a Internet tem hoje em todas as esferas sociais, constitui uma grande desvantagem para esta fatia da população, que tende a ser cada vez maior e cujo papel na sociedade precisa de ser repensado.

Interessa-nos perceber quais as possíveis razões que poderão manter os mais velhos afastados das novas tecnologias da informação e comunicação assim como perceber como decorre a sua aproximação, que tipo de uso fazem.

Alguns estudos têm apontado, além de outros factores, a falta de interesse como uma das razões para a não utilização da Internet pela população sénior (Dias, 2012; Morris, Goodman, & Brading, 2007; Selwyn, Gorard, & Furlong, 2003). Julgamos por isso ser importante aumentar o campo de conhecimento sobre a temática do ponto de vista dos idosos.

É propósito deste artigo reflectir sobre o fenómeno da exclusão digital baseada na idade assim como fazer um estudo exploratório sobre a relação que os mais velhos estabelecem com a Internet e a rede social mais abrangente, o Facebook, do ponto de vista dos mais velhos, isto é, das suas motivações interesses e usos.

Começamos por analisar a forma como se entrecruzam os fenómenos do envelhecimento da população e da sociedade em rede com a exclusão digital, tentando reflectir sobre os seus impactos na sociedade.

Debruçamo-nos depois na análise de estudos já realizados sobre a população sénior e a Internet e o Facebook.

Por fim entrevistámos quatro seniores sobre que usos fazem e o que os motiva e interessa na Internet e através deles tentaremos obter pistas para inspirar futuros estudos sobre como melhorar as abordagens com vista à inclusão digital dos mais velhos. Este artigo visa levantar hipóteses e sugerir explicações, não pretende ser representativo da população mais velha ou a generalização dos seus resultados.

 

Envelhecimento, sociedade em rede e exclusão digital

Exclusão digital

A comunicação e a informação mediadas por tecnologia são uma realidade central em todas as esferas sociais do mundo em que vivemos. A Internet tem provocado alterações profundas nas dinâmicas económicas sociais e culturais e é hoje “muito mais do que uma tecnologia, um meio de comunicação, de interacção e de organização social” (Castells, 2004, p. 205). A Internet é a base tecnológica da rede, e a rede a forma organizacional que caracteriza a Era da Informação (Castells, 2001).

Himanen (2001) apresenta o “Informacionalismo” como o novo paradigma tecnológico, que substitui o industrialismo. Mas o que é novo no Informacionalismo não é o papel central que o conhecimento e a informação desempenham na sociedade, mas sim o impacto que a tecnologia tem nas formas de gerar e aplicar conhecimento. (Himanen, 2001).

As novas formas tecnológicas de gerar e aplicar conhecimento têm grande impacto quer a nível individual quer colectivo. A sociedade em rede caracteriza-se por um aumento substancial da autonomia e reflexividade tanto dos indivíduos como da sociedade civil. (Cardoso, Costa, Conceição, & Gomes, 2005). Por exemplo, a nível colectivo várias novas hipóteses se abrem a nível do aumento das possibilidades de participação e de fortalecimento da democracia, a nível individual abrem-se novas possibilidades de atomização dos contextos locais e familiares dos indivíduos. As tecnologias de informação e comunicação “fornecem possibilidades de autonomia para os indivíduos em relação aos seus contextos, sociais e individuais favorecendo a propensão para a fuga ao controlo tradicional e cada vez mais aptos para enfrentar as contradições das sociedades modernas” (Espanha, 2009, p. 2).

Viver numa sociedade mediada por tecnologia a nível cultural, económico e social, significa que as pessoas atingidas pela exclusão digital têm a sua capacidade de participar na sociedade e conduzir os seus destinos reduzida.

A exclusão digital pode ser analisada através de dois grandes eixos, um eixo macro que se refere às desigualdades estre países e que acompanha o debate acerca das suas assimetrias no crescimento e desenvolvimento e um nível de análise micro que se debruça sobre as assimetrias da inclusão digital dos indivíduos nas suas sociedades e sobre o qual recai a maior parte do debate científico acerca da info-exclusão (Roberto, Fidalgo & Buckingham, 2015).

Inicialmente ancorado a uma visão dicotómica de ter ou não ter acesso físico à tecnologia (van Dijk, 1999) o conceito de exclusão digital - digital divide, e-exclusion ou info-exclusão - tem-se desenvolvido e ponderado outras variáveis, nomeadamente a capacidade de utilizar e de tirar benefícios da utilização da tecnologia (Castells, 2001), remetendo para problemáticas como a da literacia digital. Apesar de em Portugal a questão do acesso ainda não estar ultrapassada, uma vez que 38,3% da população portuguesa nunca utilizou a Internet (Obercom, 2014), o acesso às tecnologias de informação e comunicação, por si, não promove a inclusão das pessoas que estão excluídas das competências técnicas, marcas de status e estruturas de conteúdos que se estão a tornar características institucionais da sociedade da Internet (Witte & Mannon, 2010).

O tema da exclusão digital tem sido amplamente debatido e os aspectos que o compõem sistematizados de diferentes formas por vários autores. Pippa Norris (2001) vê a exclusão digital como um fenómeno multidimensional e aponta três dimensões do conceito: exclusão digital global, exclusão social e exclusão democrática. Jan van Dijk e Keneth Hacker (2003) distinguem quatro barreiras ao acesso, para além do “acesso material” e do “acesso às competências” apontam também a falta de experiência digital elementar e a falta de oportunidades de utilização significativa (frequência) como causas da exclusão digital. Para Wilson (2004), além do acesso físico e competências, compõem o digital divide aspectos como o acesso financeiro, acesso à usabilidade, acesso à informação, aplicações relevantes disponíveis, a capacidade de produzir conteúdo, a existência de instituições de permitam o acesso e o acesso às instituições governativas. Para o autor, as variáveis demográficas mais determinantes no acesso à Internet são rendimento, educação, idade, sexo e uma localização rural ou urbana.

Para Fuchs (2008) os padrões de estratificação da exclusão digital são, por um lado, hierarquias sociais como idade, status familiar, habilidade, sexo, origem, etnia, língua e geografia (rural/urbano). Por outro lado, padrões desiguais de acesso material, como capacidade de utilização, benefícios e participação nas tecnologias de informação e comunicação. Estes são também resultado da distribuição assimétrica de capital económico, político e cultural (Fuchs, 2008).

Transversal às várias explicações para a exclusão digital, seja ao nível do acesso, das competências ou da frequência do acesso, é o papel fundamental que a dimensão socio-económica e a escolaridade parecem desempenhar neste problema (Roberto et al., 2015, p. 45).

Apesar do potencial de igualdade da Internet fomentar o objectivo do acesso universal (Witte & Mannon, 2010) e da ideologia de liberdade ser muito generalizada no mundo da Internet (Castells, 2011) a estrutura da Internet desenvolveu-se em diálogo com as desigualdades económicas e sociais existentes. (Witte & Mannon, 2010). Desta forma, não só reproduz essas desigualdades como as agrava (Castells, 2001; Shelley et al., 2004; Witte & Mannon, 2010).

 

Literacias digitais

As literacias e a literacia digital em particular são centrais quando falamos de exclusão digital. Com o aumento do acesso à Internet, a possibilidade de retirar vantagens desse acesso depende em grande medida do nível da literacia digital dos cidadãos (Shelley et al., 2004).

Ao longo da história, a tecnologia teve frequentemente um papel preponderante na definição de quais as competências consideradas importantes (Deursen, 2012). Hoje, quando falamos de literacia, não falamos das mesmas competências que falávamos antes das TIC terem ocupado um papel central no dia-a-dia das sociedades. Para ser um utilizador proficiente dos novos meios de informação e comunicação são necessárias novas literacias para além das que são requeridas para os media tradicionais. A literacia para os novos média não está centrada apenas no utilizador, ela depende também do meio que se utiliza, da tecnologia (Livingstone, 2003). É por isso que Livingstone defende que o conceito complexificou-se e que já não falamos tanto de literacia mas sim de literacias.

A capacidade de aceder, analisar, avaliar e criar menagens através de uma variedade de contextos é a definição de literacia para os media utilizada por Sónia Livingstone (2004).

O conceito de “fluência digital”, introduzido pelo 1999 National Research Council (NRC) Report, vai mais além e sublinha a importância da capacidade de adaptação e de auto-aprendizagem ao longo da vida quando se fala de literacia dos novos media. Ao invocar fluência em vez de literacia o relatório considerou redutora a noção de literacia informática baseada em competências e apelou a um nível base de competências digitais mais elevado, que crie a capacidade para uma aprendizagem e adaptação independentes ao longo da vida e que alargue o alcance do desenvolvimento cognitivo. (Shelley et al., 2004).

A capacidade de utilização instrumental da tecnologia deixa de estar no centro da definição do conceito de literacias digitais que, assim, reflecte mais questões relacionadas com a capacidade de compreender e dominar a linguagem codificada e a cultura subjacente às novas tecnologias da informação e da comunicação (Roberto et al., 2015).

Na realidade portuguesa o acesso físico e a capacidade de utilização instrumental do computador ainda não são uma realidade para uma percentagem considerável da população, ainda assim, a capacidade de tirar vantagem da utilização do computador e da Internet e de compreender e influir na cultura codificada que opera em contexto tecnológico parecem ser dos maiores problemas que as políticas de inclusão digital enfrentam nos dias que correm e enfrentarão no futuro.

 

População sénior, internet e redes sociais

Envelhecimento da população

O envelhecimento da população é um dos fenómenos demográficos mais preocupantes das sociedades modernas. E a sociedade portuguesa segue de forma clara esta tendência. O aumento do envelhecimento da população portuguesa tem vindo a agravar-se de forma generalizada em todo o território e deixou de ser um fenómeno localizado apenas no interior do país. Em 2011, o índice de envelhecimento da população agravou-se para 128 idosos por cada 100 jovens. (INE, 2012).

Em Portugal este processo tem sido especialmente rápido. “Em 1980, Portugal apresentava uma população menos envelhecida do que a maioria dos actuais países da UE. Hoje, é um dos países mais envelhecidos do espaço europeu e, como tal, do mundo.” (Rosa, 2012, p. 16).

As causas do envelhecimento populacional estão genericamente relacionadas com aumento das condições de saúde, melhoramento das condições de vida, assim como como o declínio das taxas de mortalidade e de natalidade. (Neves & Amaro, 2012).

Não existe uma ideia consensual e universal da idade concreta a partir da qual passamos a definir uma pessoa como idosa. A maioria dos países europeus utiliza 65 anos e mais, enquanto que a Organização Mundial de Saúde e as Nações Unidas usam os 60 anos como a idade a partir da qual se define a categoria idosos (Neves & Amaro, 2012).

O processo de envelhecimento é também um processo subjectivo e bastante variável. Indivíduos com a mesma idade cronológica podem estar a passar por diferentes estados mentais e psíquicos (Neves & Amaro, 2012). Para lidar com esta heterogeneidade associada à idade cronológica surgiram outros indicadores, como a idade funcional (capacidades físicas e cognitivas); a idade percebida (pelos outros e pelo mesmo); idade social (experiências: reforma/trabalho) e idade cognitiva (Neves & Amaro, 2012).

Rosa (2012) distingue dois conceitos de envelhecimento: o envelhecimento individual e o envelhecimento colectivo. No envelhecimento colectivo inclui as noções de envelhecimento demográfico, ou da população, e envelhecimento societal, ou da sociedade. Para a autora “a marca visível do envelhecimento societal é a de uma sociedade deprimida, que se sente “ameaçada” com a sua própria evolução etária e com as mudanças que em si acontecem.” (Rosa, 2012, p. 24).

A velhice é cada vez mais uma fase normal da vida, uma nova fase do ciclo de vida que, para muitos, começa com a entrada na inactividade (Mauritti, 2004).

Para Dias (2012) os discursos negativos sobre a velhice duraram pelo menos até aos anos 80 e foram alimentados pela teoria da modernização. Estes discursos realçavam a falta de literacia científica e tecnológica dos mais velhos assim como as situações de pobreza, isolamento social, doença e dependência em que muitos se encontram.

Mauritti (2004) identifica dois tipos de discursos dominantes sobre a velhice alimentados nas sociedade actuais, por um lado os discursos da velhice negativa que sublinham essencialmente situações de pobreza, isolamento social, solidão, doença e dependência mas também, em oposição a este, um discurso onde os idosos são projectados como segmentos específicos de consumos, associando a velhice a um tempo de lazer, de liberdade e de auto-aprefeiçoamento. A par destas representações surge o conceito de envelhecimento activo. “Nestas representações, que se consolidam ao longo da década de 1990 e que se vêem reforçadas na 2ª Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, promovida pela ONU (...) procura-se promover a integração social e laboral dos idosos.” (Mauritti, 2004, p. 341).

Para Rosa (2012) o principal problema das sociedades não é tanto o envelhecimento da população, mas a dificuldade que estas têm de se ajustarem a esta mudança demográfica. Para a autora há uma efectiva discriminação da população mais velha no “mundo produtivo em geral e no mercado de trabalho em particular” (Rosa, 2012, p. 42), que se deve especialmente à desactualização dos conhecimentos, em particular associada às novas tecnologias. Também Dias (2012, p. 54) considera que o “progresso científico e tecnológico veio despojar as pessoas idosas dos seus papéis e do prestígio social que as rodeava nas sociedades ditas tradicionais”.

Rosa (2012, p. 42) defende que é preciso mudar essa postura em relação aos idosos e perceber que o problema maior da sociedade portuguesa não é o envelhecimento da população em si, mas a incapacidade de pensar de modo diferente perante uma sociedade que mudou, porque a estrutura populacional é mais envelhecida.

É por isso importante pensar de forma aprofundada os impactos nos indivíduos e na sociedade desta fase da vida, cada vez mais longa e expressiva a nível populacional, e analisar os discursos que associam os mais velhos à inabilidade de acompanhar os progressos tecnológicos.

A idade como factor de exclusão digital?

Observando dados apenas referentes à utilização ou não utilização da Internet em Portugal podemos desde logo dizer que a população sénior em Portugal é fortemente atingida pela exclusão digital. Há um claro fosso digital entre as faixas etárias mais jovens e as faixas etárias mais velhas.

De acordo com dados disponibilizados pelo Obercom (2014), em 2013, 94,1 % da população com idades, entre os 15 e os 24 anos eram utilizadores da Internet, em comparação com os utilizadores com 65 anos ou mais, que são apenas 11.8%. Na faixa etárias entre os 55 e os 64 anos apenas 31% da população utilizava Internet.

 

 

Por um lado é evidente que as categorias demográficas são dominantes nos debates sobre a exclusão digital, por outro é questionável que estas categorias sejam a melhor forma de monitorizar a utilização da Internet (Ito, O'Day, Adler, Linde, & Mynatt, 2001).

A questão que se coloca é se a idade é, por si, um factor de exclusão digital.

De acordo com Selwyn et al, (2003), para alguns autores, mesmo depois de controladas variáveis com potencial de confundir, como rendimento, ocupação ou educação, parece que a idade assume uma importante influência na adopção da tecnologia.

Loos (2012), baseando-se num estudo sobre a sociedade holandesa, defende que os cidadãos, novos e velhos, mais do que enfrentarem um fosso digital baseado na idade, estão espalhados num “digital spectrum” e que o problema é principalmente de literacias. Existem limitações relacionadas com a idade que podem afastar os mais velhos da utilização da Internet, mas estas são principalmente limitações funcionais, como a perda de visão, etc.. Destaca, por isso, a importância de ter em mente estas possíveis limitações funcionais na altura de pensar o design das novas tecnologias, introduzindo o conceito de “dinamic diversity”, o design para a diversidade (Loos, 2012).

De forma a compreender o acesso e uso desigual da Internet deve-se, para Loos (2012), prestar sobretudo atenção a variáveis como as literacias, o sexo e a frequência de uso da Internet.

Em Portugal as literacias poderão ser um dos factores centrais no problema da exclusão digital sénior. As gerações mais velhas estão fortemente associadas a um baixo nível de literacias: “Portugal tem, no contexto europeu, e também por referência aos países da OCDE, uma das mais elevadas taxas da população adulta com níveis de escolaridade abaixo do ensino secundário” (Ávila, 2008, p. 307).

Mais do que a idade, ou para além da idade, a razão do afastamento dos mais velhos da Internet deverá, por isso, ser relacionada quer com o nível de escolaridade quer com outras variáveis ou discriminações. Nenhum grupo etário é um grupo homogéneo, os seniores particularmente, uma vez que as diferenças individuais aumentam com a idade (Loos, 2012), logo, os indivíduos que os integram são afectados por mais que um tipo de discriminação (Alonso, 2010). Por isso, a melhor forma de problematizar a exclusão digital baseada na idade é provavelmente do ponto de vista da “interseccionalidade”. O conceito, cunhado por Kimberlé Crenshaw em 1989 e usado sobretudo em estudos feministas (Phoenix & Pattynama, 2006) refere-se à análise relacional de vários eixos de desigualdade, sublinhando a natureza interdependente destas categorias e como elas podem fortalecer-se ou enfraquecer-se mutuamente (Winker & Degele, 2011). Assim, seria interessante perceber que relação a variável idade tem com as variáveis literacias, rendimentos, sexo e localização rural ou urbana na utilização da Internet.

É também importante questionar a visão generalizada e estereotipada dos mais novos como utilizadores autónomos e dos mais velhos como incapazes de utilizar a tecnologia até porque, de acordo com alguns autores (Loos, Haddon, & Mante-Meijer, 2012; Deursen, 2012; Roberto et al., 2015) não há evidências empíricas de que os mais novos não apresentam qualquer problema na utilização da tecnologia, e, por outro lado, no que se refere a competências relacionadas com o conteúdo da Internet, elas tendem a aumentar em utilizadores mais velhos, pelo menos em estudos realizados sobre a população sénior Holandesa e Finlandesa (Loos, Haddon & Mante-Meijer, 2012; Deursen, 2012).

Apesar das variáveis que poderão dificultar o acesso da população sénior à Internet – sejam aquelas que por efeitos de geração, têm maior incidência na população mais velha, como é o caso, em Portugal, do nível de escolaridade, ou variáveis biológicas intrínsecas ao processo de envelhecimento, como a perda de visão, de memória, etc – são muitos os benefícios apontados ao uso da Internet pelos mais velhos. No entanto há outros factores que parecem influenciar fortemente este processo: a motivação e o interesse para utilizar a Internet e as novas tecnologias.

 Motivação e interesse

Apesar de vários autores salientarem as vantagens que a utilização da Internet pelas pessoas mais velhas pode ter na melhoria das suas condições de vida (Dias, 2012; Morris et al., 2007; Neves & Amaro, 2012), a falta de interesse é, para além do acesso e das literacias – mas intrinsecamente relacionada com elas -, uma das razões mais apontadas para a não utilização, nos estudos sobre o uso da Internet pela população sénior.

Neves, Amaro, & Fonseca (2013) destacam os benefícios sócio-económicos do acesso à Internet pelos mais velhos, como a redução do isolamento social e o melhoramento da vida quotidiana através de acesso facilitado a serviços como o de pesquisa, banco e compras.

O acesso a informação de saúde através da Internet também seria um potencial de melhoramento da qualidade de vida dos idosos, uma vez que apresenta “diversas vantagens em termos de comunicação efectiva sobre saúde” (Espanha, 2009, p. 78), se comparada com os media tradicionais. “Essas vantagens incluem, entre outros, o acesso melhorado a informação de saúde personalizada, acesso a informação e aconselhamento on demand, conteúdos mais facilmente actualizados e um maior leque de escolha para o utilizador” (Espanha, 2009, p. 78). No entanto a população idosa apresenta uma baixa utilização da Internet também para pesquisa sobre conteúdos de saúde. “Os escalões etários onde a proporção deste tipo de prática é mais elevada não são exactamente os que em princípio teriam mais problemas de saúde mas antes os que detêm competências na utilização deste tipo de ferramentas tecnológicas.” (Espanha, 2009, p. 78).

Dias (2012, p. 64) aponta a possibilidade de acesso a actividades culturais e recreativas, sobretudo pelos segmentos mais vulneráveis, e também o fomento das solidariedades intergeracionais “tanto na família como nos diversos contextos sociais”.

Apesar de todas estas possibilidades e benefícios, vários estudos mostram uma baixa predisposição e interesse entre os mais velhos para o uso da Internet (Dias, 2012; Morris et al., 2007; Selwyn et al., 2003). Lugano e Peltonen (2012) argumentam que a motivação é mesmo o principal factor de diferenciação entre nativos e emigrantes digitais.

A tecnologia é moldada e determinada socialmente e o conteúdo das novas tecnologias também pode constituir uma barreira a nível de interesse para a população sénior. “Assim, é possível que os primeiros utilizadores tenham modelado a Internet para aqueles que se incorporaram depois, tanto em termos de conteúdo como de tecnologia.” (Castells, 2001, p. 296). O facto da utilização dos novos media feita por esta faixa da população ser reduzido ou, muitas vezes, situar-se a um nível de utilização básico - geralmente são receptores do conteúdo das tecnologias e raramente estão envolvidos na produção dos conteúdos - também pode explicar a dificuldade que as pessoas mais velhas têm em encontrar interesse na tecnologia, em partilhar os seus valores e a sua cultura.

As tecnologias da informação e da comunicação moldam e são moldadas pela sociedade (Silverstone, Hirsch, & Morley, 1992), num processo domesticação da tecnologia. “Consumption is a transformative and transcendent process of appropriation and conversion of meaning.” (Silverstone et al., 1992, p. 4).

O conceito de domesticação refere-se aos processos de aceitação, rejeição e uso da tecnologia (Lee, Smith-Jackson, & Kwon, 2009). De acordo com Silverstone (1999) o processo de domesticação estabelece-se em quatro fases: apropriação, objectificação, incorporação e conversão. Isto é, o consumo/uso de uma tecnologia não é apenas determinado pelas características da própria tecnologia. Essas características são também apropriadas, objectificadas, incorporadas e convertidas pelo uso que delas é feito no dia-a-dia. “Technologies are both shaped and shaping” (Silverstone et al., 1992, p. 26). De facto, a Internet não é uma experiência distinta do resto da vida e não é ela que determina a natureza da comunicação (Wellman & Hogan, 2004).

A identidade geracional pode também influenciar a relação que um indivíduo estabelece com os media. Aliás, uma das dificuldades científicas básicas na tentativa de compreender o que significa ser idoso é, como observa Hagberg (2012), ser capaz de distinguir entre as consequências da própria idade e da pertença a uma determinada geração.

Arnoldi e Colombo (2007) defendem que a pertença geracional pode ser uma variável condicionante da identidade e que pode funcionar quase como uma subcultura na forma de consumo dos media, ou no caso dos novos media, nas formas de produção e consumo.

“To this generational identity belong values, ideals, configurations of taste and sensibility, constellations of preferences that we could probably call, with Bourdieu (1979), habitus, that is a system of durable dispositions to act and choose, not strictly prescribed by formal rules, for exemple in the field of civic participation, of material or cultural consuption, of leisure” (Arnoldi, 2011, p. 55).

Para Arnoldi e Colombo (2007), esta identidade geracional forma-se na convergência de factores objectivos – como acontecimentos históricos, condições sócio-culturais, sistemas e conteúdos educacionais, fases de desenvolvimento do sistema dos media e panorama cultural – com factores subjectivos – como a sua experiência em determinado contexto durante a fase da adolescência, ter a mesma idade, a sedimentação de uma memória colectiva e um sentimento comum de pertença. Assim, os gostos, sensibilidades, valores, ideais e preferências das gerações mais velhas podem não estar reflectidas quer nos conteúdos quer na tecnologia presente na Internet levando ao seu desinteresse pela tecnologia.

No entanto, a falta de interesse ou motivação mostrada por uma grande parte da população idosa face à Internet pode relacionar-se também com uma fraca capacidade de domesticação, de adaptação da tecnologia ao seu dia-a-dia, às suas necessidades, aos seus hábitos.

Logo, “incluir, tecnologicamente, significa apreender o discurso da tecnologia, não apenas na óptica de execução e de qualificação, mas também na perspectiva de os sujeitos serem capazes de influir sobre a importância e finalidades da própria tecnologia digital.” (Dias, 2012, p. 59).

O Facebook – o uso dos Idosos

Debruçando-se sobre as questões relacionadas com as comunidades virtuais, Castells (2001, p. 151) concluí que “a Internet parece ter um efeito positivo na interacção social e tende a aumentar o grau de exposição a outras fontes de informação”. Wellman (citado por Castells, 2001, p. 157) define comunidades como “redes de laços interpessoais que proporcionam sociabilidade, apoio, informação, um sentimento de pertença e uma identidade social”. E defende que as comunidades virtuais “são também comunidades, isto é, geram sociabilidades, relações e redes de relações humanas, não sendo, porém idênticas às comunidades físicas”. (Castells, 2004, p. 216).

Em contraponto com Loos (2012) que analisa a relação dos idosos com a Internet centrada na questão do acesso à informação, Ito et al. (2001) fazem uma análise da exclusão digital dos idosos a partir da questão da filiação social, do sentimento de pertença. “Social affiliation is increasingly recognized as a relevant feature of Internet access, but the digital divide debate is anchored in a model of information access as one of the primary goals and benefits of being online.”(Ito et al, 2001, p. 2).

Um estudo realizado por Erickson (2011), sobre a forma como os mais velhos utilizam a rede social Facebook, conclui que esta facilita a conexão dos seniores às pessoas mais queridas, e pode indirectamente facilitar o vínculo de capital social. A chamada de atenção gerada via Facebook leva muitas vezes à partilha e à obtenção de suporte emocional através de outros canais (Erickson, 2011).

Erickson (2011) aponta a falta de confiança como a razão mais forte para as pessoas mais velhas não usarem o Facebook. Falta de confiança não nas pessoas com quem poderiam contactar mas na natureza pública do Facebook.

A confiança parece ser bastante relevante no relacionamento dos mais velhos com a Internet. O que é a confiança nas sociedades actuais e como é produzida? “Trust seems to be something that is produced individually by experience and over time and cannot be immediately and with propose be produced” (Powell, 2008, p. 5). Para Beck (1992), a confiança é cada vez mais produzida activamente pelos indivíduos do que garantida institucionalmente, num contexto de erosão das instituições tradicionais e de relativização do conhecimento científico. Giddens (1991) vê o risco como a principal característica de uma sociedade que perde o foco da sua confiança nos laços tradicionais e valores sociais. “A confiança é, portanto, conquistada e sustentada pela ordinariedade da vida de todo o dia e pelas consistências da linguagem e da experiência.” (Silverstone, 1999).

O estudo de Erickson (2011) mostra que as pessoas mais velhas não vêem esta rede social como um local apropriado para conversas particulares. O Facebook é visto pelos idosos deste estudo como uma plataforma para ficar a par das novidades (geralmente de forma passiva), para se manterem em contacto e monitorizarem a situação.

Portanto, mesmo os idosos que usam o Facebook, usam-no com algum receio e de uma forma algo passiva.

Erickson (2011) recomenda que as comunidades online que tenham interesse em aumentar a participação dos seniores, deverão prestar especial atenção às questões de privacidade.

Alguns dos entrevistados num estudo realizado por Selwyn et al. (2003), explicaram a sua adopção das tecnologias de informação e comunicação pela simples vontade de se manter em contacto com o computador, reflectindo a sua percepção da importância da sociedade da informação.

Em muitos casos, a adopção do computador e da Internet resultou do encorajamento por parte dos filhos que queriam que os seus pais utilizassem o computador. As relações intergeracionais não só são fortalecidas através do uso das novas tecnologias como são fomentadoras do uso da Internet pelos mais velhos (Selwyn et al., 2003).

Estes estudos mostram que a questão da exclusão digital dos mais velhos não fica resolvida com o acesso. Mesmo a população sénior que utiliza a Internet e redes sociais online tem uma utilização débil destas ferramentas e não consegue usufruir de muitas das vantagens destas tecnologias.

É por isso que Selwyn et al (2003) defendem que em vez de tentar mudar os mais velhos, a população sénior deveria ser envolvida na mudança das tecnologias de informação e comunicação, para que estas se tornem mais atractivas, interessante e úteis para muitos seniores.

 

Entretenimento, memórias e reencontros: os usos da internet e do Facebook pelos seniores

Conhecer os interesses dos mais velhos online: questões metodológicas

Apesar de ser a formulação mais evidente da exclusão digital em Portugal, a exclusão digital da população portuguesa mais velha é um tema ainda muito pouco estudado.

Parece-nos por isso relevante fazer um estudo descritivo e exploratório sobre a relação dos mais velhos com a Internet em Portugal com vista a obter algumas informações que possam servir para identificar possíveis hipóteses e direcionar futuros estudos sobre a temática. Como estudo exploratório, não visa de nenhuma forma ser representativo da população sénior portuguesa ou a generalização das suas conclusões.

Nesse sentido, o objectivo deste estudo é levantar hipóteses e sugerir explicações sobre as motivações que levam alguns indivíduos mais velhos a utilizar a Internet e o Facebook e o impacto que esta utilização tem no seu dia-a-dia. Ao abordarmos especificamente o Facebook – a rede social actualmente mais abrangente – pretendemos perceber qual a importância que as redes sociais online podem ter no fortalecimento de laços pessoais dos mais velhos na rede.

Compartilhando da visão de Loos (2012) de que os seniores não são um grupo homogéneo baseamos este estudo em factores a que estes estão sujeitos em grande medida como questões geracionais e condições biológicas associadas ao envelhecimento, nunca perdendo de vista a complexidade e heterogeneidade do nosso objecto de estudo.

A provável pouca representatividade online da cultura e valores geracionais partilhados pela população sénior encaminha-nos para a necessidade de obter respostas o menos espartilhadas possível sobre o que realmente interessa e motiva a população sénior na Internet e nas redes sociais, como estão e o que os faz estar online, sempre do ponto de vista dos mais velhos.

A estratégia ao nosso alcance mais apropriada para cumprir os nossos objectivos é, por isso, uma estratégia indutiva, utilizando metodologia qualitativa através de entrevistas semi-estruturadas.

O conceito de idoso em Portugal é, em muitos estudos, principalmente nos do Instituto Nacional de Estatística (INE), estabelecido a partir dos 65 anos, “idade a partir da qual o peso de inactivos-reformados ultrapassa o conjunto de indivíduos inseridos na actividade” (Muritti, 2004, p. 343). No entanto, tal como Mauritti (2004), incluímos nesta abordagem indivíduos com idade inferior, neste caso, a partir dos 60 anos, desde que estejam reformados ou em inactividade. “Localiza-se nesta faixa etária (55-65) uma proporção expressiva de indivíduos já em situação de inactividade, seja na sequência de uma antecipação da reforma, seja, no caso sobretudo das mulheres, pelo peso de domésticas” (Mauritti, 2004, p. 343).

Decidimos entrevistar quatro indivíduos com mais de 60 anos, em inactividade, utilizadores da Internet e do Facebook, dois do sexo feminino e dois do masculino. Revelou-se difícil encontrar testemunhos com níveis de escolaridade baixo. O nível de escolaridade nos nossos entrevistados varia, por isso, entre o 5º ano antigo (9º ano actual) e o 3º ano da Licenciatura de Direito.

A nossa amostra é composta por indivíduos residentes na área de Lisboa, aos quais conseguimos chegar através de contactos pessoais, embora não tenha havido contacto com os indivíduos entrevistados antes deste estudo.

As entrevistas foram realizadas em Junho de 2013 aos seguintes indivíduos: Perine, 71 anos, 5º ano antigo; Maria, 64 anos, 3º ano de Licenciatura; Manuel, 60 anos, 7º ano antigo; Paulo, 63 anos, 5º ano antigo. Foram gravadas em áudio e, depois de transcritas, submetidas a análise de conteúdo.

Seniores, Internet e Facebook em Portugal

Apesar de lentamente, a penetração de computadores e Internet nos lares portugueses está a crescer. O acesso à Internet em agregados domésticos subiu, de acordo com o INE (2014) de 48% em 2009, para 65% em 2014. O que significa, no entanto, que 35% das famílias em Portugal ainda não têm acesso à Internet em casa.

Relativamente à utilização da Internet pelos portugueses, dados do Obercom (2014) mostram quem 38,3% da população diz nunca ter utilizado a Internet. Um estudo do INE (2012) que se refere a pessoas entre os 16 aos 74 anos, revela que 60,3% das pessoas entre estas idades, utilizavam a Internet em 2012, em comparação com 41,9% em 2008. O que significa que 40,7% da população entre os 16 e os 74 anos estavam excluídas da utilização da Internet, em Portugal.

Os dados mostram que, apesar de uma tendência de crescimento, existe ainda uma significativa percentagem da população portuguesa excluída do acesso e da utilização da Internet. Esta exclusão afecta especialmente alguns segmentos da sociedade. Uma das divisões mais expressivas entre utilizadores e não-utilizadores da Internet acontece entre os mais novos e os mais velhos. Existe um claro fosso digital baseado na idade na sociedade portuguesa.

A população sénior constitui actualmente uma importante fatia da população portuguesa, uma vez que a sociedade portuguesa é uma sociedade envelhecida. O envelhecimento da população é uma tendência global que em Portugal se agravou na última década. De acordo com dados do INE (2012), enquanto que a população idosa cresceu de 16% em 2001 para 19% em 2011, a população jovem registou o movimento inverso: recuou de 16% em 2001 para 15% em 2011. Em 2011, por cada 100 jovens havia 128 idosos.

De acordo com Maria João Valente Rosa (2012), foi especialmente a partir da segunda metade do século XX que as sociedades começaram a confrontar-se com o fenómeno do “duplo envelhecimento” (quer na base, quer no topo da pirâmide etária). Este fenómeno, embora especialmente intensificado na Europa, é um fenómeno mundial.

As projecções não prevêem que o processo de envelhecimento da população se reverta nas próximas décadas. “Os resultados prospectivos do Instituto Nacional de Estatística (INE) não deixam grandes margens para dúvidas a este propósito. A população de Portugal deverá continuar a envelhecer e poderá continuar a fazê-lo de modo particularmente intenso.” (Rosa, 2012, p. 28). Em 2060 o número de pessoas com 65 e mais anos poderá ser quase o triplo do número de jovens (Rosa, 2012).

O fenómeno da exclusão digital baseada na idade, em Portugal, não pode ser dissociado das baixas taxas de escolaridade características das gerações mais velhas. Em 2012 (PORDATA), 33,4% da população com 65 e mais anos não tinha qualquer nível de escolaridade completo, e 46,7 por cento da população dentro desta faixa etária tinha apenas o 1º ciclo de escolaridade. Logo, 80,1% da população com 65 anos ou mais tinha apenas o primeiro ciclo ou menos escolaridade.

Apesar da população sénior ser o grupo com maiores taxas de exclusão digital, o uso das tecnologias de informação e comunicação em Portugal pela população sénior está a aumentar (Neves & Amaro, 2012). Por isso é importante perceber os tipos de uso, as potenciais limitações e os benefícios que os mais velhos conseguem tirar da utilização da Internet. Dias (2012, p. 74), num estudo sobre as motivações e interesses dos seniores pelas tecnologias digitais, concluí que “subjacentes ao uso das tecnologias digitais por parte dos seniores da nossa amostra encontram-se funções de actualização pessoal e profissional, de comunicação, informação e conhecimento, de pesquisa de serviços de lazer e entretenimento e de convívio com familiares e amigos. Tais tecnologias são, portanto, um meio de inclusão sociodigital.”.

O Facebook e o passado: memórias e reencontros

Um dos fenómenos mais interessantes que podemos analisar dos testemunhos empíricos que recolhemos é o tipo de utilização que os seniores entrevistados fazem do Facebook. Nomeadamente na relação que os mais velhos estabelecem através do Facebook com o passado. Especialmente o seu passado, a vida vivida, a sua história e percurso individual, mas também a memória de locais onde cresceram, suas tradições e pessoas. Apesar de também utilizarem esta rede social para irem acompanhando os eventos mais marcantes das vidas dos familiares e amigos mais próximos, e terem uma relação mais constante com estes, os nossos entrevistados mostram maior entusiasmo no uso do Facebook como uma ferramenta de reencontro com pessoas e troca de memórias do passado. Todos os entrevistados reencontraram nesta rede social pessoas com quem tinham perdido o contacto. Na maioria dos casos os nossos entrevistados reataram laços e contactos regulares com amigos ou familiares que não viam há muitos anos e esses contactos não se ficaram pelo mundo digital, tendo motivado também reencontros pessoais, em alguns casos regulares.

Histórias de emigração, de migrações e do abandono das antigas colónias, estão na origem da perda de contactos entre amigos, como é o caso do seguinte testemunho.

Quando eu saí de Moçambique, o grupo e as colegas, separámo-nos todos. E quando aderi ao Facebook comecei a ver os nomes do tempo do Liceu, então comecei a entrar em contacto com as pessoas, a saber se eram aquelas que eu pensava. E hoje, esses quase 30 amigos, contactei-os ao longo deste cinco ou seis anos e começou a haver convívio entre nós. (…) Já não os via há 20 ou 30 anos. (Perine).

Mesmo quando a questão não passa pelo afastamento físico proporcionado por migrações, através do Facebook os nossos entrevistados acabaram por reencontrar pessoas e estabelecer redes que os motivaram a reatar laços fora do mundo digital com quem por diversas razões tinham perdido o contacto.

Encontrei um amigo que não procurava e que desapareceu. Foi um amigo de infância, a gente dava-se bastante bem e até tivemos dificuldade em nos reconhecermos. Ainda nos encontrámos pessoalmente, o que ainda valeu um par de lágrimas. E foi através do Facebook. E agora contactamos regularmente, através do Facebook. (…) Era um indivíduo que eu não via há mais de 40 anos. (Manuel).

Outros testemunhos mostram que o Facebook também serve de plataforma agregadora de memórias do passado, através da criação de páginas ligadas à terra natal que se abandonou, da partilha de histórias, fotografias, músicas, etc.

O Facebook foi por causa de um amigo, muito querido, que morreu e que era um excelente músico. (…) E os amigos juntaram interpretações dele, músicas, um bocadinho da vida dele, no tal Facebook. (…) E quis acompanhar e ver o que se tinha feito. E também dar o meu contributo. Depois pronto, achei giro começar a encontrar amigos.(…) Tenho muitos amigos, muitos que já não vejo há muitos anos, e que agora curiosamente aparecem no Facebook. (Manuel).

Criei o grupo no Facebook, Almaceda, que era a terra dos meus pais, e vamos pondo fotografias de Almaceda. A minha ideia era utilizar o grupo para o conhecimento das histórias antigas, que ficassem ali compactadas. Mas as pessoas às vezes acabam por só falar no Benfica. (Maria).

O seguinte testemunho aponta esse reviver o passado, o contacto com as pessoas e com as memórias de outros tempos como a única coisa que encontra de relevante no Facebook:

No Facebook o que mais gosto é o tal reaparecer de amigos de longa data. (...) Às vezes o que tem mais interesse é aqueles amigos da minha infância, da minha terra, esses sim. Esses inclusivamente, aquilo espremido não dá nada é só o facto de a gente estar em permanência a ver pessoas que em circunstâncias normais eu via de mês a mês, às vezes passava anos sem ver. E de facto há ali uma proximidade. (Manuel).

Sentimento de solidão e necessidade de pertença: motivações para o uso

A vontade de pertencer, de poder participar nas conversas, de entender o que a família, amigos ou a comunicação social fala são alguns dos motivos para o interesse em aprender a utilizar a Internet e o Facebook, como aconteceu no caso do seguinte testemunho.

A partir de uma certa altura eu achei que tinha de saber qualquer coisa de computadores. Porque achei que os sobrinhos, os filhos, quando se juntavam, falavam de coisas que eu não entendia. E não podia participar nas conversas, nas reuniões de família. (...) Agora quando há reuniões de família a gente participa na conversa. E entendo perfeitamente do que é que eles estão a falar. Há coisas que eu não sei, mas estou atenta e no dia seguinte lá vou eu ver se é aquilo que eu pensei, e é. (Perine).

A solidão e a necessidade de preencher tempo livre são também apontadas como principais motivações para começar a usar ou continuar a utilização da Internet.

(Se tivesse de deixar de usar a Internet) depois o que é que eu ia fazer para estar entretido? Porque aquilo hoje em dia já funciona um bocado como escape. Embora esteja reformado e tenha muitas coisas que me ocupam tempo, mesmo assim todos os dias tenho de ir ao computador e ver, e jogar um bocadinho. (Paulo).

Maria e Perine recorreram a aulas de informática para seniores para adquirirem competências para começar a utilizar a Internet e o computador.

O fascínio pela facilidade de acesso à informação

A facilidade de acesso à informação através da Internet parece ser o que mais fascina os entrevistados na Internet, não tanto em termos do uso que fazem actualmente da ferramenta, mas em termos da potencialidade de acesso à informação que lhe está inerente. Quando interrogados sobre o que teria sido diferente se tivesse existido Internet durante todas as suas vidas, o acesso à informação e ao conhecimento é o mais destacado, embora nem sempre apontem o acesso à informação como uma das actividades actualmente mais relevantes para eles na Internet. Acreditam, no entanto, que é a potencialidade de que mais teriam tirado partido e que mais teria mudado as suas vidas se existisse quando eram mais jovens.

Às vezes quero aprender, mas já não tenho paciência. Se tivesse começado a usar antes acho que tinha feito muito mais coisas. Aqui a curiosidade não é querer aprender. Aqui a curiosidade são coisas banais. (Perine).

A informação, às vezes havia palavras simples que eu queria ir consultar ao dicionário, agora vou mais facilmente à Internet. Eu sempre gostei de conhecer, tenho uma veia de autodidata. E a Internet facilitou muito. Isso parece-me que é muito importante, essa mudança. O acesso rápido ao conhecimento. (Manuel).

Deixei de usar dicionários, deixei de usar muitos livros de pesquisa. Porque ali há tudo e mais alguma coisa. (Maria).

Os temas mais comuns de pesquisa de informação na Internet dos entrevistados são geralmente relacionadas com saúde, informações para o dia-a-dia e curiosidades.

Uso mais em termos de pesquisa de conhecimento, dos mais variados assuntos, desde a saúde à escrita, enfim, à arte. Pouco mais do que isso faço. (Manuel).

O meu marido morreu de cancro no rim. Então eu vou saber o que é, os sintomas. Ligadas à saúde muito. E curiosidades. Às vezes eu leio uma palavra - a gente agora já não fixa tudo - então lá vou eu. Há um país - eu gosto muito de geografia - quero saber a produção, o que é que faz o que é que não faz. (Perine).

Em geral os testemunhos recolhidos mostram um reconhecimento dos benefícios da Internet nas suas vidas. Dizem ir todos os dias à Internet e a maioria admite que se tivesse de deixar de utilizar a Internet sentiria muita falta, principalmente em relação à companhia que conseguem online e do tempo que não teriam preenchido ou não saberiam como preencher sem a utilização da Internet.

Relações intergeracionais

Para os seniores com quem conversámos, a utilização da Internet e do Facebook é um fomento das relações intergeracionais. Não só porque estão mais preparados para conseguir descodificar e participar nas conversas dos mais novos, mas também porque a ajuda na aprendizagem e na utilização da Internet é feita normalmente por familiares, amigos, colegas mais jovens ou membros da comunidade social em que se inserem.

Há mais convívio familiar, entre os jovens e pessoas da nossa idade. Porque nós, na nossa família somos à volta de 60, 70 pessoas, e de vez em quando juntamo-nos. A minha geração agora neste momento é a mais velha. Então nós conversamos todos, e às vezes podemos não participar na conversa, mas a gente entende aquilo que eles estão a falar (agora que são utilizadores da Internet). E de vez em quando dizemos qualquer coisa, mas então afinal o que é que é isto, e eles lá nos explicam e ficam muito felizes porque a gente percebe. (Perine).

O meu irmão e o meu filho também vão ao Facebook, portanto há muitas coisas que eu publico e depois eles comentam, as mais variadas coisas, inclusivamente os nossos amigos políticos. (Paulo).

Por vezes os filhos não são os familiares mais próximos que apresentam maior disponibilidade para ajudar os pais na utilização da Internet.

Quando tenho dúvidas pergunto a um amigo, aposentou-se há mais tempo do que eu. A minha filha também, mas enfim tem uma vida extremamente ocupada, não tem tempo para isso. (Manuel).

Quando eu quero saber alguma coisa, peço ao meu filho. Mas o meu filho é como muitos filhos, ele em vez de me explicar vai ao computador e faz. Já está: “Mas pá, não é isso que eu quero, eu quero é que tu me expliques. (Paulo).

O interesse pelos conteúdos

Os entrevistados mostraram-se satisfeitos com o uso que fazem da Internet e do Facebook. E a maioria bastante motivados em relação a estas ferramentas. No entanto, podemos perceber pelos testemunhos que recolhemos que este uso é bastante específico ou limitado geralmente às questões do passado e das memórias e que os entrevistados têm alguma rejeição em relação à utilização que é feita em geral da Internet e do Facebook. Parece-nos que as pessoas mais velhas não gostam do carácter aberto, de exposição da vida privada, da falta de privacidade da rede social. Parecem também não se identificar com grande parte dos conteúdos que vêem publicados. Realçam sobretudo comentários desadequados e partilha de informações irrelevantes e corriqueiras.

Aquilo que me incomoda não faço, ou não vou. Não há nada que me incomode. Irrita-me, por exemplo, as pessoas irem para o Facebook dizer: “agora vou fazer xixi, até já”. Esse tipo de informação não tenho pachorra. (Maria).

No Facebook não gosto de ver publicadas algumas coisas, que eu compreendo que muitas vezes é no sentido de ajudar. Mas aquelas coisas das crianças com cancro... Embora aceite e compreenda que é um bom veículo de transmissão. Não gosto como entra na esfera muito pessoal das pessoas. (Paulo).

Eu vou pouco ao Facebook porque não há muita privacidade, prefiro, por exemplo o Messenger, ou então Skype. Porque às vezes há comentários um pouco desagradáveis, não gosto. (Perine).

Neste momento contam-se 164 amigos que eu entretanto arranjei e são dois ou três que transmitem para ali (Facebook) aspectos interessantes e trazem questões, ou informações ou dicas interessantes, o resto sinceramente é muito pobre. (...) Mas como lhe digo é mais pelo facto de ter ali pessoas que foram próximas, que estão afastadas há anos e que a gente ali, no momento, contacta, nem que seja pela fotografia. O resto dos conteúdos, sinceramente… (Manuel).

Segurança e confiança

Em relação ao sentimento de segurança ao utilizar a Internet e o Facebook, os entrevistados, mostram à partida que não se sentem inseguros e que não têm cuidados especiais ao utilizar a Internet. No entanto, a maioria deles não faz utilizações que impliquem um maior factor de risco/confiança, como fazer compras ou, por exemplo, aceder à sua conta no banco.

Tudo o que peça contas bancárias e dinheiro (online) não faço. Não confio muito, não confio nada. (Manuel).

Eu nunca iria fazer uma transferência bancária na Internet, nunca faria compras na Internet. Porque a gente ouve e vê no noticiário as coisas que acontecem. (Perine).

Apenas uma entrevistada diz utilizar os serviços de banco online. Teve formação para o fazer e tem indicações do formador de como proceder e que cuidados ter.

Eu faço pagamentos através da Internet. Não tenho receio, tenho um professor de multimédia que diz para não ter. Normalmente tenho cuidado, se vou ao banco, não demorar muito tempo no site. (Maria).

Ainda assim, sem utilizarem as potencialidades da Internet a estes níveis, os entrevistados estão satisfeitos com a utilização que fazem da Internet, e não sentem necessidade de aprender mais, de fazer outro tipo de utilizações. Parecem sentir-se orgulhosos com a utilização que já fazem, e parece que em geral, as pessoas não esperam deles uma utilização mais avançada.

Aquilo que eu sei fazer acho que me chega muito bem. (Paulo).

Há muita coisa que eu não sei. Mas também nesta altura, não me estou a esforçar para saber. Acho que é suficiente o que eu sei. (Perine).

Ainda que negando um sentimento de insegurança na utilização da Internet, os testemunhos mostram uma utilização muito cuidadosa, mesmo em relação às informações que expõem ou comentários que fazem nas redes sociais.

No Facebook tenho muito cuidado, quando os meus amigos me mandam coisas faço um comentário assim alegre, não respondo, depois se quiser falar com eles falo no Messenger ou no Skype. Assim dizer coisas à vontade no Facebook eu não digo. (Perine).

(No Facebook) meto-me sempre com as mesmas pessoas. Embora seja uma coisa aberta acaba por ser um circuito fechado. Eu sou muito cuidadoso com isso. (Paulo).

Entretenimento, hobbies

Para além do uso para procura de informação e como forma de comunicação, dois dos nossos entrevistados também utilizam o computador para entretenimento e como extensão dos seus hobbies.

Eu passo muito tempo no computador, mas basicamente estou viciado num jogo chamado Cityville. (Paulo).

Na Internet, sou uma louca por fotografias. No Facebook tenho muitos álbuns de fotografias, cada um com a sua faceta. A família, os amigos, os meus gatos, partilho escritos e aquelas imagens com que me identifico. (Maria).

No entanto, outro testemunho, apesar de utilizar a Internet, diz que esta actividade não se encontra entre os seus hobbies.

Eu gosto muito de ler, tenho mais prazer na leitura do que na televisão e no computador. (Manuel).

E até, que se tivesse de deixar de usar a Internet ou o Facebook, não iria sentir falta.

Não me causaria assim grande transtorno. Eu gosto muito de ler, leio tudo. E gosto muito de conversar, no mínimo por telefone. (Manuel).

Alguns seniores conseguiram desdobrar os seus hobbies, como a fotografia, para o computador e a Internet, outros encontraram novas formas de entretenimento, de passar o tempo, como os jogos online. No entanto, outros testemunhos, apesar de usarem a Internet e de encontrarem alguns pontos de interesse na ferramenta, continuam a manter os seus hobbies fora do mundo online e mostram preferir outras actividades.

 

Conclusão

Devido à centralidade da Internet nas sociedades actuais, a exclusão digital é cada vez mais sinónimo de exclusão social.

Em Portugal, quando tentamos perceber a exclusão digital da população sénior, não podemos deixar de ter em conta o baixo nível de escolaridade que estas faixas etárias apresentam. A literacia parece ser, dentro das várias variáveis sócio-demográficas influentes, a que tem maior interferência na capacidade de utilização do computador e da Internet nestes grupos etários. No entanto, estudos anteriores (Dias, 2012; Morris et al., 2007; Selwyn et al, 2003) mostraram-nos que uma das razões frequentemente apontadas pelos mais velhos para a não utilização da Internet e do Facebook é a falta de interesse. É por isso que nos propusemos estudar a temática do ponto de vista dos idosos, analisando o que motiva, o que mais interessa e que tipos de utilização fazem os seniores da Internet, em geral, e em particular da rede social online mais abrangente, o Facebook.

O estudo exploratório que desenvolvemos levantou algumas pistas que consideramos serem importantes para enquadrar investigações mais aprofundadas no futuro. Uma delas é aquilo que pode ser o maior foco de interesse da população sénior na Internet: o acesso a relações pessoais, contactos e às suas memórias. “People on the net are not only looking for information; they are also looking for affiliation, support, and affirmation.” (Ito et al., 2001, p. 2). São aliás factores como a solidão, a necessidade de ocupar tempo e a necessidade de compreender aquilo de que outros falam, de modo a poder participar nas conversas, integrar-se nas suas comunidades, os mais apontados no nosso estudo como motivações para começar ou continuar a usar a Internet e o Facebook.

Uma das mais interessantes pistas que obtivemos é a relação que os mais velhos estabelecem, através da Internet, com o passado e com as suas memórias pessoais, e da importância que esta relação tem nas suas vidas. O Facebook parece poder assumir, para estes utilizadores mais velhos, um papel possibilitador de reencontros e de reatar de laços pessoais e contactos perdidos há muitos anos.

No entanto, além desta relação com o passado, os mais velhos poderão estar desconfortáveis com o caracter público do Facebook e parecem muito cuidadosos e minimalistas na sua utilização. A rede social parece servir de agregador de contactos que depois se continuam de forma mais privada, quer online quer offline. Erikson (2011, p. 5) já tinha realçado esta característica na utilização dos mais velhos do Facebook: “While Facebook did provide connections to love ones, it was not the forum for significant interaction”.

O limitado conhecimento que os idosos apresentam da tecnologia também pode estar na origem do uso cuidadoso e minimalista do Facebook (Erikson, 2011). No entanto, num contexto em que a confiança é cada vez mais produzida pelos indivíduos do que garantida institucionalmente (Giddens, 1991) parece-nos que os idosos poderão confiar tanto mais na rede social online quanto maior número de pessoas confiam e participam nela, e quanto mais as pessoas em quem confiam participam nela. Sendo assim, o que é valorizado é a confiança conquistada e sustentada pela “ordinariedade da vida de todo o dia e pelas consistências da linguagem e da experiência”. (Silverstone, 1999).

Os mais velhos poderão também ter uma certa atitude de precaução quando à natureza pública no Facebook e algum desinteresse por parte dos conteúdos que são publicados na rede social online. A comprovar-se, vários factores poderão explicar este fenómeno: devido ao seu caracter aberto, é possível que a Internet tenha sido moldada quer tecnologicamente, quer em termos de conteúdos pelos seus primeiros utilizadores (Castells, 2001). Sendo os idosos em geral utilizadores muito tardios da Internet, e estarem geralmente mais no lado da recepção do que no lado da criação de conteúdos e tecnologia, podem estar sujeitos a uma menor identificação e consequente desinteresse pelos conteúdos ou mesmo pelas características da tecnologia. As tecnologias ao mesmo tempo que moldam a sociedade são moldadas por ela (Silverstone et al., 1992). No entanto, os mais velhos parecem apresentar uma maior dificuldade em apropriar-se e converter o sentido, em domesticar a tecnologia (Silverston et al., 1992), não conseguido com facilidade adaptá-la ao seu dia-a-dia, aos seus hábitos e interesses mais específicos.

A questão geracional também parece ter influência no fenómeno, uma vez que a pertença a uma determinada geração tende a condicionar a identidade e funciona com uma espécie de subcultura em relação aos tipos de consumo dos media, na construção de quadros comuns de interpretação de textos mediáticos e na predisposição para processos de domesticação das tecnologias na comunicação (Arnoldi, & Colombo, 2007). Não perdendo de vista a ideia de que os idosos, ou qualquer outra faixa etária, não são um grupo homogéneo e não podem ser estudados como tal (Loos, 2012), as gerações mais velhas parecem partilhar alguns valores, ideais, gostos, sensibilidades e preferências (Arnoldi, 2011) que não são partilhados e não se reflectem na utilização da Internet e em especial do Facebook por outras gerações.

Poderá também haver, por parte dos idosos que utilizam a Internet e independentemente do nível de capacidade de utilização que demostram, uma certa satisfação pelo facto de já utilizarem a Internet e a falta de vontade ou necessidade de saber mais e fazer uma utilização mais proficiente. Esta situação parece-nos castrar a possibilidade de adquirir novas aprendizagens e de alcançar novos benefícios através da utilização da Internet. Na origem desta atitude podem estar os discursos negativos que a sociedade produziu e continua a produzir sobre os idosos, sublinhando as situações de iliteracia científica e tecnológica a par de situações de pobreza, isolamento, doença e dependência (Dias, 2012; Mauritti, 2004). Estes discursos reproduzem na sociedade a aceitação generalizada de que os idosos não querem ou não conseguem utilizar o computador e a Internet.

É através do acesso ao ensino direccionado aos mais velhos que alguns idosos do nosso estudo dizem iniciar a sua aprendizagem e utilização do computador e da Internet, revelando que estas formações poderão desempenhar um papel importante neste processo.

Apesar de as relações intergeracionais serem motivação para o uso e saírem fortalecidas com a utilização da Internet pelos mais velhos (Selwyn et al, 2003), a verdade é que se levanta a questão de muitas vezes os filhos poderem não ter tempo ou capacidade para ensinar os mais velhos a usar esta tecnologia. Logo, apesar de recorrerem aos familiares próximos, como os filhos, para esclarecer algumas dúvidas, alguns seniores do nosso estudo optaram por participar em formações que lhes são especialmente dirigidas para adquirirem as competências digitais.

Mas a capacidade de utilizar as novas tecnologias de informação e comunicação necessita de uma actualização constante. Ela não está centrada apenas no utilizador, depende também do meio, da tecnologia que se utiliza (Livingstone, 2004). Logo, as condições de acesso evoluem e alteram-se constantemente. É por isso que faz sentido repensar o ensino das novas tecnologias de informação e comunicação. Um maior nível básico de competências tecnológicas pode permitir adquirir capacidade de adaptação e de auto-aprendizagem ao longo da vida (Shelley et al, 2004). Nesse sentido surge a par como o conceito de literacia digital a ideia de “fluência digital”.

Para além das questões já referidas, as limitações biológicas inerentes à idade não podem ser esquecidas como um factor de condicionamento à utilização do computador e da Internet pela população sénior. Para além de problemas mais específicos é comum verificar-se, nas faixas etárias mais velhas, o declínio de funções visuais, auditivas, motoras e cognitivas (Loos, 2012) que devem ser tidas em conta nos momentos de concepção e design da tecnologia. São necessárias políticas que promovam um “design para a diversidade” (Loos, 2012) que tenha também em mente os idosos.

Uma das questões que podemos ver colocadas quando analisamos a dimensão da problemática da exclusão digital da população sénior é se o problema não ficará resolvido com a natural passagem do tempo e o desaparecimento daquelas que são hoje as gerações mais velhas. Em resposta a esta questão parece-nos, em primeiro lugar, que a exclusão digital e as suas consequências são já bastante reais e penalizadoras para a população mais velha. Em segundo lugar, a esperança média de vida é cada vez maior de modo que a nossa sociedade ainda se confrontará com estas gerações e com este problema durante vários anos (Loos, 2012). Em terceiro lugar, parece-nos claro que os media e a tecnologia estão em constante evolução (Loos, 2012). Por vezes de formas imprevisíveis. “Today’s new media will be obsolete by tomorrow” (Loos, 2012) o que poderá colocar problemas às populações mais velhas futuras que não podemos prever. Logo, com a população mais velha a tornar-se uma proporção cada vez maior da sociedade, e com a necessidade de repensar o papel dos idosos nesta sociedade, a problemática da integração digital da população sénior parece-nos de importância dos dias de hoje e no futuro próximo.

Este estudo exploratório permite identificar aquelas que poderão ser algumas das principais questões para estudos mais aprofundados da relação dos mais velhos com a Internet e o Facebook em Portugal, estudos esses que serão de grande utilidade para a concepção e implementação de políticas para a integração digital dos mais velhos.

Mais do que adaptar os mais velhos à Internet, parece-nos que a aposta deveria passar por apoiar os mais velhos a domesticarem a tecnologia. Para isso, um maior conhecimento e mais estudos são necessários sobre o tema, do ponto de vista dos idosos.

Parece-nos especialmente pertinente analisar as utilizações da Internet dos mais velhos do ponto de vista das gerações, tentando definir que gerações estão envolvidas e compreender de que modo as características geracionais influem no uso ou recusa da utilização desta tecnologia.

Igualmente interessante seria estudar de que modo os percursos de vida - além das variáveis sócio-demograficas, questões de interesse e limitações biológicas - influem no processo de utilização ou não utilização, interesse e capacidade ou falta de capacidade de domesticar a tecnologia.

Revela-se essencial aumentar o ainda residual conhecimento sobre os usos dos seniores da Internet ou as razões para a sua não utilização – do ponto de vista de quem está a passar por essa fase da vida - de modo a poder construir mecanismos e políticas para a sua integração digital direccionadas e eficazes.

 

Referências bibliográficas

Alonso, A. (2010). A introdução da interseccionalidade em Portugal: Repensar as políticas de igualdade(s). Revista Crítica de Ciências Sociais, (90), 25-43.         [ Links ]

Arnoldi, P. (2011) Generational belonging Between Media Audiences and ICT Users. In F. Colombo & L. Fortunati (eds.) Participation in Broadband Society (pp.51-68). Volume 5, Frankfurt: Deutsche Nationalbibliothek.

Arnoldi, P., & Colombo, F. (2007) Generational belonging and mediascape in Euope. JSSE, 1, 34-44.         [ Links ]

Ávila, P. (2008) Os contextos da literacia: percursos de vida, aprendizagem e competências-chave dos adultos pouco escolarizado. Sociologia. Vol. XVII/XVIII, 307-337. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5521.pdf        [ Links ]

Beck, U. (1992) Risk Society. Towards a New Modernity, London: Sage.         [ Links ]                          

Cardoso, G., da Costa, A. F., Conceição, C. P., & Gomes, M. C. (2005) A Sociedade em Rede em Portugal, Porto: Campo das Letras.         [ Links ]

Castells, M. (2001) A galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, negócios e sociedade, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.         [ Links ]

Castells, M. (2004) A Internet e a Sociedade em Rede. In J. P. Oliveira, G. Cardoso, & J. J. Barreiros (Eds.), Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação (pp. 205-225). Lisboa: Quimera.         [ Links ]

Castells, M. (2009) Communication Power. Oxford University Press.         [ Links ]

Dias, I. (2012) O uso das tecnologias digitais entre os seniores. Motivações e interesses. Sociologia, Problemas e Práticas, nº68, 51-77.

Disponível em: http://www.obercom.pt/client/?newsId=548&fileName=internet_portugal_2014.pdf

Erickson, L. B. (2011) Social media, social capital, and seniors: The impact of Facebook on bonding and bridging social capital of individuals over 65. AMCIS Proceedings – All Submissions. Paper 85.

Espanha, R. (2009) Saúde e Comunicação numa Sociedade em Rede – o caso Português. Lisboa: Monitor.

Fuchs, C. (2008) Internet and Society. Social Theory in the Information Age. New York: Routledge.         [ Links ]

Giddens, A. (1991) Modernidade e Identidade Social, Oeiras: Celta.         [ Links ]

Hagberg, J.E. (2012) Being the Oldest Old in a Shifting Technology Landscape. In E. Loos, L. Haddon & E. Mante-Meijer (Eds.), Generational use of new media (pp.89-106). Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.         [ Links ].

Himanen, P. (2001) The Hacker Ethic and the Spirit of the Information Age. London: Vintage.         [ Links ]

INE (2012) Censos 2011. Resultados Definitivos. Lisboa: INE        [ Links ]

INE (2014) Sociedade da Informação e do Conhecimento. Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias. Lisboa: INE.         [ Links ]

Ito, M., O'Day, V. L., Adler, A., Linde, C., & Mynatt, E. D. (2001) Making a place for seniors on the net: SeniorNet, senior identity, and the digital divide. ACM SIGCAS Computer and Society, 21 (3), 15-21.         [ Links ]

Lee, Y. S., Smith-Jackson, T. L., & Kwon, G. H. (2009) Domestication of Technology Theory: Conceptual Framework of User Experience. CHI. 978-1-60558-247.

Livingstone, S. (2003) The changing nature and uses of media literacy. Media@LSE.

Livingstone, S. (2004) What is media literacy?. Intermedia 32(3), 18-20.         [ Links ]

Loos, E. (2012) Senior citizens: Digital immigrants in their own country?. Observatorio (OBS*), vol.6 – nº1, 001-023.

Loos, E., Haddon, L., & Mante-Meijer, E. (2012). Generational use of new media. Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.         [ Links ].

Lugano, G., & Peltonen, P. (2012) Building Intergerational Bridges Between Digital Natives and Digital Immigrants: Attitudes, Motivations and Appreciation for Old and New Media. In E. Loos, L. Haddon & E. Mante-Meijer (Eds.), Generational use of new media (pp.151-170). Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.         [ Links ].

Mauritti, R. (2004), Padrões de vida na velhice. Análise Social, vol.XXXIX (171), 339-363.         [ Links ]

Morris, A., Goodman, J., & Branding, H. (2007) Internet use and non-use: views of older users. Univ Access Inf Soc, 6:43-57, 43-56.         [ Links ]

Neves, B. B., & Amaro, F. (2012) Too old for technology? How the elderly of Lisbon use and perceive ICT. The Journal of Community Informatics, Vol. 8, Nº 1, 1-12.         [ Links ]

Neves, B. B., Amaro, F., & Fonseca, J. R. S. (2013) Coming of (Old) Age in Digital Age: ICT Usage and Non-Usage Among Older Adults. Sociological Research Online, 18 (2) 6, 1-14.         [ Links ]

Norris, P. (2001) Digital divide: Civic engagement, information poverty, and the Internet worldwide. New York: Cambridge University Press.         [ Links ]

OBERCOM (2014). A Internet em Portugal. Sociedade em Rede 2014. Obercom.         [ Links ]

Phoenix, A., & Pattynama, P. (2006). Intersectionality. European Journal of Women's Studies, 13(3), 187-192.         [ Links ]

PORDATA (2012) População residente com 15 a 64 anos e 65 e mais anos: por nível de escolaridade completo mais elevado (%) (Acedido a 18 de Junho de 2013).

Powell, J. (2008) Aging and Social Welfare: The Case of Trust and Risk. Sincronia. Fall 2008.

Roberto, M. S., Fidalgo, A., & Buckingham, D. (2015). De que falamos quando falamos de infoexclusão e literacia digital? Perspetivas dos nativos digitais. Observatorio (OBS*), 9(1).         [ Links ]

Rosa, M. J. V. (2012) O Envelhecimento da Sociedade Portuguesa, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.         [ Links ]

Selwyn, N., Gorard, S., & Furlong, J. (2003) The information aged: Older adult’ use of information and communications technology in everyday life. School of Social Sciences, Cardiff University, Wales, Working paper series, paper 36.

Shelley, M., Thrane, L., Shulman, S., Lang, E., Beisser, S., Larson, T., & Mutiti, J. (2004). Digital Citizenship Parameters of the Digital Divide. Social Science Computer Review, 22(2), 256-269.         [ Links ]

Silverstone, R., Hirsch, E., & Morley, D. (1992) Information and Communication Technologies and the Moral Economy of the Household. In R. Silverstone & E. Hirsch (Eds.), Consuming Technologies: Media and Information in Domestic Spaces, London: Routledge.         [ Links ]

Silvertone, R. (1999) Por que estudar a mídia?, São Paulo: Edições Loyola.         [ Links ]

Van Deursen, A. (2012) Age and Internet Skills: Rethinking the Obvious. In E. Loos, L. Haddon & E. Mante-Meijer (Eds.), Generational use of new media (pp.171-184) Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.         [ Links ].

Van Dijk, J. (1999) The Network Society, London: Sage.         [ Links ]

Van Dijk, J., & Hacker, K. (2003) The digital divide as a complex and dynamic phenomenon. The information Society, 19(4), 315-326.         [ Links ]

Warschauer, M. (2004) Technology and Social Inclusion. Rethinking the Digital Divide, Massachusetts: The MIT Press.         [ Links ]

Wellman, B. & Hogan, B (2004) The Internet in Everyday Life. In W. S. Bainbridge (ed.) The Berkshire Encyclopedia of Human Computer Interaction (pp. 389-397). Great Barrington, MA: Berkshire Publishing.

Wilson E. J. (2004) The information revolution and developing Countries, Cambridge: The MIT Press.         [ Links ]

Winker, G., & Degele, N. (2011). Intersectionality as multi-level analysis: Dealing with social inequality. European Journal of Women's Studies, 18(1), 51-66.         [ Links ]

Witte, J. C, & Mannon, S. E. (2010) The Internet and Social Inequalities, New York: Routledge.         [ Links ]

 

Date of submission: April 9, 2014

Date of acceptance: June 22, 2015

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons