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Observatorio (OBS*)

versión On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.9 no.2 Lisboa jun. 2015

 

Margens de silêncio nas notícias de saúde: o caso dos enfermeiros

Silent margins in health news: looking at the nurses case

 

Rita Araújo*, Felisbela Lopes**

*Investigadora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho. Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. (rita.manso.araujo@gmail.com)

**Professora associada com agregação no Departamento de Ciências da Comunicação/ Investigadora no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho. Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. (felisbela@ics.uminho.pt)

 

RESUMO

Enquanto construção social da realidade, as notícias reproduzem estruturas de poder e promovem zonas de visibilidade e de sombra. Quisemos, neste trabalho, situar a (in)visibilidade dos enfermeiros no espaço público mediático que a imprensa portuguesa estrutura na mediatização que faz do campo da saúde. Para isso, analisámos quase 7000 notícias de saúde publicadas entre 2012 e 2013 em seis jornais nacionais, sobressaindo das nossas conclusões o facto de os enfermeiros raramente se constituírem como fonte de saúde. Contrariamente, os médicos são os especialistas mais procurados, sendo que as escolhas dos jornalistas não refletem a realidade nacional – onde o grupo dos enfermeiros é bastante maior do que o dos médicos.

Palavras-chave: Comunicação; Jornalismo; Saúde; Enfermeiros; Construção Social

 

ABSTRACT

Being a social construction of reality, news reproduce power structures and promote both visibility and shadow areas. In this study, we proposed to look into the nurses’ (in)visibility within the media public space promoted by the Portuguese press in their health news. Hence, we analyzed almost 7000 health news published in 2012 and 2013 in six National newspapers. We noticed that nurses rarely become health news sources, while doctors are the most wanted specialists. Journalists’ choices do not reflect the country’s reality, since nurses are a bigger professional group than doctors.

Keywords: Communication; Journalism; Health; Nurses; Social Construction

 

Introdução

Uma análise extensiva das notícias de saúde publicadas durante os anos de 2012 e 2013 nos jornais diários Público, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Correio da Manhã, e nos semanários Expresso e Sol revela que os enfermeiros representam menos de 2% das fontes de informação. Comparativamente, os médicos representam 15% das fontes de informação de saúde citadas. O grupo profissional dos enfermeiros não tem, assim, grande representatividade nas notícias de saúde publicadas nos jornais nacionais. Os enfermeiros são atirados para as margens de silêncio, sendo que raras vezes se constituem como fonte de informação na saúde.

Enquanto construção social da realidade, as notícias reproduzem estruturas de poder e marcam as agendas pública e política. As escolhas dos jornalistas, não sendo aleatórias, estabelecem zonas de visibilidade e, por conseguinte, de obscuridade. As representações mediáticas dos enfermeiros são, assim, uma reprodução da realidade social e das diferenças de poder existentes entre profissões ligadas à saúde. No entanto, uma rápida análise dos dados dos últimos Censos à população portuguesa, em 2011, permite-nos perceber que o número de enfermeiros a exercer (mais de 65 mil) é bastante superior ao número de médicos (cerca de 43 mil), ou seja, as fontes citadas não refletem a realidade social existente.

A saúde é uma área transversal à sociedade, afetando todos os cidadãos de forma direta ou indireta. Assim, consideramos que o estudo da cobertura noticiosa da saúde reveste-se de extrema importância, nomeadamente para pensar as relações que se estabelecem entre jornalistas e fontes – e que contribuem para perceber quem é chamado a falar sobre saúde e que tipo de temas se torna notícia. No entanto, é igualmente importante olhar para o silêncio gerado pelos media e para aqueles que raramente se tornam notícia.

 

Enquadramento teórico

Jornalismo na saúde e fontes de informação

Num relatório de aula que intitulámos “As Fontes de Informação: os constrangimentos e os campos de autonomia dos jornalistas”, feito no âmbito das provas de aptidão pedagógica e capacidade científica, procurámos a definição de fonte no respetivo étimo latino, descobrindo que deste vocábulo emergem significados como os de um lugar onde nasce perenemente água ou de algo onde tudo começa. Também buscámos aqui a herança mitológica que o conceito encerra, sublinhando que Fonte é o deus das nascentes, parecendo assegurar, deste modo, uma realidade cristalina em tudo o que se abriga sob esta raiz etimológica. Puro equívoco, percecionado de imediato quando se percorre a árvore genealógica da mitologia. Fonte é filho de Jano, o deus das portas e das passagens, representado simbolicamente com dois rostos que vigiam a entrada e a saída, cujo templo se encontrava encerrado em tempo de paz e aberto em tempo de guerra. Afinal, aquilo que parecia correr sem entraves, a água que se imaginava passar livremente da fonte para qualquer destinatário, tem subjacente a si comportas que podem neutralizar o seu normal fluir. Assim acontece com as fontes de informação - neste texto consideramos fonte de informação como sinónimo de fonte jornalística -, uma instância incontornável do processo informativo que impõe quotidianamente aos jornalistas renovados obstáculos (Lopes, 1998).

Percorrendo a literatura do campo do jornalismo, multiplicam-se as definições de fonte de informação. Autor de um importante estudo publicado no livro Deciding what’s news: a study of CBS evening news, NBC nightly news, Newsweek and Time, que transportou os estudos sobre o relacionamento entre fontes e jornalistas para terrenos empíricos, Herbert Gans (1979: 80) define assim as fontes de informação:

Atores que os jornalistas observam ou entrevistam, incluindo entrevistados que aparecem na televisão ou são citados em artigos de revistas, e aqueles que apenas fornecem informação de base ou sugestões de histórias. Para o meu objetivo, contudo, a caraterística mais saliente das fontes é o facto de estas proporcionarem informação enquanto membros ou representantes de grupos de interesse organizados ou de setores ainda mais amplos da nação e da sociedade.”

No caso da saúde, falamos de um campo que se preenche sobretudo com fontes especializadas (médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, nutricionistas, investigadores em ciências médicas...), cujo discurso nem sempre é fácil de descodificar. Há diversos trabalhos que salientam a importância das competências técnicas destas fontes: McAllister (1992); Tanner (2004); Albæk (2011). Rogério Santos (2006: 81) diz que esses interlocutores “possuem um conhecimento específico de uma área do saber e uma relação com os jornalistas que assenta em base científica”. Segundo Elyse Amend e David Secko (2012: 260), os jornalistas de saúde procuram especialistas para descodificar aquilo de que se fala e para dotarem o trabalho jornalístico de credibilidade. Tendo o poder de moldar as notícias e influenciar a opinião pública (Soleu, 1994 in Kruvand, 2012: 567), este tipo de fontes desempenha um papel crucial na construção noticiosa, adicionando novas perspetivas e dotando as ‘estórias’ de algum equilíbrio. No entanto, dentro destas fontes especializadas há fontes que valem mais do que outras: os médicos valem mais; os enfermeiros valem pouco (Lopes et al., 2013: 72).

Devido à especificidade da informação que transmitem e, por vezes, à proximidade que têm com os jornalistas que trabalham a este nível, as fontes com mais conhecimentos científicos, com mais prestígio social ou com maior notoriedade pública podem facilmente influenciar o conteúdo das notícias. Apesar dos atores ligados ao campo da saúde estarem mais disponíveis para falar com os jornalistas, nomeadamente os médicos, e de as instituições deste campo revelarem uma preocupação crescente com a comunicação mediática, nem sempre os jornalistas têm facilidade em estabelecer contacto. Porque as fontes de informação não seguem os ritmos (velozes) dos media (Moreno Espinosa, 2010); porque os jornalistas nem sempre dominam os temas que reportam com a profundidade necessária que lhes permita desenvolver inesperados ângulos noticiosos, levantar pertinentes questões, multiplicar fontes; porque os jornalistas podem não ter uma agenda alargada de contactos que lhes permita conhecer a pessoa mais habilitada para falar do assunto a tratar… Encontrar as fontes certas pode constituir uma tarefa árdua, como refere Hodgetts et al. (2008). É devido à dificuldade em alargar a agenda, nomeadamente em assuntos especializados, que encontramos no jornalismo uma tendência em recorrer sempre às mesmas fontes de informação.

Na verdade, falamos aqui de um campo nem sempre fácil de dominar por parte dos jornalistas. A dificuldade pode começar logo por criar confiança dentro da comunidade científica (Saari et al., 1998: 76 in Amend & Secko, 2012: 260). Por outro lado, ao especializar-se neste domínio, com regras próprias, com fontes muito específicas e com uma agenda muito particular, o jornalista que cobre permanentemente assuntos de saúde pode ajudar o órgão onde trabalha a apresentar uma tematização diferente dos media concorrentes num campo que suscita interesse do público. No entanto, essa necessária especialização nem sempre é fácil de entender por parte das redações devido aos custos acrescidos que isso representa.

Estamos aqui perante um duplo desafio: o dos jornalistas saberem escolher as melhores fontes para tratarem o acontecimento que têm em mãos; o das fontes em se mostrarem disponíveis para falar com os jornalistas.

A notícia como construção social da realidade

A notícia como uma construção social da realidade resulta de uma conjugação de vários agentes, pelo que Nisbet (2008) considera que a “cobertura mediática não é um reflexo da realidade, mas sim um produto fabricado, determinado por uma hierarquia de influências sociais”. Há vários fatores que influenciam o processo de agenda building ou construção da agenda mediática, desde as variáveis económicas e culturais às próprias perceções e preconceitos do jornalista relativamente ao mundo que o rodeia. A norte-americana Rita Colistra define o agenda building como o processo de influenciar as escolhas dos media (Colistra, 2012: 90). Estas escolhas feitas pelos jornalistas não são aleatórias, relacionando-se com os conhecimentos prévios de cada um, da sua cultura, do seu background. Podemos dizer que o jornalista é influenciado por tudo o que o rodeia, seja o círculo de amigos, as suas condições económicas ou até as orientações políticas. Por este motivo, o mesmo assunto ou evento pode ser trabalhado de forma diferente por vários jornalistas. O ângulo escolhido, as fontes a quem se dá voz, e as próprias características do jornalista que conta a estória influenciam o processo de construção da notícia. Também Shoemaker e Reese (1996 in Wallington et al., 2010: 76) referem vários fatores que contribuem para a construção da notícia, como as normas sociais e os valores dos jornalistas; os constrangimentos das organizações, como os prazos e limites de tempo e espaço; as pressões das organizações e grupos de interesse; e a confiança nos líderes governamentais e da comunidade pelos jornalistas especializados, que geralmente estabelecem hierarquias para o uso de fontes e de recursos no processo de construção da notícia.

A socióloga americana Gaye Tuchman (1978) também não se revê na teoria de que as notícias são um espelho da sociedade. Para ela, as notícias “ajudam a constituir um fenómeno social partilhado, dado que, no processo de descrição de um acontecimento, as notícias o definem e lhe dão forma” (1978: 184). É através de uma analogia que Gaye Tuchman apresenta a sua teoria de que as notícias são uma construção social da realidade. “A notícia é uma janela sobre o mundo”, diz a autora (Tuchman, 1978: 1). Está aqui bem presente a teoria do news framing, que nos diz que a forma como um assunto é explorado pelos media influencia a forma como o público pensa sobre esse assunto, ou seja, a cobertura mediática afeta a importância desse assunto na agenda pública. Dito de outra forma, a teoria do framing lida com o impacto que os frames (ou ângulos) das notícias têm na agenda pública (Ghanem, 1997: 5). A visão que temos sobre o mundo através de uma janela é influenciada por vários fatores, “depende da janela ser grande ou pequena” ou do facto “de os vidros serem opacos ou transparentes, da janela estar voltada para uma rua ou para um beco” (1978: 1). Continuando na analogia da janela, o mundo que vemos pela janela é diferente consoante o lugar onde nos posicionamos, se estamos de frente para a janela ou a uma grande distância, por exemplo. Gaye Tuchman explora, assim, os processos através dos quais as notícias são socialmente construídas, partindo do pressuposto de que a notícia é o produto de uma instituição social e depende das relações com outras instituições (1978: 5). A autora introduz também o conceito de rede noticiosa, ou seja, “um sistema hierárquico de recolha de informação” (1978: 24). A rede de notícias dá destaque a certos assuntos em detrimento de outros, dependendo, por exemplo, do lugar geográfico onde estão posicionados os correspondentes de determinada organização mediática. A forma como as empresas de comunicação social escolhem organizar-se determina também aquilo que é notícia, tornando lugares, instituições, e pessoas mais acessíveis aos media.

A notícia como construção social da realidade tem como ponto de partida as fontes de informação. Tuchman considera que é a carteira de contactos de um jornalista que aumenta a sua capacidade de apresentar uma estória nova todos os dias. Na mesma linha de pensamento, quanto mais elevado for o estatuto das fontes, maior será o estatuto dos jornalistas (1978: 69). A autora nota, no entanto, que há exceções. Vejamos o exemplo de uma secretária de um ministro, que apesar do seu baixo estatuto social, em comparação com o ministro, tem acesso privilegiado àquilo que se passa naquele ministério e pode constituir-se como uma boa fonte de informação. Embora as fontes de informação sejam essenciais ao jornalista, é preciso notar que as fontes não têm todas o mesmo valor, nem sequer o mesmo tipo de acesso aos media. De facto, “os media são mais acessíveis para determinados movimentos sociais, grupos de interesse, e atores políticos do que para outros” (Tuchman, 1978: 133). “Aqueles cujo poder é reconhecido claramente têm mais acesso aos media do que os restantes”, afirma a autora (1978: 133). Também Herbert Gans refere que “embora teoricamente as fontes possam vir de qualquer lado, na prática o seu acesso aos jornalistas reflete as hierarquias da sociedade” (Gans, 1979: 119).

As notícias acabam, assim, por reproduzir as estruturas de poder da sociedade em que se inserem, dando voz a determinadas fontes em detrimento de outras. Deste modo, as escolhas que os jornalistas fazem ajudam a estabelecer zonas de visibilidade – temas, assuntos e pessoas muito mediatizadas – e, consequentemente, zonas de obscuridade. Para que determinados temas ou pessoas sejam notícia, outros há que ficam nas zonas de sombra, seja porque têm um estatuto social mais baixo, porque pertencem a uma minoria, ou simplesmente porque não mantêm um contacto regular com os media.

No caso dos enfermeiros, em termos de estatuto social, “na hierarquia da saúde estão bastante abaixo dos médicos, sendo muitas vezes tratados tanto pelos médicos como pelos pacientes como pouco mais que serventes” (Lupton, 2012: 123). A mesma autora refere que aos enfermeiros cabe muitas vezes o “trabalho sujo”, também percecionado como “trabalho de mulher”. As diferenças na representação mediática entre os médicos e os enfermeiros, por exemplo, acabam por refletir os próprios papéis sociais desempenhados por cada um dos grupos profissionais. Existe um “diferencial de poder”, que Deborah Lupton atribui a “diferenças de género, classe social, e estatuto, bem como à natureza das tarefas de cada um” (Lupton, 2012: 123).

 

Metodologia

Desenvolvida a partir de uma tese de doutoramento sobre a mediatização da saúde na imprensa portuguesa, esta investigação tem como objetivo olhar para as zonas de silêncio promovidas pelos media e onde se inserem os enfermeiros.

Pretendemos, com esta investigação, fazer um estudo de mapeamento, pelo que se privilegiou a análise quantitativa dos dados, centrada na estatística descritiva univariada e recorrendo ao programa de análise estatística de dados Statistics Package for Social Sciences (SPSS).  A nossa análise inclui os jornais generalistas nacionais Expresso, Sol, Público, Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Correio da Manhã – dois semanários e quatro diários. A análise que levámos a cabo compreende o período entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2013, sendo que os meses de Agosto não são contabilizados por serem por nós considerados atípicos em termos noticiosos. Deste modo, o corpus de análise incorpora um total de 6936 textos.

No nosso estudo, a análise das notícias de saúde divide-se em dois níveis, sendo que o primeiro nos permite caraterizar o tipo de texto que se publica na imprensa portuguesa quando se fala de saúde; e o segundo é mais voltado para a análise das fontes de informação neste campo. O primeiro nível de análise é constituído por 12 variáveis: ano de análise, data, jornal, título, doença, tipo de artigo, motivo de noticiabilidade, tempo da notícia, tamanho, lugar da notícia, presença e número de fontes de informação.

O segundo nível de análise é referente às fontes de informação. Queremos saber quem é chamado a falar sobre temas de saúde na imprensa generalista, de onde vem, e que cargo ocupa, entre outros. Olhamos as fontes de informação pelo ponto de vista do leitor, uma vez que nos importa avaliar se a citação de fontes é feita de forma precisa e percetível ao público em geral. Importa ainda referir que o investigador não transporta para a análise dos dados os conhecimentos prévios acerca de determinado indivíduo, de forma a perceber as falhas existentes na identificação das fontes cometidas pelo jornalista. As fontes são caraterizadas quanto à sua geografia, tipo de fonte, identificação, estatuto e especialidade médica (quando aplicável). O estatuto das fontes de informação é encontrado a partir de uma tipologia por nós criada e que nos permite saber se estamos a lidar com fontes oficiais, especializadas ou outras.

 

Análise e Discussão dos Resultados

Durante os anos de 2012 e 2013, analisámos 6936 textos de saúde. Os títulos analisados são geralmente negativos (47%) ou neutros (36%), sendo que a percentagem de textos com títulos positivos é de apenas 17%. Em termos de tipo de artigo, a larga maioria pertence ao género notícia (93%). Estes dados mostram uma tendência que não é única do jornalismo de saúde, em que tanto a reportagem como a entrevista têm pouca representatividade. Quanto ao tempo da notícia, parece haver boas notícias para o jornalismo. O ponto de situação, a notícia que faz o follow-up de determinado assunto, representa 36% dos textos. Quando não fazem pontos de situação, os jornalistas reportam-se ao dia anterior. Uma vez que estamos a analisar a imprensa, quer isto dizer que 27% dos artigos são sobre o próprio dia.

Olhando para os temas em notícia (Tabela 1), vemos que os jornalistas privilegiaram as políticas de saúde, que representam 27,8% do total de notícias publicadas. Inserem-se aqui as decisões políticas, de que são exemplo a publicação de portarias ou diplomas governamentais; as inaugurações ou criação de serviços; ou o fecho, gestão ou reorganização de serviços, apenas para citar alguns exemplos. A política, sendo transversal à sociedade, acaba por marcar fortemente o noticiário de saúde – esta tendência, aliás, já tinha sido verificada em estudos anteriores (Araújo & Lopes, 2014; Lopes et al., 2013; Lopes et al., 2012). O Jornal de Notícias é o jornal diário que mais espaço dedica a notícias sobre políticas de saúde (10%), seguido do Diário de Notícias (6,6%) e do Público (5,2%).

 

 

Destaque é dado também aos temas relacionados com Práticas Clínicas e Tratamentos (16,8%) onde se incluem artigos noticiosos sobre atos clínicos, mas também sobre dificuldade de acesso a tratamentos ou a suspeita de casos de negligência. O Correio da Manhã dedica 5,7% dos textos a estes temas, seguido do JN com 4,7%.

Ao darem visibilidade a determinados assuntos, os media também promovem o silêncio sobre outros. E a prevenção não é um tema que seja muito apetecível para os jornalistas, representando apenas 3,4% do total de textos publicados. O DN é o jornal que mais mediatiza os temas ligados à prevenção da saúde (1,3%). Neste sentido, pode pensar-se que os media ficam aquém do seu papel na promoção da saúde e prevenção da doença. Serão, com certeza, várias as explicações para esta realidade. Julgamos que o momento vivido nas redações terá um peso significativo nestes dados, pela redução do número de jornalistas e pelas dificuldades financeiras sentidas pelas empresas de comunicação social. As saídas das redações são cada vez mais escassas e o espaço nos jornais também, pelo que a prioridade é dada às chamadas hard news. Geralmente, a prevenção não é notícia por si mesma, não tem valor-notícia. O tema da prevenção é abordado, na maioria das vezes, em notícias cujo tema central não é esse. A título de exemplo, podemos referir o caso de Angelina Jolie, atriz que foi notícia por se ter submetido a uma dupla mastectomia preventiva, lançando o debate sobre o cancro da mama e as formas de prevenção.

A Tabela 2 mostra-nos os lugares que são notícia quando o tema é a saúde. Metade do noticiário de saúde construído na imprensa portuguesa faz-se a nível nacional. Incluem-se aqui todas as notícias que, por terem relevância para o país, estão desenraizadas de um lugar específico. É o caso, por exemplo, da publicação de uma portaria em Diário da República ou da mediatização de uma efeméride como o Dia Nacional de Luta Contra a Sida. Uma explicação possível para a predominância de um noticiário de saúde nacional prende-se com a tematização dos textos. Um noticiário que é fortemente marcado pelos assuntos políticos, como vimos, acaba por nos remeter para o país como um todo.

 

 

Quando não se referem ao todo do país, as notícias são geralmente referentes a Lisboa ou ao Norte do país, com percentagens muito semelhantes (14,2% e 14,1%, respetivamente). A nível nacional, o Alentejo é a região mais silenciada pelos media – apenas 0,6% das notícias têm como pano de fundo o Alentejo. Também o Algarve (1,2%) e as Ilhas (1,1%) não têm grande expressividade nas notícias de saúde. Em termos internacionais, é a Europa o continente mais mediatizado – com 3,2% do total de textos publicados. As notícias internacionais ocupam 2,4% do noticiário: à semelhança daquilo que acontece para as notícias nacionais, não têm uma geografia específica e referem-se, por exemplo, a organismos supranacionais (como a Organização Mundial de Saúde).

Após analisarmos os textos, voltamo-nos agora para as fontes de informação – que constituem um dos eixos centrais deste trabalho. E o jornalismo dificilmente se faz sem recurso a fontes. Na nossa amostra, apenas 4% dos textos não cita qualquer fonte. A larga maioria (96%) dos artigos recorre às fontes de informação, sendo que 85% das fontes são identificadas. Quer isto dizer que o leitor sabe qual o nome e o cargo ocupado pela fonte. No caso das fontes não identificadas, que são 13% na nossa amostra, não se conhece o nome mas sabe-se qual o cargo, ou vice-versa. As fontes anónimas, ou seja, aquelas em relação às quais não existe qualquer tipo de informação, representam 2,4% do total dos textos.

Apesar de estes serem dados positivos para o jornalismo, as fontes usadas pelos jornalistas não são tão diversificadas quanto seria desejável. As fontes masculinas dominam as notícias, representando 45% do total de fontes citadas (Tabela 3). De facto, os números mostram que os homens são mais chamados a falar sobre saúde do que as mulheres. Embora o jornalismo deva privilegiar a pluralidade e diversidade de vozes e de grupos sociais, há investigações que indicam que “a seleção de fontes de informação continua a ser muito enviesada” (De Swert & Hooghe, 2010: 70), o que nos leva a questionar a forma como os media noticiam a realidade, sub-representando as mulheres. Sendo que os media são uma representação da realidade, os dados apontam para um enviesamento de género promovido, durante este período de tempo, pelos jornais analisados. Segundo os dados relativos ao último inquérito Censos (2011), a percentagem de mulheres na população geral residente em Portugal era de 52.2%, o que perfaz um número superior ao dos homens. No entanto, durante o período em estudo, as fontes masculinas representam mais do dobro da percentagem reservada às mulheres (que é de 16%). Também aqui, a explicação encontrada remete-nos para outra das variáveis em análise, neste caso a do estatuto das fontes de informação.

 

 

Para além dos homens, são as fontes documentais as mais citadas, nomeadamente as fontes não pessoais individuais (25%). Incluem-se nesta categoria todas as fontes documentais, tais como notas e comunicados de imprensa, estudos, ou diplomas governamentais. O espaço ocupado por este tipo de fontes de informação pode indicar uma presença significativa dos gabinetes de assessoria de imprensa, que geralmente enviam documentos prontos a publicar aos jornalistas. No caso específico da saúde, a falta de especialização do jornalista também concorre para este dado.

Olhamos agora para o estatuto das fontes de informação, a partir de uma tipologia por nós criada. A análise desta variável também nos diz que há grupos da sociedade que estão sub-representados, por oposição a outros que são muito mediatizados.

As fontes com maior peso no noticiário da saúde são as oficiais (quer seja no campo da saúde ou fora dele, sendo que em conjunto representam 22,2%), realidade que é transversal a outras áreas do jornalismo. No caso da saúde, são os políticos, os administradores de hospitais, as assessorias do ministério, ou organismos como a Direção-Geral de Saúde as fontes privilegiadas pelos jornalistas. Uma vez que os temas em notícia estão geralmente ligados às políticas de saúde, os jornalistas tendem a recorrer àqueles que fazem as políticas. São também as fontes oficiais quem tem poderosas e organizadas assessorias de comunicação, que preparam informação para os media e tentam, de forma muito clara, marcar a agenda. Estas fontes organizadas sabem lidar com os jornalistas e conhecem as rotinas mediáticas, tendo um acesso privilegiado junto dos media. Importa também referir que as fontes oficiais no campo da saúde são sobretudo masculinas, o que concorre para a hegemonia do sexo masculino no noticiário de saúde.

Ainda no campo da saúde, mas em termos de fontes especializadas, são os médicos o grupo profissional mais visível nas notícias de saúde (15,2%). Quer seja a título individual ou em nome coletivo, os médicos são a preferência dos jornalistas que escrevem sobre saúde, constituindo-se como o grupo profissional mais bem representado da nossa amostra. Em segundo lugar, mas já bastante distantes dos números alcançados pelos médicos, aparecem os investigadores, que ocupam 5,5% do espaço mediático dedicado à saúde, seguidos dos farmacêuticos (2%). Os enfermeiros não têm grande expressividade nas notícias de saúde publicadas na imprensa portuguesa, representados em apenas 1,6% dos textos. Estes dados surgem apesar de o número de enfermeiros em Portugal (mais de 65.000) ser muito superior ao de médicos (que contabilizam cerca de 43.800), segundo o Pordata 2012.

Mais abaixo em termos de visibilidade mediática ficam os laboratórios (0,5%), os psicólogos (0,4%) e os nutricionistas (0,2%).

 

 

Conclusão

Ao longo de dois anos (2012 e 2013), analisámos perto de 7000 artigos noticiosos sobre saúde repartidos por seis jornais nacionais. Os géneros noticiosos de entrevista e reportagem são menosprezados pelos jornais, sendo que a maioria de textos publicados pertence ao género notícia e apresenta ângulos negativos.

Percebemos que os jornalistas que trabalham a saúde nas redações portuguesas dão prioridade às políticas de saúde, o que não é alheio ao facto de haver uma predominância de fontes oficiais. Os jornalistas recorrem àqueles que fazem as políticas para se pronunciarem nas notícias. De facto, as fontes mais mediatizadas nas notícias de saúde são as oficiais – e esta realidade não é exclusiva do jornalismo de saúde. Outro dado que importa sublinhar é o facto de as fontes que ocupam cargos oficiais serem do sexo masculino, o que pode ajudar a explicar a predominância de vozes masculinas nas notícias de saúde. São também as fontes oficiais quem tem poderosos e organizados gabinetes de assessoria de comunicação, que preparam informação para os media e tentam marcar a agenda através dos chamados subsídios de informação. Estas fontes organizadas sabem lidar com os jornalistas e conhecem as rotinas mediáticas, tendo um acesso privilegiado junto dos media. Deste modo, confirmámos, neste estudo, algumas tendências que tínhamos vindo a perceber no noticiário de saúde construído na imprensa portuguesa.

Neste artigo, quisemos, acima de tudo, pensar sobre os silêncios promovidos pelas notícias. Em termos de temas, a prevenção da doença fica na sombra mediática. Apontamos como possível explicação o momento que é atualmente atravessado pelas redações, que lutam com dificuldades financeiras e veem o corpo de jornalistas a diminuir. O facto de a prevenção não ser notícia em si mesma, carecendo de um “gancho” noticioso, contribui para a sua baixa visibilidade nos jornais. Quando olhamos para os lugares mais mediatizados pelos jornalistas, percebemos facilmente que há zonas geográficas que raramente são notícia. É o caso do Alentejo, que se constitui como a região nacional mais silenciada pelos media, do Algarve, e das ilhas da Madeira e dos Açores. Para estes silenciamentos contribui o facto de os jornais analisados não terem, na sua maioria, redações ou correspondentes nestas zonas do país. Importa explicar que, no caso do JN e do Público, é a partir do Norte que se publicam a maioria das notícias de saúde. De facto, as jornalistas que geralmente trabalham a saúde nestes diários estão localizadas no Porto. E este dado pode fazer a diferença no momento de escolher as fontes de informação para determinada notícia. No caso dos restantes jornais, as redações principais estão localizadas em Lisboa – o que certamente não é alheio à escolha de fontes e da própria notícia.

As fontes de informação são também um dos eixos fundamentais do nosso trabalho, e neste aspeto há algumas boas notícias. O jornalismo de saúde é construído com recurso a fontes de informação, sendo que a larga maioria das fontes é identificada. A percentagem de fontes anónimas é residual, no que toca ao jornalismo de saúde promovido pela imprensa portuguesa. No entanto, as fontes usadas pelos jornalistas não são tão diversificadas quanto seria desejável, deixando alguns grupos da sociedade sub-representados. Há, de facto, algumas classes profissionais que são atiradas para as margens de silêncio. É o caso das mulheres, que não são muito procuradas pelos jornalistas, dos enfermeiros, dos psicólogos, dos nutricionistas… Destacamos aqui o grupo dos enfermeiros, que não tem grande representatividade no noticiário de saúde. Os médicos são as fontes especializadas mais procuradas pelos jornalistas, quer seja para falarem a título individual ou como representantes de um grupo. Estes dados não são condizentes com a realidade, sendo que o número de enfermeiros (mais de 65.000) a exercer em Portugal é bastante superior ao dos médicos (cerca de 43.800).

Apoiamo-nos na teoria de que as notícias são uma construção social da realidade, ajudando a reproduzir as estruturas de poder da sociedade em que se inserem. Os jornalistas dão, assim, voz a determinadas fontes em detrimento de outras. As escolhas dos jornalistas, embora não sejam aleatórias, ajudam a estabelecer zonas de visibilidade e de obscuridade. É claro, pela análise que aqui apresentamos, que a mediatização de determinado tema ou fonte contribui para o silenciamento de outros. Em relação às fontes, apresentamos algumas pistas para a pouca visibilidade, como o estatuto social mais baixo, o facto de pertencerem a uma minoria, ou de não manterem um contacto regular com os jornalistas. As fontes que têm acesso a gabinetes de assessoria, por exemplo, têm um acesso mais fácil aos media. Relativamente aos enfermeiros, consideramos que contribui para a sua baixa mediatização o facto de estarem abaixo dos médicos em termos de estatuto social, ou seja, são percecionados pela sociedade como tendo menos poder e importância (Lupton, 2012). As diferenças encontradas na representação mediática entre estas duas classes profissionais refletem também os papéis sociais desempenhados por ambos.

 

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Sítios online consultados:

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http://www.pordata.pt/Portugal/Pessoal+de+saude+medicos++dentistas++odontologistas++enfermeiros+e+farmaceuticos-144 [consultado em 27 de Junho de 2014]

 

Date of submission: November 27, 2014

Date of acceptance: March 12, 2015

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