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Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.9 no.2 Lisboa jun. 2015

 

Literacia mediática: Práticas e competências de adultos em formação na Grande Lisboa

Media literacy: Practices and competencies of adults in training in Grande Lisboa

 

Paula Lopes*

* Professora auxiliar na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) e investigadora integrada do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, da Universidade do Minho (CECS-UM). Universidade Autónoma de Lisboa - Departamento de Ciências da Comunicação, Palácio dos Condes do Redondo, Rua de Santa Marta, 1169-023 Lisboa, Portugal. (paula.lopes@ual.pt)

 

RESUMO

Será que os adultos em formação na Grande Lisboa retratam o país de consumos informativos tipicamente baixos, de que falavam Hallin e Mancini em 2004? Será que se mantêm os baixos níveis de interesse pelas notícias afirmados por José Rebelo e a sua equipa de investigadores, em 2008? Será que, na utilização de internet, a prática mais comum entre estes adultos é a gestão de emails, como revelado pelo Observatório da Comunicação em 2012? E será que os efeitos da exposição aos media (old e new media) condicionam as competências de literacia mediática dos indivíduos?

Este texto apresenta alguns resultados do projeto de investigação “Literacia mediática e cidadania. Práticas e competências de adultos em formação na Grande Lisboa”, desenvolvido no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), entre 2009 e 2013, e enquadrado no Programa de Doutoramento em Sociologia do ISCTE-IUL. Algumas pistas: os resultados mostram uma clara divisão entre gerações no acesso à informação e que apenas uma minoria gera conteúdos e participa publicamente online.

Palavras-chave: Literacia mediática, práticas mediáticas, competências de literacia mediática

 

ABSTRACT

Do adults in training in Grande Lisboa portray a country of typically low information consumption (Hallin and Mancini, 2004)? The interest in the news remains low (Rebelo et al., 2008)? Among these adults, sending and receiving emails is the most popular online activity (OberCom, 2012)? Do the effects of media exposure (to old and new media) determine media skills and competencies?

This paper presents some results of the research project "Media literacy and citizenship. Practices and competencies of adults in training in Grande Lisboa", developed in the Centre for Research and Studies in Sociology (CIES), between 2009 and 2013, carried out under the Doctoral Programme in Sociology from ISCTE-IUL. Some clues: the results show that there is a clear distinction among generations in access to information and that only a minority of the subjects contributes with original content and participates publicly in online environments.

Keywords: Media literacy, media uses, media literacy skills and competencies

 

Introdução

A avaliação dos níveis de literacia mediática dos cidadãos – entendida como a “capacidade de aceder aos media, de compreender e de avaliar de modo crítico os diferentes aspetos dos media e dos seus conteúdos, e de criar comunicações em diversos contextos” (União Europeia, 2007) – desenvolve-se numa espécie de binómio: de um lado, a inquirição de práticas; do outro, a medição ou avaliação de competências.

O inquérito por questionário é, seguramente, o mais adequado (e o mais comum) instrumento metodológico para a avaliação de práticas, mas revela-se um instrumento frágil e desadequado na medição de competências. Neste particular, revela-se muito mais útil e robusto o modelo usado nos grandes estudos internacionais de literacia, como o IALS, o ALL ou o PIAAC: a prova de avaliação de competências.

Tendo em conta este enquadramento, no âmbito do projeto “Literacia mediática e cidadania. Práticas e competências de adultos em formação na Grande Lisboa” foram concebidos dois instrumentos de recolha de informação (um questionário e uma prova de literacia mediática) e aplicados num segmento social particularmente estratégico, porque potencialmente decisivo e influente nas próximas décadas: adultos em formação.

A pesquisa foi operacionalizada com base numa estratégia metodológica de caratér quantitativo-extensivo e envolveu cerca de 500 adultos a frequentar diferentes contextos de ensino (ações de Educação e Formação de Adultos – EFA e cursos de licenciatura, mestrado e mestrado integrado), em escolas e universidades públicas na área geográfica da Grande Lisboa, no ano letivo 2011-2012.

As práticas mediáticas foram operacionalizadas pela conjugação de um conjunto de indicadores que forneceu informação acerca da exposição aos meios de comunicação social – media tradicionais e novos media – e muito em particular da exposição quotidiana na vertente da informação (noticiosa, de atualidade). A análise de dados foi, na maior parte dos casos e sempre que se justificou, dadas as características da amostra, segmentada segundo o nível de escolaridade a frequentar: EFA – ensino básico, EFA – ensino secundário e ensino superior.

A prova de literacia mediática, constituída por 20 tarefas ou exercícios, resultou de uma criteriosa construção conceptual. O seu framework traduz empiricamente um esforço teórico reflexivo: parte de três domínios operacionais de processamento da informação (conhecer e compreender, avaliar criticamente, criar para comunicar) e três dimensões de análise (técnica, crítica, criativa) para as operações de processamento, a escolha dos suportes (classificados segundo o formato, o meio de origem e o tipo de informação) e das tarefas (localizar e identificar, integrar e interpretar, avaliar e refletir, gerar). Refira-se que os itens da prova foram submetidos a análise, em termos de discriminação e de dificuldade, segundo a Teoria Clássica dos Testes e a Teoria da Resposta ao Item. A quase totalidade dos itens revelou-se discriminativa e passível de enquadramento num “banco de itens” para avaliação de competências de literacia mediática.

 Revelem-se, então, alguns resultados desta investigação, no que a práticas mediáticas e a competências de literacia mediática diz respeito.

 

1. Práticas mediáticas

Uma primeira série de indicadores (Quadro 1.1) revela uma clara homogenia quanto a níveis de exposição: independentemente do nível de escolaridade, a maioria dos inquiridos lê jornais, ouve rádio, vê televisão e navega na internet diariamente, um resultado que se afasta das distribuições nacionais conhecidas [cf., por exemplo, a caracterização de Portugal como um país de consumos informativos tipicamente baixos, de Hallin e Mancini (2004)].

 

 

Na verdade, apenas o indicador referente à leitura de livros (em papel ou online) apresenta alguma variação: no EFA básico, 54,5% dos inquiridos nunca ou raramente lê livros; já no EFA secundário, a leitura de livros é prática quotidiana de 38% dos inquiridos e, para aqueles que se encontram a frequentar o ensino superior, 43,4% declaram essa prática.

O jornal (em papel ou online) é o suporte mais lido pelos inquiridos: diariamente ou pelo menos uma vez por semana, declaram ler jornais 77,8% dos indivíduos a frequentarem o EFA básico, 79,8% dos que frequentam o EFA secundário e 76,3% dos adultos a frequentar o ensino superior.

Os resultados mostram uma clara polarização: diariamente, a maioria dos inquiridos vê televisão (EFA básico: 85,1%; EFA secundário: 78,8%; ensino superior: 65,7%) e navega na internet (EFA básico: 74,5%; EFA secundário: 83,5%; ensino superior: 97,2%). Atente-se à relação com o nível de escolaridade: por um lado, o visionamento diário de televisão cresce à medida que a escolaridade diminui; por outro, a utilização diária de internet cresce à medida que a escolaridade aumenta. Ainda quanto à utilização diária de internet, e tendo em conta a idade dos inquiridos, diga-se que tendencialmente a navegação aumenta à medida que a idade diminui [o valor mínimo regista-se no escalão igual ou superior a 52 anos (68,4%) e o valor máximo regista-se no escalão 22-31 anos, com uma taxa de utilização de internet de 96,8%].

Uma análise mais fina, focada no indicador “tempo”, revela que o consumo diário de informação1 – valor que resulta da soma de quatro indicadores (leitura de informação, audição de informação, visionamento de informação e consumo de web-informação) – de um aluno do EFA básico é, em média, de 3 horas e 54 minutos; um aluno do EFA secundário consome, em média, 4 horas e 15 minutos de informação/dia; e um aluno do ensino superior, em média, 2 horas e 50 minutos de informação/dia. O facto de o valor mais baixo se registar no ensino superior pode ser explicado, no caso da nossa amostra (recorde-se, uma amostra constituída por adultos em formação), a partir da idade dos inquiridos (Figura 1.1): tendencialmente, os mais jovens consomem menos informação do que os mais velhos [por exemplo, os casos mais contrastantes verificam-se no indicador “leitura de informação” (um valor médio de 85 minutos para indivíduos com idade igual ou superior a 52 anos cai para um valor médio de 42 minutos para indivíduos com idade igual ou inferior a 21 anos), no indicador “audição de informação” (um valor médio de 63 minutos para indivíduos com idade igual ou superior a 52 anos cai para um valor médio de 17 minutos para indivíduos com idade igual ou inferior a 21 anos) e no indicador “visionamento de informação” (um valor médio de 87 minutos para indivíduos com idade igual ou superior a 52 anos cai para um valor médio de 46 minutos para indivíduos com idade igual ou inferior a 21 anos)].

 

 

Na verdade, já Rebelo e o seu grupo de investigadores, em Os Públicos dos Meios de Comunicação Social Portugueses (2008), haviam revelado que os portugueses mais jovens apresentam níveis particularmente baixos de interesse pelas notícias nos vários meios, tradicionais (imprensa, rádio e televisão) ou novos media (internet).

Desagregando o tempo por medium (Quadro 1.2), e sem surpresa, nota-se o predomínio da televisão como principal meio de informação quotidiano dos inquiridos a frequentarem os EFA básico (72 minutos/dia) e secundário (78 minutos/dia). Estes dados corroboram resultados de investigações que revelam ser a televisão o meio de informação mais importante em Portugal (Rebelo et al., 2008) e ser Portugal um país que vive em overdose televisiva (Benavente, Mendes e Schmidt, 1997).

 

 

A internet surge como principal medium a que recorrem diariamente os inquiridos do ensino superior (55 minutos/dia) para se informarem. O efeito (canibalizante2) da internet nas práticas de informação dos indivíduos – como já provado em diversos estudos nacionais (nomeadamente, do português Observatório da Comunicação) e internacionais (nomeadamente, do britânico Offcom) – parece ser mais notório no ensino superior, tomando por comparação os valores respeitantes ao consumo de informação via media tradicionais (imprensa, rádio e televisão) dos mesmos indivíduos.

Embora este valor seja o mais baixo dos três níveis de ensino, facto que, mais uma vez, pode estar relacionado com a idade dos inquiridos (os mais jovens consomem menos informação do que os mais velhos), julgamos ser já muito expressivo o tempo que os inquiridos dos EFA básico e secundário afirmam usar no consumo de web-informação: 68 e 58 minutos/dia, respetivamente.

Desagregando o ensino superior em cinco áreas científicas (Quadro 1.3) – Arquitetura e Design; Ciências da Natureza, Matemática e Sáude; Ciências Sociais; Humanidades: Engenharias – conclui-se serem os alunos de Arquitetura e Design os inquiridos que mais consomem informação de atualidade (3 horas e 23 minutos/dia, em média) e os alunos inquiridos a frequentar cursos nas áreas científicas das Ciências da Natureza, Matemática e Saúde os que menos consomem informação de atualidade (2 horas e 15 minutos/dia, em média).

 

 

Livros (impressos)

Os dados referentes à leitura de livros (impressos) por ano, e tomando por base a tipologia de Hábitos de Leitura em Portugal: Inquérito à População Portuguesa (Freitas, Casanova e Alves, 1997) e A Leitura em Portugal (Santos, 2007), revelam o predomínio dos pequenos leitores (1 a 5 livros / ano), independentemente do nível de escolaridade em análise (Quadro 1.4).

 

 

Na verdade, os pequenos leitores3 predominam na nossa amostra também independentemente do sexo (masculino: 55,5%; feminino: 64,7%) e da idade (em todos os escalões etários). É um facto: em Portugal pouco se lê, evidência que tem sido empiricamente demonstrada desde os anos 90 do século XX4.

Como se esperaria, a percentagem de não leitores decresce muito significativamente à medida que a escolaridade aumenta. Mas há outro dado que nos parece significativo: o número surpreendente (pela negativa) de grandes leitores, ou seja, de indivíduos que afirmam ler mais de 20 livros por ano (apenas 4,3% no EFA básico, 2,5% no EFA secundário e 6,9% no superior).

A existência de apenas 6,9% de grandes leitores no ensino superior pode estar relacionado com a migração da leitura para outros suportes, para plataformas digitais como computadores, tablets ou ereaders5. Em rigor, e seguindo Reig Hernández e Vílchez (2013), os padrões de leitura parecem estar a mudar: do impresso para o digital (ainda que lentamente), de uma leitura mais exaustiva para uma leitura mais exploratória e mais rápida, detetando elementos de importância6.

Tendo por referência a distribuição dos inquiridos por áreas científicas de ensino superior, refira-se que os pequenos leitores predominam em todas as áreas científicas, exceto nas Humanidades: neste grupo, há 50% de médios leitores. Os grupos com maior peso de não leitores são as Ciências da Natureza, Matemática e Saúde (4,9% de não leitores) e as Engenharias (4,5% de não leitores). A área científica com mais inquiridos que se declararam grandes leitores é a das Humanidades (22,9%). Esta é também a única área científica com total ausência de não leitores (0%).

Em detalhe, também nos parece relevante o número de inquiridos que afirmam não ler nenhum livro por ano (27,7% no ensino básico, 12,3% no secundário e 2,9% no superior), mesmo estando a frequentar algum nível de ensino numa escola básica/secundária ou numa universidade (Quadro 1.5). Estes dados parecem indiciar ter existido um entendimento restrito da leitura enquanto “leitura lazer”.

 

 

Jornais e revistas (impressos)

A maioria dos inquiridos declara ler algum tipo de jornais impressos, pelo menos uma vez por semana (Quadro 1.6). Os tipos de jornais impressos lidos, pelo menos uma vez por semana, com mais regularidade pelos inquiridos são os diários (55,2% da amostra) e os gratuitos (65,4% da amostra). No EFA básico leem-se mais jornais diários (64,7%); no EFA secundário e superior, mais jornais gratuitos (70,4% e 64,7%, respetivamente). No EFA básico, a leitura de jornais económicos (3,9%) e de jornais regionais (7,8%) é pouco relevante.

 

 

A nível de género, a diferença mais acentuada foi encontrada na leitura de jornais desportivos: dos inquiridos que declararam ler jornais desportivos em papel, 84% são homens.

A percentagem de não leitores de jornais (em papel) no ensino superior (11,6%) parece-nos relevante. No entanto, refira-se que José Rebelo e a sua equipa revelaram uma percentagem ainda mais elevada: 20% dos inquiridos com formação superior declaravam, em 2008, nunca lerem um jornal (Rebelo et al., 2008: 104, 289).

Observamos, portanto, que os não leitores de jornais impressos aumentam à medida que a escolaridade aumenta, o que pensamos estar relacionado com a migração para outro tipo de suportes, concretamente online. Este dado corrobora resultados de estudos nacionais e internacionais, como A Imprensa na Sociedade em Rede, do Observatório da Comunicação (Obercom, 2010d), que afirma um crescimento em Portugal do número de leitores de jornais online e sugere que são os indivíduos mais escolarizados aqueles que mais leem jornais no suporte online, ou Individuals Using the Internet for Reading Online Newspapers/Magazines, do Eurostat (2012), que revela que a utilização da internet para ler jornais e revistas tem sido, em Portugal, crescente e constante ao longo dos anos analisados (anualmente entre 2003-2012), fixando-se em 40 a percentagem de inquiridos portugueses entre os 16 e os 74 anos que declararam tal prática.

Sem pretensões comparativas, afirme-se que o dado mais contrastante com os resultados de A Leitura em Portugal é o que diz respeito aos gratuitos, à época “uma realidade bastante recente no País” (Santos, 2007).

Os alunos a frequentar o ensino superior que mais leem jornais diários e semanários estudam Humanidades ou Ciências Sociais. Dos alunos do ensino superior que declararam não ler jornais, a maioria frequenta cursos nas áreas científicas da Arquitetura e Design (19%) e das Ciências da Natureza, Matemática e Saúde (14,7%).

No estudo Os Públicos dos Meios de Comunicação Social Portugueses revelam-se outros dados que consideramos muito interessantes: Mais de 20% dos inquiridos com escolaridade superior que declaram ler frequentemente jornais diários assumem ficar pela primeira-página ou apenas passar os olhos pelos títulos, mais de 30% dos indivíduos com menos de 30 anos não passam da primeira-página e mais de 44% dos indivíduos com menos de 30 anos contentam-se somente com os títulos (Rebelo et al., 2008: 107).

Refira-se que, ainda assim, existe uma percentagem muito considerável de leitores cumulativos de jornais nesta amostra (inquiridos que leem mais do que um tipo de jornal pelo menos uma vez por semana): os indivíduos que leem dois ou três tipos de jornais pelo menos uma vez por semana representam 52,7% da amostra (Quadro 1.7).

 

 

Quanto ao suporte revista, e tomando a amostra como um todo, os dados mostram que a leitura regular (pelo menos uma vez por semana) de revistas é uma prática essencialmente feminina: as mulheres estão em maioria em quase todos os indicadores disponíveis para este tipo de publicações (de atualidade, científicas, culturais, femininas, incluídas em jornais, sociais e de viagens), exceto no que se refere a revistas masculinas. Trata-se de um resultado equivalente ao encontrado por Rebelo e a sua equipa: a procura de revistas é essencialmente feminina (Rebelo et al., 2008: 69, 114).

Ainda tomando a amostra como um todo, a leitura regular de revistas de atualidade é de 49,2%, a leitura regular de revistas incluídas em jornais de 22,8% e de revistas sociais de 22,2%. Os não leitores de revistas representam 19,7% da amostra (Quadro 1.8).

 

 

Numa análise mais fina, os resultados revelam que as revistas mais lidas pelos alunos do EFA básico são as sociais (33,3%) e as mais lidas pelos estudantes a frequentarem o EFA secundário e o ensino superior são as revistas de atualidade (48,1% e 50,5%, respetivamente). É de destacar, no entanto, o peso muito considerável da leitura de revistas sociais nas práticas de leitura de imprensa dos inquiridos do EFA secundário (42%). Refira-se que os não leitores de revistas aumentam à medida que a escolaridade diminiu.

No ensino superior, a maioria dos leitores de revistas de atualidade, culturais, femininas, incluídas em jornais e revistas sociais estuda Humanidades ou Ciências Sociais. As publicações científicas/técnicas são lidas sobretudo por estudantes de Engenharias (34,8%) e de Ciências da Natureza, Matemática e Saúde (33,9%). Dos alunos que declararam não ler revistas, 26,6% frequentavam um curso na área científica da Arquitetura e Design.

A leitura cumulativa de revistas (leitura de mais do que uma publicação), pelo menos uma vez por semana, independentemente do tipo, é prática de 50,2% da amostra (leitores cumulativos de revistas). No entanto, refira-se que a maior percentagem isolada se regista na leitura de uma única revista, pelo menos uma vez por semana: 42,3% (Quadro 1.9).Encontraram-se correlações significativas entre a leitura de livros, jornais e revistas. A correlação mais evidente regista-se entre os leitores de jornais e de revistas (Quadro 1.10).

 

 

 

Cruzando os valores que resultam da leitura de jornais e da leitura de revistas (Quadro 1.11), verifica-se que quem nunca ou raramente lê jornais, nunca ou raramente lê revistas (72.6%) e que quem lê jornais pelo menos uma vez por semana, também lê revistas com a mesma periodicidade (62,6%).

 

 

Rádio

Música (66,5%) e informação (42,3%) lideram diariamente as preferências dos ouvintes de rádio inquiridos neste estudo (Quadro 1.12). Os investigadores responsáveis pelo projeto Os Públicos dos Meios de Comunicação Social Portugueses chegam a resultados semelhantes quanto ao tipo de programas mais ouvidos: à frente está a música, depois a informação (Rebelo et al., 2008: 101, 103).

 

 

No polo oposto, o fórum, o programa desportivo, a reportagem e a entrevista/debate reúnem menor consenso: são tipos de programas radiofónicos nunca ou raramente ouvidos pela maioria dos indivíduos inquiridos neste estudo (por 84%, 73%, 72,8% e 72,1% da amostra, respetivamente).

Tendo em conta a idade dos alunos inquiridos, e por referência unicamente a informação numa base diária, nota-se uma clara tendência: a audição de informação radiofónica aumenta de forma muito consolidada com a idade (nos extremos, 83,3% dos inquiridos com idade igual ou superior a 52 anos ouvem informação na rádio, percentagem que cai para os 25,4% nos inquiridos com idade igual ou inferior a 21 anos).

A análise da amostra particionada por nível de escolaridade mostra, sem surpresa, o mesmo padrão na relação entre a frequência de audição e o tipo de programa radiofónico: independentemente do nível de ensino, os inquiridos – que ouvem rádio (41,9% da amostra) – ouvem diariamente música e informação.

A maioria dos alunos a frequentar o ensino superior, independentemente da área científica, ouve diariamente música na rádio. A informação radiofónica é mais ouvida, diariamente, pelos alunos de Humanidades e menos pelos estudantes de Engenharias. Os alunos de Arquitetura e Design e os seus colegas de Humanidades são os alunos do superior que mais ouvem programas de entretenimento e programas culturais.

O número de ouvintes de rádio que declara ouvir, numa base diária, mais do que um tipo de programa de rádio (ouvintes cumulativos), independentemente do género, totaliza 49,8% (Quadro 1.13). A maior parte dos inquiridos que ouvem rádio declaram ouvir diariamente dois tipos de programas de rádio (22,1%).

 

 

Colocando o foco exclusivamente na vertente informativa (Quadro 1.14), o número de ouvintes cumulativos de informação (resultado da soma de quatro indicadores: informação, entrevista e debate, forum e reportagem) totaliza 11%.

 

 

Televisão

A grande maioria dos telespectadores que integram a amostra ocupa diariamente o seu tempo em frente ao pequeno ecrã a ver informação/telejornais (Quadro 1.15). A uma conclusão semelhante chegou José Rebelo, em 2008: a informação televisiva era vista frequentemente por 89,4% dos inquiridos em Os Públicos dos Meios de Comunicação Social Portugueses (Rebelo et al., 2008: 103).

 

 

Do total de inquiridos que responderam a este conjunto de indicadores, a maioria nunca ou raramente vê talkshows (73,6%), telenovelas (71,1%), programas de desporto (68,3%), concursos (61,8%), entrevistas e debates (56,4%) e/ou música (52,4%). Veem diariamente mais informação televisiva os inquiridos mais velhos (o valor máximo, 94,4%, diz respeito a adultos com idade igual ou superior a 54 anos).

Uma análise detalhada por nível de escolaridade mostra, de facto, o predomínio da televisão enquanto medium informativo no quotidiano dos alunos do ensino básico, secundário e superior que afirmam ver televisão (79,6%, 78,2% e 67,8%, respetivamente). Destaque também para a grande reportagem: este género televisivo é visto pela maioria dos telespectadores de qualquer nível de ensino pelo menos uma vez por semana.

A partir das respostas dadas pelos inquiridos quanto à frequência com que visionam vários géneros televisivos foi realizada uma análise de componentes principais (Quadro 1.16). Os resultados mostram que os programas visionados podem ser organizados em quatro componentes: programas culturais, programas de entretenimento, programas de informação e programas de desporto/cinema.

 

 

Foram construídos quatro índices, cada um deles integrando as variáveis com maior peso (loading) em cada uma das componentes principais (assinalados a negrito no Quadro 1.17), os quais traduzem a frequência, em termos médios, de visionamento de cada um dos tipos de programas7.

 

 

Os resultados revelam que, em média, os quatro tipos de programas são visionados com uma frequência relativamente equivalente e que os inquiridos tendem a fazê-lo com alguma frequência, ainda que pouco elevada (os valores globais médios obtidos situam-se todos acima de 2 e abaixo de 3). Mesmo assim, é importante destacar que os programas de informação são os que apresentam frequências médias de visionamento mais elevadas, enquanto os de entretenimento apresentam os valores mais baixos (2,90 vs 2,42).

Analisando os resultados obtidos segundo o grau de ensino a frequentar, observa-se que os estudantes que se encontram a frequentar o ensino superior revelam práticas de visionamento de televisão mais baixas em todos os géneros televisivos.

Se for tida em conta a idade constata-se que há também diferenças evidentes, sobretudo quanto ao visionamento de programas de informação: à medida que a idade aumenta tende a aumentar também, em média, a frequência com que são visionados estes programas (Figura 1.2)

 

 

Redes sociais

O total de inquiridos que afirma ter perfil numa rede social é bem representativo do esprit du temps (88,6%). Em rigor, a grande maioria dos inquiridos tem perfil numa rede social, independentemente do nível de escolaridade, do sexo e da idade (Quadro 1.18).

 

 

A análise por nível de ensino demonstra homogenia nos resultados, embora seja bem nítida a tendência de crescimento à medida que aumenta a escolaridade. Dos alunos do ensino superior que declararam não ter perfil numa rede social (9,3%), 30,6% frequentam um curso na área científica das Ciências Sociais.

Estes dados vão ao encontro dos últimos resultados de A Internet em Portugal 2012, do Obercom: segundo o relatório, 73,4% dos internautas portugueses usam as redes sociais (e, adiante-se, 93,7% dos que utilizam redes sociais estão no Facebook). O estudo Os Portugueses e as Redes Sociais 2012, da Marktest, vai um pouco mais longe ao concluir, por exemplo, que os inquiridos – todos utilizadores de redes sociais – passam, em média, 88 minutos por dia nos social media, quase metade (46,2%) consulta as redes sociais várias vezes por dia e 95% dos utilizadores tem conta no Facebook.

Utilização de internet

A internet é, à partida, pela conjugação de meios, formatos e linguagens disponibilizados num único suporte, a tecnologia que requer a mobilização de mais práticas e mais e melhores competências em todos os domínios de literacia mediática: aceder, compreender, avaliar, criar. É também o suporte que solicita/mobiliza, em simultâneo, mais tipos de capital (seguindo Bourdieu, 1986): capital económico (que possibilita a posse de equipamentos) e de capital cultural e social (traduzido em capacidades e competências, na sua mobilização em contexto, no âmbito de relações sociais específicas).

A análise de componentes principais foi realizada a partir das respostas dos alunos em relação à frequência de utilização de internet.

Os resultados apontam para a organização em cinco componentes: informação e pesquisa, comunicação, entretenimento, serviços e participação pública (Quadro 1.19).

 

 

Foram construídos cinco índices, integrando as variáveis com maior peso em cada uma das componentes principais e traduzindo a frequência, em termos médios, de atividades realizadas através da internet8 (Quadro 1.20).

 

 

Os resultados mostram que, em média, as atividades de informação e pesquisa online são as que apresentam frequências médias mais elevadas e as atividades de participação pública online as que apresentam frequências mais baixas (4,08 vs 1,93). As atividades de informação e pesquisa online são as mais praticadas pelos inquiridos, independentemente do nível de escolaridade que frequentam. A frequência com que os alunos realizam tais atividades aumenta à medida que aumenta a sua escolaridade (o valor médio obtido no superior é de 4,13). Também a frequência de realização online de atividades de comunicação revela uma tendência semelhante: a frequência de práticas é mais intensa quanto mais elevada é o nível de escolaridade que o inquirido frequenta.

Analisando os resultados por área científica de ensino superior, observa-se que os inquiridos realizam atividades através da internet com uma frequência relativamente equivalente, não se verificando variância que revele diferenças significativas.

Quanto à idade, pode afirmar-se que, tendencialmente, a frequência de realização de atividades online apresenta diferenças significativas: à medida que a idade aumenta, tende a diminuir, em média, a prática de quase todos os tipos de atividades online, exceto na componente Serviços. Em rigor, tendencialmente, a prática de atividades online na área dos serviços (consultar movimentos de contas bancárias e fazer compras online) tende a aumentar, em média, à medida que aumenta a idade dos inquiridos (Figura 1.3).

 

 

Também a gestão de conteúdos online foi objeto de uma análise de componentes principais, a partir das respostas dos alunos em relação à frequência com que gerem conteúdos online. Os resultados apontam para a organização em três componentes: edição, downloads e uploads (Quadro 1.21).

 

 

De seguida, foram construídos os três índices (variáveis com maior peso em cada uma das componentes principais e frequência, em termos médios, de atividades de gestão de conteúdos através da internet)9 (Quadro 1.22).

 

 

A realização de downloads é a atividade de gestão de conteúdos que apresenta uma frequência média mais elevada (2,84). Em sentido contrário, a edição de conteúdos é a atividade que apresenta os valores médios mais baixos (1,85). Os resultados mostram que, em média, a frequência de gestão de conteúdos a nível das componentes Edição e Uploads decresce à medida que aumenta a escolaridade (ainda que se revele pouco elevada, em qualquer um dos casos, com valores globais médios a situarem-se abaixo de 3).

Estes resultados poderão ser reflexo da aposta em conteúdos relacionados com as Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC) nos programas de Educação e Formação de Adultos (EFA)10.

Observando os resultados no ensino superior, conclui-se que a frequência média de edição de conteúdos é, de facto, muito baixa, independentemente da área científica em causa (nunca acima de 2).

A prática de downloads é a atividade de gestão de conteúdos com frequência mais elevada no ensino superior (o valor mais alto regista-se nas Engenharias e é de 3,25).

Tendo em conta a idade, refira-se a existência de diferenças significativas, particularmente na prática de downloads: à medida que a idade aumenta tende a diminuir a frequência com que os inquiridos fazem downloads (Figura 1.4)

 

 

Tomando por base a tipologia usada pelo Observatório da Comunicação para a avaliação/medição da frequência de utilização de internet (os indicadores disponíveis referem-se a práticas de comunicação, informação, entretenimento, procura de bens e consulta de serviços, educação e conteúdos gerados pelo utilizador), os resultados mostram que (Quadro 1.23):

 

 

  1. No grupo de indicadores que fornece informação acerca das práticas de comunicação distingue-se claramente um padrão: independentemente do nível de escolaridade, a maioria dos internautas inquiridos envia/recebe emails (73,7%) e acede a redes sociais (62,1%) várias vezes por dia/diariamente. A atividade de comunicação mais realizada diariamente, independentemente do nível de ensino, é enviar/receber emails (EFA básico: 45,5%, EFA secundário: 62,8%; ensino superior: 79,1%). O resultado é equivalente ao revelado no estudo do Observatório da Comunicação (Obercom), A Internet em Portugal 2012: a atividade de comunicação mais disseminada entre os internautas portugueses é enviar/receber emails. A percentagem de mulheres que declaram enviar/receber emails várias vezes por dia/diariamente é de 80,8% (homens: 64,5%) A percentagem de mulheres que dizem aceder/participar em redes sociais várias vezes por dia/diariamente situa-se nos 65,2% (homens: 58,9%). Os mais novos acedem/participam mais em redes sociais do que os mais velhos. Os alunos de Ciências Sociais são os inquiridos do ensino superior que mais acedem e participam em redes sociais: 78,1% declaram fazê-lo várias vezes por dia/diariamente.
  2. Quanto a informação, a maioria dos inquiridos, independentemente do nível de ensino, procura notícias na internet várias vezes por dia/diariamente (50,9%). A percentagem de homens que procuram notícias na internet várias vezes por dia/diariamente é de 56,4% (mulheres: 47,4%). Os mais velhos procuram diariamente mais notícias na internet do que os mais novos. Os alunos de Humanidades são os inquiridos do ensino superior que diariamente mais procuram notícias (68,8%). A utilização de enciclopédias online, como a Wikipédia, é uma prática regular dos alunos do EFA secundário: 41,9% destes inquiridos afirmam consultar este tipo de publicação digital várias vezes por dia/diariamente e 32,4% fazem-no semanalmente.
  3. Dos indicadores que avaliam/medem a frequência com que os inquiridos usam a internet na vertente entretenimento, a atividade mais consensual parece ser ouvir música online: 50% dos alunos do EFA básico, 44,6% dos alunos a frequentarem o EFA secundário e 51,6% dos alunos no ensino superior dizem fazê-lo várias vezes por dia/diariamente. A percentagem de homens que declaram ouvir música online várias vezes por dia/diariamente é de 53,8% (mulheres: 48,1%). Os mais jovens ouvem diariamente mais música online do que os mais velhos. No ensino superior, os alunos de Arquitetura e Design são os inquiridos a frequentar este nível de ensino que diariamente mais ouvem música online (62%).
  4. Na categoria bens e serviços, a prática mais comum, numa base diária ou semanal, é a procura de informações sobre produtos (EFA básico: 66,7%; EFA secundário: 74%; ensino superior: 70,3%). Dos inquiridos, 48% nunca consulta/movimenta contas bancárias na internet (EFA básico: 66,7%; EFA secundário: 51,4%; ensino superior: 45,6%) e 56,7% nunca faz compras online (EFA básico: 71,4%; EFA secundário: 66,2%; ensino superior: 53,6%). Fazer compras online é, de facto, a atividade menos frequente destes indivíduos nesta categoria11. A percentagem de mulheres que declararam nunca fazer compras online é de 62,8% (homens: 48,3%). A maior parte dos alunos que estudam Humanidades (55,1%) declararam fazer compras online.
  5. A internet é usada pela maioria dos inquiridos (88% da amostra), independentemente do seu nível de ensino, para procurar informações para trabalhos escolares várias vezes por dia/diariamente ou semanalmente (EFA básico: 68,9%; EFA secundário: 80,7%; ensino superior: 91,7%). Um facto previsível, dado o contexto: adultos em formação em estabelecimentos de ensino na Grande Lisboa. A procura e verificação de factos é uma atividade diária ou semanal de 76,9% dos inquiridos do ensino superior, de 58,6% dos alunos do EFA secundário e de 56,7% dos do EFA básico.
  6. A tão proclamada (e retórica) proactividade dos utilizadores de internet, subjacente ao paradigma digital, tem vindo a ser questionada pela comunidade científica internacional. A ideia de “fratura digital” (ou desigualdade digital), aliada à distinção entre o acesso à tecnologia e o uso eficaz e consciente das ferramentas tecnológicas, tem procurado evidência empírica relevante. Os estudos têm sido efetuados maioritariamente junto de jovens, os chamados “nativos digitais” (Prensky, 2001), e têm mostrado que apenas uma minoria gera e gere os seus próprios conteúdos digitais (Kvavik, Caruso e Morgan, 2004; Kennedy, Krause, Judd, Churchward e Gray, 2006; Olivier e Goerke, 2007; Bennett e Maton, 2011). A nossa investigação não constitui exceção. De facto, a informação mais relevante refere-se ao que os inquiridos afirmam nunca fazer: em rigor, a maioria dos alunos (dos EFA básico, EFA secundário e superior) declara nunca fazer upload de ficheiros de música (64,2%), nunca fazer upload de ficheiros de vídeo (66%), nunca construir ou manter um blogue (75,1%), nunca construir ou manter uma página web (80,4%), nunca editar som (70,7%) e nunca editar vídeo (70,3%). Há mais homens do que mulheres a declarar construir e manter um blogue e construir e manter uma página web. Os inquiridos entre os 32 e os 41 anos são os que mais declaram manter um blogue ou manter uma página web.
  7. A nível de participação pública online, a maioria declara nunca contribuir para um fórum online (55,6%% dos quais do EFA básico: 60%; do EFA secundário: 67,1%; e do ensino superior: 53%) ou participar em votações online (50,3% % dos quais do EFA básico: 73,5%; do EFA secundário: 64,9%; e do ensino superior: 45,4%). São mais os homens do que as mulheres que dizem contribuir para um forúm online e participar em votações online: a percentagem de homens que declaram contribuir para um fórum online diariamente/várias vezes por dia é de 8,9% (mulheres: 3,2%); a percentagem de homens que dizem participar em votações online diariamente/várias vezes por dia situa-se nos 6,8% (mulheres: 3,3%). Os inquiridos entre os 22 e os 31 anos são os que mais contribuem para um fórum online; os inquiridos entre os 18 e os 21 anos são os que mais participam em votações online.

 

2. Competências de literacia mediática e práticas mediáticas

Competências de literacia mediática e dados sociográficos

Uma análise dos resultados, a partir de uma escala de 0 – 100 pontos, permite-nos concluir que a escolaridade e a idade são as mais importantes dimensões sociográficas explicativas das competências de literacia mediática destes indivíduos12: em média, à medida que o nível de ensino frequentado aumenta, aumentam as pontuações médias do desempenho dos alunos na prova de literacia mediática.

Quanto à idade, a análise permite constatar que, em média, os alunos mais novos apresentam melhores classificações na prova. Quando ao género, verifica-se que, em média, não existem diferenças relevantes entre as classificações dos alunos e das alunas que responderam à prova.

Uma última nota para o ensino superior. Como seria de esperar, dada a homogenia quanto ao nível de escolaridade e à idade, não se registam diferenças relevantes entre áreas científicas de ensino superior Os scores variam entre um máximo de 62,6 (Engenharias) e um mínimo de 56,2 (Humanidades) pontos, pelo que a variação (6,4) não nos parece determinante.

 

 

Uma análise mais fina por curso a frequentar no ensino superior mostra que, em geral, os alunos dos cursos com médias de acesso ao ensino superior mais altas (como Medicina, Ciências da Comunicação, Design ou Engenharia de Materiais) obtêm, em média, scores mais altos; os alunos dos cursos com médias de acesso mais baixas (como Matemática, Ciências da Linguagem ou Química Tecnológica) obtêm, em média, pontuações mais baixas (Quadro 2.2).

 

 

Os cursos de Ciência Política, Design de Produto e Engenharia de Materiais lideram a tabela. No extremo oposto estão os cursos de Matemática Aplicada e Química Tecnológica. A diferença entre pontuações atinge os 22,8 pontos (Ciência Política vs. Matemática Aplicada).

Competências de literacia mediática e práticas mediáticas

Ao contrário do sugerido na literatura, os efeitos da exposição aos media tradicionais (jornais, revistas, rádio e televisão) não são expressivos em questões de competências de literacia mediática (Quadro 2.3). O mesmo não acontece em relação aos efeitos da exposição aos novos media: nesta amostra, uma navegação na internet mais intensa condiciona fortemente as competências de literacia mediática. Quem nunca ou raramente navega na internet obtém, em média, uma classificação de 20 pontos; quem diariamente assume tal prática regista, em média, uma pontuação de 56 pontos. Este impacto regista, assim, quase o triplo dos pontos.

 

 

Nesta amostra, quem declara nunca ou raramente ler jornais, nunca ou raramente ler revistas, nunca ou raramente ouvir rádio e nunca ou raramente ver televisão obtém, em média, scores muito semelhantes aos dos alunos que declaram a realização diária de tais práticas mediáticas. Assim, concluimos que não existe uma correspondência evidente entre exposição aos media tradicionais e competências de literacia mediática.

Parece existir uma correspondência mais ou menos evidente entre a leitura de livros (impressos) e as competências de literacia mediática: em média, a leitura de mais livros por ano contribui para reforçar essas competências (Quadro 2.4).

 

 

Estes resultados reforçam a importância determinante da leitura na literacia dos indivíduos. Essa importância tem vindo a ser realçada na investigação sociológica sobre literacia: a leitura de livros surge como um indicador importante e estatisticamente significativo, especialmente por referência à literacia em prosa (Ávila, 2008: 228-230).

Observem-se, com mais detalhe, alguns indicadores de práticas de utilização de internet, práticas que, como vimos, condicionam fortemente as competências de literacia mediática dos inquiridos neste estudo (Quadro 2.5).

 

 

As diferenças mais evidentes dizem respeito aos indicadores de informação e pesquisa online: em média, nesta amostra, quem declara nunca procurar notícias, nunca procurar informação para trabalhos escolares, e nunca procurar e verificar factos obtém scores mais baixos do que quem declara fazê-lo diariamente. Os efeitos de tais atividades são bastante expressivos neste grupo de indicadores (por exemplo, no indicador “procurar informação para trabalhos escolares”, a variação é de 22,7 pontos; e no indicador ”procurar e verificar factos”,  a variação atinge os 25,4 pontos).

Uma última nota para as redes sociais: em média, os alunos que declaram ter perfil em alguma rede social online (média: 56,4) detêm mais competências de literacia mediática do que os seus colegas que declaram não o ter (média: 46,4).

Análise de regressão múltipla: Competências de literacia mediática

De que modo é que as dimensões/fatores até aqui exploradas/os contribuem, quando tomados em conjunto, para explicar as competências de literacia mediática nesta amostra?

Procurando uma hierarquização do peso relativo de um conjunto de fatores e da sua correlação com as competências de literacia mediática dos inquiridos procedeu-se a uma análise de regressão linear múltipla.

As variáveis independentes analisadas dizem respeito à caracterização sociográfica do inquirido (escolaridade, sexo, idade) e do seu núcleo familiar (escolaridade do pai e da mãe) e à caracterização de práticas mediáticas (práticas de leitura de livros e de jornais, de audição de rádio, de visionamento de TV, nomeadamente nas vertentes informação, entretenimento e cultura, e de navegação e utilização de internet, nomeadamente na vertentes informação e pesquisa, e edição de conteúdos).

Os resultados realçados no Quadro 2.6 indicam as variáveis que se revelaram estatisticamente significativas. A percentagem de variação das competências de literacia mediática explicada pelo modelo é de 36%.

 

 

Os resultados mostram claramente a forma como as competências de literacia mediática se encontram associadas à escolaridade e à idade.

A escolaridade é, na nossa amostra, o fator mais determinante em questões de competências de literacia. Tal facto não é surpreendente: vários autores têm afirmado o mesmo, como Patrícia Ávila (2008), em relação à literacia “tradicional”, ou Helen Helsper (2013), em relação à literacia mediática. Como sabemos, Helsper e Eynon afirmam também a idade e o género como recursos inclusivos de literacia mediática (Helsper e Eynon,  2013).

Na nossa análise, a escolaridade não anula a importância da idade. As competências de literacia mediáticas são, nesta amostra, particularmente condicionadas pela idade, mas numa correlação negativa: as competências tendem a ser mais elevadas entre os mais novos, o que pode estar relacionado com “a dificuldade que uma parte significativa dos mais velhos poderão ter em manter atualizadas as suas competências” (Ávila, 2008: 231). Neste sentido, não esqueçamos – como alerta Patrícia Ávila – que as competências de literacia podem desenvolver-se ou regredir ao longo da vida (Ávila, 2008: 229).

A correlação entre género e competências de  literacia mediática não é estatisticamente significativa neste estudo. O mesmo acontece em relação ao capital escolar do núcleo familiar de origem: a escolaridade do pai e da mãe do inquirido não constituem fatores significativos nesta análise, conclusão que se afasta dos resultados dos principais estudos nacionais e internacionais de literacia (cf. Ávila, 2008).

Quanto às práticas mediáticas, os resultados realçam uma correlação positiva entre competências de literacia mediática e o visionamento de programas culturais na televisão (como programas científicos, documentários ou programas culturais), e entre competências de literacia mediática e o número de livros (impressos) lidos por ano. Assim, os números tornam explícito que as competências de literacia mediática tendem a ser, neste estudo, mais elevadas entre os inquiridos que mais livros leem por ano e que a mais programas culturais assistem na TV. Estas são, na verdade, duas das práticas que mais esforço e empenho exigem a nível de atenção e de competências críticas.

Os resultados mostram também a existência de uma correlação negativa (mas estatisticamente significativa) entre competências de literacia mediática e o visionamento televisivo de programas de entretenimento (como concursos, telenovelas ou talkshows): as competências de literacia mediática tendem a ser menos elevadas entre os inquiridos que mais assistem a este tipo de programas.

Variáveis relativas a práticas mediáticas como a frequência de leitura de jornais, a frequência de audição de rádio, a frequência de visionamento de televisão ou a frequência de navegação na internet, entre outras, veem o seu efeito ser muito atenuado quando, no modelo, estão variáveis como a idade e a escolaridade, por exemplo.

 

Notas finais

Os resultados de “Literacia mediática e cidadania. Práticas e competências de adultos em formação na Grande Lisboa” obrigam a questionar a ideia preconcebida de que, na contemporaneidade, os indivíduos – sobretudo os “nativos digitais” – são uma espécie de “dependentes de informação” que, de forma competente e continuada, criam/produzem conteúdos originais e os distribuem em rede.

Os dados revelam que os mais novos e os que frequentam níveis de ensino mais elevados passam significativamente menos tempo a obter/receber/processar informação de atualidade do que os mais velhos e menos escolarizados. Os resultados mostram também que são os mais novos e os que frequentam níveis de ensino mais elevados os que menos jornais impressos leem e menos televisão veem. Em contrapartida, são os que mais usam a internet para informação e pesquisa (as atividades online com frequências médias mais elevadas), e para comunicação.

A participação pública online é, entre os vários tipos de atividade online analisadas junto dos alunos a frequentar o ensino superior, a que apresenta frequências médias mais baixas. As atividades online de gestão de conteúdos apresentam valores médios muito baixos, particularmente a “edição de conteúdos”.

Os efeitos da exposição aos old media não se revelaram particularmente expressivos neste particular, mas os efeitos da exposição aos new media parecem condicionar fortemente as competências de literacia mediática destes indivíduos.

Uma análise de regressão linear múltipla mostrou que a leitura de livros impressos e o visionamento de géneros culturais na televisão, por um lado (media tradicionais), e as atividades de informação e de pesquisa online, por outro (novos media), se revelaram, nesta amostra, variáveis estatisticamente significativas.

 

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Date of submission: April 3, 2014

Date of acceptance: March 27, 2015

 

Notas

1 Metodologia semelhante foi usada por Roger Bohn e James Short em How Much Information 2009 (Universidade da Califórnia)

2 A expressão é dos investigadores do Obercom (in A Internet em Portugal 2012)

3 Dados do Pew Research Center’s Internet & American Life Project, de 2012, revelaram que mais de 80% dos jovens americanos entre os 16 e os 29 anos leram apenas um livro no ano passado. Em detalhe: 75% leram um livro impresso, 19% um ebook e 11% um audiolivro. Cerca de 40% dos indivíduos com práticas de leitura online com mais de 30 anos declararam ler mais atualmente graças aos conteúdos digitais.

4 Cf. “Hábitos de leitura em Portugal: uma análise transversal-estruturalista de base extensiva” (Lopes, 2011) em http://bocc.ubi.pt/pag/lopes-paula-habitos-de-leitura-em-portugal.pdf

5 Recorde-se que a Amazon revelou, em abril de 2012, que por cada 100 livros impressos vendidos eram comprados 116 ebooks.

6 Ao que parece, “os nossos cérebros confiam na internet como memória, do mesmo modo que o fazem em relação à memória de um amigo, familiar ou colega de trabalho. Por outras palavras, recordamos menos a informação em si mesma do que onde a podemos localizar” (Sparrow, 2011). A investigadora da Universidade de Columbia Betsy Sparrow concluiu (em artigo publicado na revista Science) que tendemos a esquecer o que sabemos que vamos encontrar na internet e que, mais do que memorizar, simplesmente retemos a forma de encontrar a informação de que necessitamos.

7 Especificam-se, em seguida, as variáveis incluídas em cada índice e o valor do alfa de Cronbach. Cultura: programas científicos/educativos, documentários, programas culturais, séries e cinema; alfa de Cronbach = 0,804. Entretenimento: concursos, telenovelas, talk-shows, música e séries; alfa de Cronbach = 0,731. Informação: entrevista/debate, grande reportagem, informação / telejornais; alfa de Cronbach = 0,782. Desporto / cinema: programas desportivos, cinema e séries; alfa de Cronbach = 0,631.

8 Especificam-se, em seguida, as variáveis incluídas em cada índice e o valor do alfa de Cronbach. Informação e Pesquisa: Procurar informação para trabalhos escolares, Usar a wikipédia ou semelhante, Procurar e verificar factos, Procurar notícias, Procurar informação sobre produtos; alfa de Cronbach = 0,734. Comunicação: Participar em chats, Aceder/participar em redes sociais, Utilizar serviços de mensagens, Fazer/receber telefonemas online, Enviar e receber emails; alfa de Cronbach = 0,629. Entretenimento: Ouvir rádio online, Jogar online, ; Ouvir música online; alfa de Cronbach = 0,582. Serviços: Consultar/movimentar contas bancárias, Fazer compras online ; alfa de Cronbach = 0,629; Participação pública: Contribuir para um fórum de discussão online, Participar em votações online;alfa de Cronbach = 0,651.

9 Especificam-se, em seguida, as variáveis incluídas em cada índice e o valor do alfa de Cronbach. Edição: Editar vídeo, Editar som, Editar imagem, Construir e manter uma página web, Fazer uma apresentação multimédia, Construir e manter um blogue; alfa de Cronbach = 0,767. Downloads: Download de ficheiros de vídeo, Download de ficheiros de música, Download de software; alfa de Cronbach = 0,860. Uploads: Upload de ficheiros de música, Upload de ficheiros de vídeo, Upload de fotografias; alfa de Cronbach = 0,857.

10 Parte da informação recolhida junto de inquiridos a frequentarem ações de Educação e Formação de Adultos, de nível básico e secundário, ocorreu, justamente, em aulas de TIC, em salas devidamente equipadas a nível tecnológico, com a colaboração dos respetivos docentes.

11 A percentagem dos inquiridos que dizem fazer compras online pelo menos ocasionalmente ronda os 43%, valor que se revela muito mais baixo do que o disponibilizado pelos investigadores do Obercom em A Internet em Portugal 2012: 90,4%.

12 A investigação sociológica sobre literacia já havia deixado claro que as competências de literacia tendem a ser mais elevadas entre os indivíduos com maior escolaridade e entre os mais jovens (Costa, Machado e Ávila, 2007).

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