SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número2Use of blogs, Twitter and Facebook by UK PhD Students for Scholarly Communication índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.9 no.2 Lisboa jun. 2015

 

O valor económico da informação na sociedade em rede

The economic value of information in the network society

 

José Moreno*

* Centro de Investigação e Estudos de Sociologia – Instituto Universitário de Lisboa, 1649-026, Lisboa, Portugal. (jose_carlos_moreno@iscte.pt)

 

RESUMO

Neste artigo pretendemos analisar o valor económico da informação no quadro da sociedade em rede. Iremos investigar as transformações operadas no modo de distribuir socialmente a informação na sequência da adopção das tecnologias de informação e comunicação digitais e as consequências que essas alterações poderão ter no valor social e económico da informação. A hipótese que colocamos é que a sociedade em rede, em resultado das diversas apropriações sociais das tecnologias digitais, diminui o valor económico da informação. Analisaremos dados empíricos de carácter económico relativos às empresas que produzem e distribuem informação para analisar como evoluiu o valor económico da informação e como é que a actual abundância de informação afecta a forma como a utilizamos socialmente.

Palavras-chave: sociedade em rede, informação, valor económico, modelos de negócio

 

ABSTRACT

In this paper we aim to analyze the economic value of information in the network society. We will investigate the changes taking place in the way information is socially distributed following the adoption of the new digital information and communication technologies and the way those changes may affect the economic value of information. The hypothesis we investigate is that the network society, i.e. the social appropriations of the digital technologies, decrease the economic value of information. We analyze empiric economic data relative to the companies that distribute information to study the economic value of information and how the current information abundance affects the way we use it on the social level.

Keywords: network society, information, economic value, business models

 

Introdução

A emergência da sociedade em rede provocou e está a provocar transformações profundas no modo como nos relacionamos socialmente. Uma dessas transformações afecta a forma como a informação é distribuída socialmente. De uma sociedade em que os mass media desempenhavam o papel principal na disseminação de informação socialmente relevante, passámos para uma sociedade em rede na qual há novos agentes e novas formas de distribuir informação. O objectivo deste artigo é analisar essas transformações de um ponto de vista económico, olhando para a forma como os modelos de negócio dos mass media tradicionais se deterioraram na transição para a sociedade em rede e o que isso pode significar em termos de valor económico da própria informação. A hipótese que colocamos é que a actual deterioração dos modelos de negócios dos mass media tradicionais não resulta de acções ou omissões próprias mas antes de uma redução do valor económico da informação em consequência da arquitectura em rede, da migração para o digital e da emergência dos “novos media” na paisagem mediática.

Na primeira parte desta dissertação faremos uma revisão de literatura tendo por referência a sociedade em rede e o valor económico da informação. Depois detalharemos as hipóteses em estudo e a metodologia adoptada. Na terceira parte analisaremos os dados de evolução das receitas dos media analógicos e digitais, primeiro com dados globais e depois com o estudo de caso da revista Autohoje.

 

Enquadramento teórico

A revisão da bibliografia referente ao assunto que nos propomos estudar nesta dissertação tem a dupla função de servir de enquadramento teórico do tema e de delimitação de conceitos relevantes para o mesmo.

Sociedade em rede

A sociedade em rede em que hoje vivemos é o resultado da adopção e apropriação social de um conjunto de novas tecnologias de informação e comunicação que se desenvolveram nos últimos 50 anos. A forma como esse conjunto de tecnologias foi integrado nos processos sociais e adoptado pelos indivíduos no contexto social mudou profundamente – e ainda está a mudar – a forma como comunicamos uns com os outros e o tipo de arquitecturas sociais que com essas novas tecnologias construímos. O resultado final dessas transformações não é simplesmente uma decorrência da tecnologia, mas antes da interdependência entre as novas tecnologias de comunicação e informação, os modelos económicos dos media e as apropriações sociais que os indivíduos fazem dessas mesmas tecnologias (Cardoso, 2006:119). Dito de outra forma: as tecnologias não são em si mesmas um elemento determinante. Mas abrem um leque de possibilidades de apropriação, tanto ao nível individual como ao nível social, que condicionam a utilização das tecnologias ao mesmo tempo que são condicionadas por elas (Benkler, 2006:17)

Manuel Castells foi o primeiro teórico a usar o conceito de “sociedade em rede” e a enquadrá-lo nas transformações globais a que estamos a assistir (Castells, 2011). Para Castells a sociedade em rede surge no contexto da passagem de um paradigma social em que o domínio da energia era o factor decisivo – o industrialismo – para um novo paradigma, em que o factor decisivo é o domínio da informação – o informacionalismo (Castells, 2011; Castells, 2004; Cardoso, 2006).

Para Castells, a sociedade em rede em que vivemos é uma arquitectura particular da sociedade na qual a estrutura social é alimentada pelas tecnologias de informação e comunicação digitais, através de computadores ligados em rede (Castells, 2004:3). A sociedade em rede está organizada em nós – indivíduos ou instituições – sendo que é através dos fluxos de informação entre os vários nós que os indivíduos e instituições estabelecem e organizam os seus vários relacionamentos sociais (Castells, 2004:3; Castells, 2009:20). Daí a importância que as alterações nas tecnologias de informação e comunicação podem ter na forma como os indivíduos e instituições se relacionam no contexto social.

O traço distintivo da organização social em rede, por oposição à organização social vertical e hierárquica, é que a rede não tem um centro e portanto não pode ser centralmente comandada. Para Castells, três factores imputáveis às redes de comunicação e informação digitais explicam por que razão vieram a constituir um novo paradigma de comunicação. Em primeiro lugar essas redes têm uma capacidade historicamente inédita de processamento de informação, tanto em termos de volume como de complexidade e velocidade e são capazes de se auto-expandirem. Em segundo lugar têm uma capacidade também inédita de combinação e recombinação da informação, pelo facto de usarem tecnologias digitais. E, em terceiro lugar, as modernas redes de comunicação e informação são marcadas pela flexibilidade que permitem incutir nos processos de comunicação e distribuição de informação. (Castells, 2004, 9-11). Para Castells, as redes de comunicação e informação digitais são globais e portanto tendem a ser também globais as estruturas sociais que se baseiam nos seus fluxos (Castells, 2004, 22). No entanto, a existência social da maioria dos indivíduos está confinada a fronteiras locais, regionais e nacionais. Do choque entre estas duas lógicas resulta, segundo Castells, uma fragmentação que é mais do que apenas o resultado do processo de transição entre dois modos muito diferentes de organizar a experiência social. Essa fragmentação das estruturas sociais existentes é um elemento estrutural da sociedade em rede (Castells, 2004, 23). Isso, como veremos mais à frente, aplica-se ao modo como a distribuição social de informação está a ser afectada por essas tecnologias e vai ao encontro das teses defendidas neste trabalho. A fragmentação que afecta os modelos de negócios dos media tradicionais – entendidos como uma forma de institucionalizar socialmente a distribuição de informação – não resulta apenas de uma fase de transição e adaptação. É um elemento estrutural do novo paradigma de comunicação da sociedade em rede.

O mesmo raciocínio pode ser deduzido da problemática do valor no quadro da sociedade em rede. Para Castells, numa sociedade capitalista é quem detém o poder que decide o que tem ou não tem valor (Castells, 2004:25). Ora, com as arquitecturas em rede de alcance global, a sociedade em rede altera as condições de criação de valor e coloca todas as entidades sociais que não podem ter um alcance global em desvantagem face àquelas que o podem ter. Isto, mais uma vez, tem implicações práticas óbvias para os meios de comunicação social tradicionais, quase sempre constituídos e operados numa lógica nacional e não global. Esses media estão por isso em desvantagem face aos “novos media” da sociedade em rede, como veremos mais à frente.

Para Manuel Castells, as tecnologias de informação e comunicação da sociedade em rede têm por efeito diluir a distinção tradicional entre meios de comunicação de massa e meios de comunicação interpessoal, criando um novo modo de comunicação a que ele chamou auto-comunicação de massas, ou “mass self-communication” no original (Castells, 2011; 2009). É comunicação de massas porque o seu alcance é potencialmente global. Mas ao mesmo tempo é pessoal porque é individualmente produzida, consumida e distribuída, beneficiando da convergência e da flexibilidade permitidas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação e pelas respectivas ferramentas.

Uma das razões que contribui para isso é o efeito combinado da capacidade de computação abundantemente distribuída e da sua articulação em rede. Combinando múltiplos computadores, dos mais diversos tipos, ligados em rede, os recursos que permitem articular e gerir a informação e comunicação tendem a estar alojados na própria rede. E esta converte-se portanto, ela própria, no sistema social de processamento da informação (Castells, 2011:52).

Por fim, Castells identifica cinco elementos que compõem as fundações materiais da sociedade em rede. Em primeiro lugar, a informação é a respectiva matéria-prima. As tecnologias de informação e comunicação anteriores geravam informação que agia sobre a tecnologia. Agora, pelo contrário, estamos perante tecnologias que agem sobre a informação (Castells, 2011:70). Em segundo lugar, como a informação faz parte de toda a actividade humana em sociedade, as tecnologias de informação e comunicação estão presentes em todas as facetas da vida em sociedade. Em terceiro lugar, qualquer utilização destas tecnologias entra numa lógica de rede. O que significa que essa lógica acaba por se implementar, mais uma vez, em todos os sectores e em todas as facetas da vida social. Em quarto lugar, as novas tecnologias de informação e comunicação permitem uma flexibilidade quase total sobre as condições de utilização da informação e de efectivação da comunicação. E, em quinto lugar, estas tecnologias tendem a fazer convergir os vários formatos de mensagem num único sistema englobador, tanto ao nível da produção como da distribuição e manipulação da informação (Castells, 2011:72).

Outro sociólogo que abordou a sociedade em rede e as suas características foi Jan van Dijk (2006). Para van Dijk, a sociedade em rede é o novo sistema nervoso central da sociedade e corresponde a uma formação social na qual as infra-estruturas sociais e informativas, com uma arquitectura em rede, constituem o modo principal como a sociedade se organiza aos níveis individual, grupal/organizacional e societal (van Dijk, 2006:20). Por oposição, na sociedade de massas que a antecedeu, a infra-estrutura era constituída por grupos, organizações e comunidades (as “massas”) e era isso que condicionava a organização social a todos os níveis (individual, grupal/organizacional e societal). Ou seja, a unidade básica determinante do funcionamento social deixou de ser o grupo social alargado - as massas - e passou a ser a própria rede (van Dijk, 2006:20), o que é concordante com a visão de Castells. De uma sociedade de massas em que a organização social se fundava primordialmente em grupos de diferentes tamanhos e diferentes filiações (famílias alargadas, cidades, nações, empresas, exércitos, governos), passámos a uma sociedade predominantemente individualizada, na qual a experiência social dos indivíduos transcende os grupos em que se filiam, com um conjunto alargado de laços sociais que são mais fracos mas mais extensos que os tradicionais (van Dijk, 2006:35-36). Tal como em Castells, vemos aqui a fragmentação das unidades sociais tradicionais (família, cidades, estados, nações, empresas, etc) como um efeito transformador da sociedade em rede. Por outro lado, encontramos também referência ao carácter diluidor dos marcadores tradicionais de espaço e tempo que as tecnologias de informação e comunicação digital introduzem, assim como ao carácter mais influente dos laços sociais fracos. No quadro de análise da sociedade em rede introduzida por van Dijk, podemos entender os mass media tradicionais como uma das unidades sociais cuja função é fragmentada pela emergência das modernas tecnologias de informação e comunicação.

Para van Dijk, os avanços da micro-electrónica, a digitalização e computorização da comunicação (van Dijk, 2006:44), conjugados com a oferta de ligações de banda larga e consequentes transferências massivas de dados (van Dijk, 2006: 49-51) constituem as fundações tecnológicas da sociedade em rede. Beneficiando de um efeito convergente, a internet integra as comunicações de dados e as comunicações pessoais ou de massas (van Dijk, 2006:54) e coloca toda essa “matéria informativa” sob o comando dos computadores.

A terceira grande narrativa sobre as características da sociedade em rede foi-nos trazida por Yochai Benkler. Como o próprio refere, comparativamente com a abordagem de Castells e embora concordando com ela, a sua perspectiva sobre a sociedade em rede coloca a ênfase no papel relativo desempenhado pelos sectores comercial e não comercial da produção, distribuição e consumo de informação, conhecimento e cultura (Benkler, 2006:18). De certa forma, responde assim a questões que Castells e van Dijk tinham deixado em aberto.

Yochai Benkler considera que a forma como organizamos socialmente a produção e distribuição de informação, conhecimento e cultura influencia a forma como as nossas sociedades funcionam (Benkler, 2006:1). E adiciona que as condições materiais e económicas dessa produção e distribuição na sociedade em rede se alteraram radicalmente, no sentido de dar mais relevância à partilha e troca social como modo fazer essa produção (Benkler, 2006:92). Ou seja, as novas tecnologias de informação e comunicação digitais são uma ameaça aos agentes dominantes do modo anterior de produção social de informação, conhecimento e cultura – os mass media. Mas são também uma oportunidade para novas formas de produção social de informação, cultura e conhecimento resultantes da acção individual das pessoas ou de sistemas fluídos de colaboração entre elas (Benkler, 2006:2). Para Benkler, aquilo que é novidade na época em que vivemos é, por um lado, a mudança de paradigma na distribuição social de informação – entramos naquilo a que ele chama a “networked information economy (Benkler, 2006:32). E, por outro lado, o facto de essa mudança abrir a faculdade de produção de informação, conhecimento e cultura à generalidade da população. Antes, as barreiras técnicas à produção de informação implicavam que a mesma tivesse que ser distribuída através canais “proprietários” e baseados na lei do mercado – os mass media. Com a diluição dessas barreiras técnicas, o sector “não proprietário” e não sujeito às regras do mercado tende a florescer como fonte de produção e distribuição de informação, conhecimento e cultura (Benkler, 2006:4). Uma pesquisa no motor de busca Google, por exemplo, produz uma resposta (um “bem informativo”, portanto) que é, segundo Benkler, o efeito coordenado de um conjunto de acções não coordenadas de uma panóplia muito diversa de agentes sociais, individuais e colectivos, com interesses comerciais ou sem eles (Benkler, 2006:33). O efeito é coordenado, porque a Google preparou o seu algoritmo para responder de determinada a forma a determinadas solicitações. Mas resulta de um conjunto de acções não coordenadas porque a construção desse resultado é função de um conjunto de comportamentos de pesquisa e navegação de que os utilizadores não combinaram entre si.

Para Benkler, a sociedade em rede incrementa as possibilidades de participação dos indivíduos de três formas diferentes. Primeiro, incrementa a sua capacidade individual para produzir informação, conhecimento e cultura. Em segundo lugar, incrementa a sua capacidade para fazer essa produção em comunidade com outros indivíduos e fora dos modelos tradicionais de organização social e económica. E, em terceiro lugar, incrementa igualmente a sua capacidade para produzir informação em organizações formais fora da esfera do mercado (Benkler, 2006: 8). Para Benkler, isto corresponde a uma forma de descentralização de capital, uma vez que uma parte da estrutura de capital associada à produção de informação, conhecimento e cultura passa a estar sob controlo dos utilizadores (Benkler, 2006:30).

Da leitura deste três autores, podemos concluir, em síntese, que a sociedade em rede mediada por computadores engloba duas componentes organizativas que são indissociáveis e se conjugam para produzir os efeitos observados: a arquitectura em rede, por um lado, e o facto de ela estar associada à mediação por computadores. A mediação através de computadores é um factor decisivo, que resulta em grande parte da migração das tecnologias analógicas para as tecnologias digitais. Este factor, por ser decisivo, será detalhado se seguida.

Do analógico ao digital

A arquitectura em rede que sustenta a actual internet e a distribuição social de informação que sobre ela fazemos não seria possível sem a mediação dos computadores. E isso obriga-nos a olhar para a migração do analógico para o digital como um elemento central nas transformações tecnológicas que estamos a estudar. Para Castells, a passagem do analógico para o digital é o substrato tecnológico sobre o qual se sedimentam todos os outros desenvolvimentos ao nível da computação, microelectrónica e telecomunicações (Castells, 2011:70). E é isso que está na base da evolução registada nas tecnologias de informação e comunicação nos últimos 50 anos. Van Dijk, por seu lado, também considera que a migração do analógico para o digital é o facto decisivo que torna a comunicação de dados e computorização os dois elementos dominantes das infra-estruturas de comunicação da sociedade em rede (Van Dijk, 2006: 44).

A codificação digital dos dados que sustentam a informação envolve duas dimensões essenciais que explicam a sua prevalência. Em primeiro lugar a codificação digital é numérica e submete-se por isso às regras do cálculo matemático pelas quais se regem os computadores. Em segundo lugar, a linguagem digital é binária. Composta pela conjugação complexa de sequências (“strings”) de “zeros” e “uns”, a linguagem digital funciona numa lógica “on-off”, “yes-no” ou “true-false”. Ou seja, a linguagem digital não admite meio-termo e é por essa razão que se adequa ao funcionamento das máquinas de calcular sofisticadas que hoje conhecemos pelo nome de computadores. Os sinais binários que compõem o código digital constituem o DNA da informação digital (Negroponte, 1996:14; Castells, 2011:54). Um código digital pode sempre ser decomposto e recomposto nas suas unidades constitutivas básicas em qualquer máquina que seja capaz de o manipular, ou seja, em qualquer computador. Comparativamente, uma informação codificada numa linguagem analógica fica sempre limitada aos condicionalismos físicos do suporte que a sustenta.

A digitalização é portanto o processo pelo qual a informação, seja ela veiculada por texto, som ou imagem, fixa ou em movimento, é convertida na linguagem binária usada pelos computadores. Há dois movimentos tendentes à digitalização que decorrem em simultâneo: por um lado a criação de novos conteúdos informativos em formato digital e, por outro, a digitalização dos conteúdos informativos previamente existentes e constituintes da nossa memória colectiva registada.

Nicholas Negroponte atribui quatro qualidades essenciais às tecnologias digitais com impactos ao nível dos respectivos usos e apropriações sociais: são descentralizadoras; globalizadoras, harmonizadoras e “empoderadoras” (“empowering”, no original; Negroponte, 1995: 229-231). Castells considera que a revolução informacional em curso tenderá a ser mais impactante do que a invenção da imprensa, porque estabelece um circuito de feed-back que tende a difundir cada vez mais as tecnologias pelos utilizadores (Castells, 2011:30-31). Manovich, por seu lado, salienta que, ao contrário das transformações informativas anteriores, a comunicação digital mediada por computador afecta todas as fases da comunicação e todos os tipos de media (Manovich, 2001:43). Reunindo os contributos dos vários autores estudados nesta revisão bibliográfica, é possível isolar cinco efeitos principais das novas tecnologias de comunicação e informação digitais sobre o modo como a informação é produzida, distribuída e consumida socialmente.

O primeiro desses efeitos é a convergência e refere-se ao facto de os aparelhos para a produção e recepção de informação digital serem capazes de reproduzir igualmente todo o tipo de conteúdos - texto, áudio e imagem, estática ou em movimento – a partir do momento que sejam digitais. A perspectiva subjacente de se poder expandir facilmente o tipo de conteúdos informativos fornecidos levou muitos meios de comunicação tradicionais a juntarem áudio ao texto ou vídeo ao áudio ou texto ao vídeo na sua informação distribuída ela internet. Hoje em dia esse processo ainda está em curso e é comum vermos mass media tradicionalmente associados ao texto impresso a enveredarem igualmente pelo vídeo, por exemplo. Para os mass media tradicionais, por um lado, este alargamento do tipo de conteúdos que é possível oferecer abre novas oportunidades de negócio, mas, por outro ameaça o seu actual modelo de negócio (Negroponte, 1995: 18; Van Kamm e Bordewijk, 2003:582). Ou seja, por um lado a convergência pode ser entendida como um processo “de cima para baixo”, em que os mass media incorporam na sua produção informativa os vários tipos de mensagem que antes estavam separados. Mas, por outro lado, a mesma convergência pode também ser vista como um processo “de baixo para cima” à medida que os indivíduos aprendem a usar e dominar estas tecnologias. Os dois processos ocorrem em simultâneo e condicionam-se mutuamente (Jenkins, 2006: 18).

O segundo efeito das tecnologias digitais prende-se com os meta-dados, uma camada adicional de dados que caracteriza e contextualiza a informação e que não existiam nos meios analógicos (Van Dijk, 2006:45). Estes “bits acerca de bits”, como lhes chama Negroponte (1995:18), são justamente o plano em que operam os computadores, seriando, manipulando e concatenando os dados relativos à produção, distribuição e consumo de informação, tanto no plano individual como colectivo. É a partir da recolha dos meta-dados associados à comunicação que os computadores aplicam os algoritmos com que manipulam a informação para a adequar às necessidades do utilizador. Por outro lado, ligados em rede, os computadores e servidores podem comunicar uns com os outros e partilhar tanto a informação como os meta-dados e a forma de agir sobre eles, consumando aquilo que Castells chamou de “computação ubíqua” (Castells, 2001:51).

A terceira grande transformação resultante da passagem do analógico para o digital é a interactividade da comunicação. Segundo Van Dijk, os media digitais, por serem digitais, são mais interactivos que os media analógicos a três níveis: ao nível do espaço, porque permitem uma comunicação bilateral ou multilateral independentemente do local físico onde estejam os sujeitos; ao nível do tempo, uma vez que uma comunicação digital pode ser diferida ou instantânea; e ao nível comportamental porque na era digital e com as ferramentas de comunicação disponíveis, o emissor e o receptor podem trocar de papéis a qualquer momento (Van Dijk, 2006:8). Bordewijk e van Kamm, por seu lado, construíram uma matriz de interactividade da comunicação, com quatro quadrantes, de interactividade crescente (alocução, registo, consulta e conversação), concluindo que os media digitais “empurram” o tipo de comunicação predominante para os níveis de maior interactividade (Van Kamm e Bordewijk, 2003:580). Negroponte, por fim, também salienta que nos mass media a informação é fundamentalmente “pushed” (“empurrada”) pelos media, enquanto no modo digital ela tende sobretudo a ser “pulled” (“puxada”) pelos utilizadores dentro dos seus próprios parâmetros de tempo, espaço e contextos de utilização. E isso, naturalmente, corresponde a um maior controlo dos indivíduos sobre o processo de comunicação (Negroponte, 1995:168-170). Castells caracterizou este fenómeno como um “space of flows” e um “timeless time”. O primeiro resulta do facto de o espaço informacional não ser já o espaço físico mas sim o espaço virtual dos fluxos de informação e o segundo resulta da circunstância de a informação poder ser fruída e usada no momento em que os indivíduos o acharem mais conveniente. No conjunto, este dois aspectos constituem aquilo que Castells considera “os alicerces materiais da nova cultura” da era digital (Castells, 2011:406).

O quarto factor distintivo do código digital face ao código analógico prende-se com a sua flexibilidade. O facto de o código digital poder ser decomposto nas suas unidades básicas significa que pode ser recomposto ou recombinado em qualquer outro computador que esteja em contacto com o primeiro, por exemplo, numa arquitectura em rede. E isto tem duas consequências importantes. Primeiro, facilita enormemente a reprodução e partilha, dando origem ao carácter viral de muitas informações. E, segundo, torna o remix ou recombinação de partes do código digital tão fácil como a sua produção ou reprodução. Ambas as mudanças– a facilidade de reproduzir e de recombinar informações – resultam da desmaterialização da informação associada à passagem de um paradigma analógico para um paradigma digital. A capacidade de produzir, redistribuir e recombinar informações é aquilo que transforma os anteriores consumidores de informação também em seus produtores, uma nova categoria de sujeito do processo comunicativo e informativo a que Axel Bruns deu o nome de “produser” (Bruns, 2007) e a que Ritzer e Jurgenson chamaram “prosumer”, usando um termo original de Alvin Toffler (Ritzer & Jurgenson, 2010).

A quinta e última grande transformação operada pelo código digital sobre a forma como produzimos, distribuímos e consumimos informação deriva do alcance global das tecnologias digitais quando combinadas com a ligação em rede dos computadores. Obviamente, a globalização não é uma decorrência das tecnologias de informação e comunicação digitais. Mas as tecnologias de comunicação e informação digitais – por serem digitais – aceleram esse processo de um modo que não é muitas vezes notado ou devidamente salientado (Cardoso, 2006:113). Isso resulta, uma vez mais, do facto de um código digital manipulado por um computador ficar imediatamente disponível, em idênticas condições, em qualquer outro computador que entre em contacto com o primeiro, esteja ele onde estiver e seja qual for a língua ou cultura em causa. Porque ambos os computadores funcionam segundo princípios matemáticos e ambos usam a mesma linguagem digital e binária. Para Negroponte, o código digital é uma espécie de “língua franca” de bits (1996:63) que permite remover os limites da geografia (1996:165).

Mass media vs. “novos media”

As alterações trazidas pela sociedade em rede e as transformações decorrentes da migração do digital para o analógico introduziram mudanças profundas na paisagem mediática na maioria dos países desenvolvidos. Na sociedade de massas anterior à sociedade em rede de que fala Van Dijk (2006:20), os mass media desempenhavam um papel central da forma de distribuir informação pelo corpo social. Esse papel começou a ser desempenhado com a invenção da imprensa em 1453 e, embora com alterações ao longo do tempo, permaneceu notavelmente estável até ao advento da internet (Benkler, 2006:29). Quer estejamos a falar de uma pequena gazeta o século XIX, de circulação muito restrita, de uma emissão de rádio do início do século XX ou de uma televisão global como a CNN, o paradigma informativo é sempre o mesmo: uma transmissão “de um para muitos”, com carácter unidireccional, controlada por quem a emite.

Neste âmbito, Gustavo Cardoso considera que um paradigma de informação e comunicação é constituído pela interdependência entre a tecnologia, os media e os modelos de funcionamento económico. E que, portanto, a alteração radical de um destes factores provoca a alteração do paradigma (Cardoso, 2006:16). O que altera verdadeiramente o paradigma de informação dos mass media é a comunicação em rede mediada por computadores (Castells, 2009:24). Por quatro razões. Primeiro porque mistura os papéis de produtor e consumidor de informação e desse modo institui a bidireccionalidade como essência do sistema. Em segundo lugar, porque cria uma arquitectura em rede que potencia que a comunicação possa ser a todo o momento de um para um, de um para muitos ou de muitos para um. Depois, porque dá a cada indivíduo (ou a cada nó da rede) um poder acrescido sobre o funcionamento da rede, uma vez que não faz a comunicação depender de nenhum outro indivíduo (ou nó) em particular. E, por fim, porque institui um ambiente em que a informação é abundante, por oposição ao ambiente anterior, em que era escassa (Anderson, 2006).

As alterações no paradigma de informação e comunicação na sociedade em rede e as correspondentes mudanças no modelo de funcionamento dos mass media provocaram uma erosão dos seus modelos de negócio tradicionais. Mas, simultaneamente, esse mesmo paradigma de comunicação e informação potenciou o surgimento de um novo tipo de empresas com uma posição diferente na cadeia social de informação. Estas são as empresas a que neste trabalho chamamos “novos media” por oposição aos mass media tradicionais. Empresas como Google, Facebook, Twitter ou YouTube são certamente muito diferentes entre si, mas partilham algumas características que, por oposição aos mass media tradicionais, são comuns a todas elas. Em primeiro lugar todas elas são empresas que actuam a uma escala global por oposição à escala local, nacional ou regional em que normalmente actuam os media tradicionais (Cardoso, 2006:113). Em segundo lugar são empresas que distribuem informação em vez de produzi-la. São plataformas de pesquisa, partilha e gestão de informação mas não produzem a informação que pesquisam, partilham ou gerem. A informação é gerada pelos utilizadores. Tendo em conta as transformações enunciadas acima, decorrentes da emergência da sociedade em rede e da migração para o digital, estas são empresas cujo serviço é uma decorrência directa do novo paradigma de informação e comunicação na era da internet. Ou seja, é por estarem adaptadas às novas condições de exercício da função de distribuição social de informação que essas empresas prosperam. Os novos media da sociedade em rede têm um alcance global porque as ferramentas que propõem podem ser usadas por qualquer pessoa em qualquer local como instrumentos para servirem as suas próprias necessidades de informação e comunicação, independentemente da língua ou da cultura (Castells, 2009:96). No quadro da sociedade de comunicações de massas que referimos anteriormente, os mass media desempenhavam uma determinada função social para a qual os seus processos e a sua estrutura se adequavam. No quadro da sociedade em rede mediada por computadores, os “novos media” têm uma função social diferente para qual igualmente os seus processos e a sua estrutura se adequam. Os “novos media” não existem, como os media tradicionais, para produzir e transmitir conteúdos. Eles existem para proporcionar aos utilizadores as ferramentas para produzirem e distribuírem os seus próprios conteúdos. Têm portanto uma função social diferente no quadro da sociedade em rede, que decorre do facto de a internet e as suas ferramentas propiciarem o “empowerment” dos indivídiduos como produtores de informação para além de seus consumidores (Cardoso, 2006:133). Além disso, na posse dessas ferramentas, os indivíduos são capazes de participar na configuração da própria rede (Castells, 2004), influenciando não só a sua própria acção como também o funcionamento das plataformas dos “novos media” da sociedade em rede.

Neste contexto, Benkler considera que está a acontecer uma massiva redistribuição de poder e dinheiro dos mass media para os indivíduos, por um lado, e para as empresas que produzem as ferramentas e plataformas que lhes permitem operar na nova realidade comunicativa e informativa em que vivem, por outro (Benkler, 2006:23).

Em suma, a função social dos media mudou e é isso que explica a mutação da paisagem mediática. De uma sociedade de massas na qual os mass media desempenhavam o papel fundamental na distribuição de informação socialmente relevante, passámos a uma sociedade em rede mediada por computadores na qual as plataformas de participação dos indivíduos têm o papel principal na distribuição social de informação socialmente relevante.

Dados, informação e conhecimento

As transformações que estão a ocorrer na sociedade em rede mediada por computadores afectam os dados que são produzidos, a informação que é transmitida e o conhecimento acumulado pelos indivíduos e pela sociedade. Impõe-se por isso olhar mais em detalhe para esses conceitos e as suas interligações no quadro da sociedade em rede.

No seu estudo sobre esta matéria, Zins conclui que os dados são aquilo que constitui ou possibilita a informação e as informações são aquilo que constitui ou possibilita o conhecimento (Zins, 2007; Jones, 2010). Dessa relação de progressão entre os três conceitos, Clampitt deriva o modelo D-I-K-A, de “Data-Information-Knowledge-Action” (Clampitt, 2010, 122). Nesse modelo, “data” é aquilo que alimenta a informação, informação é aquilo que alimenta o conhecimento e conhecimento é aquilo que sustenta a acção. Ou seja: os processos comunicativos são feitos de dados objectivos que, uma vez interpretados por um sujeito, se transformam numa informação. Na posse de várias informações e fontes de informação, cada indivíduo decide que acções tomar no contexto social.

Van Dijk propõe uma abordagem semelhante com a sua “pirâmide de processamento da informação” (van Dijk, 2006: 202-203): o processamento de informação na era das tecnologias de informação e comunicação digitais começa por manipular bits e bytes ao nível da digitalização, passa por dados agrupados e manipulados pelos computadores, transforma-se em informação quando se torna inteligível para um humano e produz conhecimento quando correlaciona as diversas informações entre si.

A informação é algo imanente a todas as relações sociais, cuja substância se materializa na troca de informação entre os indivíduos e entre estes e a sociedade. Este mecanismo é importante para percebermos que os usos individuais das novas tecnologias de informação e comunicação são por um lado delimitados pelos usos e costumes sociais e por outro influenciam a mudança desses próprios usos e costumes (Fuchs, 2003).

Manuel Castells também considera que os processos sociais são sempre baseados no conhecimento e no processamento de informação. Para ele, usando definições clássicas da sociologia, o conhecimento é “um conjunto organizado de factos e ideias” e a informação é “um conjunto de dados que foram organizados e são comunicados” (Castells, 2011: 17). Ou seja, existe aqui também implícita uma progressão de complexidade e significação que vai dos dados para a informação e desta para o conhecimento.

No contexto da sociedade em rede mediada por computadores e da migração do analógico para o digital, os dados que sustentam a distribuição social de informação são cada vez mais os dados digitais alojados em computadores e servidores (Hilbert e López, 2011). A forma como esses dados são tratados e manipulados pelos computadores é uma das transformações mais impactantes que estamos a atravessar, uma vez que esse tratamento informático permite registar, catalogar, combinar e recombinar os dados de múltiplas formas – incluindo os meta-dados referidos atrás. Por outro lado, a forma como os dados gerados e geridos pelas máquinas aparecem aos indivíduos é o que os converte em informação. A informação envolve portanto uma interpretação subjectiva individual, mas é igualmente afectada pelas características dos dados digitais, nomeadamente a respectiva abundância, convergência e flexibilidade. Ou seja, a informação é o elemento que estabelece a relação entre os dados, que são objectivos e neutros do ponto de vista social, e o conhecimento, que é subjectivo e não neutro em termos sociais, uma vez que é esse conhecimento que alimenta a acção social dos indivíduos (Jones, 2010). A função social da informação é precisamente estabelecer essa relação entre a objectividade dos dados e a subjectividade do conhecimento que se manifesta em acção social. Ora, as transformações em curso na distribuição social de informação alteram a forma como a informação cumpre essa função.

Por outro lado, a comunicação é a partilha de significados através da transmissão de informação (Castells, 2009:54). O significado só pode existir se existir um código partilhado por quem comunica e portanto, desse ponto de vista, qualquer acto de comunicação implica um relacionamento social. O carácter interactivo das novas tecnologias de informação e comunicação digitais estimula as comunicações sociais bidireccionais em prejuízo das unidireccionais e dilui as fronteiras das comunicações de massas e todas as outras formas de comunicação (Cardoso, 2006).

O valor da informação

O “valor” é um conceito muito complexo que pode ser abordado nas perspectivas filosófica, económica, sociológica e até psicológica. É um dos conceitos mais longamente debatidos e analisados nas ciências sociais, uma vez que está no centro de muitos dos mecanismos de funcionamento da sociedade. Do ponto de vista marxista, o valor de algo reflecte a incorporação de trabalho e capital na respectiva produção e pode repercutir-se, em termos práticos, em dois tipos básicos de atribuição de valor: o valor de uso e o valor de troca (Fuchs, 2014:175). O valor de uso (“use-value”) corresponde ao benefício que alguém pode retirar desse fruto do trabalho próprio ou de outrem. O valor de troca (“exchange-value”) corresponde ao preço a que esse mesmo objecto ou serviço pode ser transaccionado no mercado (Repo, 1986:375). Ou seja, a primeira acepção do conceito depende da apreciação subjectiva de um sujeito, a segunda é manifesta e pode ser quantitativamente medida no mercado. O primeiro problema é que as duas acepções aparecem muitas vezes confundidas e o segundo problema é que não existe uma correspondência directa e necessária entre o valor de uso e o valor de troca (Picard, 2010). Ou seja, não se pode deduzir um do outro.

Robert Picard (2010:50) agrupa os valores associados à produção e distribuição de informação numa matriz que distingue, num eixo, valores intrínsecos e valores instrumentais e, noutro eixo, valores sociais e valores individuais. A função social da produção e distribuição de informação é por um lado servir o indivíduo e a comunidade e por outro lado fazê-lo na prossecução de valores que são um fim em si mesmos ou que, em alternativa, são um instrumento na obtenção de outros benefícios.

O problema com este tipo de valores é que eles são impossíveis ou difíceis de medir ou quantificar. Tratando-se de valores “de uso”, dependem da apreciação subjectiva do sujeito e portanto só podem ser inferidos empiricamente através de uma inquirição aos mesmos, com a carga de subjectividade que isso pode implicar (Picard, 2010:48).

Numa sociedade capitalista e numa economia de mercado, a produção e distribuição económica de informação segue o princípio do lucro e portanto procura adequar a oferta de informação aos valores que os indivíduos querem obter com ela, sejam valores intrínsecos ou instrumentais e individuais ou sociais. Essa é a forma como, na maioria das sociedades de mercado ocidentais, a comunidade escolheu institucionalizar a distribuição social de informação. Por um lado, há outras sociedades nas quais distribuição social de informação não segue as regras do mercado e, por outro, mesmo nas sociedades capitalistas ocidentais, o sector “privado” convive normalmente com outras formas institucionais de distribuição social de informação, frequentemente através de controlo estatal.

Nos casos em que a informação é de alguma forma transaccionada no mercado, ela converte-se num bem económico e assume um “valor de troca”. E esse, ao contrário do valor de uso, pode ser medido e quantificado. Ou seja, embora não exista aqui uma correspondência directa entre o valor de uso e o valor de troca, como dissemos antes, existe uma decorrência lógica. É o valor de uso que a informação pode ter para os indivíduos (seja ele individual ou social e intrínseco ou instrumental) que gera o seu valor de troca, o qual se manifesta economicamente no mercado.

A análise económica da distribuição de informação é particularmente importante no contexto actual porque, tal como sugerimos acima, a forma de organizar a distribuição social de informação através meios de comunicação social, com as suas regras de funcionamento e os seus modelos de negócio próprios, foi a forma institucional encontrada para fazer tradicionalmente essa distribuição. A emergência da sociedade em rede ligada por computadores e das tecnologias digitais altera essa forma institucional e isso reflecte-se no valor económico da informação.

O valor económico da informação

Aquilo a que – em sentido lato – chamamos “informação” é algo que possui características específicas que tornam a abordagem do seu valor económico muito problemática, ao ponto de os economistas terem longamente debatido se a informação deveria ou não sequer ser considerada um bem económico, ou seja, sujeito às mesmas regras económicas que os restantes produtos (Bates, 1990). Segundo Benjamim Bates, a informação: a) pode ser transferida; b) tem alguma utilidade para alguém; e c) pode ter um determinado valor associado a ela (Bates, 1990). Por isso, pode comportar-se no mercado como um bem económico. Existem no entanto algumas características que lhe são específicas e que têm impacto na forma de olhar o respectivo valor económico. Bates fala da infinita reprodutibilidade da informação, da incerteza resultante do facto de ela só manifestar o seu valor pelo uso e do aspecto crucial de uma informação transmitida ao sujeito B não privar o sujeito A dessa mesma informação (Bates, 1990). Para Shapiro e Varian, o elemento fundamental a ter em conta neste aspecto é que a informação é muito dispendiosa de produzir mas extremamente barata de reproduzir. Dito de outro modo, tem custos fixos muito elevados, mas custos marginais muito reduzidos (Shapiro & Varian, 1999:9).

Segundo Bates, outra vez, o paradoxo com que deparamos quando olhamos para a informação em termos económicos resulta do facto de o seu valor estar mais ligado ao método de distribuição do que à qualidade ou utilidade da informação em si (Bates, 1990). Ou seja, acoplada aos suportes físicos que lhe servem de transporte no formato analógico, a informação comporta-se no mercado como um bem económico comum. Mas, isolada dos seus suportes analógicos, a informação revela características específicas que desafiam as leis gerais da economia. E isso – indo ao encontro da tese deste artigo - tende a ser cada vez mais manifesto à medida que a aludida migração do analógico para o digital alarga o efeito de desmaterialização da informação.

Benjamim Bates recorre ao conceito de “stock de valor”, correspondente ao valor de uso que uma informação mantém para o seu detentor depois de ser partilhada. Ao ser partilhada, uma informação não deixa de ter valor de uso para o seu detentor original, mas o seu “stock de valor” reduz-se porque, com cada disseminação de informação reduz-se o “capital” de uso que ela ainda pode vir a ter para o seu detentor. Por isso, deduz Bates, do ponto de vista da teoria económica, o “stock de valor” da informação reduz-se à medida que aumenta a respectiva disseminação (Bates, 1990). O que isto significa, em termos práticos, é que o facto de a informação se tornar abundante reduz o respectivo valor económico. A oferta tradicional de produtos informativos em formato analógico associa o respectivo valor ao suporte em que se sustentavam. O respectivo custo marginal é o custo do suporte e desse ponto de vista comporta-se como um produto normal. Mas a desmaterialização da informação proporcionada pelo digital altera essa equação. O digital reduz os custos de produção e distribuição de informação e por isso o custo marginal da informação tende a aproximar-se de zero e a destituir a informação de valor económico apropriável.

Yochai Benkler identifica duas características distintivas da informação que têm reflexos no seu valor económico. A primeira dessas características é que a informação é “não-rival”. Ou seja, o facto de alguém transmitir a outrem uma informação não implica que o primeiro sujeito fique despojado dessa informação. O que Benkler sublinha é que, em termos económicos, isto significa que o custo marginal da informação tende para zero e portanto a informação tende a ser um bem sem valor económico e a tornar-se um bem público (Benkler, 2006:36). Ou seja, devido ao facto de o seu custo marginal tender para zero, a informação, despojada de suportes, não pode ser lucrativa e portanto não interessa aos agentes económicos cuja função é produzir lucro.

Mas Benkler atribui outra “qualidade” distintiva importante à informação enquanto produto económico que reforça esta tese. Para ele, a informação é ao mesmo tempo o input e o output do processo de produção (Benkler, 2006:37). Ou seja, quem produz informação precisa de usar informação no processo da sua produção. Desse ponto de vista, qualquer encargo económico sobre a informação que é usada como input do processo de produção é um “custo” que se irá reflectir no seu output, aumentando o preço (valor) da informação. Inversamente, uma redução dos custos dos inputs de informação (tal como a que resulta da sua abundância e facilidade de reprodução) tende a reflectir-se numa redução do preço do output, ou seja, tende a repercutir-se numa redução do valor da informação. O que, mais uma vez, vai ao encontro da tese central deste trabalho.

Para Benkler, por outro lado, o que as novas tecnologias de informação e comunicação digitais fazem é reduzir os custos de transacção no processo social. Na convivência social, é frequente os vizinhos ou amigos ajudarem-se mutuamente – sem envolver troca económica - quando necessitam. O problema é que há inúmeros contextos nos quais esse tipo de relacionamento não é possível sem incorrer em custos de transacção demasiado elevados. Segundo Benkler, o que as modernas tecnologias de informação e comunicação permitem é reduzir substancialmente esses custos de transacção, sobretudo para os bens informativos. D, deste modo, resolver por via de troca social aquilo que antes tinha que ser resolvido através de troca económica (Benkler, 2014:297).

Ainda do ponto de vista da teoria económica, Benjamim Bates salienta que a função de redução de incerteza que a posse de informação proporciona aos indivíduos sugere uma apropriação privada do valor da informação. Mas, pelo contrário, o facto de o consumo de informação por um indivíduo não implicar a sua deterioração para outro sugere o entendimento da informação como um bem público (Bates, 1990). O que é curioso notar, neste contexto, é que, embora a informação continue a ser um factor de redução de incerteza e portanto continue a poder ser entendida como tendo valor económico, as novas tecnologias de informação e comunicação o que fazem é precisamente potenciar a sua disseminação, reforçando por isso o seu entendimento como um bem público. Ou seja, quando pensamos nas transformações introduzidas pelas novas tecnologias de informação e comunicação nos métodos sociais de produzir e distribuir informação, reparamos que esta continua a ter as mesmas funções e relevância social; o que se reduz – teoricamente – é o potencial de apropriação económica da mesma.

Chris Anderson, por seu lado, escreveu aprofundadamente sobre abundância e escassez de informação, salientado que as regras económicas que se aplicam a um estado de abundância são substancialmente daquelas que vigoram num estado de escassez (Anderson, 2006:143-146). Obviamente continua a haver elementos de escassez no novo paradigma digital de distribuição de informação da sociedade em rede, como a atenção ou o tempo disponível para que cada indivíduo tem para consumir informação, por exemplo. Mas, o que Anderson salienta é que a informação não é um desses elementos, que ela se tornou abundante e que isso altera radicalmente as condições económicas da sua produção, distribuição e consumo.

Para Manuel Castells, a definição do que tem ou não tem valor na sociedade resulta, tal como nas sociedades anteriores, do exercício do poder. Tem valor aquilo que quem captura poder em sociedade decide que tem valor. Mas, com as múltiplas redes sobrepostas e distribuídas que Castells identifica, isso também significa que esse poder se distribui e pode ser selectivamente exercido numa ou noutra rede. Ambos os factores apontam para uma redistribuição do poder de definir o que tem valor no quadro da sociedade em rede (Castells, 2009:27-29). Castells avisa que qualquer tentativa de reduzir o valor a um indicador único enfrenta enormes dificuldades práticas e metodológicas (Castells, 2009:28), no entanto também considera que o indicador genérico das transferências de valor entre as várias redes é o dinheiro, ou seja, o indicador standard do valor de troca (Castells, 2009:52).

Em suma, a resenha bibliográfica referente ao valor económico da informação permite-nos concluir que as transformações em curso na sociedade em rede alteram o valor económico da informação e portanto têm implicações e consequências profundas na forma de institucionalizar economicamente a sua distribuição em sociedade. Segundo Shapiro e Varian, num mundo em que o problema é menos o acesso à informação do que o excesso de informação, o verdadeiro valor produzido por um fornecedor de informação está na capacidade para localizar, filtrar e disponibilizar a informação que alguém procura. Por isso é que os motores de busca, por exemplo, estão entre os websites mais populares da internet (Shapiro & Varian, 1999:13), tal como veremos mais à frente na análise de dados.

Vistas em conjunto, as transformações na forma de comunicar em sociedade reforçam a importância que têm no processo de distribuição social de informação tanto os utilizadores finais como as empresas que lhes fornecem ferramentas de comunicação, que são aquelas empresas que foram capazes de inovar nesse sentido. E isso arrasta consigo necessariamente um deslocamento correspondente da capacidade de captura do valor económico da informação. Para Manuel Castells, embora as ferramentas de “user-generated content” proporcionadas pelas novas plataformas que surgem na sociedade em rede, pareçam à primeira vista gratuitas, na realidade, não o são completamente (Castells, 2009:97). Por duas razões. Em primeiro lugar porque a sua utilização qualifica e converte os seus utilizadores em melhores alvos comerciais. O facto de os indivíduos usarem as ferramentas de comunicação proporcionadas pelos “novos media” da sociedade em rede gera um conjunto de meta-dados sobre essa utilização que faz aumentar o valor publicitário e comercial dos contactos com esses indivíduos. Há aqui portanto um acréscimo de valor passível de ser captado pelas empresas que proporcionam essas ferramentas e plataformas de participação dos indivíduos. Em segundo lugar, a utilização dessas ferramentas e plataformas proporcionadas pelos “novos media” da sociedade em rede não é na realidade gratuita porque, como foi evidenciado acima, os “novos media” retiram o seu valor económico da distribuição de conteúdos alheios e não da sua produção. Ou seja, o valor económico de uma plataforma de “user-generated content” é tanto maior quanto mais abundante for o conteúdo que ela aloja, administra e distribui. Ao usarem essas plataformas e ferramentas, os indivíduos estão a contribuir com conteúdos para as mesmas, aumentando portanto o seu valor e assim “pagando” essas ferramentas.

A semelhança entre o fazem estas novas empresas nativas da internet no processo de distribuição social de informação e aquilo que faziam os mass media tradicionais na sua produção e distribuição é que ambos capturam o valor económico da informação. A primeira diferença é que os “novo media” não produzem directamente a informação que distribuem e a segunda é que operam preferencialmente a uma escala global. O facto de estas empresas a que chamamos os “novos media” da sociedade em rede dependerem da escala global para operar de um modo economicamente rentável (como veremos mais à frente) é precisamente o que explica o fenómeno “winner takes all” que se tende a verificar, com o predomínio de um serviço de pesquisa (Google), uma plataforma de videos (YouTube), uma rede social (Facebook) e um serviço de microblogging (Twitter), etc. Por um lado a atractividade de cada um desses serviços e ferramentas para o potencial utilizador é tanto maior quanto maior for a sua base de utilizadores – a conhecida lei de Metcalfe (Castells, 2009:42) - e, por outro lado, quanto mais utilizadores tiver o serviço melhor o respectivo fornecedor será capaz de usar os dados e meta-dados gerados pelos utilizadores para os rentabilizar no mercado.

Charles Brown, por fim, salienta o peso que a agregação de conteúdos tinha no modelo de negócio dos media tradicionais, com produtos informativos analógicos, e considera essa agregação o elemento central da respectiva fundamentação económica. No novo paradigma digital – argumenta – a função de agregação não mudou; o que mudou foram as condições técnicas em qua a mesma pode ser feita. E se, como sugere, a captação de valor resulta fundamentalmente da função de agregação de conteúdos, então está em melhores condições para captar valor na nova paisagem dos media digitais quem oferece as ferramentas técnicas para operacionalizar essa agregação (Brown, 2013).

Em suma, as transformações operadas na transição para a sociedade em rede e na migração das tecnologias de informação e comunicação analógicas para digitais alteraram não só o valor económico da informação como também as formas de o capturar.

 

Hipóteses e metodologia

Como conhece bem quem trabalhe nos media ou estude a sua situação na transição para a sociedade em rede, o problema principal coloca-se hoje ao nível dos modelos de negócio. Ou seja, os media tradicionais tardam em encontrar uma forma de adequar economicamente a sua operação às novas condições de exercício dessa função na sociedade em rede mediada por computadores. Basicamente porque não conseguem retirar das audiências no ambiente digital o mesmo grau de rentabilidade que retiravam das audiências no ambiente analógico anterior. Donde resulta a pergunta de partida para a nossa investigação: de que forma é que a sociedade em rede e a migração para o digital afectam o valor económico e social da informação? E, se afectam, poderá a forma como afectam explicar as dificuldades dos meios de comunicação social em encontrar modelos de negócio sustentáveis na era digital?

Da análise exploratória desta questão resultaram, para nós, uma hipótese principal que se decompõe em duas hipóteses operacionais:

A hipótese que colocamos é que a explicação para a aparente incapacidade dos media tradicionais em adequarem a sua função social de informação aos novos tempos não decorre prioritariamente de nenhuma falha que lhes seja apontável mas sim de uma alteração das condições de exercício dessa função estão associadas a uma redução geral do valor económico da informação. A conclusão lógica, caso esta hipótese se confirme, será naturalmente que o modelo de negócio dos mass media está esgotado e não pode ser recuperado no quadro da sociedade em rede.

Para estudar as hipóteses referidas usaremos dados secundários de várias fontes, com o objectivo de relacionar esses dados entre si e com os conceitos em estudo enumerados na resenha bibliográfica de forma a produzir conclusões a partir do relacionamento de variáveis. No que se refere às hipóteses operacionais A1 e A2, relacionadas com o valor económico da informação, começaremos por analisar a evolução agrupada das vendas e receitas dos mass media nos Estados Unidos para as comparar com as vendas e receitas dos “novos media” da sociedade em rede. Depois olharemos em detalhe no estudo de caso da marca de informação Autohoje, comparando a evolução e a dimensão das suas receitas analógicas e digitais. Neste apartado, analisaremos os dados disponíveis e usaremos índices como o Custo Por Mil impactos (CPM) e a Receita Média Por Utilizador (RMPU).

 

O valor económico da informação – análise de dados

Nesta parte da dissertação, o objectivo é recolher dados secundários que respondam às hipóteses enunciadas. Como veremos, os dados irão demonstrar: a) que as audiências de media se deslocaram dos canais analógicos para os canais digitais; b) que as receitas directas e de publicidade correspondentes tendem a seguir essa transferência das audiências; c) que as perdas verificadas nos canais analógicos não são compensadas pelo ganhos nos canais digitais, o que está na origem do problema diagnosticado ao modelo de negócio fundamental dos media; e, d), que a transferência de receitas para os canais digitais tem sido predominantemente capturada por outro tipo de empresas – como a Google – que operam como intermediários de conteúdos e não como seus produtores, as empresas a que chamamos os “novos media” da sociedade em rede. Nenhum destes postulados é novo e todos eles estão amplamente estudados e analisados.

As hipóteses colocadas neste trabalho vão um pouco mais além e procuram uma explicação para isso. Embora à primeira vista possa parecer que os “novos media” da sociedade em rede capturam mais valor na cadeia de informação porque estão melhor adaptados à ecologia da paisagem mediática digital, isso apenas parcialmente explica o fenómeno. A hipótese colocada é que as transformações verificadas na paisagem mediática levam a uma redução do valor da informação e que apenas os “novos media” da sociedade em rede, por terem uma escala global, podem ser economicamente sustentáveis nesse contexto.

Situação geral dos media

A situação genérica dos mass media, na maioria dos mercados internacionais, é aquela que podemos diagnosticar para os Estados Unidos da América. E que usaremos aqui como exemplo para aproveitar a ampla disponibilidade de dados sincrónicos e diacrónicos.

Em termos de evolução das audiências globais dos media, a tendência é de uma transferência de audiências dos formatos tradicionais em suporte analógico para os formatos em suporte digital, seja através de websites seja através de aplicações e outros canais digitais. A Figura 1 ilustra essa tendência, indicando a evolução anual do número de pessoas que afirmam usar a TV, a Rádio, os jornais ou os canais online como fontes de notícias

Os jornais e a rádio apresentam uma tendência claramente descendente nesta série longa, ao contrário dos canais digitais, que estão em movimento ascendente. Os dados agregados de audiência confirmam uma descida anual de audiência dos jornais em todos os anos desde 2003 (Pew, 2014). Os dados mais recentes confirmam esta tendência, conforme se pode ver na Figura 2. O segmento digital é o único que cresce claramente em audiências realmente medidas e os jornais estão manifestamente em perda de popularidade. A conclusão parcial a tirar – que não é nova – é que se assiste a uma transferência das audiências dos canais informativos mais tradicionais – imprensa, rádio e televisão – para os novos formatos digitais.

A análise das receitas publicitárias dos media, por seu lado, confirma a ideia tradicional de que o dinheiro tende a seguir as audiências. Como se pode ver na Figura 3, as receitas publicitárias dos jornais norte-americanos – a sua principal fonte de receitas, numa proporção de 70 por cento - cresceram desde 1950 até 2001 e começaram a cair abruptamente desde essa data. Nesse mesmo gráfico já se percebe, por outro lado, que o surgimento de uma nova fonte de receitas – digitais e outras – nos anos mais recentes não chega para compensar as perdas de rentabilidade dos produtos de media em papel. A Figura 4 demonstra mais em detalhe este fenómeno: à quebra significativa de receitas do papel contrapôs-se uma subida observável das receitas digitais, mas numa proporção muito menor do que a quebra sofrida nas receitas do papel.

Ora, se olharmos para a evolução do investimento total destinado à internet, na Figura 5, vemos que este tem vindo sempre a aumentar e em 2013 suplantou pela primeira vez o montante total de investimento em televisão de sinal aberto. Mas, então, para onde foi esse dinheiro? A essa pergunta responde parcialmente a Figura 6. Foi para os outros fornecedores de audiências digitais, primordialmente para a Google, que desde 2012 recolhe mais investimento publicitário que todas as revistas ou jornais norte-americanos combinados.

Todavia, se olharmos para o custo médio praticado na publicidade digital vendida nas propriedades Google por oposição aos canais de informação digital dos media tradicionais, veremos que este é substancialmente menor. O indicador que mede esse “valor” é o Custo Por Mil impressões (CPM) e representa a quantia que paga cada anunciante para atingir mil impactos com a sua publicidade. Existem outros indicadores para o preço de acesso às audiências da informação, como o CPC (Custo por Clique), o CPL (Custo por Lead) ou o CPA (Custo por Aquisição), mas o CPM é o mais frequentemente usado e o mais adequado para colocar os vários canais digitais em pé de igualdade. Como o custo do CPM se refere sempre a 1000 impressões é o seu valor que representa o “valor” das audiências para o anunciante. Ou seja, o custo para o anunciante é, no reverso da medalha, um rendimento para o media em causa.

Conforme se pode ver na Tabela 1 (com dados referentes a Abril de 2010), o CPM médio dos websites de notícias (“General News”, “Sports” e “Newspapers”) - entre os 6,14 e os 6,99 dólares (de 4,54 a 5,16 euros) - era substancialmente maior que o CPM da generalidade dos outros tipos de sites e do que a média do mercado (2,52 dólares, equivalente a 1,86 euros por cada 1000 impactos). Neste quadro, a publicidade da Google não está incluída (pesquisa) ou está dispersa (por campos como e-mail e social networking, por exemplo), mas ainda assim é interessante notar que os sites de “e-mail” (incluindo Gmail) e de “social networking” (incluindo Facebook) são aqueles que registam um CPM médio mais baixo. O que, mais uma vez, voltará a ser referenciado mais à frente quando abordarmos o caso do Autohoje. Nessa ocasião poderemos então comparar o CPM dos canais analógicos com o dos canais digitais.

 

 

Outra forma de analisar a mesma questão é olhar para o rendimento directo que os media retiram das suas operações digitais e compará-los com as suas operações analógicas. Claro que a dificuldade em implementar sistemas de monetização de conteúdos eficientes nas plataformas digitais é um elemento condicionador desse resultado. Mas essa dificuldade, precisamente, faz parte das transformações em curso na paisagem mediática. Para efeitos de análise, partimos do princípio que os media implementam a cobrança de conteúdos que podem implementar em função da predisposição dos utilizadores para pagarem por conteúdos. O facto de os indicadores dizerem que essa está a descer é em si mesmo uma decorrência das transformações enunciadas na parte teórica deste trabalho.

Para comparar as duas realidades – digital e analógica – temos que encontrar um indicador comum. Esse indicador é o Rendimento Médio Por Utilizador (RMPU) ou Average Revenue Per User (ARPU) no original. Basicamente o que este indicador faz é cruzar o rendimento total ou parcial de uma entidade com o número de utilizadores que usaram o serviço de informação fornecido por essa entidade durante um determinado período de tempo, geralmente um mês (Doctor, 2011). Ou seja, corresponde ao rendimento gerado por cada utilizador e é, mais uma vez aqui entendido como um indicador do valor da informação distribuída por um determinado media visto pelo prisma dos seus utilizadores.

Ora, o paradoxo, quando olhamos para as audiências dos media tradicionais, é que, na generalidade dos casos, estes têm muito mais “público” nos seus canais digitais do que nos canais analógicos, que no entanto continuam a representar a parte principal dos seus rendimentos. Como refere Fredéric Filloux, usando dados do ano de 2013, o New York Times, por exemplo, reúne a maior parte da sua audiência no seu website (29 milhões de utilizadores únicos por mês contra 5 milhões de leitores da edição em papel) e nas suas múltiplas presenças em redes sociais, mas a parte principal do seu rendimento – cerca de 78% - continua a vir do papel (Filloux, 2014). Num cálculo mais antigo, de Abril de 2010, Henry Blogdet, do site Business Insider, calculava que um utilizador das edições em papel do New York Times – contabilizando subscritores e compradores – representava no final um rendimento médio (RMPU) de 879 dólares (649 euros) por ano. Na mesma data um visitante do respectivo website – contabilizando receitas de publicidade (na altura ainda não havia paywall) – “valia” 3,85 dólares por ano, cerca de 2,84 euros (Blodget, 2011). Ou seja, 228 vezes menos! Este é um fenómeno que poderia ser reproduzido em muitas outras marcas de informação e que veremos mais em detalhe com os dados concretos do Autohoje, mais à frente. Embora carenciando de dados mais aprofundados, o que ele indicia é que a diferença entre o rendimento por utilizador que é possível gerar num meio analógico e aquele que pode ser produzido num ambiente digital é muito díspar. Partindo do pressuposto da continuação da migração das audiências dos canais analógicos para os canais digitais (que foi identificada acima) e considerando os atributos diferenciadores do novo paradigma de comunicação e informação em sociedade (identificados na primeira parte), a conclusão é que o modelo de negócio que os mass media mantinham para a distribuição de informação no paradigma analógico não poderá ser mantido no paradigma digital. Ou seja, essa conclusão confirma a hipótese A1 formulada acima.

Por outro lado, o rendimento médio por utilizador dos “novos media” da sociedade em rede mediada por computadores que identificámos atrás é ainda mais baixo. A Forbes por exemplo, publica a tabela 2, relativa ao rendimento médio por utilizador (RMPU) de quatro empresas tecnológicas que caem na nossa delimitação de “novos media”: Google, Facebook, Linkedin e Yahoo (Louis, 2013). Como se pode ver, só a Google tem um RMPU acima de dois dólares. O Facebook, por exemplo, gera 1,63 dólares (1,20 euros), por ano, por cada um dos seus 1110 milhões de utilizadores (à época). Se não tivesse os 1110 milhões utilizadores que tem, à escala mundial, o Facebook não poderia operar nos termos em que o faz. Se tivesse, por exemplo, os 48 milhões de utilizadores únicos mensais que tem o New York Times geraria um rendimento total de apenas 78 milhões de dólares (face aos 1110 milhões verificados) e não poderia manter a estrutura profissional e técnica que tem nem poderia ter a avaliação de mercado que possui. Ou seja, indo ao encontro à segunda hipótese colocada neste trabalho: a redução do valor da informação em que operam os “novos media” da sociedade em rede leva a que a sua operação apenas seja sustentável tendo em conta a escala a que operam.

 

 

Estudo de caso “Autohoje”

O estudo do caso da marca de informação Autohoje, presente em vários formatos e distribuída por vários canais, permite perceber na prática o alcance da redução do valor economicamente capturável da informação de que temos vindo a falar. O Autohoje começou por ser um jornal semanal especializado em informação automóvel, predominantemente na variante de produto mas também no desporto, editado a partir de 1989 pela Motorpress Lisboa, uma editora integrada num grande grupo europeu de imprensa especializada com sede na Alemanha. A partir de 2005 o Autohoje – que entretanto adoptou o formato de revista mas manteve a periodicidade semanal – passou a ter um website em www.autohoje.com, com informação gratuita e diferente da publicada semanalmente na revista. Estas notícias estão também disponíveis em praticamente todos os formatos mobile, igualmente em regime gratuito.

Conforme se pode ver pela Figura 7, as vendas do Autohoje têm vindo a registar uma tendência de descida desde 2010, em linha com o que tem sido o comportamento geral da imprensa em Portugal. Por outro lado, conforme se pode ver pela Figura 8, a audiência total do website www.autohoje.com tem tido um comportamento estável e até algum crescimento em 2013.

Conforme podemos ver pela Figura 9, as receitas do Autohoje provenientes do papel registaram uma queda sistemática desde 2010, tanto no que se refere às receitas de vendas como às receitas de publicidade. As receitas do website www.autohoje.com, por seu lado, quase todas provenientes de publicidade (a monetização de conteúdos digitais é muito incipiente) mantiveram-se mais estáveis mas nunca conseguiram compensar, até hoje, a queda de receitas – de vendas e de publicidade - da edição em papel. O gráfico está construído com todas as receitas referentes a um índice de base 100 justamente para permitir comparações directas entre o respectivo peso relativo.

Se compararmos os números vendas da revista semanal em papel e de visitantes do website www.autohoje.com (Figura 7 e 8, respectivamente), verificamos que são muito maiores no segundo caso. Enquanto a revista semanal registou, em 2013, uma circulação média por edição a rondar os 10.330 indivíduos (contabilizando os dados de vendas APCT), o website www.autohoje.com registou em média, no mesmo período, 786 mil visitantes únicos por mês (dados Netscope-Marktest). No entanto, como podemos ver na Figura 9, as receitas do digital nunca representaram mais do que uma pequena parte do total. Ou seja, a correlação entre os dados de audiência e receitas do Autohoje confirmam a conclusão de que – também neste caso – não foi possível até ao momento gerar a mesma proporção de receitas por cada visitante e utilizador digital que são geradas por cada leitor da edição em papel.

Como se disse acima, uma das formas de analisar esta discrepância parte dos preços cobrados pela publicidade associada aos produtos analógicos e digitais. Em média, um anúncio de página inteira na revista semanal Autohoje custa cerca de 1500€ (este é aliás um valor que também tem vindo a baixar nos últimos anos). O que significa que uma empresa anunciante que pague 1500€ por um anúncio de página inteira que poderá chegar a cerca de 10.330 leitores estará a pagar mais ou menos 0.15€ por cada contacto publicitário potencial (considerando uma circulação total por semana de 10.330 exemplares). No website www.autohoje.com, por seu lado, um banner na página inicial do site representa em média 10 euros de CPM (Custo Por Mil impactos). O que significa, portanto, que a empresa anunciante que optar por esta forma de contactar os seus potenciais clientes estará a pagar 0.01€ euros por cada contacto publicitário, menos 15 vezes do que pagaria no papel. Obviamente, tanto no primeiro caso como no segundo, estes preços podem variar bastante em função de vários factores, como o número de leitores ou exemplar e a localização ou a ocupação no caso da edição em papel (início ou final da edição, página inteira ou meia-página, etc) e o formato ou localização no caso do digital (página inicial ou páginas interiores; tipo e tamanho de banner, etc). Mas são valores de mercado, o que significa que não são tabelados ou controlados. São definidos pela concorrência entre vários operadores e tendem portanto a estacionar nos valores médios do mercado. O que permanece evidente é o diferencial, que neste caso podemos estimar em de 1 para 15, entre o que “vale” a publicidade vendida na edição em papel e a publicidade em formato digital.

A outra forma de ver esta questão prende-se com a receita média obtida a partir de cada um dos utilizadores, quer da edição em papel, quer dos formatos digitais. A Tabela 3 permite visualizar esse exercício. No ano de 2013, a revista Autohoje em papel teve em média 10.330 leitores por edição e gerou um rendimento total de um milhão e duzentos mil euros, considerando publicidade vendida, vendas em banca e subscrições, o que dá um rendimento médio por utilizador (RMPU) de 118 euros/ano. Os canais digitais do Autohoje, no entanto, com audiências da ordem dos 780 mil utilizadores únicos por mês, geraram um rendimento anual de 176 mil euros, o que equivale a um rendimento médio por utilizador de apenas 22 cêntimos/ano.

 

 

O que isto significa é que – tal como acontece com as restantes empresas de media tradicionais – a estrutura profissional que alimenta a marca de informação Autohoje não poderá subsistir caso continue a actual e progressiva transferência de audiências dos produtos analógicos para os produtos digitais e caso se mantenha o actual modelo de negócio em que estes operam. Ou seja, tal como esperado, o caso prático do Autohoje confirma a hipótese A1 formulada no início.

 

Conclusão

O valor de uso da informação é subjectivo e por isso impossível de quantificar. O seu valor de troca, por seu lado, depende de múltiplos factores e é extremamente complexo de quantificar. Mas foi isso que procurámos fazer – parcialmente - neste trabalho, com recurso a indicadores como o preço da publicidade ou a rentabilidade por utilizador. A base de partida para este artigo – recorde-se – era uma análise das transformações decorrentes da sociedade em rede e da adopção massiva das tecnologias de comunicação e informação digitais para o modo de produzir e distribuir informação na sociedade. A hipótese colocada era que as características dessas novas tecnologias digitais e a arquitectura em rede das suas ligações tinham como efeito a redução do valor económico da informação, com consequências ao nível da desregulação dos modelos de negócios tradicionais dos mass media. A recolha da bibliografia publicada sobre este assunto e os dados empíricos analisados parecem confirmar essa hipótese. A abundância de informação permitida por essas novas tecnologias e a conversão dos consumidores de informação em seus produtores e distribuidores dilui o valor económico da informação que pode ser capturado pelos modelos de negócio tradicionais. E isso significa que as estruturas profissionais montadas pelos mass media para a produção e distribuição de informação poderão não ter condições para subsistir no novo paradigma de comunicação e informação em que estamos a entrar. Ou seja, se as conclusões deste trabalho estiverem correctas, a aparente incapacidade dos mass media para encontrarem modelos de negócio alternativos no quadro da nova sociedade em rede não resulta de qualquer omissão ou falhanço da sua parte. É antes uma decorrência das próprias características do novo paradigma de informação e comunicação em que passamos a viver, o qual implica uma redução do valor económico da informação. Este facto, em si só, tem consequências profundas, se entendermos os mass media tradicionais como uma das formas institucionais encontradas pelas sociedades de mercado ocidentais para assegurar a distribuição de informação pela sociedade. No novo paradigma de comunicação e informação na sociedade em rede mediada por tecnologias digitais, essa função social de distribuição de informação parece ter sido assumida por novos actores, com os mass media tradicionais, produtores e distribuidores de conteúdos, substituídos pelos “novos media”, plataformas de pesquisa, tratamento e distribuição de informação que actuam como ferramentas para a acção comunicativa dos indivíduos mas não são produtores dos conteúdos que pesquisam, tratam e distribuem. Ou seja, estes novos actores encontraram a seu lugar na cadeia de distribuição social de informação tal como ela se arquitectou no quadro da sociedade em rede. Mas – se a hipótese colocada tiver sido confirmada, como nos parece ter acontecido – estes “novos media” da sociedade em rede também convivem com a já referida redução do valor económico da informação e só encontram viabilidade no quadro da escala global em que operam. Ou seja, são simultaneamente um produto e um agente da globalização.

 

Bibliografia

Anderson, C. (2006). The long tail (1st ed.). New York: Hyperion.         [ Links ]

Benkler, Y. (2006). The wealth of networks: How social production transforms markets and freedom. Yale University Press.         [ Links ]

Bates, B. (1990). Information as an economic good: A re-evaluation of theoretical approaches. Mediation, Information, And Communication. Information And Behavior, 3, 379—394.

Blodget, H. (2011). A Print Reader Is Worth 228-Times As Much As An Online Reader - And Other Fun Facts About The New York Times. Business Insider. Retirado 14 Junho 2014, de http://www.businessinsider.com/new-york-times-print-versus-online-2011-5

Brown, C. (2013). Social Media, Aggregation and the Refashioning od Media Business Models. In Handbook of Social Media Management (pp. 219-238). Springer Berlin Heidelberg.         [ Links ]

Bruns, A. (2007, June). Produsage. In Proceedings of the 6th ACM SIGCHI conference on Creativity & cognition (pp. 99-106). ACM.

Business Insider (2013). THE FUTURE OF DIGITAL: 2013 [SLIDE DECK]. Retirado 11 Junho 2014, de http://www.businessinsider.com/the-future-of-digital-2013-2013-11?op=1

Cardoso, G. (2006). The media in the network society (1st ed.). Lisboa, Portugal: CIES.         [ Links ]

Castells, M. (2004). 1. Informationalism, networks, and the network society: a theoretical blueprint. The Network Society, 3.         [ Links ]

Castells, M. (2009). Communication power (1st ed.). Oxford, UK: Oxford University Press.         [ Links ]

Castells, M. (2011). The rise of the network society: The information age: Economy, society, and culture (Vol. 1). Wiley-Blackwell.

Clampitt, P. G. (2010). Communicating for managerial effectiveness: Problems, strategies, solutions. Sage.         [ Links ]

Doctor, K. (2011). Comparing News Sites On Revenue Per Customer. Gigaom.com. Retirado 14 Junho 2014, de http://gigaom.com/2011/08/05/419-arpu-for-news-sites/

Filloux, F. (2014). The New York Times KPI’s. Monday Note. Retirado 11 Junho 2014, de http://www.mondaynote.com/2014/05/25/the-new-york-times-kpis/

Fuchs, C. (2003). The role of the individual in the social information process. Entropy5(1), 34-60.         [ Links ]

Fuchs, C. (2014). Social media: a critical introduction (1st ed.). Sage.         [ Links ]

Hilbert, M., & López, P. (2011). The world’s technological capacity to store, communicate, and compute information. Science, 332(6025), 60-65.

Jones, W. 2010. No knowledge but through information. First Monday, 15 (9).         [ Links ]

Louis, T. (2013). How Much Is A User Worth? Forbes. Retirado 15 Junho 2014, de http://www.forbes.com/sites/tristanlouis/2013/08/31/how-much-is-a-user-worth/

Manovich, L. (2001). The language of new media. The MIT press        [ Links ]

Negroponte, N. (1996). Being digital. Vintage.         [ Links ]

Pew Research Center (2014). State of the News Media 2014. Retirado 11 Junho 2014, de http://www.journalism.org/packages/state-of-the-news-media-2014/

Picard, R. (2010). Value creation and the future of news organizations (1st ed.). Lisbon: Media XXI.         [ Links ]

Repo, A. J. (1986). The dual approach to the value of information: an appraisal of use and exchange values. Information processing & management, 22(5), 373-383.         [ Links ]

Ritzer, G., & Jurgenson, N. (2010). Production, Consumption, Prosumption The nature of capitalism in the age of the digital ‘prosumer’. Journal of Consumer Culture, 10(1), 13-36.

Shapiro, C., & Varian, H. (1999). Information rules (1st ed.). Boston, Mass.: Harvard Business School Press.

Van Dijk, J. (2006). The network society. SAGE Publications Limited.         [ Links ]

Van Kamm, B., & Bordewijk, J.,  (2003). Towards a new classification of tele-information services, in Wardrip-Fruin, N., & Montfort, N. (2003). The NewMediaReader (Vol. 1). Mit Press

Zins, C. (2007). Conceptual approaches for defining data, information, and knowledge. Journal of the American Society for Information Science and Technology, 58(4), 479-493.         [ Links ]

 

Date of submission: July 29, 2014

Date of acceptance: March 21, 2015

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons