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Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.8 no.3 Lisboa set. 2014

 

O filme “A Gaiola Dourada”: Reflexões sobre o regresso em força da emigração portuguesa e a ‘portugalidade’ de uma gaiola (cada vez menos) dourada.

The film "The Golden Cage": Reflections on the massive return of Portuguese emigration and the 'portugalidade’ of an (increasingly less) golden cage.

 

Vítor de Sousa*

*CECS - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga. (vitordesousa@gmail.com)

 

RESUMO

A história de um casal de emigrantes portugueses em França bateu, no verão de 2013, recordes de audiência nas salas de cinema. O filme “A Gaiola Dourada”, de Ruben Alves, recuperou a temática da emigração portuguesa, numa altura em que esta atingiu o boom registado nos anos 1960. Recorrendo ao seu percurso, o realizador refere-se à ‘portugalidade’ como alegada ‘pertença a Portugal’, que assume como um cliché, e utiliza de forma humorística vários estereótipos associados aos emigrantes portugueses, através dos quais é mostrada alguma vergonha que os filhos dos emigrantes sentem em relação ao comportamento dos pais, trazendo ao de cima os contrastes com a sociedade onde vivem. A grande ficção reside no regresso ao país de origem, concretizando o sonho da grande maioria dos emigrantes, mas subvertendo a lógica: no filme, não são os pais que voltam a Portugal, mas os filhos, que aparentemente pouco se identificam com o país dos progenitores. “A Gaiola Dourada” reintroduziu o debate sobre a emigração em Portugal, aproveitando a crise económica para refletir sobre o seu regresso em força, bem como traçar o perfil dos novos emigrantes. Será que os portugueses na ‘diáspora’ ainda reavivam a chama ‘lusitana’ (Gonçalves, 2009)? E será que a partilha do nome ‘Portugal’ basta para sublinhar uma alegada identidade nacional (Sobral, 2012)?

Palavras-chave:Emigração; Identidade Nacional; ‘portugalidade’

 

ABSTRACT

The story of a couple of Portuguese migrants in France hit in the summer of 2013, the record ratings in theaters. The film "The Golden Cage" by Ruben Alves, recovered the theme of Portuguese emigration, at a time when this reached the boom recorded in the 1960s. Filmmaker refers to ‘portugalidade’ as an alleged 'belonging to Portugal', using his own route, which named as a cliché, and uses multiple stereotypes in a humorous way by which some shame that the children of immigrants feel toward their parents , as well as contrasts with the society they live in is shown. The great fiction in the film is the anticipation of the return to the country of origin, fulfilling the dream of subverting the logic: in the film, there are not the parents that returns back, but the children, who apparently aren’t identified with the country of progenitors. The film sparked the debate about emigration, taking advantage of the economic crisis to reflect on his return in force as well as the profiles of new migrants. Did the Portuguese in the ‘diaspora’ still rekindle the 'Lusitanian' flame (Gonçalves, 2009)? And is the sharing of the name ‘Portugal’ enough just to highlight an alleged national identity (Sobral, 2012)?

Keywords: Emigration ; National Identity; 'portugalidade'

 

1. Introdução

O meu interesse no filme “A Gaiola Dourada” (2013), de Ruben Alves, tem por base a abordagem do realizador à vivência dos emigrantes portugueses em França e das suas marcas identitárias. Trata-se de um olhar de quem conhece a realidade que se vive em França, já que ele próprio é um lusodescendente, filho de pais emigrantes, com uma história que se desenvolve trilhando o caminho dos estereótipos decorrentes dos respetivos percursos.

Num registo pontuado pelo humor, desfila no filme muita da parafernália simbólica da emigração portuguesa para França, cujo ponto alto teve lugar nos anos 60 do século XX, em pleno regime do Estado Novo. Um êxodo na sequência da pobreza, da guerra colonial e da fuga a um regime totalitário. Foi nessa altura que terá sido cunhada a palavra ‘portugalidade’, à qual se refere, numa entrevista, o próprio realizador de “A Gaiola Dourada”, como uma alegada pertença a Portugal, e que associa à vida dos emigrantes portugueses em França mostrados no seu filme.

Depois de um período de acalmia no fluxo de emigração portuguesa durante os anos que se seguiram à revolução do 25 de abril, a crise financeira atual trouxe o fenómeno, de novo, para a ordem do dia, mostrando os índices disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE)1 a existência de um novo boom na saída de portugueses, fazendo lembrar os valores registados nos anos 60 do século XX. Uma tendência já verificada, de resto, em 2010, por Jorge Malheiros no artigo intitulado “Portugal 2010: O regresso do país de emigração?”. E, ao contrário do que o filme quer fazer crer, a existir, a “Gaiola” dos portugueses em França já não é ‘dourada’, sendo agora a palavra de ordem dos novos emigrantes lusos “sobreviver”, encarando a presença em Paris como uma passagem e já não como uma estadia para toda a vida, ao contrário do que acontecia com os seus antecessores.

A pretexto do filme “A Gaiola Dourada”, que trouxe para os média o debate sobre a emigração portuguesa, aproveitamos a ficção que ele encerra para analisarmos o fenómeno da emigração portuguesa para França, perspetivando-o no tempo e tentando traçar o perfil dos novos emigrantes, refletindo sobre o significado de identidade portuguesa na diáspora, a cultura portuguesa e as culturas de origem e, em tempo de globalização, questionarmos o sentido de ‘portugalidade’, palavra que nos últimos anos tem sido por vezes utilizada, depois de um hiato de vários anos verificado a seguir à extinção do Estado Novo.

Para o efeito, socorremo-nos da perspetiva de Vitorino Magalhães Godinho (“L'emigration portugaise (XVéme-XXéme siècles) - une constante structurelle et les réponses au changements du monde”, artigo publicado em 1978) que considera a emigração uma “constante estrutural” da demografia portuguesa, no que é secundado por Jorge Carvalho Arroteia, em “A Emigração Portuguesa. Suas Origens e Distribuição” (1983), num fenómeno que o livro “Portugal: Atlas das Migrações Internacionais” (2010), coordenado por Rui Pena Pires, mostra estar ligado, muitas vezes, à fuga à pobreza e à crise. Há, no entanto, que ter em atenção os números não conhecidos relativos à emigração clandestina, que fazem com que se tenha que duvidar dos índices apresentados, como advertem Maria I. Baganha e Pedro Góis, no artigo “Migrações Internacionais de e para Portugal: o que sabemos e para onde vamos?”, publicado na “Revista Crítica de Ciências Sociais” (1999), já que muitas vezes esses índices são discrepantes entre autores, nomeadamente em períodos em que a emigração estava proibida, como aconteceu durante o período do Estado Novo, para proteger o país das influências estrangeiras, como defende Vítor Pereira, em “A Ditadura de Salazar e a Emigração. O Estado Português e os seus Emigrantes em França (1957-1974)” (2014).

José Manuel Sobral enumera entre as características da identidade nacional, a partilha do nome ‘Portugal’ e do respetivo território, o que leva à formação de um sentido coletivo identificado pelo nome ‘portugueses’ e que abrange os que emigraram (Sobral, 2012). Mas será que, como refere Albertino Gonçalves (2009), os portugueses na diáspora ainda reavivam a “chama lusitana”? Recorde-se, a propósito, que o Presidente da República, Cavaco Silva, tem apelado por diversas vezes aos emigrantes para que estes sejam os veículos da ‘portugalidade’ na diáspora. Mas como podem os emigrantes que, na maior parte dos casos, são obrigados a abandonar o país por falta de condições mínimas de sobrevivência em Portugal (Lourenço, 2004 [1999]: 189), ser extensões de uma qualquer ‘portugalidade’?

 

2. O filme

O filme “A Gaiola Dourada” recupera a temática da emigração portuguesa depois de, no ano de 2012, se ter verificado um aumento significativo na saída de portugueses do país2 - provocando comparações com o êxodo de pessoas que saíram de Portugal nos anos 60 (séc. XX) -, batendo, no verão de 2013, recordes de audiência nas salas de cinema, tornando-se num fenómeno de popularidade3. Uma situação que poderá estar ligada ao facto de se tratar de uma história simples, cheia de humor e com ligações de proximidade a muitos portugueses que, direta ou indiretamente, viveram de perto o fenómeno da emigração dos anos 1960.

Tal como é referido na sinopse do filme4, o casal composto por Maria e José (como no presépio), de apelido Ribeiro, vive há cerca de 30 anos num dos melhores bairros de Paris, na casa da porteira, no rés-do-chão de um prédio. Eles são queridos por todos no bairro: Maria, porteira e José, trabalhador da construção civil; abnegados, trabalhadores e submissos, tal como, na vida real, são geralmente vistos pelos franceses os emigrantes portugueses. Com o passar do tempo, ambos se tornam indispensáveis no dia-a-dia dos que com eles convivem, tanto mais que, quando surge a possibilidade de concretizarem o sonho das suas vidas, regressam a Portugal na sequência de uma herança familiar, ninguém os quer deixar partir. O filme retrata a perspetiva do regresso da família a Portugal e os problemas que a sua partida vai colocar a toda a gente - à família Ribeiro e também aos franceses que habitam no prédio, ou mesmo ao patrão de José. Mas será que o casal estará, realmente, com vontade de deixar a sua preciosa ‘gaiola dourada’? O filme reflete sobre o eventual regresso dos emigrantes a Portugal, depois de anos a fio em França, onde têm as suas vidas definidas e a família sedimentada. Ironicamente, o filme evidencia a inversão do percurso lógico, com os filhos a rumarem a Portugal e os pais, que emigraram há muitos anos, a mostrarem-se apegados ao país de acolhimento, afinal de contas, o seu ‘verdadeiro’ país.

O realizador terá partido do seu próprio percurso para fazer uma longa-metragem que retrata a sua vivência pessoal, o que faz com que ele próprio se assuma como um cliché5. Não obstante, Ruben Alves rejeita tratar-se de um filme autobiográfico, o que não deixa de levantar algumas dúvidas, atendendo ao facto de o casal protagonista ter as mesmas profissões dos seus pais e toda a história associada. Ele é, como referimos, lusodescendente, daí que os pormenores da vida dos emigrantes portugueses em França estejam tão bem caracterizados. De facto, “A Gaiola Dourada” está pejada de clichés assentes quase sempre numa pretensa ‘tradição’ e sublinha uma alegada ‘forma de estar dos portugueses’ (que vêm sempre à baila quando o assunto são os emigrantes em França), recorrendo amiúde a estereótipos. Os relatos de plateias inteiras a baterem palmas no final do filme, são disso demonstrativos, o que poderá estar relacionado com o facto de a maior parte dos espetadores se reverem nas situações apresentadas, vincando alguns ‘valores’ e alegadas características dos portugueses (muitas das vezes assentes em comportamentos cujas caricaturas são conhecidas), como a sua tipicidade, tradicionalidade e preconceitos. Ao mesmo tempo, o filme pode ser visto como um tributo a várias gerações de portugueses que rumaram a França, levando na mala de cartão sonhos e esperanças que foram na maior parte das vezes difíceis de concretizar. Como assinala Clara Moura Lourenço (2008), embora o emigrante esteja muito presente na literatura portuguesa, “raramente a sua voz se faz ouvir em discurso direto, partilhando a sua sina com outros grupos marginalizados por uma cultura elitista” (Lourenço, 2008: S/P). Em França, o filme também teve índices de audiência elevados, sendo acompanhado por reportagens nos média, onde também vieram ao de cima vários estereótipos, nomeadamente retratando os portugueses como bons trabalhadores e obedientes.

De resto, o filme agradou a muita gente, mas também desagradou a muitas pessoas que o viram como denotando a sobranceria com que os franceses tratam os emigrantes portugueses, evidenciando a sua ignorância sobre as suas origens6. É o caso do produtor de cinema Paulo Branco que, em entrevista à CMTV, criticou o facto de os portugueses apresentados pelo filme “A Gaiola Dourada” representarem clichés, e que é, no fundo, a forma como às vezes a Europa gosta de nos ver: “dóceis, trabalhadores, aceitando todas as consequências. O que corresponde a uma distorção da realidade e que infelizmente ainda nos temos de bater contra esse tipo de clichés, muitas vezes quando estamos lá fora”. Paulo Branco refere que os emigrantes portugueses estão integrados na sociedade francesa e reagem como franceses, sendo que o filme tenta demonstrar o contrário: “Tudo acontece como se Portugal não tivesse passado pelas transformações que se conhecem, como foi o caso da revolução do 25 de abril” e, “mesmo não sendo os portugueses os únicos que são caricaturados na comédia francesa, neste filme, há uma forma quase racista na maneira como nós somos apresentados”7. Miguel Esteves Cardoso, por exemplo, na sua crónica diária no jornal “Público”, que intitulou “Um filme que não é”, criticava “A Gaiola Dourada” como sendo um filme que não valia a pena ir ver, referindo que “como português que sou, tive vergonha do filme, apesar de não ter tido nada a ver com ele”, reputando-o de “uma merda mᔠe que não tem graça, uma vez que “nem uma desgraça consegue ser” (Cardoso, 2013: 53). Já o cineasta e crítico Lauro António num post no seu blog intitulado “A Gaiola Dourada”, tece-lhe grandes encómios, sublinhando-lhe um argumento “bem urdido”, em que as personagens têm dimensão humana, e se impõem “pela sua convicção” e, mesmo que correspondam a estereótipos, a verdade é que funcionam bem, “uma vez que os estereótipos correspondem a personagens assim” (António, 2013: S/P). Critica o facto de o cinema português “ser sempre tão soturno”, pelo que o filme de Ruben Alves constitui uma comédia divertida “que fala de portugueses em França com elegância e bom gosto, com algum orgulho na nossa maneira de ser, sem choradinhos inúteis, colocando os pontos nos ii, quando é necessário” (António, 2013: S/P). Condena, ainda, os que desprezam a cultura de massas, privilegiando o denominado “cinema de autor”, fazendo votos para que o “cinema português ganhasse juízo de vez em quando”, enaltecendo o filme “A Gaiola Dourada” e evidenciando que, se se “agarrarem em temas portugueses e os trabalharem com sinceridade, sensibilidade e um olhar profundamente nacional, isto é, original em relação aos outros, faremos de certeza obras interessantes que não deixarão de despertar interesse” (António, 2013: S/P). E refere ter-lhe dado gozo “entrar numa sala quase esgotada e ouvir as reações francas de uma plateia rendida” (António, 2013: S/P).

Também na secção das “Cartas à Diretora” do jornal “Público”, se encontram referências ao filme de Ruben Alves, como é o caso da missiva assinada por José Alegre Mesquita intitulada “Família feliz dentro de uma Gaiola Dourada”, que refere o retrato de uma “certa emigração”, assente no estereótipo do português saloio e ignorante mas que “vende” (Mesquita, 2013: 43). Já no jornal “Expresso”, Irina Rosa observa que “lá por ser dourada não deixa de ser uma gaiola” (Rosa, 2013: S/P), o que indicia a privação de liberdade e, mesmo no caso de uma nova geração bem preparada e remunerada com vontade de explorar novas vidas, emigrando por necessidade, evidencia que nunca a opção em sair do país terá sido tomada de ânimo leve, não obstante o mundo ter mudado e o pensamento ser global e haver a necessidade de sair daquela que era expectável ser uma zona de conforto. No entanto, “A verdade é que nada disso é novo para os portugueses. Pelas piores razões, cedo descobriram o tamanho do mundo” (Rosa, 2013, S/P).

António Loja Neves, na revista “Atual” do jornal “Expresso”, num texto intitulado “Um filme ‘feel good’?” destaca a ideia de como uma comédia pode encobrir circunstâncias “que trazem ao filme (…) elementos prazerosos e o seu oposto. Caricatura não pode ser pilhéria” (Neves, 2013: 18). O autor refere-se à proliferação de lugares-comuns, em que a comédia “encobre um défice analítico que quase raia a humilhação”, sendo que “a fotografia das comunidades emigrantes fica tremida” (Neves, 2013: 18). De resto, a maior parte dos emigrantes portugueses em França não foram concierges, nem hommes de batiment, como mostra o realizador que se circunscreveu à sua própria experiência, uma vez que é largo o leque de profissões que exerceram: desde a distribuição aos taxistas, aos operários nas unidades fabris de automóveis (Neves, 2013). Para além disso, Ruben Alves sonoriza o filme com música de Rodrigo Leão, mas também recorre ao kitsch da “Casa Portuguesa” que se faz ouvir até à exaustão, para além dos acordes de “Tiro-Liro-Liro”, canção que soa a anacrónica, e de “Quero Cheirar Teu Bacalhau”, na utilização de uma lógica brejeira e, de certa forma, distante da narrativa que o filme pretende sublinhar. Ou seja: o cliché dos portugueses em França continua, apesar da tentativa do filme em sair desse registo. É que em “A Gaiola Dourada” é retratada uma emigração que se pretende pós-moderna, onde aparecem cantores contemporâneos a mostrarem que a emigração do tipo ‘mala de cartão’, protagonizada por Linda de Suza, já não existe. A este propósito, Eduardo Prado Coelho propõe que, se a identidade for procurada “naquilo que os povos estão mais perto do kitsch, da bétise, da cretinice, da estupidez” (Silva & Jorge, 1993: 133) – o que é sublinhado, de resto, pelo filme, através do desfile de clichés sobre os emigrantes portugueses em França – poderão ser encontrados traços mais concretos sobre a ‘especificidade’ dos países. No filme aparece, ainda, o ex-futebolista Pauleta, também ele ex-emigrante, mas de ouro, que marcava muitos golos na equipa do Paris Saint-Germain, numa altura em que o clube ainda não pertencia a um grupo árabe (no filme deixa-se perceber, através dos diálogos, que os romenos e os árabes estão a conquistar o ‘território’ da emigração portuguesa nos empregos a estes associados).

Embora, à primeira vista, possa parecer um filme despretensioso, mostrando situações conhecidas, que integram o anedotário sobre os emigrantes portugueses em França, não deixa de ser, ao mesmo tempo, um filme francês, com um olhar francês sobre as minorias e as suas questões identitárias num país de acolhimento, em que se pode concluir que a identidade é aquilo que nós queiramos que ela seja; que vale o que vale; e que provoca equívocos, tratando-se de um conceito que não é estanque, mas pelo contrário, bastante dinâmico. E, sem pretender generalizar o que quer que seja, o filme retrata uma certa forma de vida, de um género de emigrantes portugueses em França (bem integrados na sociedade), com o foco colocado na comédia, não deixando de evocar algumas atitudes assentes na grosseria que, como refere José Gil, tem como pior característica, não a ruína da forma, “mas a arrogância em julgar-se forma: violência característica do burgesso”, que, assim, “não chega a destruir completamente a forma, erigindo os seus borborigmos em linguagem única e livre” (Gil, 2005: 106).

O título do filme foi-o buscar o realizador a um programa televisivo onde uma idosa, que emigrara em jovem para França, confessava o seu sonho de regressar a Portugal, muito embora deixasse transparecer que se sentia bem onde estava, na sua “pequena gaiola dourada” (Cordeiro, 2013: 20). Um desabafo que encaixou na perfeição na ideia que Ruben Alves tinha para o filme que queria fazer, retratando a ‘gaiola dourada’ pelo lado em que os emigrantes (os que são retratados) ganharam a vida e criaram os filhos, não obstante a sensação de prisão, já que os apartamentos das porteiras são exíguos e têm grades. E, muito embora ninguém aprisione os portugueses, são eles próprios que se aprisionam a si próprios, como refere o realizador (Cordeiro, 2013: 20).

De resto, o filme tem o mesmo título de um livro de Shirin Ebadi (“La Cage Dorée”, publicado em 2009), a primeira juíza iraniana, vencedora do Prémio Nobel da Paz de 2003, e que se viu forçada, em 1979, a deixar o cargo após a chegada ao poder de Khomeini, decidindo lutar contra o regime, o que lhe valeu ser presa em Junho de 2000. O livro conta o drama de uma família esmagada pela história, que mistura ficção e realidade, onde o Irão é visto como uma ‘gaiola dourada’ gangrenada pela violência, corrupção, intolerância e opressão. Uma ‘gaiola dourada’ muito diferente da descrita pelo filme…

 

 

“A Gaiola Dourada” é, de resto, um produto muito marcado em Portugal pelo marketing que, para além de ter ajudado o filme a ser o mais visto de sempre, teve extensões práticas nessa área, tornando-o visível fora das salas de cinema. Foi, por exemplo, disponibilizado um flyer de divulgação, em forma de bacalhau, numa alusão direta à história contada no filme8. Para além disso, durante a transmissão televisiva do jogo da seleção nacional de futebol contra a sua congénere da Irlanda do Norte9, podia ver-se, no meio da claque verde rubra, um cartaz onde se podia ler “Força Bacalhaus!”, numa alusão clara ao filme, mas que pouco tem que ver com a realidade, já que os portugueses nunca foram conhecidos por ‘bacalhaus’, não obstante a sua alimentação privilegiar aquele pescado.

Balizado em parâmetros hollywoodescos, o sucesso do filme está espelhado nas notícias que lhe estão relacionadas, nomeadamente assentes na sua internacionalização, como o interesse de uma produtora dos EUA em fazer um remake de “A Gaiola Dourada” (Pinheiro, 2013, S/P); pelo facto de o filme ir ser exibido no ‘MoMa’ de Nova Iorque em 2014 (Jornal de Notícias, 2013: S/P); e de ter sido o preferido do público nos Prémios do Cinema Europeu (Lopes, 2013, S/P).

 

3. Emigração, patriotismo, ‘portugalidade’ e cultura ‘portuguesa’

A cunhagem da palavra ‘portugalidade’ coincidiu com o boom da emigração portuguesa para França registado no século XX10, muito embora não esteja diretamente relacionada com o fenómeno. E, muito embora o termo ‘portugalidade’ não esteja tipificado nos dicionários de referência de língua portuguesa e, nos dicionários mais comuns, como é o caso do que é editado pela “Porto Editora”, seja traduzido como “qualidade do que é português”, ou “sentido verdadeiramente nacional da cultura portuguesa” (Costa & Melo, 1995) – o que, convenhamos, é de difícil tipificação -, a sua cunhagem é balizada pelo portal Ciberdúvidas da Língua Portuguesa nas décadas de 50 e 60 do século XX11, portanto, em pleno Estado Novo12. Trata-se de um conceito, desde logo, centrado em Portugal e que pode ser contextualizado na ideia de “Portugal do Minho a Timor”, slogan do Estado Novo que começou a fazer o seu caminho em 1951 com a revogação do “Ato Colonial”, em que o Governo português passou a defender que Portugal seria um todo uno e indivisível, em que todas as colónias passariam a ser províncias, tal como as outras que existiam na ‘metrópole’. Foi desenvolvida a partir daí, toda uma retórica destinada a sustentar um mito que apoiasse a ideia de que não haveria razões para o desenvolvimento de movimentos independentistas nos territórios portugueses de África e da Ásia. De resto, a ‘portugalidade’ entra no discurso político da Assembleia Nacional (AN) apenas a 27 de abril de 1951 - 16 anos após o início da AN – servindo, através do único partido existente, a União Nacional, de eco da governação, disseminando a ideologia do Estado Novo (Sousa, 2013).

Numa altura em que a emigração atingia os maiores valores de sempre, o Estado Novo preocupava-se com a ideia de Portugal associado às províncias ultramarinas, não obstante a miséria existente nas suas fronteiras ‘originais’ e a ditadura fizessem com que muitos milhares de portugueses emigrassem, quase sempre para França e, na sua maioria, de forma clandestina.

A palavra ‘portugalidade’ foi cunhada, numa lógica a sublinhar, sempre, o lado positivo, branqueando a contestação à retórica oficial, por via da censura e da propaganda do regime. A ‘portugalidade’ foi incrementada para sublinhar que as ‘províncias ultramarinas’ eram território português, não estando, por isso, diretamente ligada à emigração dos anos 1960, nomeadamente para a Europa e, em especial, para França.

Mas, qual o significado de ‘portugalidade’ em relação à emigração, sabendo-se das razões que levaram milhares de portugueses a deixarem o país? Serviria para destacar alegadas características dos portugueses? Mas onde estão tipificadas essas ‘características’?

Eduardo Lourenço é bastante cáustico quando se refere à emigração e à sua ligação à diáspora, adiantando mesmo tratar-se de “uma aberração (…) que a nossa longa gesta emigrante, de continentais, madeirenses, açorianos, seja percebida como diáspora” (Lourenço, 2004 [1999]: 189). Partindo do princípio de que “diáspora é uma dispersão que, pela força, nos priva da pátria”, Lourenço explica que, se essa designação se transformou em lugar-comum, “É talvez apenas porque para a consciência ressentida ou amorosamente ferida dos que ficam na sua ‘concha’ (…) o emigrar aparece como uma espécie de culpa, de punição de quem parte” (Lourenço, 2004 [1999]: 189), muito embora se trate de uma “punição sem sujeito”, quer dizer que pode ser encarada enquanto “libertação, anseio de melhor vida ou de outro mundo menos especialmente confinado” (Lourenço, 2004 [1999]: 189). Já Jorge de Sena, que quase sempre foi emigrante, em declarações a Arnaldo Saraiva (“O Tempo e o Modo”), em 1968, a propósito de um alegado recorte comportamental dos portugueses, utilizava o humor para referir que Portugal não se salvaria “enquanto todos os portugueses não [fossem] obrigados, por lei, a fazer um estágio no estrangeiro, mas proibidos de se encontrarem uns com os outros” (Sena, 2013: 59). Uma proibição que reputava da maior importância, “para impedi-los de assarem coletivamente sardinhas, cozerem bacalhau com fervor nacionalista, ou trocarem, sofregamente, as últimas novidades do Chiado” (Sena, 2013: 59). Durante a II Guerra Mundial, em trânsito para os Estados Unidos da América, fugindo ao regime nazi, na Alemanha, o escritor Alfred Doblin (1992) esteve em Lisboa alguns meses e, descreveria em livro, alguns anos mais tarde, que uma das características dos portugueses consistia em cuspir para o chão (fossem homens ou mulheres). Será essa uma ‘característica’ dos portugueses e, por conseguinte, da ‘portugalidade’?

No caso de “A Gaiola Dourada”, quem é, afinal, o ‘português’? Quem partiu para França e lá ficou, ou os seus descendentes que são franceses, mas que (no filme) se vão instalar no país dos pais? O que vale ser português? Ser conhecido pelo epíteto de ‘trabalhador’? Aquele que faz tudo que lhe mandam sem pestanejar nem protestar? Aquele que se junta aos outros portugueses no café, junto dos compatriotas, e bebe cerveja da marca que há no seu país (no caso do filme, da ‘Superbock’, que está omnipresente, a indiciar um eventual patrocínio encapotado)? Aquele que se cruza com a verdadeira vida dos franceses, mas apenas e só quando isso é do interesse destes?

3.1. ‘Portugalidade’ e patriotismo

Em “A Gaiola Dourada” o realizador refere-se à ‘portugalidade’ como alegada ‘pertença a Portugal’, recorrendo ao seu percurso, que o próprio reputa de cliché. Mas será que essa pertença a Portugal é sinónimo de ‘portugalidade’? Configurará a ideia de ‘portugalidade’ – mesmo que não tipificada, como vimos, nos dicionários de referência -, um certo patriotismo?

Quem afasta a possibilidade de o amor à pátria poder ser sinónimo, por si só, de patriotismo é Igor Primoratz. No artigo sobre patriotismo que assina na Enciclopédia de Filosofia online da Universidade de Stanford (2009), o termo é definido através de quatro dimensões: i) sentimento especial pelo país; ii) identificação pessoal com o país; iii) preocupação com o bem-estar do país; e iv) capacidade de sacrifício para promover o bem do país. Ou seja: não basta dizer-se que se ama o país (conceito mais comum) para se ser considerado um patriota (Primoratz, 2009).

Para Anthony D. Smith, ‘nação’ refere-se a uma dada população humana que habita um território histórico e “que partilha mitos e memórias históricas comuns, uma cultura pública e de massas, uma economia comum e os mesmos direitos e deveres legais para todos os seus membros” (Smith, 1997 [1991]: 43). Trata-se de uma definição com recortes de “tipo ideal” que, como o próprio explica, pode ser entendida num sentido modernista, o que não obstaculiza a possibilidade de encontrar elementos étnicos que sobrevivem nas nações modernas.

Já Eduardo Lourenço refere que, “como todo o verdadeiro amor, o patriotismo é, por assim dizer, 'silencioso'. Silencioso, mas ativo. A devoção ao bem comum que nele se incarna só os atos que exteriorizam lhe conferem conteúdo e significado” (Lourenço, 1989: 4), pelo que defende tratar-se de um sentimento em princípio positivo, ao contrário do nacionalismo, visto geralmente como uma forma exacerbada de patriotismo e com efeitos perversos como a xenofobia. Em 1986, José Augusto Seabra, no livro “Cultura e Política ou a identidade e os labirintos”, advertia para a necessidade de a universalidade da cultura portuguesa dever ser acentuada, o que pressupunha “superar duas das degenerescências serôdias da nossa mentalidade: o nacionalismo e o provincianismo”, ambos correspondendo “nas suas metástases, [a] uma alienação do patriotismo e do municipalismo autênticos”, que evidenciam a construção independente do povo português (Seabra, 1986: 114). Salientava que a alienação do universalismo correspondia ao internacionalismo, “mera fórmula abstrata ou então justificação da realpolitik de imperialismos totalitários (Seabra, 1986: 114).

A identidade, cujo sinónimo mais vulgar é “qualidade do que é idêntico” pode, no entanto, assumir outras perspetivas interpretativas, tudo dependendo do contexto em que o termo é utilizado. José Mattoso (2008) propõe algumas pistas explicativas para a atribuição de significado e de valor ao conceito, introduzindo-lhe dimensões geográficas, políticas e sociais. E é no campo da Sociologia que a definição mais comum de identidade também é mais contestada, nomeadamente no que se refere ao aspeto relativo àquilo que é idêntico e permanece, numa continuidade que se não descaracteriza ao longo do tempo. Tudo por causa do facto de a identidade se não cingir “à mesmidade-continuidade, sem dar conta da sua dimensão relacional, estratégica e de poder” (Ribeiro, 2011: 33). O que quer dizer que toda e qualquer identidade é construída, resultando de um processo “com base num atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qua(is) prevalece(m) sobre outras fontes de significado” (Castells, 2007 [1997]: 3). Não obstante no Portugal contemporâneo a reflexão sobre a identidade nacional não se tenha aprofundado como noutras nações europeias, o assunto nunca deixou de estar presente na historiografia e na literatura, tendo-se mesmo desenvolvido e rumado em várias direções após a queda do denominado ‘Império português’ (Matos, 2002). O facto é que hoje mais do que nunca o discurso sobre a identidade prolifera, havendo mesmo quem sublinhe a existência de “uma verdadeira explosão discursiva” em torno do assunto que passou mesmo a parecer-se como uma “avalanche” (Sousa, 2011).

Anthony D. Smith reconhece que a construção da nação, para além de implicar a existência de mitos coletivos e a territorialização étnica, requer assimilação cultural, educação pública de massas e estandardização legal (Smith, 1997 [1991]:115). Observa, por isso, que os autores que defendem a localização da nação e do nacionalismo na transição para a época moderna, complicaram a tarefa de explicar o sentimento de ligação a um passado étnico. Não põe de parte, porém, a generalidade das análises do contexto sobre o facto de as nações e o nacionalismo terem emergido na idade moderna. Tem uma visão da nação como um “depósito histórico” – anterior à Idade Média -, sendo que a sua compreensão deriva da interpretação do passado comum protagonizado quer pelos historiadores, quer pelos nacionalistas (Smith, 1997 [1991]: 178-179). Se o nacionalismo, que define como “o movimento ideológico que procura alcançar e manter a autonomia, unidade e identidade para uma população que alguns dos seus membros pensam constituir uma ‘nação’, atual ou potencial” (Smith, 1997 [1991]: 71-73), tem recortes modernos, também tem vários aspetos relativos à pré-modernidade. Nesse sentido, advoga que o nacionalismo desempenha um papel fundamental no que respeita ao passado étnico, abrindo, dessa forma, portas à possibilidade de compreender o presente da nação enquanto comunidade moderna. Para Smith, a identidade nacional não constitui um elemento estanque, sendo qualquer coisa em reconstrução permanente, “em resposta a determinadas necessidades, interesses e perceções, embora sempre dentro de determinados limites” (Smith, 1997 [1991]: 17). Nesse quadro, na relação entre passado e presente, refere a importância dos processos de recorrência, de continuidade e de reapropriação. E, embora reconhecendo que as obras dos autores nacionalistas contribuíram para a compreensão do passado no que respeita à comunidade de ascendência comum, chama a atenção para a existência de processos relativos à “invenção das tradições”, sustentando que estes não podem ser assumidos como explicativos do facto nacional (Smith, 1997 [1991]: 129-131).

Albertino Gonçalves destaca três efeitos que os discursos de identidade comportam e que o sociólogo pode reproduzir, ampliar legitimar: de reificação, de desdialetização e de dominação. Todos eles remetem para essências, estando estas ligadas a estados (lusitanidade [portugalidade]) ou a destinos (V Império), “absolutizam o que é relativo, substantivam o que é relacional, fundamentam na natureza ou no mito o que é histórico”, propiciando, nesse sentido, efeitos de reificação (Gonçalves, 2009: 61); evidenciando que “uma vez (pre)dita, à entidade resta-lhe cumprir a predição” (Gonçalves, 2009: 61); convoca o Princípio de W. I. Thomas relativo às predições criadoras: “uma crença falsa nos seus fundamentos, pode revelar-se verdadeira nas suas consequências” (Gonçalves, 2009: 62); “Os discursos de identidade tendem a suspender ou a exorcizar a negatividade”, e “tanto a hétero-identificação, que categoriza o outro, como a autoidentificação, que reconhece o semelhante, diluem e atropelam a diversidade” (Gonçalves, 2009: 62); “Socialmente construídas, as identidades, sempre polémicas, envolvem bricolages ideológicos” (Gonçalves, 2009: 63); “Estas construções podem ser mais ou menos bem sucedidas consoante os casos e as circunstâncias. Convém, contudo, não esquecer que relevam de estratégias de poder que, operando com arbitrários culturais, implicam o recurso à violência simbólica” (Gonçalves, 2009: 63); “Relativas e questionáveis, as propostas identitárias tendem a converter-se, pela fé e pela crença, em princípios absolutos. Reencontramos, mais uma vez, a alquimia da dominação e o efeito de reificação. O meio ultrapassa o fim e a essência trava a potência” (Gonçalves, 2009: 63).

No livro “Portugal, Portugueses: Uma Identidade Nacional” (2012), José Manuel Sobral enumera entre as características da identidade nacional, a partilha do nome ‘Portugal’ e do respetivo território, o que leva à formação de um sentido coletivo identificado pelo nome ‘portugueses’ e que abrange os que emigraram. Para Sobral, “ser português é reconhecer-se como parte de um coletivo que não se sobrepõe, antes coexiste com todas essas diferenças e os conflitos que lhe são inerentes” (Sobral, 2012: 17-18), destacando como fatores de diferenciação a crença religiosa, os valores geracionais, as clivagens políticas, e, em alguns casos, as identificações regionais. Defende, a propósito, que a nação “é um produto de processos situados no tempo e no espaço”, que se afiguram como “um produto da ação humana que, a partir da formação de uma entidade política – Estado medieval -, constrói lentamente um coletivo diferenciado” (Sobral, 2012: 18), pelo que a forma de analisar o processo será através de um exame histórico. Refere, contudo, que “ser-se português não implica partilhar uma qualquer essência ou substância inefável, mas tão-só reconhecer-se a si e a outros como tais, e a outros como diferentes, estrangeiros”, e que os epítetos associados ao ser-se português “nunca terá sido algo de homogéneo e ainda hoje o não são” (Sobral, 2012: 33). Adverte, no entanto, para o facto, de as definições sobre pátria, nação, e, por exemplo, identidade, não serem pacíficas e que a ideia de Portugal enquanto estado-nação ficou enfraquecida com a globalização e a construção da União Europeia: “A este respeito, não deixa de ser esclarecedor que um símbolo fundamental da criação de uma identidade específica, a moeda própria, tenha desaparecido” (Sobral, 2012: 98), sendo que outro facto relevante que destaca, prende-se com a aproximação da ligação com Espanha. Sublinha, ainda, o contexto em que Portugal vive hoje, decorrente da pós-colonialidade, que terá provocado alterações nas dinâmicas identitárias:

O antigo Império desapareceu em 1975, e da expansão só ficaram as ilhas atlânticas chamadas, outrora, “adjacentes”. Portugal, país de emigração, passou a ser também um país de imigração. E passou a ter em número significativo, como cidadãos nacionais, portugueses que não haviam nascido no País, ou cujos antepassados provinham de outros países que não Portugal, como aqueles que vieram das antigas colónias. O Portugal pós-colonial é diferente do que era há algumas décadas, embora esta realidade não tenha ainda alterado as percepções antigas e muito maioritárias do que é ser-se português, que se revelam, por exemplo, num orgulho na história centrada na génese e construção de um império extra-europeu (Sobral, 2012: 97).

O enfraquecimento do Estado decorrente da globalização, por via de uma nova era pós-nacional e cosmopolita, poderia, segundo Sobral, tornar em algo do passado as “identidades circunscritas”, o que não diz que não irá acontecer, não obstante as mudanças rápidas que se estão a operar já que “se as dinâmicas cosmopolitas são uma parte do presente, as identidades nacionais e os nacionalismos estão longe de desaparecer” (Sobral, 2012: 98). Uma perspetiva já antes avançada por Anthony D. Smith que salientou que o nacionalismo está destinado a florescer “enquanto persistirem os fundamentos sagrados da nação e o materialismo e individualismo seculares não tiverem minado as crenças essenciais numa comunidade de história e destino” e a identidade nacional “continuará a servir de material básico de construção da ordem mundial contemporânea” (Smith, 2006 [2001]: 213).

Trata-se de uma visão que não é partilhada pelo historiador Diogo Ramada Curto, que refere que, no caso de José Manuel Sobral, na obra citada, “cria o espaço necessário para as impressões mais subjetivas acerca da identidade nacional” (Curto, 2012: S/P). Na crítica que fez à publicação no jornal “Público”, refere que o autor, “ao fazer variar os seus ângulos de análise na compreensão da identidade dos portugueses”, acentua dois aspetos assumidos como argumentos principais: “a necessidade de se pensarem historicamente as práticas de identidade nacional recorrendo à longa duração, a começar pelo período medieval” e “o reconhecimento de uma presença constante do império e das colónias na narrativa histórica posta ao serviço da identificação dos portugueses” (Curto, 2012: S/P). O que quer dizer que os factos escolhidos para sustentar a identidade nacional portuguesa implicam que se tivessem que excluir outros, eventualmente mais importantes, como refere Ramada Curto, dos quais destaca:

a dimensão estrutural da emigração, as vidas constituídas à margem ou contra as configurações mais institucionalizadas do Estado e do império, as discriminações sociais e racistas que acompanham o mesmo processo expansionista, e as permanentes práticas de violência que foram alvo de uma glorificação bem arcaica (Curto, 2012: S/P).

Moisés Martins (2011) assinala que, com a globalização e a falência da ideia aristotélica de unidade, a crise naturalizou-se na vida social, já que o incremento da velocidade e a alteração do conceito de tempo, conduziu à fragmentação, à passagem do uno ao múltiplo e à crise de paradigmas. O conceito de identidade, por exemplo, à luz de uma lógica pós-moderna, sofre um ajuste interpretativo, na sequência da perda do sentido de unidade associado à modernidade. Na contemporaneidade a ideia clássica de harmonia é subvertida, o que se alastra à imagem nacional, assente numa coletividade, que também é estilhaçada no que concerne à construção da identidade. Colocam-se, assim, em causa as narrativas sobre a História e a Nação, facto que Jean-François Lyotard (1986) sublinha ter como consequência a perda da credibilidade das metanarrativas fundadoras. São, assim, sublinhadas as noções de fragmentação, de heterogeneidade, dando-se mais importância às denominadas margens do conhecimento. Segundo Lyotard, a pós-modernidade questiona a legitimidade dos valores de alegada emancipação totalizante, colocando em causa, e desmistificando a homogeneidade das narrativas que, antes, subordinavam, explicavam, organizavam outros discursos, impedindo as diferenças13.

Toda a lógica da modernidade foi desconstruída, provocando o descentramento e colocando em causa a legitimidade e a ‘bondade’ explicativa anterior. A ideia de totalidade ruiu e, com ela, a ideia da existência de um princípio, um meio e um fim. Cai, assim, por terra a organização hegeliana de tese, antítese e síntese, uma vez que todos estão, agora, convocados para o presente, sabendo-se da existência de um princípio, mas não de um fim. Para essa desconstrução muito contribuiu Derrida (1971), que não lhe associa a ideia de destruição, mas de desmontagem, e de decomposição nomeadamente dos elementos da escrita. Para além disso, com a cunhagem do conceito ‘différance’, o filósofo sublinha a existência de dois sentidos: um, que remete para o futuro (tempo) e, outro, para a distinção de algo criado pelo confronto, choque. Nesse sentido, o significado é sempre adiado ou postergado, pela existência de uma cadeia sem fim de significados e, para além disso, a diferenciação entre elementos um do outro, promove oposições binárias e hierarquias que sustentam o próprio significado (Derrida, 1971: 1-28). Este processo amplo de mudança abalou os quadros de referência que davam aos indivíduos estabilidade no mundo social (Hall, 2000 [1992]). Questionam-se, assim, as ideias preconcebidas sobre si próprio, sobre o outro e sobre o mundo (Dubar, 2011), passando-se da identidade tida como 'definitiva', à identidade não tipificada, que sai da esfera da visão centrada em 'nós' próprios. Rita Ribeiro (2011) chama a atenção para a volubilidade do conceito de identidade e da sua vocação para tornar-se num palimpsesto.

Stuart Hall (2000 [1992]) evidencia que a compressão do binómio espaço-tempo fez com que as identidades criadas na Europa a partir do Renascimento e do Iluminismo, estejam em declínio, provocando a fragmentação do sujeito e a consequente ideia de crise pelo descentramento das identidades. Propõe três conceções de identidade, todas elas associadas a épocas diferentes: a do Iluminismo, centrada no indivíduo; a do sujeito sociológico, traduzida na crescente complexidade do mundo moderno, na interação do indivíduo com a sociedade; e a identidade do sujeito pós-moderno, que encerra a fragmentação do sujeito e as suas várias identidades, que não são permanentes nem fixas (Hall, 2000 [1992]). O que, segundo Bauman (2001), significa que a ‘modernidade líquida’ implica que as identidades também são instáveis, tornando-se híbridas e deslocadas de qualquer vínculo local. Stuart Hall (2000 [1992]) assinala, ainda, o recorte cultural híbrido das identidades inclusivamente dentro de um mesmo estado-nação, sendo que este, através da globalização, desloca as suas próprias identidades nacionais, não obstante a tendência para a sua homogeneização, sublinhando a diferença, e a alteridade.

Não será por isso de estranhar que o filósofo Rui Nunes se refira à pátria como sendo um conceito “de uma grande fluidez”, observando que quando ela é invocada, pretende-se falar de estado ou de nação, ou da terra onde se nasceu ou mesmo da língua. Ou da própria viagem, que também é lugar onde a pátria nasce: “Porque só nos apercebemos da sua existência quando nos distanciamos dela. E falamos dela e gostamos dela. Mas quando regressamos, a sufocação volta” (Carita, 2013: 36).

Em “A Gaiola Dourada”, a ligação ao país assenta numa ideia nebulosa, pintalgada de verde e vermelho, sempre acompanhada pelo cachecol da seleção nacional de futebol portuguesa. Mas, mesmo para aqueles que nasceram em Portugal e estão em França há mais de 40 anos, o ‘coração’ não prima pela racionalidade, sendo por isso, algo de estranho. E, muito embora balance para umas alegadas raízes, o corpo acorrenta-se ao país de acolhimento. Mesmo que os média e os responsáveis políticos mais proeminentes do país mostrem uma visão mítica de uma alegada ‘portugalidade’, com Portugal vestido de Mourinho-Ronaldo-Mariza, a realidade sublinha o Portugal-pobre-e-falido, que não deixa de ser recorrente. José Eduardo Agualusa (2009) resume, de certa forma, a relação dos portugueses com Portugal que diz ser bastante desvirtuada quando é comparado com a grandeza dos outros países, facto que tem que ver com a cultura nacional. E, se para um estrangeiro, isso se pode confundir com desamor, o escritor realça que isso não passa de um “grave equívoco”, já que para um português, “maldizer a pátria é uma forma superior de patriotismo” (Agualusa, 2009: 73).

3.2. ‘Portugalidade’ e cultura ‘portuguesa’

Stuart Hall defende que para se falar sobre a existência de uma eventual centralidade da cultura, torna-se necessário deixar para trás a ideia de verdade absoluta. Nesse sentido, a temática da identidade, à luz da cultura, coloca em causa a tradição disciplinar assente na existência de um sujeito monolítico. Hall, questiona o lugar da cultura através das suas centralidades substantivas, enquanto “o lugar da cultura na estrutura empírica real e na organização das atividades, instituições e relações culturais na sociedade, em qualquer momento histórico particular” e epistemológico, que se refere “à posição da cultura em relação às questões de conhecimento e conceptualização, em como a ‘cultura’ é usada para transformar a nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo” (Hall, 1997: 208-209).

Dessa forma, quando se fazem alusões sobre a existência de uma cultura ‘portuguesa’ será que há alguma forma de sustentar essa ideia? Como vimos, a ‘portugalidade’ – um termo que assenta num certo ‘imaginário’ fundado numa determinada ideologia -, não consta dos dicionários de referência. Não obstante, há inúmeras alusões à palavra, ligando-a não raras vezes a um aspeto cultural identitário dos portugueses e daquilo que é ‘verdadeiramente’ português, o mesmo acontecendo noutros países, embora em contextos diferenciados e com géneses diversas14.

A propósito desta temática e tentando responder à questão da existência ou não de uma cultura portuguesa, foi promovida, em 1992, uma mesa-redonda alargada, coordenada por Augusto Santos Silva e Vítor Oliveira Jorge, (cujo resultado foi publicado em livro, com coordenação de ambos, em 199315), que contou com a participação de vários especialistas de áreas diversas. Foram encontradas quatro respostas, na tentativa de explicar em que condições se pode falar de cultura portuguesa. i) Pode, assim, falar-se da “cultura dos portugueses”, referindo-se aos padrões de conduta e às práticas e obras culturais de grupos sociais portugueses, em que se impõe a diversidade. E, mais do que a procura de unidades míticas, “importa atender às diferenças de escala, contexto, condição e projeto dos atores que invocamos. A cultura nacional declina-se no plural, é um mosaico de culturas regionais, de classes (…)”; ii) Através de um processo dinâmico, “por vezes subtil ou quase impercetível, de ‘endogeneização’ de contributos externos que queremos, assim, ressaltar”; iii) Pela via da “especificação da singularidade social portuguesa, tal como ela é apercebida quando traçamos comparações internacionais sistemáticas”; iv) Finalmente, utilizando os três sentidos anteriores, “podemos tomar o tema da cultura portuguesa como uma imagem elaborada por intelectuais, por ideólogos ou mesmo por atores comuns”, sendo esse o motivo da “criação da identidade cultural dos portugueses”. Nesta perspetiva, o olhar poderá ser doutrinário ou analítico, cúmplice, distanciado ou mesmo desconstrutivo relativamente “às criações estéticas, filosóficas, eruditas ou de senso comum sobre a nossa própria realidade, quer no presente quer na sua dimensão histórica” (Santos & Jorge, 1993: 12-13).

O tema, como sintetizam os autores na introdução da publicação, provocou um vivo diálogo entre especialistas das ciências humanas, “que tendiam a valorizar a cultura dos portugueses”, e os especialistas mais vinculados à cultura estética e literária, “que prestavam muita atenção às tentativas recorrentes de definir uma identidade cultural, mesmo que mítica, da Nação” (Silva & Jorge, 1993: 13). O que significa que para uns há uma cultura portuguesa “justamente na medida em que os pensadores têm proposto uma imagem, mítica ou não, do que é Portugal, e é essa imagem que acaba por dar unidade à nossa cultura”, sendo que outros preferem o caminho da “desconstrução de qualquer ideia identitária, sugerindo que ela tem de ser contextualizada histórico-sociologicamente e sujeita a um trabalho permanente de desmistificação” (Silva & Jorge, 1993: 13). A construção e a desconstrução dos elementos alegadamente ‘característicos’ da ‘cultura portuguesa’ constitui, então, “um movimento pendular mais ou menos inevitável” (Silva & Jorge, 1993: 13):

A perspectiva científica, analítica, tende a dar mais ênfase ao segundo aspecto, o da desconstrução, para historicizar, contextualizar, mostrar o carácter particular (no tempo, espaço, e em conjuntos de pessoas específicos) de determinados comportamentos ou representações. A primeira visão, porém, impõe-se também como síntese reflexiva, necessariamente variável de pessoa para pessoa ou de grupo para grupo. Essa síntese pode ser consciencializada, trabalhada como teoria explicativa do que é “ser português”, ou, no outro extremo, apenas vivida e articulada em torno de hábitos, afectos, símbolos colectivos, que o emigrante, por exemplo, procura reproduzir (pelo menos ao nível privado ou de pequenas comunidades) no país que o acolhe (Silva & Jorge, 1993: 14).

Quando se fala em ‘cultura portuguesa’, está a falar-se de identidade coletiva do povo português, que vive dentro de fronteiras estáveis ao longo de séculos. Mas pode, também, colocar-se do ponto de vista da identidade individual:

Se a identidade de uma pessoa é uma realidade sempre trabalhada, sempre em negociação, multiforme, também a identidade colectiva terá de ser um conjunto de representações que, traduzindo a variedade dos grupos e dos interesses, aponte em cada momento para um tecido mínimo que sustente a coesão social, para ter de se reformular no momento seguinte, como decantação de múltiplas forças, múltiplas contradições e interesses que coexistem no seio da comunidade (Silva & Jorge, 1993: 15).

E, numa altura (1992) em que se perspetivava uma mutação na noção de estado-nação, os mesmos autores questionavam que, talvez, “as identidades colectivas [deixassem] de ser feitas de estado contra estado, mas por inclusão” (Silva & Jorge, 1993: 15), por integração dos indivíduos e dos grupos em ‘escalas de identidade’, em que o facto de alguém se sentir português extravasa os limites do país, podendo cruzar-se com outras latitudes:

Se nos sentimos portugueses, somos também ibéricos – e portanto já resultantes de um profundo cruzamento das tradições judaica, cristã e muçulmana. E somos ainda europeus, habitantes do Mundo Antigo. E cidadãos do planeta, cada vez mais articulado pela rede dos negócios, das comunicações, das viagens – e dos problemas da mais chã sobrevivência. Pensar na nossa cultura não deixará de ser pensar também nos modos como poderemos fazer essa articulação “planetária” um mundo de sentido e convivência em que todos nos reconheçamos, na diversidade que é a raiz mais funda da unidade da espécie humana. (Silva & Jorge, 1993: 15).

Um dos especialistas presentes na mesa-redonda foi Boaventura de Sousa Santos, referindo que as culturas não estão fechadas e que, de alguma maneira, todas elas são fronteiras. No entanto, devido à experiência histórica relativa à sociedade portuguesa, a diferença existente é “diferente”. O sociólogo evidenciava não ser em vão que a maioria dos portugueses tenha “dentro de si uma memória cultural de dupla cidadania, isto é, o português não é cidadão de um país só. É cidadão de Portugal, como é da América, como é de Moçambique, como é de Angola, como é de França”, o que torna difícil “as cidadanias estandartizadas dos portugueses” (Silva & Jorge, 1993: 36). Dizia existir “uma falta de lealdade estandartizada e homogeneizada”, justificando a criação de formas de violência “babélica, e outras formas de falta de protagonismo face ao outro, com excessiva identificação” (Silva & Jorge, 1993: 37). Já Eduardo Lourenço, na mesma mesa-redonda, defendia a ideia de que Portugal tem uma hiperidentidade, porque tem um deficit de identidade real que compensa no plano imaginário (Silva & Jorge, 1993: 38), observando que “os portugueses ficam muito portugueses, ficam sempre portugueses” (Silva & Jorge, 1993: 39). E, a propósito de quem se refere aos povos como independentes da existência de sinais próprios e de características diferenciais de autoidentificação, assinalava ser “estranho perceber como é que, em contacto e deslocados do seu lugar de origem, os portugueses continuam a preservar a sua essência, entre aspas ou mesmo sem aspas” (Silva & Jorge, 1993: 39), que refere ter sido sempre motivo de admiração. Não obstante, Lourenço salientava que essa essência é de difícil definição, aventando como possível explicação o facto de os portugueses se tivessem sempre de definir em relação a outros pela sua própria debilidade.

O facto de Portugal ser um país para o qual a preservação da continuidade histórico-política foi sempre inconscientemente, ou na realidade histórica, uma dificuldade (não é o único país, há outros, mas esses perderam na História, na Europa Central, por exemplo), fez com que nós tenhamos, se não um sentimento de ordem positiva, um sentimento de identidade intensamente negativo. Nós não queremos ser o outro. E isto também é uma marca. E, não querendo ser o outro, somos qualquer coisa que nos estabelece numa diferença, já neste capítulo (Silva & Jorge, 1993: 39).

No filme “A Gaiola Dourada” destacam-se as incongruências entre a realidade e aquilo que alguns gostavam que acontecesse, nomeadamente em relação a Portugal: visto como um regresso quase mítico às origens, mas que não corresponde à verdade nos dias que correm, em que a globalização diluiu as fronteiras e o mundo, por assim dizer, ficou mais pequeno, devido ao encurtamento das distâncias (físicas e comunicacionais). Este tipo de lógica é utilizada, nomeadamente, pelo discurso político, sendo o Presidente da República, Cavaco Silva, um grande cultor dessa retórica, apelando por diversas vezes aos emigrantes para que estes sejam os veículos da ‘portugalidade’ na diáspora16.

Na mesa-redonda que temos vindo a citar, sobre a existência de uma identidade portuguesa, a antropóloga Eglantina Monteiro salientava que ela estava ligada a um período coincidente com o fechamento de Portugal ao exterior, uma vez que “a questão da nossa identidade ou da construção das múltiplas identidades, põe-se na confrontação com o outro, com a alteridade” (Silva & Jorge, 1993: 46). É através da diversidade da identificação que se poderá organizar um povo, o que significa tratar-se do “início do anti-racismo, do anticolonialismo e do anti-sexismo, porque assim se escapa aos perigos da marginalização e subordinação sociais, muitas vezes ligadas à ideia de identidade” (Silva & Jorge, 1993: 46). O historiador Diogo Ramada Curto contrapunha com a ideia de que, mais do que a oposição entre a identidade e a alteridade, o problema assentava nas “formas de contextualização e de historicização de determinados objectos” (Silva & Jorge, 1993: 137). Ora, mais de 20 anos depois, o historiador Pedro Cardim, num artigo de opinião publicado no jornal “Público” intitulado “Portugal, Catalunha e Espanha ou o uso que o nacionalismo faz da história”, veio mostrar que aquilo que era referido por Ramada Curto se veio a verificar, estando patente na evolução na historiografia [no caso de Portugal e de Espanha] numa mudança que aconteceu após a democratização, e em que “quase todos os historiadores dos dois países puseram de lado as paixões nacionalistas e desenvolveram investigações cientificamente alinhadas com o que de melhor se faz no plano internacional” (Cardim, 2014: S/P).

Fazendo, de certa forma, a síntese sobre toda esta problemática, e apontando um eventual caminho a seguir, José Mattoso sublinha que se o critério de análise for o da objetividade, excluem-se desde logo as teorias míticas e messiânicas, “tão insistentes, tão carregadas de emotividade, acerca do destino universal do povo português, do seu insondável ‘mistério’ e da sua irredutível originalidade” (Mattoso, 2008: 97).

 

4. A emigração portuguesa: uma ‘constante estrutural’

Vitorino Magalhães Godinho (1978) considera a emigração uma “constante estrutural” da demografia portuguesa, já que essa prática está associada à população do país desde a conquista de Ceuta (1415), assumindo novos recortes a partir de 1420-1425, na sequência da fixação dos primeiros colonos, com carácter permanente, na ilha da Madeira, território então recém-descoberto, como assinala Joel Serrão (1970). O fenómeno estendeu-se a outras ilhas, com a necessidade existente em colonizá-las – casos de Açores, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe -, acontecendo o mesmo após a descoberta do Brasil e, sobretudo, “a partir do século XVI, com a transferência do eixo da política colonial do Índico para o Atlântico e as tentativas de ocupação daquelas terras” (Arroteia, 1983: 11). Humberto Moreira assinala que, a par das estatísticas sobre nascimentos, casamentos e óbitos, constantes dos registos paroquiais, “a emigração aparecia de igual modo, desde os finais do século XIX, nas publicações estatísticas nacionais de âmbito demográfico” (Moreira, 2006: 51). Rui Pena Pires aponta como razões para a emigração dos portugueses, a fuga à pobreza e à crise, o que não significa “que os emigrantes sejam sempre os mais pobres dos pobres, nem que toda a migração tenha origem na pobreza” (Pires, 2010: 15).

Há, no entanto, que ter em atenção que os índices disponíveis sobre o fenómeno da emigração não integram a emigração clandestina, pelo que há a necessidade em problematizar alguns dados, sendo conveniente salvaguardar “a hipótese de as características conhecidas serem uma pobre, e muito provavelmente, errónea representação do fluxo migratório global”, como referem Maria I. Baganha e Pedro Góis (1999: 250). Para além disso, referem que os estudos existentes à data, pareciam desconhecer que “mais de 48% e de 81% dos emigrantes entre 1960-1969 e 1970-1979, respetivamente, deixaram o país de forma clandestina”, pelo que se se tivesse em conta o seu perfil demográfico e as suas características socioeconómicas “muito provavelmente alteraria por completo o que se escreveu e escreve sobre a evolução destas mesmas características” (Baganha & Góis, 1999: 250), pelo que referiam ser necessário para a investigação tipificar os perfis do emigrante clandestino, bem como quais as redes de apoio por eles usadas, e que tipo de negócios promoveram.

De resto, Vitorino Magalhães Godinho (1978) considera que, desde sempre, a emigração clandestina ou, pelo menos a que nunca foi registada, se revelou extremamente importante, referindo a existência de relatos em épocas distintas, a atestar a extensão do fenómeno. Jorge Carvalho Arroteia refere que esse movimento se tem desenrolado ao longo de décadas, “sempre apoiado por inúmeras redes de engajadores que, por esta forma, prometem minimizar as dificuldades impostas pela emigração legal”, primeiro em direção ao Brasil e, mais tarde para a Europa (Arroteia, 1983: 99). Vítor Pereira sublinha ter sido, no entanto, através da emigração clandestina “que os migrantes portugueses puderam obter, para si e para as suas famílias, melhores condições de vida e contribuir para a modernização de Portugal e para o processo de europeização” (Pereira, 2014: 429). A contribuição dos migrantes é, no entanto, negligenciada na historiografia e nos discursos públicos portugueses, sendo frequentemente comparada a uma fuga, a um fracasso e a um símbolo de atraso do país: “A emigração continua a ser até aos nossos dias um fenómeno que as elites portuguesas preferem calar” (Pereira, 2014: 429). José Manuel Sobral contrapõe, salientando não terem sido apenas as elites que estiveram envolvidas no fenómeno da emigração associada aos descobrimentos portugueses e que “O empreendimento constituiu uma oportunidade para muitos dos habitantes de Portugal, incluindo os mais pobres, tentarem melhorar a sua fortuna e posição ou, pura e simplesmente, para escaparem à pobreza existente nas cidades e nos campos” (Sobral, 2012: 44). Já Miguel Real (2013), no livro “Nova Teoria do Sebastianismo”, defende que o sebastianismo tem a dupla função de servir de consolo para o fracasso e a inação, instigando, no entanto, a esperança, através do sonho e da ideia de acreditar que a mudança é possível. Só que esse desiderato está sempre dependente de um fator externo, sendo a emigração o único grande ato emancipador possível, mesmo que haja alguma perversidade nessa dinâmica, uma vez que são os mais corajosos, os mais capazes que saem do país, impelidos pelas elites a buscarem no estrangeiro o que lhe é negado na sua terra natal(Real, 2014).

É, por conseguinte, longo o historial português relativo às estatísticas migratórias. Eduardo Lourenço chama a atenção que, nas relações consigo mesmos, os portugueses exemplificam um comportamento que só parece ter analogia com o do povo judaico: “Tudo se passa como Portugal fosse para os portugueses como a Jerusalém para o povo judaico” (Lourenço, 1994 [1988]: 10). Rui Pena Pires refere que, em Portugal, a emigração é um importante fenómeno de dimensão nacional que ganhou lastro a partir de meados do século XIX. Entre 1855 e 1930, quase 2 milhões de portugueses emigraram com destinos variados, embora fosse evidente o predomínio do Brasil como principal destino, no que constitui o primeiro grande ciclo da emigração portuguesa: “Foi um fluxo emigratório transatlântico, com o continente americano como principal destino, em particular o Brasil. Sobretudo a partir dos anos 30 do século XX, este fluxo emigratório ganha dimensão” (Pires, 2010: 22-23). O segundo grande ciclo emigratório coincide com o fim da Segunda Guerra Mundial e afirma-se em pleno a partir de 1960, tendo recortes predominantemente intra-europeus, com a França a ser o principal destino. Entre 1931 e 1975, terão emigrado mais de 2 milhões de portugueses17, sendo que a crise económica que despontou a partir de 1973 e a diminuição da necessidade de mão-de-obra levou a que muitos países adotassem políticas restritivas à entrada de estrangeiros: “Os reflexos no fluxo emigratório português são evidentes, originando uma diminuição acentuada do número de emigrantes portugueses até ao final da década de 1970” (Pires, 2010: 23).

Ainda recentemente (2010), no quadro da União Europeia, Portugal era, simultaneamente, país de destino e de origem de migrações internacionais. Já nessa altura, Rui Pena Pires alertava para o facto de o saldo que era favorável à imigração nos últimos 25 anos do século XX, ter tendência a ir provavelmente mudar em favor da emigração durante a década em curso, o que se está, de resto, a verificar. Referia, a propósito, que os dois fluxos não e limitavam a coexistir, mas reforçavam-se mutuamente.

Quanto à emigração portuguesa, cujo fluxo tinha sido interrompido em 1974, voltou a crescer no quadro da integração europeia, com novos destinos (Suíça, Espanha, Reino Unido e Angola), e mantendo alguns dos países de emigração nos anos 1960 (Luxemburgo), caindo os destinos transatlânticos do século XX. Em consequência de toda esta história longa de emigração, há hoje [2010] cerca de 2,3 milhões de emigrantes portugueses. Contando com os descendentes já nascidos no estrangeiro, os portugueses no mundo serão cerca de 5 milhões (Pires, 2010: 16).

Maria I. Baganha e Pedro Góis referem que, em 1991, “os portugueses a residir no estrangeiro representariam mais de 40% do total de residentes no território nacional”, enquanto os estrangeiros que permaneciam em Portugal “representariam 1,5% da população nacional residente” (Baganha & Góis, 1999: 229), sendo que, ainda em 2010 – ano em que a França liderava, destacada, a lista dos países de destino da emigração portuguesa (Pires, 2010) -, Jorge Malheiros falava de Portugal como o país do regresso da emigração, depois de muitos anos em que a saída de portugueses para o estrangeiro não foi significativo, sendo substituída pela imigração, apanágio dos países desenvolvidos, e que quase todo o espaço reservado nas agendas política, académica e social ao fenómeno das migrações internacionais” (Malheiros, 2010: 133).

Rui Pena Pires observa que, desde meados do século XIX a emigração suscitou um longo debate, com o Estado liberal a desenvolver estratégias de intervenção para limitar as redes de engajamento. Via, contudo, na emigração a possibilidade de dilatar a influência e o mercado externo português”, pelo que, durante a vigência do Estado Novo, por exemplo, a política emigratória portuguesa estava subordinada aos interesses económicos do Estado, garantindo as necessidades nacionais de mão-de-obra, a satisfação dos interesses em África e beneficiar das remessas dos emigrantes: “Nesse sentido, o Estado procurou condicionar o fluxo emigratório nos anos 1960, determinando que apenas se autorizasse a saída de 30 mil portugueses por ano, chegando-se a interditar a saída de algumas profissões” (Pires, 2010: 28).

Vítor Pereira (2014) corrobora esse ponto de vista, observando que a política relativa à emigração durante o Portugal de Salazar (que constituía a mais antiga ditadura de direita na Europa) era ambígua, servindo, em primeiro lugar, os seus próprios interesses, e impedindo a população de emigrar legalmente, pelo que quem emigrava para França, fazia-o clandestinamente. Uma situação que decorria do fechamento do país ao exterior, mantendo as colónias sob sua alçada, ao mesmo tempo que tentava filtrar os efeitos da modernidade, protegendo o país das influências estrangeiras18. Não obstante, por abarcar 10% da população, a emigração vai converter-se num desafio para o regime, sendo que só entre 1957 e 1974, emigraram para França cerca de 900.000 portugueses, mais de metade dos quais de forma clandestina, contornando o Estado (Pereira, 2014)19. Rui Pena Pires (2010) refere que, com a Europa a ser o novo destino da emigração portuguesa, a par das restrições colocadas pelas autoridades portuguesas à emigração, a opção pela saída clandestina do país foi ganhando cada vez maior dimensão.

O fluxo intra-europeu a partir dos anos 1960 demonstrou uma particularidade: o enorme peso da emigração ilegal, em particular para França. As redes de emigração implementadas nas zonas fronteiriças e a oferta de trabalho nos países de destino foram igualmente factores que permitiram o crescimento da emigração ilegal, em particular até meados da década de 1970. A partir de então, muitos dos países de acolhimento adoptaram políticas de imigração restritivas, passando a promover políticas de regresso voluntário dos emigrantes aos países de origem (Pires, 2010: 34).

Vítor Pereira sublinha tratar-se da primeira vez, desde 1926, que a emigração se reveste de uma tal dimensão, dirigindo-se “não maioritariamente para a América mas para a Europa. E também a primeira vez que a mobilidade transnacional da população coloca semelhante problema à ditadura” (Pereira, 2014: 26). Na década de 1960, a França sobressaía como o país que acolhia a vasta maioria dos emigrantes portugueses, substituindo o Brasil: “A partir de 1963, recebeu mais de metade dos emigrantes saídos de Portugal e, depois de 1970, acolheu cerca de 70% do fluxo emigratório português” (Pires, 2010: 36). A maior parte deles foram substituir no mercado de trabalho franceses, espanhóis e italianos, exercendo tarefas na construção e obras públicas, nos serviços domésticos, na limpeza, e como porteiros, e na agricultura. Jorge Carvalho Arroteia constata que, embora fosse reduzida até 1962, a emigração clandestina para França aumentou bastante até 1971, avançando números que fazem com que naquele período fosse o que mais portugueses tivessem saído de Portugal “passando de quase 13.000 saídas para o dobro em 1963 e duplicando de novo no ano seguinte com mais de 65 000 emigrantes” Arroteia, 1983: 49). Observa ter existido alguma estabilidade até 1968 (com uma média de 75.000 saídas anuais), assistindo-se, entre 1969 e 1971, a um novo aumento (117.760 emigrantes por ano em média), “valor que se reduz para cerca de metade em 1972 e volta a decrescer a partir de 1974, após as medidas de suspensão da entrada de novos emigrantes adoptadas por esse país” (Arroteia, 1983: 49).

Segundo Rui Pena Pires, “os emigrantes portugueses em França cresceram em número e em representatividade em relação ao total de imigrantes que a França acolhia”, sendo que o fluxo migratório aumentou devido à “política activa de captação de mão-de-obra desenvolvida pelas autoridades francesas e o facto de não ser exigida qualquer qualificação profissional aos emigrantes portugueses” (Pires, 2010: 36). Isto fez com que se fossem constituindo focos de comunidades portuguesas, “inicialmente com dificuldades de inserção na sociedade francesa, mas que com o passar do tempo terão conseguido a integração na sociedade de acolhimento” (Pires, 2010: 36). O sociólogo refere que, em 1975, a população portuguesa em França atingia os 750.000 indivíduos. Um pouco mais tardiamente, a Alemanha afirmar-se-ia também como um importante destino recebendo cerca de 12% da emigração portuguesa nos anos 70. Apenas com a Constituição de 1976 é que foi consagrado o direito individual de mobilidade externa.

4.1. ‘Cultura dos imigrados’ e ‘culturas de origem’

Denys Cuche refere que nos anos 70 do século XX a expressão “cultura dos imigrados” entra em voga, em França, na sequência da descoberta pelos franceses de que os imigrados e os que os rodeavam tinham intenção de permanecerem no país de acolhimento. É nessa altura que surgem as questões em torno da sua integração, nomeadamente sobre as eventuais “consequências da sua diferença cultural, sendo as suas culturas próprias geralmente assimiladas de modo redutor as suas culturas de origem” (Cuche, 2004: 165). O sociólogo contesta, desde logo, a ideia de “cultura de origem”, por participar de uma conceção errónea do que seja uma cultura particular, já que “a cultura não é uma bagagem que alguém possa transportar consigo ao deslocar-se. Não se transporta uma cultura como se fosse uma mala”, sendo que a não ser assim, se cairia na reificação da cultura (Cuche, 2004: 165). Para Cuche, o que se desloca, na realidade, são indivíduos que, pelo facto de terem migrado, são levados a adaptarem-se e a evoluírem e que “vão encontrar-se com outros indivíduos que pertencem a culturas diferentes. É daqui que emanarão novas elaborações culturais”. Nesse sentido, refere que o recurso à noção de cultura de origem tem tendência “a minimizar os contactos em causa e os seus efeitos, porque a noção pressupõe que uma cultura é um sistema estável e comodamente transponível para um novo contexto, o que todas as observações empíricas parecem desmentir (Cuche, 2004: 166-167).

Toda a cultura é evolutiva, mas talvez o seja ainda mais a de uma sociedade que se confronta com uma emigração forte. As condições sociais e económicas que conduziram numerosos indivíduos a emigrar são portadoras elas próprias de transformações culturais na sociedade de partida (Cuche,2004: 168).

O que quer dizer que os países de emigração são muitas vezes países “em transição”, em construção ou em reconstrução, pelo que “é precisamente por isso que os migrantes experimentam muitas vezes um ‘desfasamento’ cultural, fonte de mal-entendidos, quando regressam ao país (…) tanto no caso de um regresso provisório ou definitivo” (Cuche, 2004: 168). Trata-se de um duplo desfasamento, uma vez que o país mudou, muito embora os próprios emigrantes também tivessem mudado:

Os emigrantes já não reconhecem o seu país e são eles próprios percebidos como diferentes pelos seus compatriotas. Daí, a dificuldade do regresso, que se assemelha sempre a uma nova migração. Se quiséssemos a todo o preço conservar a expressão "cultura de origem", não poderíamos, em rigor, utilizá-la a não ser para designar a cultura do grupo de pertença no momento da partida (Cuche, 2004: 168).

Denys Cuche defende que são as estruturas sociais e familiares do grupo de origem a que os migrantes pertencem, de uma forma mais realçada do que a cultura de origem, que “permitem explicar as diferenças nos modos de integração e de aculturação, no interior da sociedade de acolhimento, de imigrados provenientes de um mesmo país” (Cuche, 2004: 169). Dá o exemplo dos imigrantes portugueses em França, citando as investigações de Maria Beatriz Rocha Trindade, que defende que a trajetória de inserção será sensivelmente diferente consoante a proveniência dos imigrantes. Se fossem, por exemplo, oriundos de comunidades camponesas tradicionais (do Norte ou do Centro de Portugal), mantinham-se fiéis às tradições; se fossem oriundos do Algarve, teriam um comportamento mais urbano.

O sociólogo sublinha que os modelos de integração nacional próprios de cada Estado influenciam consideravelmente o devir social e cultural dos imigrados. O que quer dizer que, o facto de se recusar o uso generalizado da noção de cultura de origem “nem por isso implica que se abstraia da referência frequente que às suas origens fazem numerosos migrantes, nem que se desconheça o que essa referência pode significar para eles” (Cuche, 2004: 172). Nesse sentido, evocar as origens “é fundamentalmente declinar uma identidade em que o próprio se reconhece” (Cuche, 2004: 172), sendo que, para os filhos e os netos de imigrados, “definirem-se por referência as origens dos seus pais ou dos seus avós é inscreverem-se numa história familiar, participarem numa memória colectiva” (Cuche, 2004: 172), que recorda sempre o local de proveniência.

O facto de, em certos imigrados, se verificar uma ligação forte às tradições de origem é, para Denys Cuche, uma evidência. Ilustra-a com o exemplo já citado dos camponeses portugueses imigrados na região parisiense que se esforçaram por conservar o mais fielmente possível os seus costumes alimentares e “comerem como no seu país, comerem os produtos do seu país, e afirmarem que tudo continua como antes, apesar da expatriação” (Cuche, 2004: 173). E, para que tudo ficasse completo, nada era deixado ao acaso, fazendo vir boa parte da sua alimentação quotidiana de Portugal, chegando ao ponto “de mandarem vir da sua aldeia as batatas, como se as não houvesse em França: é que não têm sem dúvida o mesmo gosto e não provêm, sobretudo, da mesma terra” (Cuche, 2004: 173). Para o sociólogo, tais práticas não bastam, no entanto, para que a continuidade cultural esteja garantida, sublinhando que as práticas tradicionais se veem cada vez mais descontextualizadas e também por terem perdido o carácter funcional inicial. Mesmo que mais não sejam do que a expressão do “tradicionalismo do desespero”, nem por isso essas práticas são insignificantes, “manifestando a vontade de conservar uma ligação com aqueles que ficaram na aldeia, no país” (Cuche, 2004: 173). E, muito embora nem todos os migrantes tenham o mesmo apego às tradições, o que está em jogo tem mais a ver com a salvaguarda do laço comunitário do que com a reprodução da cultura de origem, “que não pode deixar de ser em grande parte ilusória” (Cuche, 2004: 174).

4.2. ‘Tradição cultural’ e ‘culturas mistas’

As considerações de Cuche levam-nos ao conceito de “tradição cultural” que, para este sociólogo, não existe em si mesma, mas em função de uma certa ordem social, sendo que “nem todos os indivíduos têm a mesma posição nestas relações sociais”, nem podem ter todos “o mesmo interesse em manter as tradições” (Cuche, 2004: 174). Pode, então, afirmar-se que as culturas dos migrantes são culturas ‘mistas’, que são produzidas “através de uma mestiçagem cultural que apresenta para o observador a vantagem de se realizar praticamente diante dos seus olhos” (Cuche, 174-175).

No texto “Uma vida entre parêntesis. Tempos e ritmos dos emigrantes portugueses em Paris”, da autoria de Albertino Gonçalves (2009: 145-154), que decorre da observação participante que o sociólogo fez ao longo de mais de seis anos, até 1982, com emigrantes portugueses em Paris, não obstante as advertências feitas para que o texto seja contextualizado na atualidade20, muitos dos sublinhados relativos à vivência dos emigrantes portugueses em França servem para perspetivar a evolução relativa ao fenómeno da emigração. Segundo Gonçalves, o emigrante português oscilava entre várias dicotomias “o coletivo e o individual; a euforia e a disforia; a introversão e a extroversão; o potlatch e o aforro; o excesso e a mesura; a inclusão e a exclusão; o próximo e o distante; o nome e o anonimato; o ser alguém e ninguém” (Gonçalves, 2009: 151).

A vida emigrante resumia-se quase sempre a duas partes do ano: o verão, correspondente às férias (cerca de um mês) e um longo ‘inverno’, em que as férias correspondiam a um tempo que conta muito mais, porque passado no país de origem, do que o longo ‘inverno’, destinado ao trabalho, em França, o que contrasta, paradoxalmente, com a história contada pelo filme “A Gaiola Dourada”, em que os emigrantes portugueses que o protagonizam, não costumam passar férias em Portugal, não regressando há vários anos ao país de origem. Para se preencher esse vazio, reinventa-se um pouco do país em França: “O tempo de permanência no estrangeiro é regularmente interrompido por breves, mas gratificantes, períodos de (con)vivências ‘à portuguesa’. Autênticas recriações do ambiente lusitano (…)” (Gonçalves, 2009: 152). Trata-se de uma espécie de “transmutação”, em que “as coordenadas espaço e tempo sofrem uma deslocação”, em que o espírito da terra natal se instala e anima uma comunhão regeneradora. No coração de Paris, respira-se Portugal” e todas as ocasiões são boas “para embarcar na caravela das quinas rumo às origens” (Gonçalves, 2009: 152-153).

São momentos consagrados aos seus: parentes, amigos, vizinhos; lugares, objectos, costumes. A tudo o que lhes é querido e lhes alicerça a identidade. Sonha-se a casa a construir, eternamente inacabada. Lê-se “A Bola” e o jornal regional. Festeja-se, segundo a tradição, a consoada. Coze-se bacalhau com batatas e couves. Bebe-se o verdasco. Vai-se ao banco português “mandar dinheiro para a terra” e fica-se decepcionado se, porventura, os clientes são poucos e a espera é pequena. Actos simples, despidos de pompa, mas iluminados por Portugal. Pitadas de sal numa existência desenxabida (Gonçalves, 2009: 153).

Só que, isso acontece longe da terra de origem. Quando a ela regressam, nem que seja para passar o mês de férias, o que é ‘nosso’ já não será assim tão bom, cedo se recordando que onde eles vivem, no outro país, é que as coisas são melhores e funcionam com muito maior eficácia: “O emigrante quando recorre aos serviços portugueses, das nacionais burocracias aos cuidados de saúde, ei-lo que, insistentemente, invoca, para exasperação dos residentes, os méritos e créditos alheios e aponta as misérias e vícios caseiros” (Gonçalves, 2009: 154).

Urbano Tavares Rodrigues, no livro “Redescoberta da França” (1973), em que escreve sobre a vivência dos portugueses em Paris, embora sem generalizar, deixava clara a forma como o emigrante português era tratado: “Para o francês xenófobo, da burguesia, que continua a proclamar-se não-racista, tomando entretanto em relação ao emigrante económico atitudes de agressivo segregacionismo” (Rodrigues, 1973: 52). Mais: o português já nem sequer era tido como “branco”, “palavra, de resto, profundamente odiosa quando envolve conceito de superioridade, domínio da tecnologia, herança cultural” (Rodrigues, 1973: 52). O escritor relatava, ainda, que havia quem lhe tivesse gabado os portugueses, trabalhadores mais submissos que os espanhóis, num estereótipo que perdurou, como podemos constatar através do filme “A Gaiola Dourada”: “Esses trabalhadores diligentes e pertinazes da minha terra vazia. ‘Ils sont gentils, soumis, pas du tout comme les espangnols’” (Rodrigues, 1973: 52). Ora isso fazia com que muitos portugueses, residentes ou não em Paris, escondessem “prudentemente a sua origem, para evitar vexames, em locais públicos” (Rodrigues, 1973: 52).

Em 1992, Eduardo Prado Coelho, na mesa-redonda a que já aludimos coordenada por Augusto Santos Silva e Vítor Oliveira Jorge, referia-se à eficaz integração dos portugueses, em França, salientando não corresponder, no entanto, a “um modo de compreensão efectiva, ou mesmo um desejo de compreensão do outro”, mas fundamentalmente “uma técnica de defesa, e uma espécie de sageza defensiva” (Silva & Jorge, 1993: 41). Essa ‘marginalização’ autoinfligida correspondia a uma outra dimensão, assente numa “necessidade profunda de enraizamento em torno de um determinado número de significantes, que são difíceis definir de facto, mas que é isto de nós sermos portugueses”, o que se tornava mais visível nos momentos coincidentes com cerimónias e rituais onde “se criam situações em que as pessoas se reconhecem nisso de serem portugueses” (Silva & Jorge, 1993: 41). Evidenciava que não existia praticamente literatura e muito pouco de arte das comunidades portuguesas no estrangeiro, salientado que esse era um dos aspetos curiosos, que nos distinguia de outras comunidades “capazes de ir desenvolvendo toda uma capacidade de transversão dessa experiência de enraizamento em torno de um certo número de significantes para uma expressão cultural elaborada” (Silva & Jorge, 1993: 41). O mundo, entretanto, parece ter mudado e prova disso é o facto de um lusodescendente ter realizado o filme “A Gaiola Dourada”, sobre o qual temos vindo a discorrer. Sobre a eventual imagem que o estrangeiro tinha de Portugal, refere que, se ela fosse feita a partir da leitura de um romance português, viria ao de cima o deficit de identidade que os portugueses tinham, o que refletia “uma cultura que passa o tempo a preocupar-se sobre o que é ser português” (Silva & Jorge, 1993: 41-42). Mas, Eduardo Prado Coelho afirma que, se a identidade for procurada no que é mais caricaturável dos povos (como os comportamentos passíveis de serem estereotipados, como no filme), encontrar-se-ão traços “que têm a ver com aquele processo de reforço em circuito fechado do imaginário (…) que não consegue aceder ao plano do simbólico”, onde se pode encontrar de forma mais concreta a especificidade dos países: “É muito mais fácil ver o que é italiano, espanhol, francês ou português vendo os maus programas de televisão, do que lendo hoje os grandes romancistas desses países” (Silva & Jorge, 1993: 133-134). Ou, se se quiser, de uma certa inversão da propalada ‘portugalidade’, conceito que sempre está associado ao lado positivo de uma alegada identidade dos portugueses21.

 

5. 2011: O regresso (em força) da emigração portuguesa

De um país de emigrantes, a tendência foi-se invertendo e, ainda há menos de uma década, Portugal passou a ser um país de imigrantes, o que evidenciava o desenvolvimento registado, mostrando a sua atratibilidade. Mas essa foi, no entanto, uma dinâmica que cedo cessou, com a tendência atual a ir no sentido anterior22 – um país de emigração -, com os números disponíveis a fazerem lembrar o boom registado nos anos 60 do século XX. A atestá-lo, está o facto de, no ano de 2012, se terem contabilizado 121.418 pessoas que saíram do país (entre emigrantes temporários, 69.460 - pessoas com intenção de permanecer no estrangeiro por um período inferior a um ano -, e permanentes, 51.958), enquanto o número de imigrantes permanentes se ficou pelas 14.606 pessoas23. Em 2012, registaram-se em Portugal 89.841 nascimentos, mantendo-se a tendência de queda da natalidade, já que o número de nascimentos tem baixado consecutivamente desde 2010. No entanto, os valores relativos a 2012 marcam um recorde histórico, representando menos 7,2% do que os números verificados em 2011, ao descerem, pela primeira vez, abaixo dos 100 mil nascimentos (96.856). No mesmo ano, registaram-se 107.612 de óbitos, um aumento de 4,6% em relação a 2011, sendo que o crescimento natural foi negativo, já que se registaram mais 17.771 mortes do que nascimentos, numa diferença três vezes superior da que se verificara em 2011. São números que contribuíram para que a população portuguesa descesse pelo terceiro ano consecutivo, com o saldo migratório negativo a contribuir significativamente para essa quebra, registando-se em 2102 um valor total de -37352, número repartido pelo Continente (-36814) e pela Região Autónoma da Madeira (-609), verificando-se um saldo positivo, apenas no que se refere à Região Autónoma dos Açores (71). A tendência vai no sentido de um contínuo envelhecimento demográfico, consequência do aumento do número de idosos e da diminuição da população jovem e em idade ativa. Segundo o INE, em relação à população residente, a proporção de jovens passou de 14,9%, em 2011, para 14,8%, em 2012; a população em idade ativa de 66% para 65,8%. No que concerne aos idosos com 65 ou mais anos, a população cresceu de 19% para 19,4%, o que quer dizer que o índice de envelhecimento, em 2012, foi de 131 idosos por 100 jovens (em 2011 era de 128 idosos por cada 100 jovens.

Perante este quadro, Maria João Valente Rosa, demógrafa e diretora da Pordata, citada pelo jornal “Público” (Albuquerque, 2013), avisa que o futuro do país pode estar em causa, tratando-se de valores “que nos atiram para os anos 60”, referindo que a saída massiva de pessoas e a fraca atratividade de Portugal atuam em conjunto, sendo “uma situação que nos obriga a pensar seriamente e tem a ver com o posicionamento do país face ao exterior. Está a perder pessoas porque muitas estão a sair e muitas já não estão a entrar” (Albuquerque, 2013). Já a demógrafa Ana Fernandes, citada pelo mesmo jornal, faz a ligação do aumento das saídas de pessoas do país e a diminuição das entradas à natalidade: “Quem é que emigra? A população jovem. Não só perdemos os nossos jovens, como não temos os imigrantes jovens. Isso acentua o envelhecimento e a descida da natalidade” (Albuquerque, 2013)

 

Figura 2

 

Num artigo intitulado “O êxodo português”, no jornal francês “Libération”, datado de 3/2/2014, Cristina Semblano, economista e professora de economia portuguesa na Universidade de Paris IV-Sorbonne, escrevia que se estava longe de imaginar que um sangramento equivalente à década de 60 do século XX, que viu o grande êxodo de portugueses para a Europa, podia acontecer de novo. Recorda que, antes, o português fugia da pobreza, da ditadura e da guerra colonial, embora hoje, tantas décadas mais tarde, “trata-se de uma revolução em marcha, em que os portugueses fogem do desemprego, da falta de oportunidades, da pobreza e de um país sujeito à ditadura de uma troika” (Semblano, 2014: S/P). Tudo acontecendo, com o Governo do país a convidar os jovens a emigrar, “o que não deixa de ser inédito” (Semblano, 2014: S/P). E, muito embora a emigração portuguesa não seja um fenómeno novo, “tornou-se mais importante depois da crise, em resultado de uma taxa de desemprego que tem vindo a aumentar e que se cifra em cerca de 40% em relação aos jovens” (Semblano, 2014: S/P). Além do drama humano, pessoal e familiar, sublinhava que esta emigração em massa tem efeitos devastadores para o país, acentuando o envelhecimento da população portuguesa. A atestá-lo, está a taxa de natalidade, que continua em declínio. A emigração aumenta, mas alterou-se o seu recorte, com o aumento das qualificações daqueles que deixam Portugal para trás, em relação ao que acontecia antes. Em França, exemplos não faltam: muitos professores tornaram-se zeladores em bairros parisienses, há diplomados do ensino superior a trabalharem como operários na construção civil, arquitetos e engenheiros a exercerem o seu ofício sob o disfarce de outras qualificações com salários 20% a 30% mais baixos do que os seus colegas cidadãos franceses. E o de trabalhadores não qualificados, que constituem a grande massa de trabalhadores exportados por Portugal, que têm salários e condições de miséria (Semblano, 2014).

Houve vários média portugueses que, a propósito do filme “A Gaiola Dourada”, pegaram no fenómeno da emigração portuguesa, nomeadamente para França. O jornal “Público”, por exemplo, entrevistou o sociólogo José Carlos Marques, especialista em emigração, que destacou, desde logo, que os portugueses que partiram para França nos anos 1960 não são os mesmos que partem agora, já que têm outras ambições, procuram outros desafios e por isso quando partem já não é com a ideia de um dia regressarem (Carvalho, 2013). No mesmo jornal, Hermano Sanches Ruivo, filho de pais portugueses emigrantes em França, conselheiro na câmara de Paris, realça que o filme mostra o Portugal dos portugueses em França que ainda não tinha sido mostrado, pelo que não há que ter vergonha disso, salientando ser necessário desmistificar a forma como em Portugal os emigrantes são tratados, nomeadamente quando lá regressam de férias, pelo que “A Gaiola Dourada” ajudou nessa tarefa. Sublinha que os portugueses mostraram que são bons trabalhadores, que são pessoas de respeito e não há ninguém em França que não goste deles, que podem não ter estudos mas são bons no que fazem. E defende que Portugal só tinha a ganhar se conseguisse seduzir as gerações mais distantes, num momento em que se fala que há cada vez mais pessoas interessadas em aprender o português, pelo que diz não entender como não existe ainda um programa pensado nesse sentido (Carvalho, 2013).

À revista “2”, do jornal “Público”, a socióloga Maria Engrácia Leandro, que se dedicou ao estudo da emigração portuguesa sobretudo nos anos 1980 e 1990, observa que as ideias iniciais dos emigrantes portugueses em França sofreram uma alteração: depois de construída a casa em Portugal, comprado o carro e concretizada uma razoável conta bancária, começaram a olhar para a escolarização dos filhos, o que acontece a partir de meados dos anos 1980 (Cordeiro, 2013: 22). A inversão da tendência acentuou-se, com os lusodescendentes a não quererem deixar a França em direção à terra dos pais. Em França criaram o seu próprio universo à imagem de uma “comunidade silenciosa”, fechada, muito embora a comunidade portuguesa em França nunca funcionasse verdadeiramente como uma comunidade. Carlos Pereira, diretor do “Lusojornal”, observa que “as famílias são como as do cartaz do filme. Muitos casais são mistos. A nossa família portuguesa tornou-se numa família franco-portuguesa” (Cordeiro, 2013: 24).

5.1. A remigração

Muitos dos portugueses que decidiram emigrar não o fazem já pela primeira vez. Depois de terem saído anteriormente do país, na tentativa de fazerem o seu “pé-de-meia”, o curso da vida não terá corrido bem, tendo a crise financeira determinado que tivessem que voltar a ir embora de Portugal. Esta é uma das situações que uma reportagem da revista “Visão” mostra e que, a propósito do filme “A Gaiola Dourada”, aproveitou para sublinhar o regresso em força da emigração portuguesa. Trata-se de um fenómeno, denominado de “remigração” (Fillol, 2013a: S/P), designação que a publicação atribui ao sociólogo José Madureira Pinto, mas que Isabel Tiago de Oliveira (2007) diz ter sido utilizada pela primeira vez em 1994 por Jorge Fernandes Alves. O termo serve para designar “a situação em que o mesmo emigrante efectua mais do que uma emigração”, e que também se designa por “migrações repetidas” (Oliveira, 2007: 849).

Isabel Tiago de Oliveira observa que as migrações têm um papel essencial na demografia assumindo, no caso português (sécs. XIX e XX), “uma dimensão expressiva, quer no que respeita à emigração, retorno e reemigração” (Oliveira, 2007: 837). Sublinha, no entanto, que, de todos estes movimentos, só a emigração legal apresenta uma série continuada de registos anuais desde finais do século XIX, sendo que a emigração clandestina não consta dos registos oficiais, muito embora se aponte “para um quantitativo em torno de um terço de emigrantes clandestinos no total de emigrantes até aos anos 60” (Oliveira, 2007: 849). Sustenta, ainda, que se houver uma aproximação nos números do saldo migratório e do número de emigrantes, “é possível pensar que não aconteceram movimentos significativos de retorno, reemigração, nem saídas clandestinas” (Oliveira, 2007: 843). Ao contrário, se o saldo migratório e da emigração apresentarem diferenças, “é possível esboçar uma ideia sobre a importância comparativa dos movimentos de retorno e de reemigração, por um lado, e de emigração clandestina e outras saídas, por outro” (Oliveira, 2007: 844). O que não quer dizer que se trate de uma medida rigorosa de cada um destes movimentos, uma vez que apenas “permite avaliar o sentido e a importância destes dois grupos de movimentos migratórios sem, no entanto, permitir o conhecimento de cada um deles por si mesmo” (Oliveira, 2007: 844). Aplicando esta perspetiva ao caso português, e utilizando os últimos indicadores disponibilizados pelo INE (2012) – um saldo migratório de -37352 e o número de emigrantes total de 121.418 (51.958 permanentes e 69.460 temporários) -, pode concluir-se que houve uma forte possibilidade de se ter verificado a existência de reemigração.

A revista “Visão” evidencia esse fenómeno, mesmo que este esteja ausente do filme “A Gaiola Dourada”, não obstante seja o próprio realizador que diz conhecer a nova vaga de emigração, que está a levar ex-emigrantes, e filhos destes, de volta ao país para onde partiram nos anos 60/70, depois de, entretanto, terem regressado a Portugal. Trata-se, afinal, de um verdadeiro regresso à “Gaiola Dourada” que tem, contudo, agora recortes diferentes. O próprio realizador relata à revista que tinha conhecimento que uma sua amiga de infância, que tinha ido viver para Portugal, regressara a França para substituir a mãe, que entretanto se reformara de porteira de um prédio de Paris. Para Ruben Alves, o fenómeno da “reemigração” é ilustrativo do “caráter típico português, do desenrasca, do fazer-se à vida” (Fillol, 2013a). Na mesma edição da revista, uma outra reportagem dá conta da história de um casal que reemigrou, 26 anos depois de ter voltado de França, onde ambos tinham sido emigrantes: “Amável e Isolete Pinheiro, 58 anos, encerram o café que abriram com francos amealhados a custo e voltam a fazer as malas” (Fillol, 2013b). A vida deste casal ‘reemigrante’, segundo a revista, daria um filme, mas não necessariamente uma comédia, como no caso de “A Gaiola Dourada”.

Há, neste momento, quatro grupos diferentes de emigrantes portugueses que subsistem em França: o dos emigrantes que foram retratados no filme “A Gaiola Dourada”; o de alguns “cérebros” recrutados em Portugal por grandes empresas e instituições francesas; o dos trabalhadores desqualificados que emigram por vezes com toda a família e são apoiados por amigos e familiares à chegada a França; e o grupo dos jovens com estudos superiores que, por não terem emprego em Portugal, vão para França à procura da sua oportunidade (Ribeiro, 2013)24. No entanto, viver na cidade-luz não é uma festa permanente, uma vez que Paris é uma cidade cara. A palavra de ordem é “sobreviver”, como é o caso dos emigrantes portugueses com altas qualificações que encaram a presença em Paris como uma passagem e não uma estadia para toda a vida, ao contrário dos emigrantes mais antigos: “Em Paris, hoje, a Gaiola é Dourada e... Doutorada!”, como escreve Daniel Ribeiro, numa reportagem que escreveu para a revista do jornal “Expresso” (Ribeiro, 2013: 52). Sublinha que muitos portugueses da nova vaga de emigrantes para Paris são “doutores”, aceitando trabalhos desqualificados para sobreviver: “Há concierges com blogues e que leem ensaios em francês, rececionistas com mestrado, contínuas e empregados de mesa especialistas em educação ou biologia” (Ribeiro, 2013: 46).

A emigração tem, também, outras facetas, afetando muito mais pessoas para além dos jovens. A revista “2” do jornal “Público”, por exemplo, fez uma reportagem sobre “Emigrar depois dos 50”, em que retrata o fluxo para fora do país daquela faixa etária e em que se evidencia a procura de uma oportunidade negada por Portugal, à procura do “direito ao último terço da vida” (Moura, 2014: 8-9).

 

6. Conclusão

“A Gaiola Dourada” ficará na história do cinema português por ter sido o filme mais visto de sempre, epíteto que não lhe dá, no entanto, um lastro qualitativo diretamente proporcional. Decerto que também não foi essa a ideia que o realizador tinha em mente quando decidiu avançar com as filmagens, apresentando uma história muito ligada à sua própria realidade – a dos emigrantes portugueses em França -, que muito embora esteja associada ao drama, direcionou para a comédia, utilizando vários clichés e caricaturas dos emigrantes portugueses e dos franceses que com eles convivem, no sentido de fazer rir. Para além de aproveitar o regresso em força da emigração portuguesa para colocar o assunto – pelo menos no que respeita à realidade existente em França -, na ordem do dia, com os media, portugueses e franceses a fazerem reportagens sobre o assunto, de forma indireta (mas sempre presente ao longo do filme) promove-se uma reflexão sobre o significado de “identidade”, no decurso de um enredo que mistura alegadas atitudes atribuídas aos portugueses nos anos 1960 mas que, na atualidade, parecem já estar desfasadas da realidade, ao mesmo tempo que incorpora uma lógica francesa nas observações dos próprios portugueses e sobre eles através dos franceses.

E não podia ser de outra forma, já que o conceito de “identidade” não é monolítico, nem está reificado, já que, tal como a própria sociedade, está imbuído de uma grande dinâmica. De resto, o olhar do realizador resulta da sua própria vivência, com referências a um Portugal atrasado, onde os pais nasceram, e que tiveram que emigrar devido à miséria e à pobreza existentes nos anos 1960, na sequência da ditadura do Estado Novo, aliado ao facto de ter nascido e crescido e estudado em França, integrado na sociedade parisiense, com uma mentalidade que resulta desse convívio. Um país que, embora na Europa, estava longe de França e da realidade lá existente em que, muitas vezes, os portugueses lá chegaram clandestinamente.

De “A Gaiola Dourada” pode dizer-se que se trata-se, afinal, de um filme francês, com um olhar francês sobre as minorias e que, mesmo que o realizador afiance que mostra a realidade, evidenciando que, com o tempo, se esbateram os complexos em assumir uma ‘portugalidade’, interpretada como “uma pertença a Portugal” (Cordeiro, 2013: 21), isso não passa de um equívoco. Desde logo pela ideia de ‘portugalidade’ e pela ideia muito vaga de pertença a Portugal que, como vimos, Denys Cuche (2004 [1999]) coloca em causa, quando aborda as ‘culturas de origem’. Também Stuart Hall (1997) defende ser necessário deixar para trás as verdades absolutas no que respeita ao conceito de centralidade cultural. Bastará verificar a falta de consenso, por exemplo, em relação à ideia da existência de uma cultura portuguesa, que assume contornos doutrinários, analíticos, cúmplices, distanciadas ou desconstrutivos sobre a nossa própria realidade (presente ou histórica), tenham eles que ver com criações estéticas, filosóficas, eruditas ou de senso comum (Santos & Jorge, 1993). E, mesmo que se invertam os clichés, como refere Ruben Alves, o filme não promove a redescoberta do português em França, pelo menos nos termos em que é retratado pelo filme, muito embora levante a questão da crise portuguesa no contexto global. O português é apresentado como se o tempo tivesse parado nos anos 1970, e os relatos de Urbano Tavares Rodrigues que referimos neste artigo estivessem atuais: obediente, trabalhador, que não cria problemas. Essa é muito mais a visão dos franceses em relação aos portugueses do que estes sobre si próprios. Este desfasamento da realidade tem que ver com a forma de como o emigrante português é retratado no filme, reportando-se àquele que foi para França nas circunstâncias descritas atrás, vivendo em condições precárias, com o fito de amealhar o maior dinheiro possível, para um futuro regresso a Portugal, onde tinha o sonho de construir uma casa na aldeia de origem e passar o resto dos seus dias. No filme mostra-se que a decisão do regresso, nos dias de hoje, não é fácil, nem simples. Até porque estão radicados em França (a sua ‘pátria’), muito embora a ficção do filme, ao contrário do que acontece, retrate uma situação que está a deixar de existir, e opte por uma história que se afasta totalmente da realidade e que até pode ser encarada como uma ironia: os filhos dos emigrantes portugueses que foram para França nos anos 60 do século XX a rumarem para Portugal, já casados com franceses, enquanto os pais ficam em França; porque a vida já não faz sentido sem ser lá, porque de certa forma se tornaram imprescindíveis para os franceses com quem trabalham.

O filme teve a virtude de promover o debate em relação ao fenómeno da emigração, refletindo a realidade existente assente no novo perfil dos emigrantes: retratando o fenómeno da reemigração, e dos jovens altamente qualificados que emigram, na expectativa de conseguirem nem que seja os mesmos empregos que dos portugueses sem qualificações que rumavam a França nos anos 60 do século XX (Ribeiro, 2013).

Apesar de ter sido retratado como mau por alguma crítica, sublinhando o seu lado ‘francês’, por ser sobranceiro em relação aos portugueses, a grande maioria que foi ver o filme parece ter passado momentos agradáveis, rindo com as várias situações hilariantes e estereotipadas em que muitos portugueses (direta ou indiretamente ligados à emigração) se revêm: seja através de familiares, ou no contacto existente durante o período de férias (no verão ou na quadra natalícia, especialmente).

O filme põe a nu, também, as incongruências entre a realidade e aquilo que alguns gostavam que acontecesse, sublinhado, nomeadamente, no que ao discurso político diz respeito. O Presidente da República, Cavaco Silva, por exemplo, e como já se referiu, tem apelado por diversas vezes aos emigrantes para que estes sejam os veículos da ‘portugalidade’ na diáspora. Seja o que for que isso quer dizer, parece ser claro tratar-se de mera retórica, uma vez que, como vimos, a ‘portugalidade’ é equívoca e pouco dada ao interculturalismo, uma vez que é centrada em Portugal, com pouca disponibilidade para integrar o ‘outro’. Num mundo globalizado, em que as distâncias estão esbatidas, trata-se de uma ideia com pouca sustentação e que, recorrendo a Eduardo Lourenço, pode ter que ver com a portuguesa hiperidentidade, que reflete um deficit de identidade real, compensada no plano imaginário (Silva & Jorge, 1993). Por isso, o reavivar da alegada “chama lusitana”, como refere Albertino Gonçalves (2009), a propósito dos emigrantes dos anos 60 do século XX, tem hoje recortes bem diferentes, à semelhança da própria emigração portuguesa que, em França, se vai mantendo nos mesmos trabalhos, muito embora com qualificações superiores, mas que já não sonha em voltar a Portugal, mas em sobreviver, vivendo o dia-a-dia. Seja em França ou noutro qualquer país do mundo. Talvez por isso, “A Gaiola Dourada” termine com o fado ‘Prece’25, de Amália Rodrigues, numa interpretação de Catarina Wallenstein (mais uma cantora da nova geração a representar um corte com o passado e que está sempre presente no filme), numa ironia que invoca o desejo de “morrer em Portugal”. Mesmo que se viva longe do país.

 

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NOTAS

1 Informação constante do portal do INE [http://www.ine.pt, 12/5/2014].

2 Uma tendência que, segundo o INE [http://www.ine.pt], se tem verificado desde 2011.

3 "A Gaiola Dourada" foi o filme mais visto de 2013 em Portugal, com 754.195 espetadores e 3,8 milhões de euros de receitas. [informação disponível em http://tinyurl.com/luocvm6, acedida em 31/2/2014].

4 [http://tinyurl.com/kyemken, 31/12/2013].

5 [http://tinyurl.com/phhv8gw, 31/12/2013].

6 Em várias passagens do filme, através da tentativa de socialização entre os franceses - no caso, os patrões de ‘Monsieur Ribeiro’, durante um jantar, a mulher do patrão confunde ‘Alcazar’ com Salazar, para além de desejar uma "buena noche" e de se referir ao gaspacho, como sendo a comida tradicional portuguesa.

7 [http://tinyurl.com/q43dan3, 21/5/2014].

8 Nunca os emigrantes portugueses foram conhecidos em França por “bacalhaus”, não obstante serem conhecidos por comerem bacalhau. Numa das passagens do filme, a propósito da eventual abertura de um restaurante por parte de ‘Madame Ribeiro’ com a irmã, um dos nomes aventados para batizá-lo seria o improvável "As duas bacalhaus".

9 Jogo disputado em 6/9/2013.

10 Pode acompanhar-se a evolução da emigração portuguesa através da série da RTP intitulado “Ei-los que partem. História da Emigração Portuguesa” (cinco episódios) [http://tinyurl.com/ocgo6dj, 7/3/2014].

11 Bom, J. C. (2000), ‘Portugalidade, pergunta-resposta’, in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, de 7/4/2000 [http://tinyurl.com/2uanuhv, 11/2010].

12 Duarte, C. (2005), ‘Portuguesismo, portugalismo, portugalidade, pergunta-resposta’, in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, de 14/2/2005 [http://tinyurl.com/2ueratv, 11/2010].

13 A ideia de pós-modernismo deve aqui ser entendida enquanto modo de teorização antifundacional, como refere Mike Featherstone (1996 [1990]: 192), evidenciando que Lyotard (1986 [1984]) argumenta que as grandes teorias fundacionais, que apelida de “metanarrativas” da modernidade ocidental (ciência, humanismo, socialismo e marxismo) são essencialmente deficientes, um vez que são incapazes de se afirmarem pela universalidade facto que, segundo Lyotard, deveria fazer com que se aceitasse “a natureza limitada, restrita do conhecimento”, aceitando “as proporções de menor escala e tolerar a diversidade no conhecimento local” (Featherstone, 1996 [1990]: 192).

As implicações dessa mudança são especialmente marcantes em relação ao papel dos intelectuais contemporâneos que, de acordo com Lyotard, deveriam aceitar uma definição mais limitada da sua vocação (ideia constante de entrevista concedida a Reijen & Veerman, 1988). Daí advém o argumento de que uma característica central do pós-modernismo está associada à mudança da função e do papel dos intelectuais que “perderam o papel convicto de ‘legisladores’ (…) para desempenharem o papel mais restrito de ‘intérpretes’” (Featherstone, 1996 [1990]: 192).

14 O discurso oficial sobre a “inglesidade” (englishness), por exemplo, que vai no sentido da representação do que a Inglaterra é, e à identidade relativa ao “ser-se inglês”, é contestado por vários autores contemporâneos, como é o caso de Stuart Hall (2000), que afirma que a produção da “inglesidade” no Reino Unido decorre da existência de uma atitude preconceituosa, conduzindo a um “inglesismo” mesquinho, agressivo e com recortes de absolutismo étnico, que apelida mesmo de “racismo cultural”.

15 O livro é feito de forma corrida , relatando as intervenções que tiveram lugar durante a manhã e a tarde do dia 27 de abril de 1992, data da mesa-redonda organizado por Augusto Santos Silva e Vítor Oliveira Jorge, na Casa das Artes (Porto). As intervenções referidas no texto inscrevem-se nessa forma ‘corrida’, sem que eles sejam autores da publicação, pelo que as citações dizem respeito, apenas, aos coordenadores da publicação, sendo referida a página onde podem ser encontradas.

16 Na mensagem dirigida às Comunidades Portuguesas na página da Presidência da República, integrada nas comemorações do 10 de junho de 2013, em Elvas, o Presidente da República refere que “as comunidades da diáspora devem mobilizar-se como agentes ativos da portugalidade, dando a conhecer ao mundo a realidade do nosso país” [http://tinyurl.com/q3ghgm4, 9/6/2013].

17 O autor adverte para o facto de a informação ser dispersa e fragmentária, sendo certo que a informação oficial, disponível em termos de estatísticas a partir da segunda metade do século XIX, diz apenas respeito a saídas do país, o que provoca dificuldades: “os números dão para aferir tendências, mas não são rigorosos” (Pires, 2010: 22).

18 “O povo do Estado Novo resulta de uma conjugação aparentemente irónica conciliando a modernidade com a afirmação das especificidades nacionais, através do folclore e das artes populares”, aliando-se a perspetiva tradicionalista à ação de Salazar, caracterizada pelo seu conservadorismo, nacionalismo e autoritarismo. Dessa forma, “se construía uma identidade nacional ‘exclusiva’”. (Sousa, 2013).

19 O autor adverte, no entanto, para o facto de estes números não serem fiáveis, referindo que o carácter clandestino da emigração para a França dificulta qualquer quantificação: “Os números divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) só revelam os movimentos migratórios que são do conhecimento do Estado português fornecendo, consequentemente, uma imagem truncada do fluxo migratório” (Pereira, 2014: 26). Os números dos fluxos migratórios entregues pelo INE não referem, “nem o movimento migratório nem a sua homologação a posteriori pela Junta da Emigração (JE). Esta prática permite a JE e ao INE atenuarem a diferença entre a verdadeira emigração legal e os fluxos migratórios globais” (Pereira, 2014: 27).

20 O autor adverte para a necessidade de serem tidas em conta as transformações verificadas, nomeadamente as disposições dos emigrantes face às sociedades de origem e de acolhimento que se alteraram substancialmente, bem como as atitudes, as vontades, os projetos, que se tornaram outros, nomeadamente no que respeita à crescente preocupação com a qualidade de vida e com a diminuição da obsessão, bem como a dependência, face à terra natal (Gonçalves, 2009).

21 O sociólogo Albertino Gonçalves defende que os discursos de identidade tendem a suspender ou a exorcizar a negatividade (Gonçalves, 2009: 62).

22 Segundo Baganha & Góis (1999: 229), ainda “(…) em 1991, os estrangeiros em Portugal representariam 1,5% da população nacional residente, enquanto os portugueses a residir no estrangeiro representariam mais de 40% do total de residentes no território nacional”.

23 Referindo-se ao défice demográfico português como “uma emergência política nacional”, o secretário de Estado adjunto do ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, Pedro Lomba, anuncia uma agenda migratória para a demografia, composta por duas vias: “desenvolver e executar uma estratégia activa e transversal para a captação de imigração”; e o “regresso dos portugueses que pensam sair ou têm vindo a sair de Portugal” (Lomba, 2014: S/P). Uma atitude que parece decorrer, de facto, de uma “emergência”, muito embora evidencie uma inflexão na política governamental que incentivou várias vezes os jovens a emigrarem, e que motivou grande celeuma na sociedade portuguesa.

24 Rui Pena Pires referia, em 2010, que a mobilidade internacional de quadros crescera pelo que o desenvolvimento dos sistemas técnicos e de investigação na Europa e nos EUA já dependia da continuidade dessas migrações, sendo que no caso português era essa compensação que estava deficitária. Observava que, em 2000, “13% dos portugueses com grau superior tinha emigrado (cerca de 90 mil)” e, se se contabilizassem os que tinham concluído os seus estudos no destino, “a percentagem de emigrantes portugueses com formação superior era de 20% em 2000 (cerca de 150 mil)” (Pires, 2010: 94). Tinham como destino os EUA, o Canadá, a Alemanha e a França, onde viviam mais de 80% dos emigrantes portugueses com formação superior, bem como o Reino Unido, a Bélgica, os Países Baixos, a Suécia e a Itália: “À excepção da França, em todos os países referidos a percentagem de emigrantes portugueses com formação superior situava-se entre um mínimo de 20% (nos EUA) e um máximo de 40% (no Reino Unido)”, já no que concerne à França, “apenas 4% dos emigrantes portugueses eram licenciados” (Pires, 2010: 94). Referia, a propósito, que “a circulação internacional é hoje uma condição do exercício profissional nos domínios mais qualificados, em especial nas carreiras científicas” (Pires, 2010: 95) por isso, “o crescimento dos recursos humanos de ciência e tecnologia tem estado associado, em Portugal, ao crescimento do número de bolsas no estrangeiro para formação avançada” (Pires, 2010: 95). Só até 2010 essas bolsas mais do que sextuplicaram, não significando esses números a existência de qualquer ‘fuga de cérebros’ quando algum desses bolseiros se emprega no estrangeiro, “mas uma maior abertura do sistema nacional de investigação e desenvolvimento, devido à intensa circulação internacional que caracteriza a comunidade científica” (Pires, 2010: 95).

25 “Talvez que eu morra no leito/Onde a morte é natural/As mãos em cruz sobre o peito/Das mãos de Deus tudo aceito/Mas que eu morra em Portugal” (música de Alain Oulman e letra de Pedro Homem de Mello, numa canção incluída no disco “Obsessão”, editado pela “Valentim de Carvalho”, 1990).

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