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Observatorio (OBS*)

versão On-line ISSN 1646-5954

OBS* vol.8 no.1 Lisboa jan. 2014

 

A mediatização da dengue na imprensa portuguesa: Os casos do Público, Expresso, Jornal de Notícias e Diário de Notícias

Dengue in the Portuguese press: Público, Expresso, Jornal de Notícias and Diário de Notícias

 

Rita Araújo*, Felisbela Lopes**

* Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade - Universidade do Minho, Portugal

** Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade - Universidade do Minho, Portugal

 

RESUMO

Em outubro de 2012 foram identificados vários casos de febre de dengue na ilha da Madeira, motivando uma cobertura noticiosa do caso que se prolongou até dezembro. A mediatização do surto fez-se principalmente através do recurso a fontes oficiais declinadas no masculino que falavam à escala nacional e a fontes documentais.

Este artigo estuda a mediatização do vírus de dengue na imprensa portuguesa, aqui representada pelos jornais diários Público, Jornal de Notícias e Diário de Notícias e pelo semanário Expresso. Através da análise de 39 artigos, nos quais foram citadas 110 fontes de informação, procurámos entender os processos de construção da notícia e as fontes a quem os jornalistas dão voz.

Palavras-chave: dengue, jornalismo de saúde, comunicação de crise, comunicação de risco, fontes de informação

 

ABSTRACT

Several cases of dengue fever were identified in Madeira Island in October 2012. The media coverage of the outbreak lasted until December and it was made especially through official news sources, mainly male, who would talk on a National level, and through documental sources.

This paper studies the dengue fever coverage in the Portuguese newspapers, represented by daily newspapers Público, Jornal de Notícias and Diário de Notícias and by the weekly newspaper Expresso. We sought to understand the news-making processes and the news sources used by journalists, analyzing 39 news articles and 110 news sources.

Keywords: dengue, health journalism, crisis communication, risk communication, news sources

 

Introdução

Em outubro de 2012, o país foi surpreendido por notícias que davam conta de um surto de dengue na ilha da Madeira. Os primeiros textos jornalísticos começaram a ser publicadas pelos media no dia 4 de outubro de 2012, com a confirmação de dois casos de febre de dengue e 22 casos suspeitos. A cobertura mediática prolongou-se durante todo o mês de outubro até dezembro de 2012, transmitindo discursos tranquilizadores veiculados por fontes oficiais, como o Diretor-Geral da Saúde ou o Ministro da Saúde, e discursos explicativos transmitidos por fontes especializadas, como médicos ou investigadores. As fontes oficiais são, aliás, as mais citadas nos textos jornalísticos portugueses sobre a dengue. As fontes documentais, de que são exemplo os comunicados de imprensa, têm também bastante destaque, de acordo com a nossa análise, facto que pode ser atribuído à frequência e importância dos comunicados da Direção-Geral da Saúde e do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) num contexto de risco de saúde. Não há, no entanto, uma grande diversidade de fontes de informação, sendo que os jornalistas acabam por recorrer às mesmas fontes e por replicar informação plasmada em comunicados de imprensa oficiais.

Neste artigo, estudamos a mediatização do surto do vírus de dengue na imprensa portuguesa, através da leitura de quatro jornais nacionais com diferentes periodicidades e linhas editoriais – Público, Expresso, Jornal de Notícias e Diário de Notícias – no período entre 4 de outubro, que corresponde ao início do surto, e 31 de dezembro de 2012. Este estudo – que integra um corpus de 39 artigos – desenvolve-se em dois eixos principais:

- a análise dos textos publicados

- a análise das fontes de informação neles citadas.

Este caminho de investigação tem subjacente a si um quadro teórico que se debruça sobre a comunicação da saúde, atendendo aí de modo especial à comunicação de risco e de crise e à problemática da sociologia das fontes de fontes de informação, nomeadamente à relação que estas mantêm com os jornalistas.

O quadro teórico que norteia a nossa investigação situa-se no âmbito da Comunicação na Saúde, campo multidisciplinar dentro das Ciências da Comunicação que compreende também a comunicação de crise e de risco.

Os media desempenham um papel fundamental na sociedade, uma vez que, atualmente, são uma fonte importante de informação de saúde. De facto, “a disseminação de notícias de saúde foi uma indústria em explosão nos anos 1990 (Schwitzer, 1992) e a tendência parece continuar à medida que o novo milénio avança” (in Tanner, 2004: 351). Por vezes, os meios de comunicação social são a única fonte de informação para muita gente (Luhmann, 1995: 9 in Schäfer, 2012: 650), e esta situação é especialmente verdadeira em temas científicos. Besley e Tanner referem que uma grande quantidade de informação sobre ciência e saúde é disponibilizada ao público através dos media, e a interação entre os cientistas, os media e o público está a tornar-se comum (Besley & Tanner, 2011: 240). A comunicação é uma das ferramentas mais valiosas para que a interação entre estes três vetores seja eficaz, nomeadamente em situações de risco e crise – como o surto de dengue que atingiu a Madeira e, posteriormente, se alastrou à Europa.

Os jornalistas ocupam uma posição importante na sua relação com o público, uma vez que o jornalismo de saúde e de ciência produz um “quadro de expetativas” (Nelkin, 1995 in Amend & Secko, 2012: 242) que dá sentido a algumas questões científicas que, de outro modo, não seriam abordadas. De facto, os jornalistas informam, explicam e enquadram temas de saúde que podem ajudar o cidadão na tomada de decisões sobre a sua própria saúde. Isto mesmo aconteceu durante a cobertura do surto de dengue, em que os jornalistas explicaram quais os sintomas da infeção pelo vírus e as formas de prevenção da doença. A cobertura de saúde deve, pois, ser “precisa, equilibrada e completa”, para que o público esteja adequadamente informado e pronto a participar na tomada de decisões sobre os seus cuidados de saúde. Se a cobertura for errada, desequilibrada ou incompleta, as pessoas podem ficar com expetativas irreais e exigir dos médicos cuidados de saúde de que não precisem ou que sejam prejudiciais (Schwitzer, 2008).

As notícias de saúde têm, portanto, um grande impacto na vida das pessoas, uma vez que estas contam com os media para lhes explicarem e enquadrarem temas que, de outro modo, lhes seriam desconhecidos.

 

Enquadramento Teórico

A comunicação na saúde, a comunicação de risco e a comunicação de crise

O quadro teórico que norteia a nossa investigação centra-se nos estudos da comunicação na saúde, campo muito vasto dentro das ciências da comunicação que inclui a comunicação de risco e de crise. A comunicação na saúde é uma área de estudos multidisciplinar que olha para diferentes níveis e canais de comunicação em vários contextos sociais (Kreps et al., 1998). Em termos de percurso histórico, a criação de um campo da comunicação na saúde está enraizada na investigação norte-americana e remonta à década de 1970 (Schulz & Hartung, 2010).

Quanto à comunicação de risco e à comunicação de crise, a literatura propõe a distinção entre as duas áreas, atendendo, no entanto, à sua complementaridade. A comunicação de risco está geralmente associada à comunicação e promoção da saúde, enquanto a comunicação de crise está mais ligada às atividades de relações públicas de uma organização e à sua atuação durante ou após uma situação de crise (Reynolds & Seeger, 2005).

A junção destas duas formas de comunicação deu origem ao modelo de Crisis and Emergency Risk Communication (CERC), proposto pelos investigadores Barbara Reynolds e Matthey Seeger (2005). Esta é uma forma híbrida de comunicação que se preocupa com as caraterísticas da crise e as exigências dos públicos no que toca à comunicação, juntando, no entendimento dos autores, o melhor da gestão de comunicação do risco e da crise. Entendemos que este modelo, desenvolvido em cinco fases, pode ser aplicado no contexto de uma emergência de saúde pública como o surto de dengue. Aplicado à saúde, este modelo apresenta aquelas que podem ser as fases de uma situação de risco para a saúde pública. O risco em saúde pode, deste modo, resultar numa situação de crise – se o risco não for “dominado”, está instalada uma crise de saúde pública. É sobre estas questões que nos vamos debruçar neste ponto.

Deste modo, comunicação na saúde compreende um conjunto de processos e mensagens de comunicação que se constituem à volta de temas de saúde (Zoller & Dutta, 2008: 3). É um campo de estudos importante, que se preocupa com os papéis de poder da comunicação humana e mediada nos cuidados e na promoção da saúde (Kreps et al., 1998). Num livro inteiramente dedicado às perspetivas emergentes na comunicação na saúde, Zoller e Dutta afirmam que os académicos desta área podem dividir-se em duas grandes categorias, tendo em conta o seu enfoque de estudos. Temos, assim, uma perspetiva baseada nos processos e uma perspetiva baseada nas mensagens. A primeira refere-se à forma como os significados de saúde são constituídos, interpretados e postos a circular, e preocupa-se com os processos de interação simbólica e de estruturação relacionados com a saúde, e a segunda perspetiva está relacionada com a criação de mensagens eficientes sobre saúde (Zoller & Dutta, 2008: 3).

Gary Kreps, Ellen Bonaguro e Jim Query também distinguem duas grandes áreas dentro da comunicação de saúde, embora as exponham de forma diferente dos autores anteriormente citados. Falam, assim, em estudos de “health care delivery” e “health promotion”, sendo que os investigadores do primeiro grupo analisam a influência da comunicação na prestação de cuidados de saúde e os do segundo estudam o uso persuasivo de mensagens comunicativas e dos media como forma de promover a saúde pública (Kreps et al., 1998). Zoller e Dutta destacam a relação com a prática como uma das caraterísticas desta área de investigação, para além do seu caráter interdisciplinar. De facto, caraterizada pela sua multidisciplinaridade, “a comunicação na saúde é uma área de estudos muito alargada, que investiga diferentes níveis e canais de comunicação em diversos contextos sociais”. Relativamente a esta questão, Gary Kreps e os seus colegas definiram os níveis primários para a análise da comunicação na saúde, que incluem “a comunicação intrapessoal, interpessoal, de grupo, organizacional e social” (Kreps et al., 1998). Enquanto os académicos dos primeiros anos desta disciplina se focaram nos aspetos interpessoais da comunicação na saúde, as investigações atuais compreendem questões organizacionais; elementos relacionados com as comunidades; e questões dos media populares e campanhas no contexto da saúde pública e medicina (Zoller & Dutta, 2008: 3). Para além da diversidade de investigação no âmbito da comunicação na saúde, começa também a haver maior diversidade de perspetivas aplicadas a esses estudos.

Uma das áreas de estudo da comunicação na saúde é precisamente a comunicação de risco e crise. De forma a compreender a noticiabilidade do surto de dengue, iremos analisar os processos de comunicação de risco e de crise inerentes à mediatização desta doença.

A comunicação de risco está, geralmente, associada às mensagens veiculadas pelos profissionais de saúde. Dentro deste grupo incluem-se os profissionais mais ligados à comunicação e que têm em mente a possibilidade de situações de risco para a saúde pública (Covello, 1992; Freimuth, Linnan, & Potter, 2000; Heath, 1994; Sandman, 2002; Witte, Meyer, & Martel, 2000 in Reynolds & Seeger, 2005: 43). Nos últimos 20 anos, a investigação sobre a comunicação de risco tem vindo a evoluir de forma assinalável. Fischhoff (1995) define várias fases do processo de comunicação de risco, que progrediram no sentido de adquirir novas capacidades. O autor refere que, muitas vezes, a comunicação de risco começa de forma errada, porque as potenciais fontes de informação não têm intenção de fornecer informação.

A comunicação de risco está intimamente ligada à perceção e avaliação de uma ameaça. Na prática, envolve a produção de mensagens públicas tendo em vista riscos para a saúde e ameaças ambientais (Reynolds & Seeger, 2005: 45). A comunicação de risco baseia-se ainda na convicção de que o público tem o direito de conhecer os riscos e ameaças que o rodeiam. É facilitadora da tomada de decisões e da partilha do risco, uma vez que a disponibilidade da informação permite ao público tomar decisões informadas (Reynolds & Seeger, 2005: 45).

Este tipo de comunicação visa identificar as estratégias persuasivas para que o público possa convencer-se de determinada ideia relativamente a um risco, sendo que as estratégias mais comuns englobam o recurso a especialistas e outras fontes que tenham muita credibilidade, para além de serem capazes de traduzir informação científica para as audiências leigas (Reynolds & Seeger, 2005: 47). Alguns autores definem a comunicação de risco como um tipo de comunicação que tem em vista “dar ao público a informação de que este necessita para tomar decisões informais e independentes sobre riscos para a saúde, segurança e ambiente” (Fischhoff, 1990; Gibson, 1985; Gow and Otway, 1990 in Morgan et al., 2002: 4).

A comunicação de crise, por seu turno, é geralmente aplicada no contexto das organizações (Barton, 2001; Coombs, 1995; Seeger, Sellnow, & Ulmer, 1998, 2001 in Reynolds & Seeger, 2005: 43). Este tipo de comunicação visa explicar um evento específico, identificar as possíveis consequências e resultados, e fornecer informação que reduza a ameaça às populações afetadas de uma forma honesta, rápida, precisa e completa (Reynolds & Seeger, 2005: 45).

Alguns autores (Lundgren, 1994 in Reynolds & Seeger, 2005: 47) sugerem que a comunicação de crise é uma forma limitada de comunicação de risco. No entanto, ambas as formas de comunicação envolvem a produção de mensagens públicas desenhadas para gerar respostas específicas da parte do público.

Apesar de, em termos teóricos, ser comum fazer-se uma distinção entre a comunicação de risco e a comunicação de crise, estas duas áreas são complementares. Aliás, Barbara Reynolds e Matthew Seeger (2005: 44) propõem uma abordagem da saúde pública que junta a comunicação de risco e a comunicação de crise numa forma híbrida chamada Crisis and Emergency Risk Communication (CERC). Esta forma de comunicação sublinha as caraterísticas da crise e as necessidades e exigências comunicativas das audiências em diversos pontos do desenvolvimento de um evento (Reynolds & Seeger, 2005: 49). Este modelo tem cinco fases, que assumem que a crise se vai desenvolver de forma previsível e sistemática: risco; erupção; limpeza; recuperação; e avaliação. De uma forma aplicada à saúde, as fases deste modelo podem ser as fases de uma situação de risco para a saúde pública. Entende-se que o risco, se não for debelado, pode dar origem a uma situação de crise – neste caso, de crise de saúde pública.

De facto, as emergências de saúde pública geralmente estão relacionadas com o surto de uma doença ou a identificação de riscos específicos, ambientais ou ligados aos estilos de vida (Reynolds & Seeger, 2005: 44). Os mesmos autores dão o exemplo do surto do vírus do Nilo, durante o qual as agências de saúde pública difundiram informação sobre a natureza e frequência da doença e o nível de risco associado, bem como regras para que a população pudesse evitar as picadas dos mosquitos. Geralmente, estas entidades confiam nos media e nas campanhas de educação do público para ajudar a difundir as mensagens (Reynolds & Seeger, 2005: 44). Os mass media são, aliás, importantes na comunicação de alguns fatores de risco à população em geral (Atkin & Wallack, 1990: 7).

Durante o surto de febre de dengue, as autoridades de saúde portuguesas, de que é exemplo a Direção-Geral de Saúde, foram transmitindo mensagens ao público através dos media, de acordo com as notícias veiculadas pela imprensa portuguesa durante esse período. Os textos noticiosos, muito apoiados nos comunicados da Direção-Geral da Saúde, foram divulgando informação sobre a febre de dengue, as formas de propagação da doença e os sintomas provocados pela infecção com o vírus, ao mesmo tempo que transmitiam as recomendações das autoridades de saúde – como o uso de repelentes e roupas largas, ou os cuidados a ter com a estagnação das águas para evitar as picadas dos mosquitos.

Sandman (2002 in Reynolds & Seeger, 2005: 44) refere que alguns riscos são novos para o público e, como tal, não são familiares, “são vistos como pouco naturais e exóticos, e criam altos níveis de incerteza”. Em muitos casos, envolvem organismos que não podem ser vistos e sintomas que não foram ainda observados na população. O autor defende que esta falta de familiarização vai muito provavelmente aumentar o risco percebido pelo público em geral. O discurso veiculado pelos media tenta colmatar estas incertezas, transmitindo mensagens tranquilizadoras das fontes oficiais e explicações sobre a natureza do vírus por parte das fontes especializadas. O ministro da Saúde, Paulo Macedo, anunciou ainda o desenvolvimento de um plano de contingência e de uma rede de vigilância nacional para atuar em caso de se verificar a presença do mosquito transmissor da doença no continente.

Tendo em conta os constrangimentos de tempo das pessoas – e a própria limitação dos meios de comunicação social, que não podem transmitir toda a informação sobre um assunto –, a comunicação eficiente deve focar-se nos assuntos que o público tem mais necessidade de perceber (Morgan et al., 2002: 4).

Em casos de riscos para a saúde pública, a comunicação utilizada deve instruir, informar e motivar comportamentos auto-protetores; atualizar informação sobre o risco; fomentar a confiança nas fontes oficiais e afastar os rumores (Vaughan & Tinker, 2009: S324). Os mesmos autores alertam ainda para a importância de se saber para quem se fala, ou seja, as estratégias de comunicação eficazes têm de ir ao encontro dos valores culturais e das percepções de risco das audiências-alvo (Vaughan & Tinker, 2009: S330).

Com vista a melhorar a capacidade de resposta das populações perante situações de emergência em saúde pública, têm vindo a ser desenvolvidos modelos de comunicação como o CERC. Estes modelos “procuram melhorar a gestão de riscos e crises nos desafiantes contextos globalizados”, em que os níveis de ameaça e a constante presença mediática são cada vez maiores (Lopes et al., 2012: 162).

A importância das fontes de informação na produção noticiosa

Se procurarmos a definição de fonte no respetivo étimo latino, descobrimos que deste vocábulo emergem significados como os de um lugar onde nasce perenemente água ou de algo onde tudo começa. Também buscámos aqui a herança mitológica que o conceito encerra, sublinhando que Fonte é o deus das nascentes, parecendo assegurar, deste modo, uma realidade cristalina em tudo o que se abriga sob esta raiz etimológica. Puro equívoco, percecionado de imediato quando se percorre a árvore genealógica da mitologia. Fonte é filho de Jano, o deus das portas e das passagens, representado simbolicamente com dois rostos que vigiam a entrada e a saída, cujo templo se encontrava encerrado em tempo de paz e aberto em tempo de guerra. Afinal, aquilo que parecia correr sem entraves, a água que se imaginava passar livremente da fonte para qualquer destinatário, tem subjacente a si comportas que podem neutralizar o seu normal fluir. Assim acontece com as fontes de informação, uma instância incontornável do processo informativo que impõe quotidianamente aos jornalistas renovados obstáculos (Lopes, 1998). Percorrendo a literatura do campo do jornalismo, multiplicam-se as definições de fonte de informação. Autor de um importante estudo publicado no livro Deciding what’s news: a study of CBS evening news, NBC nightly news, Newsweek and Time que transportou os estudos sobre o relacionamento entre fontes e jornalistas para terrenos empíricos, Herbert Gans (1979: 80) define assim as fontes de informação:

“Actores que os jornalistas observam ou entrevistam, incluindo entrevistados que aparecem na televisão ou são citados em artigos de revistas, e aqueles que apenas fornecem informação de base ou sugestões de histórias. Para o meu objectivo, contudo, a característica mais saliente das fontes é o facto de estas proporcionarem informação enquanto membros ou representantes de grupos de interesse organizados ou de sectores ainda mais amplos da nação e da sociedade.”

Na verdade, as fontes de informação constituem inegavelmente um tópico de fulcral importância para as investigações centradas no processo produtivo noticioso ou no estatuto profissional dos jornalistas, possibilitando igualmente estudar a ligação entre o jornalismo e a sociedade, como, aliás, foi sublinhado por Herbert Gans numa correspondência trocada com Philip Schlesinger (1990). No entanto, ao longo dos anos, a sociologia dos media não dedicou grande atenção à relação entre jornalistas e fontes, algo que, nos últimos tempos, tem vindo a ser invertido com sucessivos estudos que promovem a reflexão das fontes a partir delas próprias ou que desenvolvem análises assentes nas opções feitas pelos meios de comunicação social a esse nível.

São múltiplos os caminhos a seguir, podendo-se, no entanto, considerar aqui duas vias estruturantes para nortear as opções a fazer:

- uma via mediacêntrica, que aborda as questões a partir dos próprios media. Exemplos: as lógicas de grupo que promovem sinergias entre títulos e impõem aos jornalistas determinadas fontes; os constrangimentos financeiros que restringem o campo de autonomia de quem trabalha nas redações; as normas éticas, deontológicas e legais que impõem/permitem aos jornalistas um determinado comportamento em relação às fontes; os constrangimentos organizacionais das redações que impedem/potenciam determinados contactos; a autonomia e as limitações sentidas pelos jornalistas especializados;

- uma via centrada nas fontes de informação. Exemplos: as estratégias e as táticas das fontes (oficiais, profissionais, não-profissionais...) para se tornarem notícia; a perceção das fontes quanto a outras fontes ou jornalistas do mesmo campo; os recursos financeiros de que dispõem para construir as respetivas assessorias/comunicação estratégica; o capital simbólico que reúnem; os agendamentos prioritários, particularmente no que às fontes oficiais de informação diz respeito.

Neste trabalho, adoptaremos a segunda via e, dentro dela, deter-nos-emos apenas nas opções feitas pelos jornalistas a este nível, ou seja, procuraremos perceber quais as fontes escolhidas, traçando um retrato exaustivo daquilo que os textos nos dão a ver.

Em Portugal, destacamos as definições propostas por dois investigadores e por dois Livros de Estilo de meios de comunicação social de natureza distinta.

Num artigo que se intitula “Fontes jornalísticas: contributos para o mapeamento do campo”, Manuel Pinto (2000) integra aí pessoas, grupos, instituições sociais ou vestígios – falas, documentos, dados – por aqueles preparados, construídos, deixados. Num capítulo dedicado às fontes de informação, uma matéria central do seu livro A fonte não quis revelar, Rogério Santos (2006) diz que neste conceito cabem instituições, organizações, grupos ou indivíduos, seus porta-vozes ou representantes que prestam informações ou fornecem dados ao jornalista, planeiam ações ou descrevem factos, avisando o jornalista da ocorrência de acontecimentos ou relatando deles alguns pormenores. Sublinhando que “o universo das fontes de informação não é idêntico”, reconhece que “todo o mundo pode ser fonte, desde que um jornalista a procure e escreva uma notícia sobre ela” (2006: 75).

O Livro de Estilo da Agência de Notícias Lusa dedica um ponto alargado às fontes de informação, estipulando, logo no início, que “a notícia de Agência deve ter uma fonte clara e explicitamente referida”. A identificação das fontes – que merece aqui grande atenção – é considerada de “maior importância na elaboração de uma notícia”. Considera-se que as fontes identificadas “são as mais seguras”, enquanto as fontes não identificadas “são fracas em termos de proteção do jornalista e do nome da Agência”. Quanto à informação off the record, escreve-se que deve ser utilizada como background numa informação posterior e nunca imediatamente depois de ter tido conhecimento dela.

O Livro de Estilo do Público considera que a fonte é quem “fornece informações ao jornal, por iniciativa própria ou solicitada nesse sentido”, sublinhando alguns cuidados que elas impõem, exigindo-se dos jornalistas um relacionamento pautado pela “imparcialidade, integridade e independência”. Evidencia-se, ao longo do texto, uma atenção em fazer separar fontes com boa informação daqueles que procuram manipular:

“Governos, empresas, sindicatos e militares; interesses políticos, comerciais, religiosos, artísticos, desportivos ou meramente corporativos; ‘lobbies’ de toda a ordem e causas de todo o género socorrem-se hoje das técnicas mais elaboradas (e de quem melhor as domina, alguns deles experientes profissionais do ramo) para fazer passar a mensagem mais conveniente. Seja poder ou oposição, para a guerra ou para a paz, à direita ou à esquerda, por razões comerciais ou não.”

Cruzando diferentes latitudes e tempos diferenciados, evidenciam-se definições direcionadas para fontes específicas. Salientamos aqui dois grupos:

- Fontes oficiais: são fontes ligadas ao poder, sobretudo político, havendo, a este nível, variadíssimos estudos. Para além dos clássicos trabalhos de Léon Sigal (1973) e Herbert Gans (1979), poder-se-á apontar, nos anos 80, a investigação de Brown, Bybee, Wearden e Straughan (1987) que, por continuidade daqueles, demonstram que no campo jornalístico as fontes governamentais, através de canais de rotina, impõem a sua noticiabilidade. No Reino Unido, Philip Schlesinger (1990) também apresenta estudos importantes sobre este tipo de fontes.

- Especialistas: são fontes que possuem um “saber sábio”, apresentando-se mais ao nível da explicação dos factos. Estudos sobre campos específicos – por exemplo, a saúde –detêm-se com bastante pormenor na natureza destas fontes. Salientamos aqui os trabalhos de Erik Albæk (2011) que explicam por que razão os jornalistas usam os especialistas e que tipo de relação estabelecem; e as investigações de Marjorie Kruvand (2012) que, a partir de um estudo de caso centrado no diretor do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia, Arthur L. Caplan, orienta as fontes especializadas no modo como podem relacionar-se com eficácia com os jornalistas.

 

Estudo empírico

Caminhos metodológicos

Este trabalho – desenvolvido no âmbito de uma tese de doutoramento sobre a mediatização da saúde na imprensa portuguesa – pretende estudar a forma como o surto de febre de dengue foi noticiado nos jornais portugueses, através da análise das notícias e das fontes de informação.

Queremos, com esta investigação, fazer um mapeamento dessa mediatização, pelo que se privilegiou a análise quantitativa dos dados, centrada na estatística descritiva univariada. Em primeiro lugar, fizemos uma análise de conteúdo das notícias publicadas desde o aparecimento dos primeiros casos de dengue; depois, analisámos os textos e as fontes de informação neles contidas.

Procedeu-se, então, a uma análise quantitativa dos dados, a partir da estatística descritiva univariada, recorrendo ao programa de análise estatística de dados Statistics Package for Social Sciences (SPSS), sendo que se pretendia examinar um conjunto de dados que nos fornecesse informação relativa às fontes de informação, a partir das variáveis inicialmente definidas.

Os jornais escolhidos para este estudo foram o Expresso, o Público, o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias (um semanário de referência e três diários, dois de referência e um de cariz mais popular). A escolha destes jornais justifica-se pelo seu carácter generalista e nacional; a amostra escolhida (não-probabilística) apresenta ainda diferentes linhas editoriais e periodicidades, uma vez que não sabemos se estes critérios poderão influenciar a qualidade da informação prestada em saúde. Deste modo, esta é uma das hipóteses que queremos testar numa fase posterior do nosso trabalho.

O período selecionado prende-se com o surto em si; entre outubro e dezembro de 2012. Durante estes meses, o Expresso publicou uma notícia sobre o tema; o Público nove; o Diário de Notícias 17; e o Jornal de Notícias 12. O nosso corpus de análise é, assim, composto por 39 artigos noticiosos.

A recolha de dados foi efetuada com recurso às versões impressas – em formato digital – dos cadernos principais dos jornais, sendo que foram escolhidas as versões Lisboa ou Nacional dos periódicos selecionados, quando existam, excluindo-se as secções de Local (no Público) ou Porto (no JN), de Desporto e de Cultura.

A análise das notícias de saúde dividiu-se em dois níveis, sendo que o primeiro nos permite caraterizar o tipo de texto que se publica na imprensa portuguesa quando se fala de saúde; e o segundo é mais voltado para a análise das fontes de informação neste campo. O primeiro nível de análise é constituído por 12 variáveis: ano de análise, data, jornal, título, doença, tipo de artigo, motivo de noticiabilidade, tempo da notícia, tamanho, lugar da notícia, presença e número de fontes de informação.

O segundo nível de análise é referente às fontes de informação. Queremos saber quem foi chamado a falar quando se noticiou o surto de dengue. Olhamos as fontes de informação pelo ponto de vista do leitor, uma vez que nos importa avaliar se a citação de fontes é feita de forma precisa e percetível ao público em geral. Importa ainda referir que o investigador não transporta para a análise dos dados os conhecimentos prévios acerca de determinado indivíduo, de forma a perceber as falhas existentes na identificação das fontes cometidas pelo jornalista. As fontes são caraterizadas quanto à sua geografia, tipo de fonte, identificação, estatuto e especialidade médica (quando aplicável). O estatuto das fontes de informação é encontrado a partir de uma tipologia por nós criada que nos permite saber se estamos a lidar com fontes oficiais, especializadas ou outras.

O surto de dengue e os processos de construção das notícias

No dia 4 de novembro de 2012 a imprensa portuguesa começou a publicar os primeiros textos sobre aquilo que se viria a configurar como um surto de febre de dengue na ilha da Madeira. As notícias que foram sendo publicadas nos jornais nacionais Público, Expresso, JN e DN transmitem, por um lado, as vozes tranquilizadoras das fontes oficiais, como a Organização Mundial de Saúde ou a Direção-Geral de Saúde e, por outro, um discurso mais explicativo, e, por vezes, crítico por parte das fontes especializadas. São estes discursos das fontes de informação que descrevemos neste ponto, juntamente com a definição e explicação daquilo que é a doença da dengue.

A Organização Mundial de Saúde (OMS)1 refere que a dengue é transmitida por uma picada de um mosquito da espécie Aedes infetado com um dos quatro vírus da doença. Os sintomas aparecem três a 14 dias após a picada e podem manifestar-se sob a forma de febre – que pode ser baixa ou muito alta; dores de cabeça; dores musculares e das articulações; e prurido. Uma das variantes da doença, a febre de dengue hemorrágica, pode ser mortal, especialmente nas crianças.

O vírus da dengue compreende quatro serotipos distintos, sendo que o surto identificado na Madeira pertence ao serotipo menos agressivo (-1).

Depois de infetadas, as pessoas tornam-se portadores do vírus, ou seja, funcionam como fontes do vírus para os mosquitos que não estão infetados. Uma vez recuperada da infecção, a pessoa torna-se imune àquele serotipo para toda a vida, o que significa que não volta a contrair a doença.

Não há um tratamento específico para a febre de dengue, embora os pacientes se devam manter hidratados e evitar medicamentos como aspirina ou ibuprofeno, uma vez que estes aumentam o risco de hemorragia.

Os jornais analisados dão explicações sobre a febre de dengue e, muitas vezes, publicam caixas com informação sobre os sintomas ou forma de protecção contra picadas. O Diário de Notícias (DN) do dia 10 de outubro recomenda o uso de “roupas largas, de cores claras e que cubram a maior parte do corpo”. Alerta ainda para o uso de repelentes e de redes mosquiteiras nas casas. Já no dia 2 de novembro, lê-se no DN: “Além da limpeza de locais com águas paradas, fazem parte das medidas de prevenção e contenção, promovidas pelas autoridades de saúde nacionais, a pulverização com inseticidas dos porões dos barcos e dos aviões que fazem ligações para a ilha”.

O Jornal de Notícias (JN) de 4 de outubro, logo no início do surto de dengue, enuncia os sintomas da doença: “Febres, dores articulares e na parte de trás dos olhos e sensibilidade à luz. [Os sintomas] tendem a ser mais agressivos e prolongados nos adultos do que nas crianças”.

A notícia do Expresso, de 3 de novembro, refere, por exemplo, que é “aconselhado paracetamol para aliviar a febre e dores, repouso e muitos líquidos”. No Diário de Notícias, na sua edição de 5 de outubro, pode ler-se: “Não há tratamento específico para o dengue, mas apenas para os seus sintomas. Analgésicos e antipiréticos são os mais usados. É importante descansar e beber líquidos”.

No dia 17 de outubro de 2012, a OMS publicou no seu website um alerta2 que dava conta do surto de febre de dengue na ilha da Madeira. Relatava, assim, que a 10 de outubro havia um total de 18 casos confirmados e 191 casos prováveis. Pode ler-se que “as autoridades de Saúde Pública de Portugal estão a implementar medidas de controlo para reduzir o risco de transmissão local, para minimizar o impacto nas populações afetadas e para prevenir que os vetores infetados saiam da ilha”. Não são desaconselhadas viagens para a Madeira, embora a OMS alerte para as precauções a tomar. A organização de saúde adianta ainda que tem vindo a apoiar o Ministério da Saúde português no desenvolvimento de medidas de controlo, com especial atenção para os portos.

Também a Direção-Geral de Saúde (DGS), em Portugal, foi publicando vários comunicados ao longo do surto de febre de dengue. A primeira nota foi publicada no website da DGS3 no dia 3 de outubro de 2012 e relatava a ocorrência de casos de dengue na ilha da Madeira, referindo que “a situação descrita pode configurar um surto decorrente da existência do vetor (mosquito) identificado naquela região desde há anos”. Francisco George, diretor-geral da Saúde, considera ainda que “não há motivo para reações alarmistas” e avisa que as autoridades de saúde estão a seguir o caso com atenção.

A última atualização destes boletins epidemiológicos foi feita a 12 de dezembro de 2012 e podia ler-se que, desde o dia 3 de outubro, foram hospitalizados, cumulativamente, 121 doentes, e não foram registados quaisquer óbitos. No mesmo comunicado pode ler-se que “a Direção-Geral da Saúde reforça a indicação de que não existe risco que justifique qualquer tipo de restrição de viagens para a Região Autónoma da Madeira”.

A primeira notícia publicada no Público é dia 4 de outubro de 2012 e relata a existência de dois casos autóctones de dengue na ilha da Madeira e 22 casos suspeitos de infeção. A notícia refere ainda que os casos suspeitos “aguardam confirmação através do resultado das análises solicitadas ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, em Lisboa”. No mesmo texto, o diretor-geral da Saúde, Francisco George, admite que a situação “pode configurar um surto”, embora um comunicado da DGS considere que “não há motivo para reações alarmistas”. No mesmo dia, mas no Jornal de Notícias, o tom é mais crítico. Lê-se que a situação “era previsível, dado que nunca houve campanhas agressivas para eliminar o mosquito responsável pela transmissão do vírus, detetado na ilha desde 2005”. Alguns especialistas são chamados a comentar e, de forma tranquilizadora, afirmam que os casos “não são graves”. O infeciologista do hospital Egas Moniz Jaime Nina, no entanto, “acusa o Governo regional da Madeira de ignorar os alertas das autoridades de saúde e ter recusado fazer campanhas massivas de destruição do mosquito, que poderiam ter evitado este surto”, lê-se. O Diário de Notícias, também no dia 4 de outubro, expressa a preocupação das autoridades de saúde, que receiam que o vírus possa atingir o continente e alertam para a necessidade de desinfecção dos aviões provenientes da Madeira.

Nos dias que se seguem, as notícias transmitem afirmações de diversas fontes de informação que acusam o Governo Regional da Madeira de ter abandonado o combate ao vetor da doença há três anos.

Na notícia publicada pelo Expresso no dia 3 de novembro, o entomologista António Grácio, jubilado do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, afirma: “Foi precisa muita sorte para só agora haver casos, porque o vetor pode instalar-se e aparecer logo um surto”. O especialista alude aqui ao facto de o mosquito portador do vírus de dengue ter sido identificado na ilha da Madeira em 2005, demorando sete anos a transmitir o vírus a uma pessoa. No mesmo texto, Francisco George declara que “o problema vai perdurar”, mas admite “que seja possível controlar” o surto.

Na primeira notícia publicada pelo Diário de Notícias, em 5 de outubro de 2012, lê-se que “os madeirenses compraram vitamina B1 porque acreditam que o seu consumo poderá produzir efeito de repelente. Não há certezas da sua eficácia, mas numa situação destas tudo vale”. Este texto transmite a sensação de insegurança das populações (“Sente-se na rua que a população está apreensiva”), ancorada nos depoimentos de alguns madeirenses. “O alerta soou esta semana quando se confirmou, pela primeira vez, a existência da dengue (…)”, refere o texto.

Segundo uma notícia publicada no DN a 10 de outubro, o diretor-geral da Saúde, Francisco George, declarou uma “luta sem tréguas” ao mosquito vetor da dengue. Esta fonte oficial, que é, aliás, uma das mais citadas pelos jornalistas durante a cobertura deste surto, refere que o combate ao vírus passa pelo envolvimento dos populares, dando ainda indicações para evitar a multiplicação dos mosquitos. No dia 13 de outubro, Maurício Melim, do Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais da Madeira, afirmou que a situação da dengue na região “está controlada” (DN).

“As autoridades alertam para a prevenção, eliminando todos os focos de águas paradas, local privilegiado de propagação do mosquito”, lê-se no DN de 26 de outubro. No mesmo texto, que noticia a transmissão da doença a quatro cidadãos estrangeiros, Francisco George declara que a confirmação destes casos “não constitui motivo de reacção alarmista” e compara a situação na Madeira com o panorama internacional: “Dois em cada cinco cidadãos estão diariamente expostos à febre de dengue no mundo”.

A 10 de dezembro é publicada uma peça no Público que dá conta da visita do ministro da Saúde, Paulo Macedo, à ilha da Madeira, para avaliar o trabalho de combate ao surto de dengue. Entretanto, dois meses após as primeiras notificações, o vírus já afetou quase duas mil pessoas. O DN também antecipa a visita do ministro, embora adiante – sem recurso a fontes de informação – que o ministério “desconhece o plano da Câmara do Funchal para erradicar o mosquito”. No dia seguinte, tanto o DN como o JN publicam notícias sobre a doença, a propósito da visita de Paulo Macedo à Madeira. O ministro anunciou o desenvolvimento de um plano de contingência e de uma rede de vigilância nacional e reafirmou que não há qualquer tipo de restrição em termos de viagens para o arquipélago.

Resultados: O que diz a imprensa portuguesa?

A nossa análise divide-se em dois eixos: primeiro apresentamos a análise dos textos propriamente ditos, de seguida focamo-nos nas fontes de informação contidas em cada notícia. Quanto aos textos, quase 95% da amostra é constituída por notícias (foram apenas publicadas duas entrevistas breves com especialistas) e os títulos são maioritariamente negativos (69,2%), o que vai ao encontro do motivo de noticiabilidade das notícias – que se insere sempre nas Situações de Alarme e Risco.

Relativamente ao tempo das notícias, quase metade da amostra reporta-se ao dia anterior (48,7%) e uma parte significativa faz um ponto de situação (35,9%); em termos geográficos, a maioria dos textos publicados tem como ponto de referência as ilhas (71,8%), local de origem do surto; e praticamente metade dos textos é de tamanho médio (48,7%). Entende-se aqui que os textos grandes ocupam uma página ou mais; os textos médios ocupam até meia página; e os textos breves não preenchem meia página.

Na cobertura do surto de febre de dengue, todos os artigos da nossa amostra são construídos com base em fontes de informação. Esta é, aliás, uma tendência já confirmada no jornalismo de saúde em Portugal (Lopes et al., 2011), que se faz com recurso a fontes de informação. Deste modo, o Expresso cita sete fontes; o Público 31; o Diário de Notícias 42; e o Jornal de Notícias 30. Cada artigo cita, em média, duas fontes de informação. A maioria das fontes (84,5%) é identificada, ou seja, geralmente citam-se fontes em relação às quais se conhece o nome, o cargo e a proveniência (ver tabela 1). O Expresso – que publica apenas uma notícia sobre o surto de febre de dengue – não recorre a fontes não identificadas.

 

 

Não há, no entanto, uma grande variedade de vozes nos textos analisados, sendo que os jornalistas recorrem mais às fontes oficiais e especializadas (ver tabela 2). As fontes de informação oficiais citadas pelos jornais analisados representam 34,5% do conjunto de fontes auscultadas; as fontes especializadas (institucionais e não-institucionais) ficam-se pelos 20,9%. Nota-se ainda um predomínio das fontes documentais, nomeadamente no campo da saúde, aqui explicado pelos comunicados semanais da Direção-Geral da Saúde.

 

 

As fontes oficiais dentro do campo da saúde mais citadas pelos jornais são o diretor-geral da Saúde, Francisco George; o secretário regional da Saúde, Francisco Ramos; e o presidente do Serviço de Saúde da região autónoma da Madeira (SESARAM), Miguel Ferreira.

Embora a maioria das fontes a que os jornalistas recorrem pertença ao grupo das fontes oficiais no campo da saúde, as fontes não pessoais ocupam aqui um grande espaço. De facto, os comunicados e notas de imprensa na área da saúde – em que se inserem os comunicados da DGS e do Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC) – são uma ferramenta muito usada durante a construção noticiosa do surto de dengue. Vale a pena sublinhar que a DGS emitiu, através do seu website, comunicados regulares sobre a situação na Madeira, incluindo uma atualização permanente do número de pessoas infetadas pelo vírus de dengue.

Nota-se também a citação, por parte dos jornais analisados, de outros órgãos de comunicação social, pelo que se verifica que os próprios media acabam por marcar a agenda mediática.

Quanto ao género das fontes de informação que constituem o nosso corpus de análise, são maioritariamente homens (41,82%) e não pessoais (27,27%). As mulheres representam apenas 16,36% da amostra (ver tabela 3).

 

 

Já em relação à geografia das fontes de informação, aqueles a quem os jornalistas dão voz falam geralmente a um nível Nacional (40%) - como é o caso do Diretor-Geral da Saúde -, e não a partir de determinado ponto geográfico. As fontes provenientes das Ilhas ocupam também um lugar de destaque (30,9%), o que é explicado pela própria origem do surto de febre de dengue (ver tabela 4).

 

 

As fontes cuja origem é a região de Lisboa e Vale do Tejo estão menos representadas, embora a sua presença se situe nos 18,2%.

 

Notas finais

Pretendíamos, neste artigo, estudar a mediatização da febre de dengue na imprensa portuguesa, através dos jornais diários Público, Jornal de Notícias e Diário de Notícias, e do semanário Expresso. Analisámos 39 artigos noticiosos e as 110 fontes de informação citadas pelos jornalistas. Se quisermos caraterizar o perfil da fonte a quem os jornalistas recorreram, poder-se-á dizer que esta é masculina, oficial e fala desenraizada de um lugar geográfico específico – portanto, à escala Nacional. É o caso do diretor-geral da Saúde, Francisco George, que é uma fonte recorrente nas notícias por nós analisadas. Há ainda um predomínio de fontes documentais, atribuído à utilização de comunicados e notas de imprensa emitidos pela Direção-Geral de Saúde com atualizações epidemiológicas sobre o surto.

O facto de os jornais analisados construírem as notícias sobre dengue com base em comunicados de imprensa faz com que haja uma replicação do conteúdo dos textos noticiosos de um meio de comunicação para outro. A própria falta de especialização nas redações e a escassez de tempo podem contribuir para a confiança dos jornalistas em informação pronta a publicar, previamente preparada por entidades oficiais ou gabinetes de assessoria e relações públicas.

Durante o surto de febre de dengue que atingiu a ilha da Madeira em inícios de outubro, os media foram transmitindo informação às populações, como os sintomas frequentes do vírus ou o que fazer em caso de infecção. Foi através dos meios de comunicação social que as mensagens de saúde pública foram difundidas, alertando o público para, por exemplo, os riscos das águas estagnadas.

Pode dizer-se que, em termos de discursos, os jornais analisados transmitem duas mensagens distintas de acordo com as fontes usadas: as fontes oficiais mantêm um registo tranquilizador, evitando o alarme social; e as fontes especializadas dividem-se entre as explicações médicas e científicas e as críticas reiteradas ao Governo Regional da Madeira, que abandonou o combate ao mosquito vetor da dengue há vários anos.

Gary Schwitzer defende uma cobertura de saúde “precisa, equilibrada e completa” (Schwitzer, 2008), para que as pessoas possam estar alerta e devidamente informadas sobre as questões relacionadas com o tema. Uma cobertura mediática errada ou incompleta pode induzir o público em erro, o que é especialmente grave quando envolve a tomada de decisões (relativas à sua própria saúde) pelas pessoas. Num caso como o do surto de dengue na ilha da Madeira é fulcral que os jornalistas apostem numa cobertura equilibrada e precisa, uma vez que o seu trabalho pode ajudar a evitar uma crise de saúde pública. Os media têm um papel importante na difusão de assuntos de saúde, explicando e enquadrando temas que de outro modo seriam desconhecidos para parte da população.

Durante a cobertura mediática deste surto foram utilizadas aquelas que são referidas pela literatura como as estratégias mais comuns da comunicação de risco, como o uso de especialistas e de fontes com credibilidade e capacidade para traduzir para o público em geral informação científica complexa (Reynolds & Seeger, 2005: 47). Em casos deste tipo, que podem comprometer a saúde pública, a comunicação deve ainda instruir, informar e motivar comportamentos auto-protetores, bem como fornecer informação sobre o risco (Vaughan & Tinker, 2009: S324), recomendações que foram seguidas pelos jornais que constituem a nossa análise.

 

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Livro de Estilo da Agência Lusa

Livro de Estilo do jornal Público

 

NOTAS

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2 http://www.who.int/csr/don/2012_10_17/en/index.html

3 http://www.dgs.pt/

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