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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.14 no.2 Coimbra jun. 2020

 

ESTUDO ORIGINAL/ORIGINAL STUDY

Tendências e perceções dos Ginecologistas Portugueses sobre contraceção hormonal intrauterina: o estudo DIOGIN

Current trends and perceptions of the Portuguese Gynecology experts on hormonal intrauterine contraception: The DIOGIN study

Marta Brito1, Ana Rosa Costa2, Amália Pacheco3, Cláudio Rebelo4, Maria Geraldina Castro5, Isabel Martins6, Fátima Palma7

Department of Obstetrics and Gynaecology, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central-Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Lisboa, Portugal

Department of Obstetrics and Gynecology, Centro Hospitalar e Universitário de S. João, Porto, Portugal

Department of Obstetrics and Gynecology, Centro Hospitalar e Universitário do Algarve - Hospital de Faro, Faro, Portugal

Department of Obstetrics and Gynecology, CUF Porto, Porto, Portugal

Department of Obstetrics and Gynecology, CUF Coimbra Hospital, Coimbra, Portugal

Department of Gynecology, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal

Department of Obstetrics and Gynaecology, Hospital Dr. José de Almeida, Cascais, Portugal

1 Interna Ginecologia e Obstetrícia, Department of Obstetrics and Gynecology, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Lisboa, Portugal

2 Assistente Graduada de Ginecologia e Obstetrícia. Department of Obstetrics and Gynecology, Centro Hospitalar e Universitário de S. João, Porto, Portugal. Casa de Saúde da Boa Vista, Porto, Portugal

3 Assistente Graduada de Ginecologia Obstetrícia. Department of Obstetrics and Gynecology, Centro Hospitalar e Universitário do Algarve - Hospital de Faro, Faro, Portugal

4 Assistente Graduada de Ginecologia Obstetrícia. Casa de Saúde da Boa Vista, Porto, Portugal. Department of Obstetrics and Gynecology, CUF Porto, Porto, Portugal

5 Assistente Graduada de Ginecologia e Obstetrícia. Department of Obstetrics and Gynecology, CUF Coimbra Hospital, Coimbra, Portugal. Department of Gynecology, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal

6 Assitente Graduada de Ginecologia e Obstetrícia. Department of Obstetrics and Gynecology, Hospital Dr. José de Almeida, Cascais, Portugal

7 Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia. Department of Obstetrics and Gynecology, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Overview and Aims: Intrauterine systems (IUS) are one of the most effective forms of long acting reversible birth control, with low failure rates and high continuity and satisfaction rates. Still, they account for a small proportion of contraception use, which may be due to several myths and misperceptions. With this study, we aimed to assess Portuguese experts’ perceptions on potential benefits and fears that may limit women’s contraception choice and to identify current trends in clinical practice.

Methods and Population: We performed an observational, descriptive and analytical study in which gynecologists/obstetricians were invited to answer an anonymous questionnaire by call or email made of multiple-choice questions on IUS use.

Results: A total of 482 Portuguese Gynecologists answered the survey, of which 97.1% revealed that the insertion of IUS is a common procedure in their current clinical practice. More than 95% considered the insertion of IUS an easy procedure and a safe contraceptive method. Cost-efficacy and the fact that this method doesn’t rely on women´s action to be effective were the top benefits for IUS users, perceived by the physicians. On the other hand, concern about having a foreign object inside the body and fear of insertion pain were perceived by the physicians as the top barriers to IUS use. Female gynecologists perceived a higher degree of pain associated with IUS insertion (p=0.021). Overall, gynecology experts’ opinions were conservative regarding IUS recommendations to women.

Conclusions: The results of this study provide a general insight towards Portuguese gynecologists’ perceptions, opinions and attitudes on the use of IUS. Most of the experts consider IUS a safe contraception method but, on the other hand, there is still concern about its use in particular female conditions which may in part contribute to the low rate of IUS use in Portuguese women.

Keywords: Contraception; IUS; Counseling; Gynecologists perception; Pain.


 

Introdução

Em Portugal, de acordo com o estudo da avaliação das práticas contracetivas das mulheres portuguesas de 2015, 94,1% das mulheres sexualmente ativas utiliza um método contracetivo1. De acordo com este estudo, a contraceção hormonal combinada oral continua a ser o método contracetivo mais utilizado2. No entanto, nos últimos anos tem-se assistido a uma mudança nas escolhas contracetivas das mulheres portuguesas1: a taxa de utilização de contraceção hormonal combinada oral tem vindo a diminuir e simultaneamente assistiu-se a um aumento da preferência por métodos contracetivos de longa duração, particularmente pelo uso do dispositivo intrauterino, hormonal ou não hormonal, sendo a escolha contracetiva em 11,8% das inquiridas2. Estes métodos contracetivos estão no topo da hierarquia da eficácia contracetiva3-5 e estão associados a elevados níveis de satisfação entre as suas utilizadoras1.

O dispositivo de libertação intrauterino (DLIU) encontra-se também ainda associado a um leque de benefícios não contracetivos tais como: redução significativa da quantidade de hemorragia menstrual, redução da dor associada à endometriose e tratamento da hemorragia uterina anormal6, entre outros. Apesar destes potenciais benefícios contracetivos e não contracetivos, o DLIU continua a enfrentar algumas dificuldades de implementação. A preocupação de ter um objeto estranho no organismo, a ansiedade e o receio da dor associada à sua colocação, continuam a ser os principais fatores limitantes à sua utilização7, impedindo por vezes que seja escolhido como método contracetivo, apesar das inúmeras vantagens que oferece.

O presente estudo teve como objetivo avaliar a perceção de médicos especialistas e internos da especialidade de Ginecologia e Obstetrícia em Portugal, relativamente à recetividade das suas utentes ao uso do DLIU, bem como dos seus benefícios e potenciais receios face à colocação do mesmo. Pretendeu-se também conhecer e avaliar algumas das tendências contracetivas na prática clínica atual, nomeadamente a recetividade dos inquiridos para colocação do DLIU em grupos de mulheres com diferentes características fisiológicas e/ou patológicas.

Material e métodos

Uma vez que o presente estudo foi focado na perceção, opinião e atitude dos médicos, e não nas suas utentes individuais, nenhuma aprovação ética foi necessária. Este estudo teve como foco principal os “Dispositivos Intrauterinos na Ótica do Ginecologista” pelo que foi intitulado como estudo DIOGIN. Teve como objetivo avaliar a experiência, opinião e perceção dos Médicos da área da Ginecologia e Obstetrícia, incluindo especialistas e internos da especialidade, a exercer a sua atividade em Portugal, relativamente ao DLIU. Tratase de um estudo observacional, descritivo e analítico, no qual os clínicos foram convidados a responder ao questionário via telefone ou email. Este questionário foi elaborado com base em estudos internacionais já publicados3,8,9 e posteriormente revisto e validado por 4 ginecologistas com interesse e experiência na área (anexo I).

Os médicos que consentiram participar em atividades médico-marketing (n=1382) foram contactados entre 30 de julho e 10 de setembro de 2019. Numa primeira fase, o questionário foi enviado por email aos potenciais participantes. Aos clínicos que providenciaram um contacto telefónico e eletrónico foi dada preferência à aplicação do questionário telefonicamente, tendo o questionário sido enviado por email no caso de 3 tentativas de contacto infrutíferas via telefone (Figura 1).

 


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A primeira parte do questionário DIOGIN teve como intuito recolher informação relativa ao género, categoria profissional e contexto laboral dos profissionais de saúde que aceitaram colaborar no estudo.

Na segunda parte do questionário foi avaliada a experiência do clínico na colocação do DLIU com base nos seguintes itens: ser ou não um procedimento habitual na sua prática clínica diária, se consideram a inserção do DLIU um procedimento simples e qual a sua perceção relativamente à segurança do método, taxa de satisfação das utentes (alta, média ou baixa) e taxa de continuação de uso deste método (alta, média ou baixa).

Solicitou-se também aos profissionais de saúde envolvidos que indicassem a(s) faixa(s) etária(s) (<20, 20-29, 30-39 e >40) da maioria das suas utentes utilizadoras de DLIU, bem como que selecionassem quais os principais motivos que levavam à colocação do mesmo, entre os seguintes itens: contraceção, menstruações abundantes ou ambos os motivos.

De uma lista de 10 possíveis benefícios que advêm do uso de DLIU relativamente a outros métodos contracetivos, foi-lhes solicitado que classificassem o grau de importância para cada um deles, numa escala de 0 a 10 (em que 0= nada benéfico e 10= muito benéfico). Os benefícios enumerados foram os seguintes: 1) eficácia, 2) contraceção a longo-prazo, 3) compliance, 4) poucas contraindicações, 5) não ser dependente da ação da utilizadora, 6) poucas interações medicamentosas, 7) diminuição do fluxo menstrual, 8) relação custo-eficácia, 9) retorno rápido à fertilidade e 10) diminuição do risco de cancro do endométrio.

Alguns dos receios que possam levar as mulheres a não querer utilizar o DLIU foram sumarizados e foi solicitado aos clínicos participantes que, numa escala de 0 a 10 (em que 0= sem receio e 10=muito receosa), os classificassem de acordo com a perceção que tinham da experiência com as suas utentes. A lista dos 8 potenciais receios analisados inclui os seguintes itens: 1) presença de um objeto estranho no corpo, 2) utilização de hormonas, 3) necessidade de remoção pelo médico, 4) receio de infeções uterinas, 5) efeito contracetivo a longo-prazo, 6) receio de que possa interferir com as relações sexuais, 7) receio da dor na altura da colocação do DLIU e 8) receio de que possa provocar infertilidade. Os profissionais de saúde foram também questionados quanto à sua perceção face à recetividade do DLIU pelas utentes (onde 0= nada recetivas e 10= muito recetivas).

Foi ainda solicitado que, de uma escala de 0 a 10 (em que 0= sem dor e 10= extremamente doloroso) os clínicos classificassem a perceção que têm relativamente à dor/desconforto experienciado pelas utentes aquando da colocação do DLIU. Os dados extraídos sobre esta questão foram segregados por sexo do especialista que respondeu.

Foi também apresentado um conjunto de grupos de mulheres com diferentes particularidades. Desta análise pretendeu-se conhecer a frequência com que os profissionais de saúde recomendariam o uso de DLIU em cada um destes grupos, numa escala de 0 a 10 (em que 0=nunca e 10=sempre). As características apresentadas foram as seguintes: 1) adolescentes, 2) nulíparas, 3) pós-parto imediato, 4) pós-aborto imediato, 5) antecedentes de gravidez ectópica, 6) antecedentes de doença sexualmente transmissível (DST) nos últimos 2 anos e 7) historial de doença inflamatória pélvica (DIP).

A análise estatística foi realizada através do recurso ao sistema de software SPSS Statistics 24.0. A associação entre pares de variáveis categóricas foi testada através da aplicação dos testes exato de Fisher e do Qui-quadrado, com os resultados expressos em frequência e percentagem. Para a comparação da distribuição da idade, utilizámos o teste-t de Student. As associações com um valor inferior ao limiar de 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas e expressas com uma aproximação milesimal. O resultado das questões codificadas como variável de escala, foi apresentado com os respetivos valores de média e desvios à média apresentados sob a forma de erro-padrão, mediana (Mdn) e intervalos interquartis (IQR), dependendo do tipo de variáveis.

Resultados

Caracterização da amostra

Foi obtido um total de 482 respostas, por parte de médicos especialistas e internos da área de Ginecologia/Obstetrícia (482/1382 (34,9%)), sendo que 76,8% (n=370) eram do sexo feminino e 23,2% (n=112) do sexo masculino. Relativamente à categoria profissional, 84,4% (n=406) eram especialistas, 15,6% (n=75) eram médicos internos da especialidade e num dos casos não foi obtida resposta a esta questão. Na sua totalidade, 27,8% (n=134) exerciam atividade clínica no setor público, 17,4% (n=84) exerciam exclusivamente no setor privado, 54,6% (n=262) trabalhavam em ambos os setores e 0,4% (n=2) não responderam a esta questão. Na sua prática clínica, 97,1% (n=466) reconheceram que fazia parte da sua atividade habitual a colocação do DLIU, sendo que foi considerado um procedimento simples por 96,9% (n=465) e um método seguro por 99,8% (n=481) dos clínicos inquiridos (dois dos inquiridos não responderam às duas primeiras questões).

A perceção do médico

Motivação para colocação do DLIU

A maioria dos clínicos (76,6%, n=369) considerou que as mulheres optam pela colocação do DLIU tanto por razões contracetivas como para controlo do fluxo menstrual; 19,9% (n=96) considera que o principal motivo para o uso do DLIU é a contraceção e 3,1% (n=15) refere que o DLIU é utilizado apenas para diminuição do fluxo menstrual.

DLIU de acordo com faixa etária

Relativamente à idade, foi pedido aos inquiridos que selecionassem a faixa etária da maioria das suas utentes utilizadoras de DLIU, tendo-se obtido um total de 624 respostas. Sete dos inquiridos (1,1%) referem que a maioria das suas utentes portadoras de DLIU tem idade inferior a 20 anos, 7,2% (n=45) referem idades compreendidas entre 20 e 29 anos, 46,6% (n=291) indicaram idades entre 30 e 39 anos e 45,0% (n=281) dos inquiridos afirma que a maioria das suas utentes tem idade superior a 40 anos. A maioria dos médicos (n=385/482, 79,9%) selecionou apenas uma faixa etária. Seis clínicos (1,2%) escolheram todas as faixas etárias indicadas.

Benefícios associados ao uso do DLIU

Os principais benefícios da utilização do DLIU percecionados pelos clínicos foram: relação custo-eficácia (9,3) e o facto de não depender da ação da utilizadora (9,3), seguida da possibilidade de contraceção a longo-prazo (9,2), numa escala de 0 a 10 (em que 0= nada benéfico e 10= muito benéfico). Todos os restantes benefícios foram classificados acima de 8 e encontram-se listados na Figura 2.

 


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Receios e dor/desconforto das utentes com a inserção do DLIU

A perceção dos profissionais de saúde é a de que um objeto estranho no corpo (6,0) seja o motivo que leva as mulheres a mais recearem a utilização de DLIU, a par com o facto da sua introdução ser percecionada como dolorosa (5,8) (Figura 3), numa escala de 0 a 10 (em que 0= sem dor e 10= extremamente doloroso). O facto de ser um método hormonal (4,9) e a possibilidade de interferência com as relações sexuais (4,7/10) são ainda outros fatores percecionados como potenciais entraves à utilização do DLIU. Relativamente à dor/desconforto associado à colocação do DLIU (Figura 4), os médicos ginecologistas do sexo feminino percecionaram um grau de dor/desconforto superior, Mdn=5 (IQR=2), comparativamente aos clínicos do sexo masculino, Mdn=4,5 (IQR=2) (p=0,021).

 


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Recetividade

Sessenta e nove por cento dos clínicos (n= 333) classificaram a recetividade das utentes à colocação do DLIU entre 7 e 8 (onde 0= nada recetivas e 10= muito recetivas), sendo que nenhum clínico atribuiu uma classificação inferior a 4 (Figura 5).

 

 

Satisfação e continuidade

Quando questionados sobre a satisfação das suas utentes com este método contracetivo obtivemos um total de 479 respostas. A taxa de satisfação foi percecionada como alta para 90,8% (n=435) e média para 9,2% (n=44) dos profissionais de saúde, salientando-se que em nenhum dos casos foi percecionada como “baixa”. A taxa de continuação de utilização deste método foi também percecionada como alta para 89,6% (n=429), média para 9,6% (n=46) e baixa para 0,8% (n=4) dos profissionais.

Aconselhamento contracetivo do DLIU em situações particulares

De entre as situações listadas na Figura 6, e numa escala de 0 a 10 (em que 0=nunca e 10= sempre), os médicos entrevistados recomendariam o DLIU a mulheres com antecedentes de gravidez ectópica (6,1), a nulíparas (6,0), no pós-parto imediato (5,7) e com antecedentes recentes de uma DST (5,1). Para as restantes situações particulares listadas, foi atribuída uma classificação inferior a 5.

 


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Discussão

O DLIU é um dos métodos contracetivos disponíveis mais eficaz. Para além da eficácia oferece um conjunto de benefícios não contracetivos, contribuindo para elevadas taxas de satisfação e continuação de uso entre as suas utilizadoras.

Estudos como o CHOICE mostraram que quando todas as opções contracetivas estão disponíveis sem nenhum custo associado e após aconselhamento contracetivo estruturado, há uma clara preferência pela contraceção reversível de longa duração10,11. No entanto, a sua taxa de utilização permanece baixa comparativamente a outros métodos contracetivos. Este facto poderá ser explicado pela persistência de alguns mitos relativos à contraceção intrauterina (CIU) por parte das utentes e, também, por parte dos próprios profissionais de saúde12. O estudo apresentado procurou saber qual a perceção do médico face à colocação do DLIU, quais os receios e vantagens mais apreciadas por parte das suas utentes e qual a sua prática relativamente ao uso deste método em mulheres com particularidades próprias.

A presença de um objeto estranho dentro do corpo e o facto da sua inserção poder ser dolorosa foram considerados os fatores mais limitantes na escolha por este método contracetivo, segundo a perceção dos clínicos. Estes resultados são compatíveis com estudos já publicados, nos quais os questionários foram aplicados a potenciais utilizadoras de contraceção intrauterina13,14. Demonstrou-se recentemente que, em Portugal, os clínicos tendem a subestimar os níveis de ansiedade e de dor experienciados pelas utentes, aquando da colocação do DLIU1. No presente estudo, verificámos que os médicos ginecologistas do sexo feminino percecionam um grau de dor/desconforto superior, comparativamente aos médicos ginecologistas do sexo masculino. A consciencialização dos profissionais de saúde relativamente aos receios que as mulheres enfrentam, bem como a discussão e esclarecimento dos mesmos, poderá ter impacto no nível de ansiedade e perceção da dor pelas suas utentes e, consequentemente, poderá melhorar a recetividade da mulher à utilização deste método1. No estudo de Gomez AM et al. de 2014 foi aplicado um questionário online a mulheres não utilizadoras de CIU, o qual evidenciou que a necessidade de intervenção por parte de um profissional de saúde na inserção e remoção do DLIU foi considerada uma desvantagem deste tipo de contraceção15. No entanto, os médicos inquiridos neste estudo não consideraram que a necessidade de um médico na remoção do DLIU, seja uma barreira à utilização deste método. No trabalho realizado por Buhling, KJ et al. de 2014, os elevados custos foram também reportados como sendo uma barreira à colocação de CIU em países como a Alemanha e o Canadá. Efetivamente, estes foram os países que apresentaram as mais baixas taxas de utilização de CIU de entre os países considerados no estudo4. Ainda assim, a relação custo-eficácia é percecionada pelos ginecologistas em Portugal como sendo um dos principais benefícios que advêm da utilização do DLIU.

Um outro estudo internacional, realizado por Faustmann, T. e seus colaboradores (2019), revelou que 75 a 84% das utilizadoras está muito satisfeita com a utilização de DLIU, segundo a perceção dos clínicos inquiridos16, o que vai de encontro aos dados apresentados neste estudo. Simultaneamente, a maioria dos clínicos inquiridos, considera que o método é de fácil inserção, que as mulheres estão muito recetivas à sua colocação e que este método apresenta vantagens relativamente a outros métodos contracetivos. No entanto, parece existir alguma hesitação em aconselhar o DLIU a mulheres com determinadas particularidades, nomeadamente nas adolescentes e mulheres nulíparas. Estes resultados são também congruentes com estudos já publicados, nos quais os questionários foram aplicados a médicos ginecologistas8.

A contraceção hormonal intrauterina continua a ser utilizada maioritariamente por mulheres com idade igual ou superior a 30 anos (91,7%), continuando a não ser a primeira opção para mulheres mais jovens, tal como verificado em estudos anteriores3,17,18. Esta é considerada como um método contracetivo seguro em adolescentes e nulíparas, por parte da Sociedade Portuguesa de Contraceção19 e por múltiplas entidades internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), entre outras20-22. Na realidade, sendo um método contracetivo não dependente da toma da mulher, tornou-se num método contracetivo de primeira linha a ser utilizado na adolescência20, sendo seguro para a maioria das mulheres, independentemente da idade e paridade17,20,23,24. Mulheres com antecedentes de DIP não apresentam, por si só, contraindicações para o uso de DLIU21,22. Neste estudo, os médicos inquiridos mostraram reservas em recomendar o uso de DLIU a utentes com estes antecedentes. No entanto, as suas respostas podem ter sido influenciadas pelo facto de existirem condicionantes a ter em consideração quando se avalia a colocação do DLIU nestas situações, nomeadamente o período de tempo decorrido desde a infeção.

O presente estudo parece mostrar alguma reserva quanto à colocação do DLIU em situações particulares, como as previamente descritas. No entanto, é importante reconhecer que a informação recolhida foi baseada num único questionário e que estes dados possam não refletir o conhecimento dos clínicos e a informação clínica que transmitem às suas utentes. A razão pela qual alguns dos inquiridos se apresentam hesitantes face à colocação do DLIU nestas situações, poderá dever-se ao facto de estes considerarem que existem outros métodos contracetivos mais adequados. A opinião do ginecologista/obstetra tem um papel muito importante na recetividade das mulheres face aos diversos métodos contracetivos, podendo influenciar fortemente a sua escolha contracetiva12,23. A probabilidade de um médico aconselhar CIU depende de muitos fatores: do seu nível de conhecimento sobre o tema, se recebeu formação apropriada sobre técnicas de colocação/remoção e da sua capacidade de aconselhamento à utente5,12. A OMS e o CDC lançaram ferramentas digitais, gratuitas e que pretendem ajudar os profissionais de saúde a recomendar contraceção de forma segura de acordo com as necessidades, expetativas e historial médico de cada mulher24,25.

Limitações ao estudo

Apesar de este ser um estudo a nível nacional, baseado na resposta de 482 médicos ginecologistas, é importante salientar que estes são médicos que consentiram participar em campanhas médico-marketing, não tendo sido consideradas as opiniões dos restantes especialistas e internos, nem as opiniões dos clínicos de medicina geral e familiar. Poderá ter ocorrido outro viés de seleção uma vez que os médicos que responderam, que correspondem a apenas 1/3 dos médicos contactados, poderão ter mais interesse ou conhecimento na área dos dispositivos de libertação intrauterina. O questionário também poderá ter sido uma limitação pois apesar de ter sido validado por clínicos da especialidade, nunca tinha sido aplicado anteriormente. Não podemos também descartar potenciais limitações na interpretação das questões que possam não refletir a real perceção dos inquiridos.

Conclusões

Apesar das limitações, este estudo permite-nos ter uma perceção geral atual dos ginecologistas relativamente ao uso do DLIU, qual a sua prática e aceitação por parte das suas utentes. É importante continuar a concentrar esforços para disseminar a evidência científica atual das vantagens da contraceção reversível de longa ação, nomeadamente do DLIU, quer pelos profissionais de saúde, quer pelas suas potenciais utilizadoras. Só assim, estas poderão fazer a escolha contracetiva da forma mais elucidada possível26.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Marta Brito

E-Mail: martafebrito89@hotmail.com

 

Recebido em: 09/02/2020. Aceite para publicação: 03/06/2020

 

Anexo I

 

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