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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

Print version ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.13 no.4 Coimbra Dec. 2019

 

ARTIGO DE REVISÃO/REVIEW ARTICLE

Endometriose e disfunção sexual

Endometriosis and sexual dysfunction

Ana Portela Carvalho1, Olímpia do Carmo2

Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa

1 Interna de Formação Específica de Ginecologia/Obstetrícia do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa

2 Assistente Graduada Sénior do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Sexual function is essential for women's wellbeing. Chronic pelvic pain and dyspareunia are important symptoms of endometriosis that may contribute to women's sexual dysfunction; however, other biopsychosocial variables may intervene. Treatments for endometriosis are associated with decreased pain and seem to improve sexual functioning in these patients. There is an increasing interest to evaluate the impact of endometriosis and its treatments on women's sexual health.

Keywords: Dyspareunia, Endometriosis, Sexual Dysfunctions, Psychological.


 

Introdução

A sexualidade humana é uma entidade complexa que influencia o bem-estar físico e psicológico e tem um impacto importante na qualidade de vida. Esta é modulada por múltiplos fatores, nomeadamente sociais, psicológicos e biológicos. Deste modo, as mais diversas patologias ginecológicas podem perturbar o normal funcionamento da sexualidade feminina, destacando-se o cancro, a infertilidade e a endometriose1.

A endometriose define-se pela presença de tecido endometrial em localização extrauterina. Esta constitui uma patologia ginecológica crónica comum, afetando até 10% das mulheres em idade reprodutiva2, em diferentes fases do seu desenvolvimento sexual. Desta forma, a sexualidade constitui um dos pontos essenciais na abordagem das doentes com endometriose e dos seus parceiros3-5.

De acordo com os critérios de diagnóstico do DSMV, as disfunções sexuais femininas do desejo e excitação são agora combinadas numa entidade única designada perturbação do interesse/excitação sexual feminina. Da mesma forma, o vaginismo, a vulvodinia e a dispareunia fazem parte da chamada perturbação da dor genito-pélvica/penetração. As alterações do orgasmo mantêm-se como entidade isolada nesta nova classificação (http://www.dsm5.org ).

A endometriose está classicamente associada à dispareunia profunda perturbando assim a normal sexualidade feminina. Contudo, nesta patologia, além da dispareunia, também a progressão da doença, a dor pélvica crónica, os tratamentos farmacológicos, as cirurgias extensas, a infertilidade associada e a recorrência de lesões após tratamento parecem perturbar a resposta sexual feminina e o processo cognitivo da dor e, assim, levar ao desenvolvimento de diferentes tipos de disfunção sexual6-8.

O objetivo do presente trabalho é a revisão do conhecimento científico atual sobre o impacto da endometriose e do seu tratamento na função sexual.

Endometriose e dispareunia

Como já referido, a endometriose consiste na presença de glândulas e estroma endometriais fora da cavidade uterina. À semelhança do normal endométrio, o tecido endometrióide ectópico responde às hormonas sexuais produzidas pelo ovário durante o ciclo menstrual8,9. A endometriose profunda define-se pela presença de lesões endometrióides que infiltram o peritoneu mais de 5mm em profundidade ou pela infiltração dos ligamentos uterossagrados, septo retovaginal, vagina, intestino, bexiga, parede pélvica lateral ou ureter8. A presença de endometriose condiciona o aparecimento de aderências peritoneais, fenómenos de inflamação local e sintomas como dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crónica e também infertilidade10,11.

A dor no ato sexual, designada dispareunia, é um dos sintomas mais descritos pelas doentes com endometriose, podendo estar presente em até 47% dos casos12,13. A dispareunia profunda (dor pélvica profunda no ato sexual) está particularmente associada à presença de lesões de endometriose profunda no septo retovaginal, fundo de saco de Douglas e ligamentos uterossagrados14. Este sintoma contribui, assim, para disfunção sexual na medida em que o medo da dor afeta o desejo, a excitação e a resposta sexual humana pela elaboração cognitiva e emocional da dor, o que condiciona alodínia e hiperalgesia15.

O impacto que a dispareunia tem na função sexual é particularmente importante uma vez que, numa situação de doença crónica como a endometriose, se manifesta sempre que há tentativa de coito16. Da mesma forma, alguns estudos têm também demonstrado uma associação entre endometriose, dispareunia, vestibulodinia e síndrome depressivo17. Esta pode ainda sobrepor-se a patologias como a síndrome da bexiga dolorosa, o que agrava as queixas álgicas no ato sexual17. Por fim, está descrito que a endometriose pode causar hiperalgesia por fenómenos de neuroinflamação com desregulação das fibras nervosas, levando ao aparecimento de dor pélvica crónica e modificando a resposta nervosa ao estímulo nóxico, o que vai amplificar a perceção dolorosa da dispareunia18.

O impacto da endometriose na função sexual feminina

Existem vários estudos sobre a associação entre endometriose, dispareunia e dor pélvica crónica6,11,19-21. Assim, tem sido evidente que o simples diagnóstico de endometriose, independentemente do tipo e da gravidade, comprometerá a saúde sexual da mulher19. A dispareunia presente em mulheres com endometriose profunda parece perturbar a intensidade da satisfação e do orgasmo feminino21. Embora apresentem scores de função sexual inferiores aos de mulheres sem endometriose, as diferenças existentes entre os diferentes tipos de lesão (endometriose profunda versus endometriose ovárica/peritoneal superficial) parecem ser insignificantes7. No subgrupo das mulheres com endometriose retovaginal, a aplicação de um auto-questionário de avaliação da função sexual (Sabbatsberg Sexual Self-Rating Scale) mostra que a doença parece afetar negativamente o interesse e a atividade sexual atual, bem como a satisfação e prazer sexual prévios e a capacidade em atingir o orgasmo22-24. Curiosamente, na avaliação retrospetiva da função sexual logo após a coitarca não houve diferenças entre as mulheres com e sem endometriose, sugerindo que a disfunção sexual se vai instalando progressivamente, à medida que a doença se vai manifestando7. Está descrito que, nas mulheres, o envelhecimento e o aumento da duração do relacionamento se associam a diminuição do desejo sexual mesmo sem patologia associada, pelo que é natural que, com o tempo, a disfunção sexual feminina aumente, o que dificulta a avaliação do impacto isolado da endometriose25,26.

Num estudo multicêntrico de 201327, foi realizada uma avaliação da disfunção sexual em mulheres com endometriose com recurso ao Female Sexual Function Index (FSFI, questionário que avalia 6 dimensões da função sexual feminina: desejo, excitação, lubrificação, orgasmo, satisfação e dor) e à Female Sexual Distress Scale (FSDS, medida de sofrimento feminino associado a disfunção sexual). A prevalência cumulativa de disfunção sexual foi de 32% usando o primeiro índice e de 78% usando a segunda escala, correlacionando-se em ambos os casos com o estadio da doença e com a presença de dispareunia. Dois terços das mulheres mostraram medo durante ou antes do ato sexual e as doentes com diagnóstico de disfunção sexual apresentaram uma significativa redução da frequência da atividade sexual27. Do mesmo modo, num outro estudo em que foi utilizado o mesmo índice, a prevalência de disfunção sexual na endometriose chegou aos 73%, estando o risco aumentado nas doentes com mais sintomatologia dolorosa e em estadios mais avançados da doença28. De salientar que em estudos que aplicaram uma outra ferramenta, o Sexual Health Outcomes in Women Questionnaire (SHOW-Q, que avalia o impacto das patologias pélvicas na função sexual em termos de desejo, frequência, satisfação, orgasmo e desconforto), também os estadios mais avançados de endometriose demonstraram afetar negativamente o desejo e a satisfação sexual, o orgasmo e a dor29,30. Conclui-se, portanto, que a endometriose pode causar disfunção sexual em até três quartos das doentes com endometriose em estadios mais graves. Todas as dimensões da função sexual parecem estar afetadas, nomeadamente o desejo/excitação, o orgasmo e a satisfação, bem como a dor.

Assim sendo e tendo em consideração o modelo circular da resposta sexual humana baseado na motivação/incentivo, as experiências dolorosas repetidas na endometriose na ausência de recompensa positiva alteram a resposta sexual: a excitação passa a hipervigilância e o desejo a medo/evicção.

O impacto da endometriose no parceiro

Vários estudos têm descrito uma redução na qualidade da comunicação com o parceiro nas doentes com endometriose7,27. Da mesma forma, em mulheres com endometriose e problemas conjugais, dois terços atribuíram-nos à endometriose e 19% das doentes divorciadas consideraram a endometriose como o motivo da separação13. Pensa-se que haverá uma pior comunicação entre o casal e uma menor tolerância do parceiro masculino à sintomatologia crónica da doente. Os companheiros parecem ser também afetados pela dor, com aumento do sofrimento psicológico e perturbação da resposta à dor31-33. Apesar de os estudos existentes mostrarem um grau de satisfação sexual elevado nos parceiros de doentes com endometriose, verificou-se um aumento significativo de queixas enquadradas no espectro da disfunção sexual masculina34,35.

O modelo do medo/evicção associado à disfunção sexual na endometriose

Na endometriose, a dispareunia e outros fatores biológicos, psicológicos e sociais parecem induzir uma reação de medo/evicção em muitas doentes, condicionando o aparecimento de uma perturbação do desejo/excitação15. A dor pélvica crónica associada à endometriose sofre um processo de sensibilização a nível do sistema nervoso central, surgindo hiperalgesia e alodínia com perpetuação da sintomatologia. Por um lado, o atraso no diagnóstico da doença com consequente agravamento e evolução das queixas aumenta o sofrimento12. Por outro, alguns autores têm reportado que as mulheres com diagnóstico de endometriose e dispareunia apresentam sentimentos de culpa relativamente ao companheiro, medo, expectativas negativas e menor feminilidade36. O contexto sociocultural e a pressão para engravidar, a perceção do parceiro sobre a doença e as preocupações com a fertilidade associam-se a piores pontuações nos questionários de função sexual36. Têm também sido publicados trabalhos que sugerem que a endometriose aumenta o risco de desenvolvimento de depressão major37.

Em doentes com endometriose e dor pélvica crónica, a “Catastrofização” (mecanismo de coping da dor) aumenta a duração, gravidade e recorrência dos sintomas38. Postula-se assim a hipótese de que os distúrbios do humor e ansiedade e a existência de mecanismos de coping poderão predizer a gravidade da disfunção sexual na endometriose. O sofrimento e a disfunção sexual podem levar à evicção e diminuição do desejo/excitação com consequente diminuição da lubrificação, comprometimento da vascularização pélvica, aumento do tónus do pavimento pélvico, vaginismo e dor crónica39.

O impacto do tratamento cirúrgico da endometriose na função sexual

O tratamento cirúrgico da endometriose tem como principais objetivos o controlo da dor/sintomatologia a longo prazo e a correção da distorção anatómica com remoção das lesões existentes40. A laparoscopia constitui, atualmente, a via de abordagem de eleição. Por um lado, consegue-se uma melhor visualização das lesões, permitindo cirurgias mais minuciosas associadas a um menor risco de lesão dos órgãos adjacentes. Por outro, está associada a menor risco de aderências pélvicas, dor no pós-operatório e menor tempo de recuperação41. As indicações mais frequentes para o tratamento cirúrgico desta patologia são a dor pélvica crónica e a infertilidade. A sintomatologia sexual, nomeadamente a dispareunia, raramente representa por si só indicação para tratamento cirúrgico, apesar de estar frequentemente presente e ser habitualmente um dos desfechos avaliados no pós-operatório42. Existem diversos estudos publicados que demonstram que o tratamento cirúrgico da endometriose se correlaciona com uma melhoria significativa da qualidade de vida e função sexual nestas doentes42-45.

Num destes, foi avaliado o impacto do tratamento cirúrgico por via laparoscópica na qualidade de vida sexual através da aplicação do Sexual Satisfaction Subscale of the Derogatis Sexual Functioning Inventory e do Global Sexual Satisfaction Index antes e após a cirurgia46. O tratamento laparoscópico da endometriose profunda na ausência de tratamento hormonal farmacológico associou-se, aos 6 e 12 meses de pós-operatório, a uma maior frequência de relações sexuais, orgasmos mais satisfatórios e a uma maior satisfação das doentes com a sua vida sexual. Resultados semelhantes foram obtidos por outros autores em doentes com necessidade de resseção vaginal utilizando o FSFI e a FSDS43, bem como o McCoy Female Sexuality Questionnaire44. Neste último estudo, porém, os autores concluíram que podem surgir, em cerca de 14% das doentes, sintomas de disfunção sexual de novo, nomeadamente, diminuição da lubrificação vaginal, dispareunia ou redução da líbido44.

Outros autores avaliaram o impacto da “cirurgia poupadora de nervos” na qualidade de vida das doentes com endometriose profunda47. Este tipo de tratamento cirúrgico obriga à identificação dos feixes nervosos do plexo hipogástrico inferior com o objetivo de reduzir o impacto negativo da cirurgia no funcionamento vesical, intestinal e genital. No entanto, esta abordagem cirúrgica é tecnicamente mais difícil, além de se associar a um aumento do risco de manter doença residual. Os autores demonstraram que a cirurgia poupadora de nervos permite um menor risco de disfunção vesical, sem, contudo, se associar a uma melhoria significativa da função sexual destas doentes. Associa-se, porém, a uma maior incidência de falha no tratamento da dor pélvica crónica47.

O impacto do tratamento cirúrgico da endometriose intestinal na função sexual foi também avaliado em diversos trabalhos48-51. A invasão intestinal pelo tecido endometrióide ectópico é uma das possíveis manifestações clínicas da endometriose profunda. O seu tratamento pode exigir a realização de resseção de parte do intestino afetado, o que por vezes obriga à realização de ileostomia ou colostomia provisórias. Em todos, o tratamento da endometriose intestinal profunda associou-se a uma melhoria da sintomatologia e da qualidade de vida das doentes, bem como a uma melhoria dos índices de qualidade de vida sexual. A necessidade da realização de resseção intestinal no tratamento de endometriose profunda melhorou os desfechos em mulheres com sintomatologia depressiva com níveis clínicos significativos, bem como se associou a um aumento da frequência de orgasmo e a menos dispareunia51.

A avaliação do impacto do tratamento cirúrgico tem demostrado benefícios significativos no funcionamento sexual. Os estudos existentes incluíram sobretudo doentes com endometriose pélvica profunda e doentes submetidas a tratamento radical (habitualmente definida como a exérese de todos os focos de endometriose visíveis), pelo que o impacto em doentes com doença menos agressiva não foi, todavia, adequadamente esclarecido.

Da mesma forma, a duração do efeito da cirurgia sobre a qualidade de vida sexual ainda não está estabelecida. É de salientar que a taxa de recorrência de sintomatologia após tratamento cirúrgico da endometriose é elevada a longo prazo, entre 12 a 30% após 2 a 5 anos e de 40% a 50% após 5 anos52-54. A taxa de melhoria é mais significativa nos primeiros anos de pós-operatório, o que deve ser tido em conta na avaliação dos estudos publicados.

O efeito do tratamento farmacológico da endometriose na função sexual

O tratamento farmacológico da endometriose tem como objetivo o controlo sintomático da doença. Este tipo de tratamento pode ser hormonal ou não hormonal e não tem efeitos curativos, verificando-se recorrência da sintomatologia após a sua suspensão. De igual forma, a sua utilização em contexto pré-operatório com o objetivo de melhorar os resultados do tratamento cirúrgico não foi demonstrado, pelo que não tem atualmente essa indicação8.

O impacto do tratamento farmacológico na qualidade de vida sexual da doente com endometriose tem tido pouca atenção pela comunidade científica, o que contrasta com a quantidade de publicações existentes sobre o impacto do tratamento cirúrgico na sintomatologia global destas doentes. Dois estudos controlados e randomizados55,56 mostraram melhoria da qualidade de vida sexual com o recurso ao tratamento médico, nomeadamente com o uso de contracetivos orais contínuos. O uso dos análogos da hormona libertadora de gonadotrofinas (GnRH) não se mostrou superior ao uso do contracetivo oral combinado contínuo55.

O uso de dienogest, um progestativo de quarta geração, parece ser superior no controlo da sintomatologia e na melhoria da função sexual, sobretudo quando comparado com a utilização isolada de tratamento não hormonal como os anti-inflamatórios57. Quando comparada a utilização do dienogest versus de análogos da GnRH, os dados publicados são contraditórios. Alguns estudos mostraram vantagens na utilização do dienogest para controlo sintomático58, enquanto noutros os resultados foram opostos pelo que o dienogest não é recomendado de forma universal59.

O uso de tratamento farmacológico tem ainda importância no controlo da sintomatologia após tratamento cirúrgico, existindo evidência de que o tratamento hormonal tem um impacto positivo, atrasando a recidiva da doença46,60 e existindo estudos que mostraram scores de satisfação sexual neste grupo de doentes semelhantes aos de controlos saudáveis61.

Limitações dos estudos

A literatura existente sobre este tema, além de escassa, apresenta, todavia, limitações importantes, o que condiciona ainda mais a compreensão sobre o impacto da endometriose na saúde sexual da mulher. Uma das principais limitações prende-se com o facto de a função sexual não ser, na maioria dos estudos, o principal desfecho investigado. Deste modo, a existência de evidência científica com qualidade é ainda escassa. Outro ponto limitador é o reduzido período de seguimento após o tratamento efetuado. A grande maioria dos autores limita o tempo de follow-up a 12 ou 24 meses, o que restringe a compreensão do impacto a longo prazo do tratamento e das recidivas que venham a surgir tardiamente na qualidade de vida sexual destas doentes. Uma outra limitação, não menos importante, é a dificuldade dos questionários frequentemente aplicados nestes estudos como ferramentas de medição, em obter dados objetivos sobre alguns domínios da saúde sexual como o desejo, a satisfação ou a perceção de dor durante o coito.

Conclusão

A evidência científica atual tem demonstrado que a endometriose afeta negativamente todos os domínios da função sexual da mulher, perturbando a qualidade de vida. Com efeito, a presença de dispareunia profunda, apesar de ser característica, está longe de representar o único sintoma de disfunção sexual causado pela endometriose na mulher e no seu parceiro.

Apesar das limitações referidas, os estudos têm revelado que a presença de dor pélvica associada à endometriose afeta negativamente a qualidade de vida sexual destas doentes, induzindo uma resposta de medo/evicção que, por sua vez, conduz a um distúrbio do desejo/excitação. A literatura publicada sugere que a dispareunia presente na mulher jovem com endometriose cria uma atmosfera de medo, incerteza e dificuldade na gestão da relação com o companheiro. Este facto condiciona, por seu turno, redução do desejo, diminuição da excitação e libido e orgasmos insatisfatórios. Fatores sociais, culturais, psicológicos e biológicos parecem exacerbar o quadro clínico, no entanto, o impacto destas variáveis está ainda pouco estudado na endometriose.

Os tratamentos médicos e cirúrgicos disponíveis parecem melhorar a saúde sexual das doentes com endometriose. Os estudos têm demonstrado de forma consistente que os tratamentos cirúrgicos reduzem a dor sexual nestas doentes. Contudo, o impacto do tratamento noutros domínios da função sexual não parece tão claro. Nomeadamente, as cirurgias mais radicais associam-se por vezes a disfunção nervosa periférica, com repercussão negativa na vida sexual destas doentes. O impacto do tratamento hormonal na função sexual está também pouco esclarecido, parecendo ter um efeito marginal exceto na redução da dor no ato sexual.

É notória a necessidade de mais estudos que tentem colmatar as limitações dos estudos existentes para melhor caracterizar e compreender a disfunção sexual das doentes com endometriose e dos seus parceiros.

 

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Ana Portela Carvalho

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4560-136 Guilhufe - Penafiel

Portugal

E-Mail: ana.sofia.portela.carvalho@gmail.com

 

Recebido em: 20/10/2019

Aceite para publicação: 27/11/2019

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