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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

Print version ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.13 no.2 Coimbra June 2019

 

ESTUDO ORIGINAL/ ORIGINAL STUDY

Impacto da etnia/raça na diabetes gestacional

Ethnicity/racial impact in gestational diabetes mellitus

Inês Morais Rodrigues1, Bruna Abreu1, Ana Figueiredo2, Njila Amaral2, Naiegal Pereira2, Elsa Dias3, Carlos Veríssimo4

1 Interna de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Beatriz Ângelo

2 Assistente hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Beatriz Ângelo

3 Assistente hospitalar e Coordenador de Obstetrícia, Hospital Beatriz Ângelo

4 Director de Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Beatriz Ângelo

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Overview and Aims: Gestational diabetes (GD) is associated with increased risk for pregnancy and delivery complications. Ethnicity is a recognized risk factor for GD. Considering ethnic diversity in Portugal, it is important that health providers are familiar with differences in expected outcomes. This study was designed to compare Asian, Black and Caucasian women with GD.

Study Design: Observational, retrospective study.

Population: Women with singleton pregnancies and GD followed in our hospital, from 2012 to 2015.

Materials and Methods: 323 women were divided according to country of birth and skin color - Caucasian (G1, n=230), Black (G2, n=79) and Asian (G3, n=14). Demographic characteristics, risk factors for GD and previous hypertension were compared. Maternal/fetal outcomes were analyzed - maternal weight gain, metabolic control, need of pharmacologic therapy, hypertensive complications, ultrasound biometric measures, intrauterine demise, mode of delivery, newborn weight and comorbidities. X2 and Fisher tests were performed. Significance was set at p-value<0.05.

Results: G1 included women mainly from Portugal, G2 from Guinea Bissau, Angola and Portugal and G3 from India. Groups differed in level of education (p=0.023) and Body Mass Index categories (p=0.034) - G2 had the lowest level of education and the highest rates of overweight/obesity. Statistical difference was found in metabolic control, resulting in glycated haemoglobin below 6% (p=0.022) and mode of delivery (p<0,001); G2 and G3 had worse metabolic control than G1, with higher C-section rates. Neonatal comorbidity differed between groups (p=0.021), with G2 having higher rates, mainly hyperbilirrubinemia requiring phototherapy. Need or type of pharmacologic therapy (insulin/metformin) showed no difference between groups.

Conclusions: Metabolic control in Asian and Black women with GD was more difficult to achieve than in Caucasians, with afterwards worse maternal/fetal outcomes. Health providers should acknowledge differences between ethnicities and a multidisciplinary and individualized approach should be provided.

Keywords: Gestational diabetes mellitus; Ethnicity; Race.


 

Introdução

A diabetes gestacional (DG) associa-se a complicações obstétricas e perinatais1.

É amplamente aceite que algumas etnias têm maior risco de desenvolver diabetes1,2.

Mesmo entidades científicas que não recomendam o rastreio universal da DG no 1º trimestre, como a American Diabetes Association (ADA), reconhecem a etnia como fator preponderante no rastreio precoce. São consideradas etnias de alto risco as grávidas afroamericanas, latinas, asiático-americanas e naturais das ilhas do Pacífico e da América1.

Em Portugal, são aplicados os critérios de diagnóstico da Associação Internacional dos Grupos de Estudos de Diabetes e Gravidez (IADSPG), de acordo com a Norma da Direção-Geral da Saúde n.º 7/2011, reafirmado nos Consensos de Diabetes Gestacional de 2017.3

O reconhecimento da etnia como fator de risco para o desenvolvimento desta patologia permite otimizar a vigilância pré-natal com vista a prevenir desfechos materno-fetais indesejados.

Neste estudo, os autores pretendem comparar as características e desfechos materno-fetais das grávidas com DG atendendo às diferentes etnias.

Materiais e métodos

Estudo retrospetivo de todas as grávidas vigiadas no nosso hospital entre 2012 e 2015 com diagnóstico de DG segundo os critérios da IADSPG. Do total de grávidas com DG (n=398), excluíram-se diagnósticos após as 28 semanas (n=72) e os casos de gravidez multifetal (n=3), incluindo-se no estudo um total de 323 grávidas.

Devido à existência de inúmeros países de origem e de muitas grávidas consideradas de nacionalidade portuguesa, mas cujos ascendentes (pais/avós) são oriundos de outros países, foi feito um agrupamento em função da nacionalidade conjuntamente com características fenotípicas. Definiram-se, assim, 3 grupos: caucasianas (G1, n=230), negras (G2, n=79) e asiáticas (G3, n=14).

Os cuidados pré-natais prestados foram semelhantes entre grupos e envolveram uma equipa multidisciplinar (obstetra, enfermeira, nutricionista e, quando necessário, por pior controlo metabólico, endocrinologista). O controlo metabólico foi avaliado através da determinação de glicémias capilares e do doseamento de hemoglobina glicada, tendo-se assumido um valor inferior a 6% como valor ótimo, desde que salvaguardada a ausência de hiperglicémia significativa, de acordo com as orientações da ADA4.

Foram comparadas características clinico-demográficas (idade, escolaridade, índice de massa corporal (IMC) de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde, paridade, fatores de risco para DG e hipertensão crónica) e desfechos materno-fetais (ganho ponderal materno avaliado de acordo com o Instituto de Medicina5, perfil glicémico, estimativa de peso fetal, presença de hidrâmnios, necessidade de terapêutica farmacológica, tipo de terapêutica farmacológica, complicações hipertensivas, morte fetal, tipo de parto, peso do recém-nascido (RN) e comorbilidades neonatais).

Foi avaliada a normalidade da distribuição das variáveis contínuas através da construção de histogramas e gráficos quantil-quantil (Q-Q plot). Foi determinada a média e desvio padrão das variáveis normais; no caso de variáveis não paramétricas procedeu-se ao cálculo de mediana e intervalo interquartil. Às variáveis nominais foram aplicados testes de X2 e Fisher e considerada significância estatística quando p < 0,05.

Resultados

G1 é maioritariamente constituído por grávidas caucasianas portuguesas (n=200) e brasileiras (n=13). Este grupo inclui ainda grávidas naturais da Roménia (3), Ucrânia (3), Bulgária (2), Moldávia (1), assim como 3 da Europa do Leste, sem especificação do país.

G2 é constituído por grávidas negras da Guiné Bissau (18), Portugal (16), Angola (16), São Tomé e Príncipe (9), Brasil (8), Cabo Verde (4), Moçambique (3) e Senegal (1).

G3 é constituído por grávidas provenientes da Índia (9), Paquistão (4) e China (1).

Da comparação das características demográficas entre os 3 grupos (Quadro I), salienta-se diferença no nível de escolaridade (p= 0,023), com G2 a apresentar cerca de metade da população com mais de 12 anos completos de escolaridade, fração inferior ao registados em G1 e G3 (69% e 73%, respetivamente). Apresentaram diferente distribuição por categorias de IMC (p= 0,034), com G1 e G3 a terem como categoria mais representativa as normoponderais, respetivamente com 42% e 57%, enquanto que G2 apresenta uma maior fração de mulheres obesas (35%) e com excesso de peso (41%), e menor proporção de normoponderais (24%).

 

 

Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos na proporção de grávidas diagnosticadas no 1º ou 2º trimestre (Quadro II). Verificou-se necessidade semelhante de terapêutica farmacológica entre os grupos (Quadro III).

 

 

 

No que respeita aos desfechos materno-fetais (Quadro III), dos três grupos:

-G1 teve o melhor e G3 o pior controlo metabólico (com taxa de HbA1c > 6% em G1= 3%, G2= 10%, G3= 15%; p= 0,022).

-G1 teve a menor taxa de cesarianas (G1= 21%, G2= 46%, G3= 38%; p< 0,001)

-G2 teve a maior taxa de complicações neonatais (26%), sendo a principal complicação a hiperbilirrubinémia com necessidade de fototerapia;

O maior número de casos com estimativa ponderal e perímetro abdominal fetal acima do percentil 90 (P90) foi encontrado no G2, ainda que sem significado estatístico.

O teste de reclassificação de DG mostrou resultados semelhantes entre os grupos (Quadro IV).

 

 

Discussão

Heterogeneidade da Amostra

O nosso hospital tem uma área de influência que abrange cerca de 300 mil pessoas, distribuídas por quatro concelhos6 que apresentam, de acordo com dados de 2015, uma proporção de imigrantes de 2,4, 3,6, 7,6 e 8,3%, contrastando com a média nacional de 3,7%7.

A multiplicidade de países de origem da população imigrante do concelho servido pelo nosso hospital (Quadro 5) é espelhada na amostra de grávidas com DG.

 


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Assumimos heterogeneidade considerável dentro de cada grupo pelo que a generalização dos resultados obtidos deve ser evitada ou, no mínimo, cuidadosa (focamos no G1 que sendo o grupo com maior número de casos é constituído maioritariamente por mulheres portuguesas, podendo divergir amplamente de um grupo de mulheres caucasianas de países nórdicos; este facto é ainda mais marcado no G3, que além de ser um grupo heterogéneo, inclui pequeno número de casos pelo que poderá divergir de um outro grupo constituído predominantemente por grávidas do Paquistão e Índia, com diferenças mais exacerbadas se o grupo asiáticas for constituído maioritariamente por mulheres de outra nacionalidade, por exemplo, chinesa).

Grávidas caucasianas

G1 corresponde ao grupo maioritário da população vigiada na Consulta de Diabetes Gestacional.

Mais de metade das grávidas caucasianas com DG apresenta excesso de peso ou obesidade com um valor de IMC médio de 26,8Kg/m2. Estes valores são sobreponíveis aos resultados apresentados para a população portuguesa pelo Grupo de Estudos de Diabetes e Gravidez relativamente a 2011, o primeiro ano em que foram aplicados os novos critérios diagnósticos de DG.8

A percentagem de grávidas caucasianas com DG tratadas com insulina (Quadro III, 40% do total das grávidas do G1 que necessitaram de tratamento, equivalente a 15% de todas as grávidas de G1) foi muito inferior à descrita no estudo português referido8 (39,8%). Associar-se-á ao facto de não ser descrito tratamento farmacológico com metformina, o que se poderá dever a este tipo de tratamento corresponder a uma muita pequena fração do grupo com necessidade de terapêutica farmacológica em 2011, assumindo-se a insulina como primeira opção de tratamento. Assim, considerando a totalidade de grávidas com necessidade de terapêutica farmacológica, as percentagens são semelhantes, com a particularidade de que no G1 esta é feita maioritariamente através da introdução de metformina.

Grávidas asiáticas - tradução ecográfica do controlo metabólico

Relativamente às grávidas asiáticas, a maior dificuldade no controlo metabólico da DG traduziu-se em piores desfechos materno-fetais, nomeadamente maior taxa de cesariana do que o grupo com maior representatividade neste estudo (G1), o que vai de encontro ao descrito na literatura1,3. Contudo, o pior controlo metabólico neste grupo não se traduziu em alterações dos parâmetros biométricos na ecografia fetal.

Um estudo prospetivo norte-americano avaliou grávidas com DG comparando imigrantes da Índia, Paquistão, Sri Lanka e Bangladesh, com caucasianas não-hispânicas e concluiu que grávidas dos 4 países referidos tinham maior risco de feto pequeno para a idade gestacional.9 O mesmo foi confirmado por outros estudos que propõem como causas diferenças fisiológicas e utilização de curvas de crescimento não adequadas à população10,11,12. Referiam ainda baixo IMC materno como fator de risco independente para RN com baixo peso.

No nosso estudo, a pequena dimensão amostral de G3 pode justificar não ter sido alcançado resultado com significado estatístico; no entanto e de acordo com o já referido admite-se que se poderia manter a não tradução ecográfica do mau controlo metabólico, por contrabalanço com tendência para fetos mais pequenos nas grávidas asiáticas, IMC mais baixo e mais frequente aumento ponderal inferior ao recomendado.

Grávidas asiáticas - maior risco de DG para um menor IMC

A ausência do fator de risco "excesso de peso/obesidade” em mais de metade das grávidas asiáticas (o único grupo em que tal acontece) encontra-se em consonância com estudos que mostraram que mulheres asiáticas/filipinas apresentavam igual risco de DG para um valor de IMC inferior a outras etnias2. Consequentemente, numa população asiática com DG, a proporção de obesas será inferior à de uma população afroamericana ou caucasiana com DG.

Para explicar este fenómeno, sugere-se a maior proporção de gordura visceral ou adiposidade para um mesmo IMC, quando comparados com os ocidentais13. Estes estudos, referentes à diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e não especificamente à DG, apontam a adoção de hábitos alimentares típicos ocidentais como causa de um aumento na prevalência da DM2 e diagnóstico numa população progressivamente mais jovem nos países asiáticos que contrasta com os países ocidentais, que têm mantido prevalência relativamente estável nas últimas décadas13.

Defendem que a adoção destes hábitos alimentares teve piores desfechos do que na própria população ocidental, uma vez que na população de asiáticos com DM2, verifica-se diminuída secreção de insulina, associada a maior resistência insulínica. A maior adiposidade na população asiática é apontada como um dos motivos para a resistência insulínica por modificação na produção de adipocinas, consequente do maior influxo hepático de ácidos gordos. Por outro lado, esta população também parece ter uma disfunção na secreção insulínica a nível pancreático, associada a quantidade insuficiente de células pancreáticas b, qualidade alterada com defeitos funcionais destas mesmas células, ou uma combinação de ambos13.

Por fim, é defendida ainda uma predisposição genética, tendo sido identificadas mutações nos genes da glucoquinase e de genes de fatores nucleares hepáticos em famílias japonesas, chinesas e coreanas cujos membros têm um subtipo específico de diabetes, MODY (Maturity-Onset Diabetes of the Young)14.

No seguimento destas variações entre etnias, a OMS já propôs diferentes metas de IMC para a população Ásia-Pacífico no sentido de se adaptar melhor à previsão de vir a desenvolver DM2 (24,3Kg/m2 para homens e 23,2Kg/m2 para mulheres)14.

Também o tratamento poderá divergir atendendo às particularidades deste grupo étnico: o inibidor da a-glucosidase é um dos fármacos de eleição no tratamento da DM2 neste grupo, mostrando melhores respostas os asiáticos face aos europeus. Pelo referido anteriormente, também se justifica que haja benefício em fármacos que preservem ou aumentem o funcionamento das células pancreáticas, o que se veio a confirmar com os inibidores da DPP4 a terem maior eficácia na diminuição dos valores glicémicos nos asiáticos, comparativamente com outros grupos étnicos13. Assim sendo, alterações no tratamento da DG neste grupo poderão antever-se, embora a longo prazo, dado implicar introdução de novas classes de fármacos numa população grávida.

Ainda relativamente à conduta na DG, e recuando para a prevenção, depreende-se que a promoção de um IMC adequado no início da gravidez não terá tanto sucesso neste grupo como teria noutros. Estudos futuros poderão indicar outras medidas preventivas mais eficazes nesta população2.

Outros autores apontam o ganho ponderal materno excessivo ao invés do IMC inicial como fator de risco para a DG15,16. No entanto, no grupo das grávidas asiáticas com DG verificou-se número residual de casos com aumento ponderal excessivo, tendo inclusivamente a maioria apresentado aumento ponderal deficitário.

Alguns estudos contestam a associação referida, defendendo que o aumento ponderal excessivo apenas se associa à diminuição da tolerância à glicose17,18 e que para a DG contribuiria o aumento ponderal no 1º trimestre e não aumento total da gravidez. Estes dados não foram avaliados no nosso estudo.

Grávidas asiáticas - heterogeneidade dentro de um mesmo grupo

A incapacidade em verificar associações descritas noutros estudos para a população asiática poderá decorrer do erro de considerar este grupo como um grupo único homogéneo.

Um estudo observacional que considerou várias subpopulações e que distinguiu grávidas cujo país de origem era Índia, Paquistão ou Sri Lanka (IPSL) das restantes asiáticas, refere que, nas grávidas de IPSL mas não nas restantes, um IMC ≥ 25 kg/m2 é fator protetor para DG. Também define país de origem IPSL como fator de risco independente para a DG, o mesmo não se verificando para os restantes países asiáticos19.

Um artigo de revisão que incidiu sob vários estudos populacionais realizados predominantemente nos Estados Unidos, em que foi especificado o país de origem da grávida, corroborou a heterogeneidade no grupo asiático, com prevalência de DG variando entre 3,0 e 21,2%20. Neste artigo, foram avaliadas 3 subpopulações, em que a do Sul Asiático/Ásia Meridional (IPSL e Fiji) apresentou maior prevalência de DG, quando comparada com a do Sudeste Asiático (Camboja, Vietname, Laos, Tailândia, Filipinas e Malásia) ou Este Asiático (China, Japão, Taiwan e Coreia do Sul). O tipo de dieta adotado foi apontado como possível causa, com as refeições no Sudeste Asiático tendo por base o arroz ao invés do Sul Asiático que, apesar de maior variedade, inclui tipicamente vários tipos de carbohidratados numa mesma refeição.

Na nossa prática clínica, este tipo de hábitos alimentares é frequentemente verificado. A individualização/personalização da dieta é difícil por ser tão distinta da típica dieta mediterrânica e a modificação de hábitos é dificultada pelo isolamento da grávida asiática, que muitas vezes socializa apenas com membros da família e da sua comunidade. Por fim, também a barreira linguística constitui um grande entrave ao ensino e aconselhamento.

Grávidas negras - múltiplos fatores de risco

À semelhança das grávidas asiáticas, as negras, maioritariamente africanas, apresentaram maior dificuldade no controlo metabólico da DG comparativamente às caucasianas.

As grávidas africanas tendem a acumular múltiplos fatores de risco, nomeadamente o excesso de peso/obesidade.

Na diabetes mellitus tipo 2 e após ajuste para o IMC, a contribuição do excesso de peso para o risco de diabetes é menor nos negros (risco relativo (RR) 1,55 vezes por cada aumento de 5 unidades de IMC) do que nos caucasianos (RR 1,96) ou asiáticos (RR 2,36)21; no entanto, na DG demonstrou-se o contrário - o risco relativo de DG face ao aumento de IMC é superior para afroamericanas do que para asiáticas2.

Quando comparadas com as caucasianas, as grávidas africanas apresentaram maior ganho ponderal excessivo na gravidez, cerca do dobro de fetos com peso estimado superior ao P90 (8% vs 3%), perímetro abdominal superior ao P90 (20% vs 11%) e macrossomia (5% vs 3%). Estes valores não obtiveram significado estatístico, que se assume ser por baixa dimensão amostral. O parto por cesariana foi significativamente mais frequente neste grupo.

As hipertensões crónica e gestacional são fatores de risco com prevalências superiores às verificadas nos outros grupos; embora sem significado estatístico, admite-se que seja devido ao tamanho da amostra, pelo que os salientamos como outros fatores de risco nesta população.

Grávidas negras - heterogeneidade dentro de um mesmo grupo

Poucos são os estudos existentes sobre esta população, nomeadamente em relação à DG, sendo obtida a maioria dos dados a partir de estudos sobre emigrantes residentes em países desenvolvidos.

Uma revisão sistemática realizada em 2014 sobre a prevalência da DG em África alertou para a escassez de informação existente, com dados obtidos de apenas seis países, e concluiu que a prevalência de DG variava entre os 0% (Tanzânia) e os 13,9% (Nigéria).22

De que tenhamos conhecimento, não existem estudos elaborados relativamente à prevalência da DG nos países de origem das grávidas que integram a nossa amostra; a única exceção é Moçambique, com uma prevalência de 11%22, com uma amostra pequena, avaliada numa população de risco e segundo critérios de diagnóstico distintos dos europeus ou americanos.

Assim, o reconhecimento da raça negra como fator de risco advém de estudos americanos demonstrando maior prevalência de DG em grávidas afroamericanas.

Um estudo coorte europeu demonstrou que mulheres do Norte de África apresentavam maior probabilidade e as da África SubSahariana menor probabilidade de DG quando comparadas ao grupo de referência (europeus). De facto, a origem em países da África SubSahariana foi considerada fator protetor para o desenvolvimento da DG19.

Uma vez que as grávidas incluídas no grupo do nosso estudo são essencialmente de países da África SubSahariana, a etnia não deverá ser então considerada fator de risco por si só.

No estudo referido, as mulheres da Africa SubSahariana tinham maior prevalência de hipertensão crónica (RR 1,5) e excesso de peso (RR 1,3), à semelhança das grávidas do nosso estudo.

À semelhança do referido para as grávidas asiáticas, também existem particularidades quanto à dieta adotada, distintas da dieta mediterrânica e, por vezes também, díspares dentro do próprio grupo. A questão da barreira linguística, apesar de com muito menor impacto do que no grupo das grávidas asiáticas, também está, por vezes, presente.

Conclusão

Apresentamos um trabalho no qual salientamos como pontos fortes a uniformidade no diagnóstico e a heterogeneidade da amostra, traduzindo de forma representativa a realidade da população obstétrica vigiada no nosso hospital.

Também fortalece o nosso estudo a prestação gratuita de cuidados pré-natais adequados e semelhantes a todas as grávidas, sendo possível excluir o estatuto socioeconómico como fator de confundimento (presente em múltiplos estudos norte-americanos).

Como limitações, é essencial referir o tamanho da amostra, principalmente quando dividida pela etnia o que fez com que os grupos que não G1 ficassem com número reduzido, principalmente G3. Este facto tornou-se principalmente evidente em desfechos raros como a morbilidade neonatal (que teve de ser avaliada como um todo e não por desfecho específico). Por outro lado, e considerando a heterogeneidade dentro de cada grupo que definimos, referimos também a ausência de análise por subgrupos; no entanto, e considerando a limitação do tamanho amostral este problema tornar-se-ia ainda mais marcado. Por outro lado, trata-se de um estudo retrospetivo com dados incompletos de alguns processos, com avaliação percentual para algumas variáveis de acordo com a totalidade de casos com dados disponíveis e não da totalidade do grupo o que poderá representar um viés importante; este viés foi mais representativo em algumas variáveis nomeadamente a morbilidade neonatal, que admitimos estar subvalorizada. Por fim, como estudo retrospetivo que é, tornou-se impossível determinar outras variáveis não registadas, como hábitos nutricionais e prática de atividade física.

Por fim, o valor de IMC foi considerado em alguns casos o peso habitual reportado pelas grávidas ou o peso registado na primeira consulta, pelo que possíveis desvios poderão levar à sub ou sobrevalorização do papel do IMC na DG.

Conforme discutido, as grávidas com DG asiáticas mostram baixa relação entre controlo metabólico e achados ecográficos e beneficiarão menos de medidas orientadas para o controlo ponderal. Por outro lado, pelo risco acrescido de DG e pela elevada prevalência de DM213 nesta população, mantemos o ensino e adoção de hábitos alimentares saudáveis como ponto essencial para a qualidade de vida futura da mulher.

A existência de múltiplos fatores de risco na grávida africana é agravada pelos riscos inerentes à DG, corroborando a importância de uma abordagem multidisciplinar e do aconselhamento de medidas gerais de saúde.

O papel que a etnia/raça desempenha na DG é de difícil valorização pela associação a diferentes características que determinam por si só risco para DG. Ainda assim, o reconhecimento de que há populações com maior risco de DG e desfechos desfavoráveis associados, permite uma otimização dos cuidados com base numa abordagem individualizada, enquanto se aguardam mais estudos que permitam esclarecer as vias fisiopatológicas/moleculares que justificam estas diferenças e que se possam traduzir também em tratamento farmacológico orientado.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Inês Morais Rodrigues

Hospital Beatriz Angelo

Portugal

E-Mail: inesmoraisrodrigues@gmail.com

 

Recebido em: 14/01/2018

Aceite para publicação: 19/04/2019

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