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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.13 no.2 Coimbra jun. 2019

 

EDITORIAL

Ana Rosa Costa1

1 Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia no Centro Hospitalar Universitário de S. João; Editora associada da AOGP


 

Gostei do artigo intitulado “Why do our patients complain?” E ocorreu-me a ideia “ Why health care providers don't complain?” Os profissionais de saúde são também utentes do SNS e assim conhecem as duas faces da mesma moeda. De facto os Serviços/ Departamentos de Ginecologia Obstetrícia, têm particularidades próprias, que provávelmente explicam o maior número de reclamações e de processos médico-legais associados à especialidade. Se de facto é importante a avaliação das reclamações das utentes de modo a corrigir situações e implementar medidas que visem melhoria da qualidade dos serviços prestados é importante uma atitude crítica na avaliação das mesmas por vários motivos:

- A maior parte das reclamações referem-se a situações ocorridas em contexto de urgência (número de episódios de urgência no Centro Hospitalar do Baixo Vouga em 8 anos: 217.692). No Centro Hospitalar e Universitário S. João, a realidade que eu conheço, no passado ano de 2018, ocorreram 18.546 episódios de urgência (4.637 de Ginecologia e 11.983 de Obstetricia), com uma média de 51 episódios por dia e máximo diário de 93 episódios. Curiosamente os dias com menos episódios correspondem a feriados, nomeadamente Natal. Também constatamos que em horários de futebol e aos fins de semana nos meses de verão, também há menos afluência ao serviço de urgência. Será que isto significa que as “doenças” também gozam feriados? Seria útil um sistema de avaliação dos motivos de urgência e sensibilização das utentes no sentido de evitar a afluência desnecessária ao serviço de urgência, de forma a optimizar os recursos humanos na prestação de cuidados às doentes e grávidas que deles necessitem.

- É reconhecida a importância do “utente como agente ativo na melhoria dos serviços de saúde”, mas como já referido, o médico ,que faz frequentemente 60 h de urgência mensais em regime extraordinário ( para além das outras actividades assistenciais),é também parte integrante (e potencial utente) do SNS. Onde estão as reclamações dos profissionais de saúde? Porque não criar um sistema de análise das queixas dos médicos, que actualmente se debatem com dificuldades de tempo para dedicar às utentes, pelo dispêndio de tempo (cada vez maior) dedicado aos registos informáticos… Como referido no Código Deontológico “O médico, no exercício da sua profissão, deve e na medida que tal não conflitue com o interesse do seu doente, proteger a sociedade, garantindo um exercício consciente, procurando a maior eficácia e eficiência na gestão rigorosa dos recursos existentes… O médico tem liberdade de escolha de meios de diagnóstico e terapêutica, devendo, porém, abster-se de prescrever desnecessariamente exames ou tratamentos onerosos ou de realizar atos médicos supérfluos”. Temos cada vez menos tempo para olhar e ouvir as utentes, e substituímos a semiologia (barata) por exames auxiliares de diagnóstico (muitas vezes dispendiosos e demorados), não acrescentando qualidade aos cuidados prestados e gastando dinheiro que poderia ser usado na melhoria das condições físicas dos espaços de trabalho. Seria agradável ter gabinetes com condições de insonorização em que não tivessemos de ouvir as queixas das doentes no gabinete contíguo ou com climatização, que não fosse o “quente no verão e frio no inverno”.

Um dos principais motivos de reclamação, diz respeito à comunicação. Também no Código Deontológico, está referido que :“O doente tem direito a receber e o médico o dever de prestar esclarecimento sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença. O esclarecimento deve ser prestado pelo médico com palavras adequadas, em termos compreensíveis, adaptados a cada doente, realçando o que tem importância ou o que, sendo menos importante, preocupa o doente. O esclarecimento deve ter em conta o estado emocional do doente, a sua capacidade de compreensão e o seu nível cultural. A informação exige prudência e delicadeza, devendo ser efetuada em toda a extensão e no tempo requerido pelo doente, ponderados os eventuais danos que esta lhe possa causar”. Mais uma vez é preciso ter tempo para que isto se processe de forma adequada.

A maior parte das utentes /doentes /grávidas não apresenta reclamação apesar da insatisfação relativamente aos cuidados prestados, pelo que questionários de satisfação que avaliassem todos os componentes (pessoal, instalações, tempo de espera, acessibilidade…) seriam mais importantes como indicador a ser usado na aferição da qualidade em saúde;

O Código Deontológico também refere que “O médico no exercício da sua profissão tem direito a uma justa remuneração”. Era importante que as utentes que muitas vezes reclamam e referem que os seus “impostos pagam o nosso ordenado”, soubessem quanto de facto ganham os profissionais de saúde no geral, e não uma minoria (que desconhece o Código Deontológico e por esse motivo desprestigia toda uma classe) que aparece como notícia na comunicação social.

Associadas às reclamações ocorrem também casos de violência (verbal e física) contra os profissionais nos serviços de saúde. No primeiro trimestre de 2019 foram reportados à DGS 383 casos. O fenómeno da violência contra profissionais de saúde é considerado um problema pela Organização Mundial de Saúde, que estima que 50% dos profissionais sofram pelo menos uma agressão física ou psicológica a cada ano.

Nos últimos anos tem-se assistido a um forte crescimento do sector privado da saúde, quase sempre acompanhado por efeitos negativos no SNS, estando actualmente em debate no Parlamento a Lei de bases da saúde de 1990 e alterada em 2002.

As reclamações podem, de facto, constituir um contributo para a melhoria dos cuidados de saúde prestados aos cidadãos, ajudando a identificar alguns dos aspetos negativos e criando oportunidades de mudança e melhoria… por isso em vez de “desabafos” no corredor, devemos também reclamar para que juntamente com os utentes possamos contribuir para a melhoria do SNS. É importante reforçar a ideia de que tal como há direitos dos doentes também há deveres e explicar o funcionamento do sistema de saúde à população.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Código Deontológico da OM- Regulamento nº 707/ 2016

Lei de bases da saúde

DGS

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