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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.13 no.1 Coimbra mar. 2019

 

ARTIGO DE REVISÃO/REVIEW ARTICLE

Terapêutica hormonal após tratamento do cancro do ovário: sim ou não?

Hormonal therapy post ovarian cancer treatment: yes or no?

Vera Veiga*, Lúcia Correia**, António Gomes***, Ana Francisca Jorge****

Serviço de Ginecologia, IPO Lisboa

* Interna de Formação Específica de Ginecologia/Obstetrícia do Centro Hospitalar de Leiria

** Assistente Hospitalar do Serviço de Ginecologia do IPOLFG

*** Assistente Graduado do Serviço de Ginecologia do IPOLFG

**** Diretora do Serviço de Ginecologia do IPOLFG

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

The mean age of diagnosis of ovarian epithelial tumors is 63 years, but 3-17% affects women under the age of 40 years. In this age group, standard treatment conditions an iatrogenic menopause, so that conservative therapeutic options are increasingly weighted at early ages.

Estrogen therapy is the most effective treatment for the symptoms associated with menopause, but doubts about its use in these women are frequent. The review of the literature shows that after treatment of ovarian cancer, the use of hormone therapy does not influence relapse rates nor overall survival.

Keywords: Ovary cancer; Hormonal; Contraception; Recurrence; Receptors.


 

Introdução

Os tumores do ovário representam um conjunto heterogéneo de tumores, derivados das diferentes linhas celulares do ovário: epiteliais (95%), de células dos cordões sexuais e do estroma (5-6%) e de células germinativas (2-3%)1. Os tumores epitelais são assim os mais frequentes e a sua classificação histológica tem sido constantemente atualizada pela Organizaçao Mundial de Saúde (OMS)1,2 - Quadro I.

 

 

À exceção dos tumores indiferenciados, os restantes são ainda subdivididos em benignos, borderline e malignos. Para efeitos da presente revisão, apenas foram considerados tumores malignos e borderline.

O cancro do ovário corresponde a 30% das neoplasias ginecológicas malignas1. A incidência global do cancro do ovário é 9,4 por 100000/ano3.

Não obstante a sua baixa incidência relativa, apresenta um elevado ratio mortalidade/incidência, constituíndo a principal causa de morte dentro do grupo dos tumores ginecológicos1.

A idade média do diagnóstico dos tumores epiteliais malignos é de 63 anos, mas 3-17% têm menos de 40 anos. Os tumores epiteliais apresentam uma taxa de mortalidade de 5,4 por 100000 e uma taxa de sobrevivência de 30-40% aos 5 anos (29% se diagnosticado em estádios avançados)3.

Os tumores borderline ou proliferativos atípicos, correspondem a 10% dos tumores epiteliais do ovário, com uma incidência de 1,8-5,5 por 100000/ano (1/3 em mulheres pré-menopáusicas) e associam-se a uma melhor sobrevivência aos 5 anos: estádio I 99% versus estádio IV 77%4.

Os tumores das células germinativas afectam sobretudo mulheres jovens (10-30 anos) e os tumores das células dos cordões sexuais e do estroma apresentam uma idade média do diagnóstico de 50 anos, com cerca de 12% a serem diagnosticados antes dos 30 anos. As formas malignas destes tumores são muito raras3.

A cirurgia e a quimioterapia são os pilares do tratamento do cancro do ovário e na sua forma padrão conduzem a menopausa iatrogénica. No entanto, o diagnóstico em idades jovens tem motivado o recurso a tratamentos mais conservadores, nos estádios precoces, quer por desejo de preservação de fertilidade quer por opção da mulher5.

Assim, os profissionais tem que responder a duas questões:

1) ‑Como atuar perante sintomatologia vasomotora que interfere com a qualidade de vida da mulher e que não responde a opções não hormonais?

2) ‑Após a cirurgia conservadora, quando a preservação da fertilidade não foi o motivo principal e/ou a mulher não pretende uma gravidez imediata, poderá ser prescrita contraceção hormonal?

Com a presente revisão da literatura os autores pretendem dar resposta a estas questões.

Material e métodos

Origem dos dados

Os autores pesquisaram na MEDLINE (PubMed), EMBASE, Cochrane Central Register of Controlled Trials e SCOPUS de Janeiro de 1999 a Abril 2018. Os termos usados para a busca foram: “hormonal replacement therapy",“cancer survivors”, “contraception in cancer survivors”, “hormonal receptors”; “hormonal therapy in ovarian cancer survivors” and “hormonal replacement therapy in gynecological cancer survivors”.

Seleção dos estudos e critérios de inclusão

Os resumos dos artigos selecionados foram escolhidos pelos autores e selecionados em consenso.

Os critérios de inclusão foram: (1) estudos aleatorizados controlados (RCT), estudos prospetivos ou retrospetivos; (2) participantes dos estudos sendo sobreviventes de cancro do ovário (3) uso de terapêutica hormonal da menopausa sem restrição do tipo, dose, regime ou via de administração; (4) estudo tendo como variáveis a taxa de sobrevivência global, da progressão livre de doença e da recidiva da doença estimado em risco relativo (RRs), odds ratios (ORs) ou hazard ratios (HRs) com intervalo de confiança (IC) de 95%; (5) Língua inglesa; (6) Resumo disponível.

Recetores hormonais e cancro do ovário

Os recetores hormonais, de estrogénio (RE) ou de progesterona (RP), no cancro da mama já têm um valor prognóstico e de relevância para a terapêutica bem estabelecido.

Apesar dos tumores do ovário também expressarem frequentemente estes recetores, a sua importância ainda não está totalmente definida. Considera-se que a patogénese do cancro do ovário é influenciada, pelo menos, parcialmente pelas hormonas6.

O maior estudo internacional que aborda este tema, o Ovarian Tumor Tissue Analysis (OTTA)7 analisou o tipo de recetores hormonais presente em 2933 tumores epiteliais do ovário e categorizaram os subtipos histológicos de acordo com a expressão dos recetores hormonais (RE e/ou RP): seroso de baixo grau (90,5%); seroso de alto grau (84,2%), endometrióide (81,6%), mucinoso (23,2%) e células claras (20,9%).

Os seus autores concluíram ainda que a expressão dos RP e não dos RE (p=0,006 versus p=0,49) se correlaciona com a sobrevivência do subtipo seroso de alto grau [sobretudo se positividade forte de RP (>50% núcleo da célula tumoral), HR=0,71; 95% IC:0,55-0,91; p=0,008], enquanto que no subtipo endometrióide a expressão tanto de RE (HR= 0,40; 95% IC:0,27-0,61, p<0,0001) como de RP (HR=0,49; 95% IC:0,32-0,75, p=0,0012) se associa a uma melhor sobrevivência. A ativação dos RPs parece induzir a apoptose das células cancerígenas o que contribuiu para melhor sobrevivência dos tumores com RP positivos. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na expressão dos recetores hormonais e a sobrevivência dos subtipos seroso de baixo grau ou mucinoso. Mas a expressão do RE parece piorar a sobrevivência do subtipo de células claras.

Hogdall et al.8, estudaram 584 mulheres dinamarquesas com cancro epitelial do ovário. Consideraram como positivo em testes de imunohistoquímica uma expressão de RE>10%. Estes tumores pareciam ter melhor sobrevivência, HR= 0,8%; 95% IC:0,63-0,99), principalmente quando duplamente positivos (RE+RP, HR= 0,45%; 95% IC:0,31-0,74). Neste estudo referem que os tumores mucinosos e de células claras têm uma taxa de expressão de RE muito inferior (4% e 2% respetivamente) aos outros subtipos de tumores epiteliais (39%).

Lee et al.9 concluíram que tumores com RP>10% tiveram um melhor taxa de sobrevivência aos 2 e 5 anos do que tumores com RP negativos. A expressividade de RE não teve valor prognóstico.

Liu et al.10 procederam a avaliação semiquantitativa da expressão dos recetores hormonais de 148 mulheres com cancro do ovário epitelial seroso no estádio III e IV. No grupo de mulheres jovens observou-se uma tendência para melhor prognóstico quando RP positivo e RE negativo.

Pelo contrário, Schlumbrecht et al.11 não encontraram associação entre a expressão de RE e a taxa de sobrevivência global ou de intervalo livre de doença em mulheres com cancro epiteliais seroso.

Esta heterogeneidade dos resultados deve-se à variedade do número de casos, cutt off para positividade dos recetores e também diferentes técnicas utilizadas.

Estudos in vitro e in vivo (células humanas de cancro ovário implantadas em ratos imunodeficientes) mostram resultados inconsistentes sobre a estimulação hormonal de células cancerígenas do ovário12-15 - Quadro II.

 

 

Alguns autores estudaram diferentes subtipos de REs e concluiram que o papel do REb é mais complexo. Na superficie de células ováricas normais está expresso em grande quantidade, mas em células cancerígenas está reduzida13,16. Alguns autores põem a hipótese desta isoforma do recetor ser um supressor tumoral17.

Terapêutica hormonal da menopausa após cancro do ovário

A menopausa iatrogénica provoca uma redução abrupta dos valores das hormonas sexuais, assim os sintomas podem ser mais frequentes, intensos e duradouros do que na menopausa espontânea. Inicialmente surgem os sintomas vasomotores, atrofia vulvovaginal com consequente dispareunia e outras queixas genito-urinárias (síndrome genito-urinário), alterações de humor, perturbações do sono e perturbações na memória a curto prazo. Os efeitos deletérios a longo prazo são o aumento do risco cardiovascular, risco de osteoporose, de demência e aumento da taxa de mortalidade de qualquer causa25.

A terapêutica hormonal (TH) é a única terapêutica com eficácia comprovada na redução dos sintomas vasomotores, na redução de fraturas em doentes com osteopenia e tem o potencial de melhorar o perfil de risco cardiovascular devido aos seus efeitos benéficos na função vascular, níveis lipídicos e metabolismo da glicose26.

As opções, vias de administração, indicações e contraindicações são sobejamente conhecidas26.

De entre as contraindicações absolutas surgem os antecedentes de cancro da mama ou de outro cancro hormonodependente26.

O Million Women Study concluiu que o risco de cancro do ovário está aumentado no grupo das mulheres que fizeram TH (RR=1.28)27. Estes dados foram recentamente confirmados numa metanálise com 21448 mulheres menopáusicas com cancro do ovário que fizeram TH (Collaborative Group On Epidemiological Studies Of Ovarian Cancer, 2015)28. O risco de cancro de ovário é maior no grupo das mulheres que fizeram TH e este risco mantém-se elevado mesmo depois do término do tratamento (< 5 anos após a suspensão, RR 1.29 [95% IC:1.11-1.49; ≥5 anos após a suspensão, 1.10 , 95% IC:1.01-1.20)28.

O medo da estimulação hormonal e a perceção de que tal pode conduzir a um aumento da taxa de recidiva da doença ou de desenvolvimento de outros tumores hormonodependentes (por exemplo cancro da mama ou endométrio) tornam controversa a utilização de TH nas sobreviventes de cancro do ovário.

Considerando os TUMORES EPITELIAIS MALIGNOS do ovário, vários são os estudos e meta-análises que avaliaram a utilização de TH após o seu tratamento:

A) ESTUDOS ORIGINAIS

• ‑Guidozi e Daponte29 (1999) compararam um grupo de 59 doentes que fizeram TH com 66 doentes que não foram expostas a TH. Em 48 meses de seguimento não se verificaram diferenças significativas na sobrevivência global nem na taxa de recidiva entre os dois grupos.

• ‑Vrscaj et al.30 (2001) compararam 24 mulheres com cistadenocarcinoma seroso do ovário (foram excluídas mulheres com estádio IV) que receberam TH após o tratamento cirúrgico com um grupo controlo de 48 mulheres, num tempo médio de seguimento de 49 meses e não encontraram diferenças com significado estatístico no risco de morte (RR=0,9, 95%IC: 0,24-5,08) nem no intervalo livre de doença (21 versus 42 meses respetivamente, p=0,24). Apenas a uma doente do grupo da TH foi diagnosticado carcinoma da mama, mas sem evidência de recidiva do tumor primário.

• ‑Mascarenhas et al.31 (2006) avaliaram o impacto da TH prévia ou após o diagnóstico de 649 casos de tumor epitelial invasivo do ovário e de 150 tumores borderline do ovário. No grupo dos tumores epiteliais do ovário, a utilização de TH prévia ao diagnóstico não alterou a sobrevivência global aos 5 anos (HR=0,83; 95% IC:0,65-1,08). No grupo de mulheres que fez TH após o diagnóstico verificou-se uma melhoria da sobrevivência global (HR=0,57%; 95% IC:0,42-0,78), mais evidente no subtipo epiteliais serosos, (HR=0,65%, 95% IC:0,44-0,96). Nos subtipos mucinosos ou endometrióides não houve diferença da sobrevivência global nem no grupo da TH prévia ao diagnóstico nem no grupo da TH após o diagnóstico. Aos 5 anos de seguimento, 93% das mulheres estavam vivas. Das 10 mortes, apenas 3 estavam relacionadas com o tumor primário e nenhuma delas fez TH prévia e/ou após o diagnóstico.

• ‑Li et al.32 (2012) obtiveram a mesma conclusão, mesmo considerando a expressão de diferentes receptores hormonais (REa, REb, RP).

• ‑Por outro lado, Hein et al.6 (2012) avaliaram uma amostra de 244 mulheres pós-menopáusicas com cancro epitelial invasivo do ovário. O grupo das que fizeram TH (n=77) tiveram uma melhor sobrevivência global (75% versus 43%, p<0,001) e intervalo livre de doença aos 5 anos (55% versus 46%, p=0,08). Isto foi ainda mais evidente no grupo com citorredução ótima (HR=0,14;95% IC:0,06-0,35).

• ‑Eeles et al.33 (2015) verificaram que as mulheres com cancro epitelial do ovário submetidas a TH tinham uma maior taxa de sobrevivência global (HR=0,63; 95% IC:0,44-0,90; p=0,001) assim como sobrevivência livre de doença (HR=0,67; 95% IC:0,47-0,97; p=0,032).

• ‑Powers et al.34 (2016) concluíram que o uso de TH após tratamento de tumor epitelial não seroso, em particular no grupo de mulheres com menos de 55 anos de idade se associa a um maior intervalo livre de doença (HR=0,319; 95% IC:0,15-0,67; p= 0,003). Quando a duração da TH foi superior a 12 meses, para além de maior intervalo livre de doença (HR=0,233; 95% IC: 0,09-0,63; p=0,04), também havia maior taxa de sobrevivência global (HR=0,291; 95% IC:0,11-0-79; p=0,016). Mesmo quando as características do tumor foram ajustadas ao estadiamento FIGO e ao tratamento com quimioterapia, o intervalo livre de doença também era superior no grupo das mulheres que realizaram TH (HR=0,212; 95% IC:0,07-0,06; p=0,004).

‑B) META-ANÁLISES

• ‑Dong Li et al.35 (2015) numa metanálise de 6 estudos verificaram que a utilização de TH em mulheres com cancros epitelial do ovário não aumentava o risco de mortalidade nem de recidiva de doença. Isto também se verificou quando considerados os diferentes graus de diferenciação (TH em tumores de grau 2 ou 3 não tiveram maiores taxas de recidiva,RR 0,74; 95% IC:0,57-0,96) e o estádio do cancro (estádio III, RR=0,65; 95% IC: 0,33-1,25 versus estádio III-IV, RR=0,94; 95% IC:0,73-1,20).

• ‑Pergialiotis et al.36 (2015) realizaram uma metanálise que incluia 6 estudos, verificaram uma redução significativa nas taxas de mortalidade relacionados com o tumor no grupo das mulheres que fizeram TH (OR=0,47; 95% IC:0,28-0,80), mas sem diferenças nas taxas de recidiva (OR=0,71; 95% IC:0,45-1,14), de sobrevivência global e do intervalo livre de doença.

‑C) SUBTIPO HISTOLÓGICO ESPECÍFICO

O carcinoma seroso de baixo grau e o carcinoma endometrióide têm maior expressão de recetores hormonais 37. Escobar et al.38 concluíram que os tumores serosos de baixo grau expressam mais recetores hormonais que os tumores serosos de alto grau (RE58% versus 27% e RP43% versus 17% respetivamente), sugerindo que estes tumores poderão responder a hormonoterapia tal como os tumores da mama hormonodependentes.

Deve, no entanto, haver uma certa prudência em recomendar terapêutica hormonal nesses subtipos histológicos.

‑D) MULHERES COM MUTAÇÃO BRCA1/BRCA2

Mulheres com mutação no gene BRCA 1 ou BRCA 2 têm risco aumentado de desenvolver cancro epitelial do ovário, 3% aos 40 anos versus 3% aos 50 anos respetivamente39. Por isso, é-lhes proposto a realização de salpingo-ooforectomia bilateral profilática. Quando é realizada antes da idade da menopausa fisiológica a sintomatologia atribuída à menopausa pode ser mais intensa comprometendo a sua qualidade de vida.

Nenhum dos estudos sobre TH após ooforectomia bilateral profilática mostrou efeitos adversos que possam desaconselhar a sua utilização40.

A terapêutica hormonal deve ser considerada, na dose mínima eficaz, por um curto período de tempo e até à idade da menopausa fisiológica para reduzir a sintomatologia da deficiência estrogénica prematura.

Aliás, Armstrong et al.41 concluiu que há um benefício na esperança média de vida nestas mulheres até aos 50 anos. Na ausência de histerectomia está indicada terapêutica combinada com estrogénios e progestagénios. Embora sejam escassos os estudos nas portadoras de mutação BRCA, Rebbeck, et al.42 concluíram que o uso de TH não minimizou o benefício da salpingo-ooforectomia bilateral na redução de risco de cancro do ovário e apesar da utilização da terapêutica combinada parecer aumentar o risco de cancro da mama nas utilizadoras26 Eisen, et al.43 mostraram que o uso de TH não se associa a um aumento de risco de cancro da mama em portadoras de mutação BRCA1/2.

No entanto em mulheres com mutações BRCA e história de cancro da mama com recetores hormonais positivos, a TH está contraindicada26.

Relativamente aos TUMORES NÃO EPITELIAIS, Singh et al.44 (2010) concluiram que não havia dados suficientes para contraindicar o uso de TH em mulheres, sobretudo jovens submetidas a quimioterapia, com tumores das células germinativas. Os tumores germinativos são considerados não hormonodependentes.

No entanto os autores referem que os tumores da células da granulosa (subtipo mais comum dos tumores das células estromais) são hormonodependentes e produtores de hormonas e nestes casos deve ser evitado a TH45.

Relativamente aos TUMORES BORDERLINE, assume-se que os carcinomas serosos de baixo grau evoluem de tumores serosos borderline. Sendo estes tumores hormonossensíveis pode ser adequado evitar TH mesmo em mulheres com tumores serosos borderline46-48.

A metanálise Collaborative Group on Epidemiological Studies of Ovarian Cancer (2015)28 concluiu que o uso da TH aumenta o risco de desenvolver tumor seroso borderline (RR = 1,26 ; 95% IC:1,01-1,58), enquanto que para o tumor mucinoso borderline é mais reduzido (RR = 0,73 ; 95 % IC:0,57-0,95).

A decisão de introduzir TH em mulheres com tumores bordeline deve ser feita com prudência caso existam implantes e/ou achados histológicos desfavoráveis (micropapilar, microinvasão)49.

A duração da TH ideal é inferior a 5 anos, deve-se preferenciar o regime contínuo e adicionar progestativos nas mulheres não histerectomizadas50,51.

No Quadro III fez-se um resumo sobre tipo de TH para cada subtipo histológico de tumor do ovário.

 

 

Contraceção

A questão da contraceção coloca-se nas mulheres submetidas a terapêutica conservadora, ou porque não pretendem engravidar no futuro imediato ou aquelas que apenas querem preservar os orgãos genitais internos, sem intuito reprodutivo.

O Centro de Controlo de Doenças e de Prevenção aconselha a não utilização de métodos contracetivos hormonais na doença oncológica e até 6 meses após diagnóstico e tratamento devido ao elevado risco tromboembólico associado52.

Considerando os Critérios Americanos de Eligibilidade Médica para contraceção para tumores estrogénio-dependentes deve-se optar por métodos contracetivos sem estrogénios como o sistema intrauterino de levonorgestrel, implante subcutâneo, para além obviamente de todos os métodos não hormonais52,53.

Existem alguns estudos sobre práticas contracetivas em mulheres jovens sobreviventes de cancro na generalidade, incluindo na sua maioria sobreviventes de cancro de mama, linfoma, cancro do colo do útero, cancro do ovário e outros54,55. Questionários realizados a estas mulheres mostram que utilizam menos anticoncecionais hormonais que a população em geral (51% versus 69%, p<0,001). Mesmo restrigindo apenas para as mulheres com risco de gravidez não planeada (excluiram as mulheres inférteis por motivos não contracetivos e as não sexualmente ativas no momento) a taxa de utilização de métodos contracetivos é inferior à da população em geral (84% versus 90%, p=0,009) assim como a utilização de métodos de longa duração ou contraceção definitiva (51% versus 69%, p<0,001).

No entanto, não foram encontrados artigos que abordassem o efeito do uso de contraceção hormonal após o cancro do ovário em específico.

A diminuição do risco de cancro de ovário, maligno e borderline, nas utilizadores de contraceção hormonal combinada está bem estabelecida, embora essa redução do risco seja menos evidente para os tumores mucinosos (12% versus 20% para tipo seroso e endometrióide). Esta redução está dependente da duração de utilização, desde três a seis meses e mantém-se mesmo vinte anos após a suspensão da toma (29% aos 5 anos versus 15% aos 20 anos). Mesmo em mulheres de alto risco de cancro do ovário, como nulíparas, doentes com história familiar e com mutações BRCA 1/2 (OR= 0,53; 95% IC:0,43-0,66) este efeito protetor está comprovado56.

Conclusão

Retomemos as questões inicialmente colocadas:

1) ‑Como atuar perante sintomatologia vasomotora que interfere com a qualidade de vida da mulher e que não responde a opções não hormonais?

2) ‑Após a cirurgia conservadora, quando a preservação da fertilidade não foi o motivo principal e/ou a mulher não pretende uma gravidez imediata, poderá ser prescrita contraceção hormonal?

Da revisão da literatura apresentada, podemos então concluir que:

1) ‑A utilização de TH em mulheres com antecedente de cancro epitelial do ovário não influencia as taxas de recidiva da doença nem de sobrevivência global, nem de intervalo livre de doença, com alguns autores a apresentar inclusivé, resultados positivos. No entanto, a TH deve ser evitada nos tumores das células da granulosa por serem tumores hormonalmente ativos.

2) ‑Não foram encontrados estudos que avaliem especificamente a utilização de contraceção hormonal por mulheres com antecedentes de cancro do ovário. No entanto, sendo reconhecido o papel dos contracetivos hormonais na quimioprevenção do cancro do ovário, e na ausência de recomendações nacionais ou internacionais que o contraindiquem, e na opinião dos autores, nas mulheres submetidas a tratamento conservador, para preservação da fertilidade ou por opção, e sendo essa a opção da mulher, podem ser utilizados contracetivos hormonais, devendo ser evitados nos 6 meses após diagnóstico e tratamento devido ao elevado risco tromboembólico associado.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Vera Veiga

E-mail: veralfveiga@gmail.com

 

Recebido em: 22/05/2018

Aceite para publicação: 19/06/2018

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