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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

Print version ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.13 no.1 Coimbra Mar. 2019

 

ARTIGO DE REVISÃO/REVIEW ARTICLE

Nicho uterino - implicações em ginecologia

Uterine niche - implications in gynecology

Simone Subtil*, Maria João Carvalho**, Giselda Carvalho***, Luís Almeida e Sousa***, Fernanda Águas****

Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)

*Interna de formação específica em Ginecologia e Obstetrícia no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC); Assistente convidada de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC).

**Assistente hospitalar de Ginecologia do CHUC; Assistente convidada de Ginecologia da FMUC.

***Assistente graduado do Serviço de Ginecologia do CHUC

****Directora do Serviço de Ginecologia do CHUC

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

The uterine niche presents as a recess located in the anterior uterine wall, at the site of previous hysterorrhaphy. Although obstetric complications associated with a history of cesarean delivery are well known, recognition of the niche as a surgical sequel and its association with gynecological symptoms such as abnormal uterine bleeding and pelvic pain is poorly described, compromising its identification in clinical practice. There are no validated guidelines for the diagnostic criteria of uterine niche. Treatment includes hormonal methods and surgery, namely hysteroscopic or laparoscopic isthmoplasty.

Keywords: Niche; Isthmocele; Cesarean.


 

Introdução

O nicho uterino, também designado por istmocelo, defeito de cicatriz de cesariana, divertículo ou bolsa cicatricial, define-se como um recesso localizado na parede anterior do istmo uterino, sobre a cicatriz de cesariana1,2. A sua relação com antecedentes de cesariana foi descrita pela primeira vez em 1995, por Morris H1,3,4. Apesar de ser frequentemente assintomático, a sua associação com sintomas ginecológicos, como a hemorragia uterina anómala (HUA), dor pélvica e a infertilidade secundária, tem vindo a ser descrita nos últimos anos2,5.

O diagnóstico de nicho ístmico como causa de HUA e de dor pélvica não é frequente, sendo muitas vezes atribuída uma etiologia desconhecida a esta sintomatologia devido à falta de conhecimento desta entidade como sequela ginecológica pós-cesariana. Dado que a cesariana é um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados em todo o mundo1,6, torna-se imperativo o reconhecimento do nicho, sendo de crucial importância o estabelecimento de critérios diagnósticos consensuais.

O objetivo deste artigo de revisão é esclarecer a definição de nicho uterino, descrever a sua prevalência, etiopatologia e fatores de risco, assim como a sua apresentação clínica, a marcha diagnóstica e a sua orientação terapêutica.

Definição e prevalência

O nicho pode ser definido como um defeito ou recesso localizado na cicatriz de cesariana, que pode ser detectado ecograficamente, apresentando-se como um defeito triangular hipoecogénico. A deteção ecográfica pode ser um achado incidental ou reportado no decurso de uma investigação por HUA, dor pélvica ou infertilidade secundária7.

Alguns autores sugerem uma prevalência de 52% aquando da avaliação ecográfica de mulheres com antecedentes de cesariana5. Outros autores estabelecem uma prevalência que varia entre os 0,3% e os 69%8. A prevalência varia consoante as séries publicadas por estar dependente dos métodos de diagnóstico e dos critérios utilizados para a caracterização imagiológica do nicho e da população estudada. Estudos realizados em mulheres selecionadas aleatoriamente com antecedentes de cesariana mostram prevalências que variam entre os 24% e os 70% com recurso à ecografia transvaginal (eco-TV) e entre 56% e 84% recorrendo à histerossonografia (HSSG). As percentagens mais elevadas correspondem à definição de nicho como qualquer entalhe na cicatriz de cesariana prévia, enquanto que as prevalências de 56% com a HSSG e de 24% com a eco-TV foram obtidas quando os nichos foram definidos como tendo pelo menos 1 mm de profundidade2. A prevalência de nicho ístmico obtida com recurso à HSSG foi superior à obtida com a realização de eco-TV, possivelmente em consequência da distensão da cavidade endometrial causada pela instilação de líquido na mesma2. Num estudo prospetivo de Voet LF e col, a prevalência de nicho uterino foi de 49,6% com a eco-TV e de 64,5% com a HSSG, em mulheres submetidas a cesariana seis a doze semanas antes da avaliação imagiológica9. A prevalência em mulheres sintomáticas foi superior às mulheres sem sintomas6.

Etiopatogenia e fatores de risco

Foram apontadas várias teorias para explicar a etiopatogenia do nicho uterino:

1) ‑Incisão de cesariana baixa (cervical): a realização de cesariana durante a fase ativa do trabalho de parto pode implicar a presença de tecido cervical no local da incisão, que contém glândulas produtoras de muco, que podem interferir com o processo de cicatrização predispondo ao desenvolvimento do nicho uterino. Os nichos podem conter muco, sendo as queixas de corrimento vaginal mucoso castanho frequentemente reportadas por mulheres com nichos de maiores dimensões10. Uma dilatação cervical igual ou superior a 5 cm ou duração do trabalho de parto igual ou superior a 5 horas foram associadas a maior risco de desenvolvimento do nicho, dado que um miométrio com menor espessura pode ser menos vascularizado e, portanto, levar a cicatrização deficitária2,5. Outro aspeto a ter em conta é o facto de a margem superior da incisão ter tipicamente uma espessura maior que a margem inferior, sendo que esta discrepância provavelmente contribui para o desenvolvimento do defeito ístmico5.

2) ‑Técnica cirúrgica de histerorrafia: os estudos CORONIS 200711 e o CAESAR 201012, dois ensaios clínicos randomizados que procuraram avaliar as diferenças entre técnicas de histerorrafia distintas, concluíram não haver diferença estatisticamente significativa entre a sutura em camada única versus dupla no que diz respeito aos resultados maternos durante as primeiras seis semanas pós-parto, o que levou a uma liberalização das técnicas de histerorrafia entre os cirurgiões. No entanto, é possível que as técnicas de histerorrafia baseadas em sutura em camada única não garantam o correto alinhamento dos bordos cirúrgicos, aumentando o risco de desenvolvimento de nichos ístmicos, complicação que não foi avaliada nos estudos acima descritos3. Uma menor incidência de nichos resultou de suturas únicas que incluíram o endométrio, em comparação com suturas únicas com exclusão da camada endometrial2,7. O uso de suturas duplas esteve associado a uma diminuição do risco de desenvolvimento de nichos, em comparação com suturas únicas2,6. Raimondo G e col13 estudaram os resultados da istmoplastia por histeroscopia numa série de 120 mulheres com o diagnóstico de nicho ístmico, sendo que todas tinham sido submetidas a histerorrafia com sutura única. O encerramento uterino com camada dupla, com suturas não cruzadas, aumentou a espessura residual do miométrio e pode potencialmente diminuir a prevalência de nichos10,14. Por outro lado, o cruzamento da primeira camada foi associado a uma diminuição da espessura do miométrio, provavelmente devido a um aumento da hipóxia tecidular6,14. Recentemente, num ensaio clínico randomizado de Bamberg C e col15, concluiu-se que a incidência de formação do nicho uterino e a que a sua profundidade foram independentes da técnica de histerorrafia (camada única versus camada única cruzada versus camada dupla), revelando o caráter contraditório dos resultados acerca da técnica de histerorrafia e a prevalência de nicho uterino.

3) ‑Atitudes cirúrgicas que induzam a formação de aderências: a aplicação de forças de tração com direção oposta, nomeadamente pela existência de aderências, cujo desenvolvimento parece ser facilitado pelo não encerramento do peritoneu, pode induzir a formação de nichos devido à retração do tecido cicatricial10.

4) ‑Posição uterina: a retroflexão uterina foi repetidamente considerada como fator de risco para o desenvolvimento dos nichos, aumentando o risco em mais do que o dobro, comparativamente com úteros antefletidos1,2,6,10. A hipótese colocada é que o aumento da tensão no segmento inferior uterino em úteros retrofletidos e a associada redução da perfusão vascular causada pelo alongamento desde segmento uterino compromete a perfusão tecidular e a tensão de oxigénio local. Estes aspetos levam a um atraso cicatricial5,13.

5) ‑Fatores relacionados com o doente: a existência de diferenças individuais na capacidade de cicatrização são evidentes; no entanto, parte dos mecanismo envolvidos são desconhecidos10. O índice de massa corporal, a pré-eclâmpsia e a hipertensão arterial foram reportados como sendo fatores de risco para o desenvolvimento de nichos, apesar de não se conhecer o motivo, sugerindo-se o potencial efeito negativo sobre o processo de cicatrização causado pela pré-eclâmpsia2,10.

6) ‑Antecedentes de cesariana: o número de cesarianas prévias também aumenta o risco de desenvolvimento do defeito ístmico, assim como influencia as dimensões do mesmo, sendo que estão descritas prevalências de nichos de 61%, 81% e 100% em mulheres com uma, duas e três cesarianas, respectivamente2,6.

Apresentação clínica

Clinicamente, o nicho uterino pode ser assintomático6 ou associar-se a HUA, na forma de spotting ou hemorragia pós-menstrual, afetando cerca de 34% a 64% das mulheres com nicho2,7. A prevalência de spotting ou hemorragia pós-menstrual está relacionada com a dimensão do nicho, sendo mais frequente quanto maior a sua dimensão2,6. A retenção de sangue no recesso, a contractilidade miometrial alterada devido à existência de tecido fibrótico e a congestão vascular poderão justificar esta clínica1,3,6,10. A formação de vasos sanguíneos mais frágeis neste local pode levar à ocorrência de pequenas hemorragias no nicho (in situ)5,16. Todas estas hipóteses podem ser suportadas pelas várias anomalias histológicas que foram encontradas no recesso cicatricial: congestão endometrial, infiltração linfocitária, dilatação capilar e glóbulos vermelhos livres no estroma endometrial1,3. Donnez O e col17 demonstraram histologicamente a existência de endometriose no tecido excisado aquando da reparação laparoscópica do defeito em 21,1% dos casos, o que poderá ajudar a justificar não só o quadro de HUA mas também a relação com dor pélvica.

A dor pélvica pode ocorrer sob a forma de dismenorreia, dor pélvica crónica e dispareunia (53,1%, 36,9% e 18,3%, respetivamente), podendo ser justificada pela libertação de fatores inflamatórios devido ao sangue retido no recesso da cicatriz de cesariana1-3. Este ambiente inflamatório influencia a qualidade do muco cervical, o que vai interferir com a qualidade e com o transporte do esperma e pode eventualmente comprometer a implantação do embrião, levando a infertilidade secundária1,3,10, que está documentada em 7,3% a 45,8% dos casos18. Vários estudos descreveram uma redução da fertilidade em cerca de 10% após parto por cesariana, quando comparada com o parto vaginal10, o que poderá ser explicada pela existência de nichos ístmicos, apesar desta correlação ainda ser desconhecida.

Diagnóstico

O exame complementar de diagnóstico de primeira linha na abordagem do nicho uterino é a eco-TV, devendo ser complementada com a histerossonografia para melhor avaliação da parede uterina residual na zona do defeito1. A melhor altura do ciclo para a identificação do nicho é durante o episódio de hemorragia, normalmente alguns dias após a menstruação5. Os critérios para a caracterização ecográfica do nicho não são consensuais. Alguns autores descrevem-no como uma área anecogénica triangular ou ovalada com pelo menos 1 mm de profundidade ou como um recesso do miométrio de pelo menos 2 mm de profundidade, no local da cicatriz de cesariana2,5,6,13. Bij de Vaate e col2 propuseram a seguinte definição: qualquer recesso que represente descontinuidade miometrial no local de cicatriz de cesariana que comunique com a cavidade uterina ou cervical à HSSG.

Os nichos podem ser classificados de acordo com a sua dimensão6. Um nicho pode ser definido como sendo grande se a espessura residual do miométrio (ERM) for igual ou inferior a 2,2 mm usando a eco-TV e igual ou inferior a 2,5 mm usando a HSSG2; outra definição é a de um defeito miometrial que envolva mais de 50% da espessura da parede adjacente2, o que leva a variações de incidências entre os 11% e os 45%, dependendo da definição usada10. O defeito total caracteriza-se pela ausência de miométrio residual2. Parece haver uma relação entre defeitos maiores e o risco de rotura e deiscência uterina em gravidezes subsequentes8. Neste sentido, Donnez O e col17 sugerem um limite para risco de rotura uterina de 3 mm de ERM, baseado em avaliações por RM.

Bij de Vaate e col2 e Tower AM e col7 propuseram que a HSSG seja considerada o gold standard em futuros estudos de prevalência do nicho ístmico, com base no fato de a HSSG apresentar uma maior sensibilidade e especificidade em relação à eco-TV isolada e no fato de pequenos nichos, que também podem ser sintomáticos, poderem passar despercebidos à ecografia2,6,7,16. O defeito parece ter dimensões superiores quando avaliado por HSSG, devido à pressão da solução salina na cicatriz, preenchendo o defeito e fornecendo contraste6,7. Por outro lado, Florio P e col5 referem que o diagnóstico de nicho ístmico com a eco-TV teve uma correlação de 100% com a histeroscopia, e tanto o valor preditivo positivo como negativo foram semelhantes com ambos os métodos, sugerindo deste modo que a eco-TV poderá ter lugar como método de primeira linha no diagnóstico de nicho uterino, permitindo a exclusão de outros diagnósticos diferenciais.

Outros métodos poderão ser também usados, como a histeroscopia e a ressonância magnética (RM)1. Histeroscopicamente o defeito pode ser identificado como uma protuberância na parede anterior do istmo uterino. Mulheres que foram submetidas a cesariana eletiva apresentam o defeito no istmo, enquanto que nos casos em que a cesariana foi realizada após dilatação cervical, o nicho tendo a localizar-se no colo uterino5,6,12. Com este exame complementar de diagnóstico, a melhor fase para identificar o nicho é entre o 7º e o 12º dia do ciclo menstrual, dado que o defeito se encontra preenchido por sangue menstrual escurecido, enquanto a restante cavidade endometrial se apresenta vazia13. Além de permitir o diagnóstico desta entidade, a histeroscopia permite também a exclusão de outras condições patológicas intrauterinas7. No decurso de uma histerossalpingografia é possível identificar este defeito, que se apresenta como um divertículo, muitas vezes não visualizado devido à acumulação de sangue no seu interior5. A RM pode apresentar vantagens na planificação cirúrgica pela sua reprodutibilidade e se estiverem presentes outras patologias7.

Tratamento

O tratamento no nicho uterino pode ser médico ou cirúrgico. A eficácia da terapêutica médica hormonal foi avaliada em vários estudo: um estudo retrospetivo de Florio P e col19 comparou a istmoplastia por histeroscopia com o tratamento hormonal durante 3 meses, em regime cíclico, com 0,075 mg de gestodeno e 0,030 mg de etinilestradiol, em 39 doentes com hemorragia uterina pós-menstrual e dor pélvica associada à presença do nicho uterino, verificando-se que, apesar de haver uma redução dos dias de hemorragia pós-menstrual com os dois tratamentos, esta redução foi mais significativa com a istmoplastia histeroscópica (7,3±1,4 dias para 2,4±0,5 dias após a cirurgia e 7,4±1,1 dias para 4,9±1,0 dias após o tratamento hormonal); apenas 5,3% das doentes mantiveram dor pélvica após a intervenção cirúrgica, em comparação com 50,0% no grupo que foi submetido a tratamento hormonal. Chang Y e col20 avaliaram a eficácia da resseção histeroscópica do nicho uterino em 22 doentes, sendo que todas elas tinham realizado previamente tratamento com contracetivos orais, sem efeito, não se especificando no estudo o tipo e a duração do tratamento. Numa série de 11 doentes que foram submetidas a 3 a 6 ciclos de 0,5 mg de norgestrel e 0,05 mg de etinilestradiol, houve uma melhoria das queixas de HUA em 10 doentes21.

O tipo de tratamento cirúrgico não é consensual1, sendo que a correção do nicho poderá ser realizada por via vaginal, por histeroscopia ou por laparoscopia1,6,5. A via cirúrgica mais usada para correção dos istmocelos é a histeroscopia, tratando-se de uma abordagem minimamente invasiva e com tempo operatório curto5,13. A istmoplastia por histeroscopia inclui a excisão das margens do defeito, associada ou não à electrocoagulação da base do nicho5,6. Devido ao risco de perfuração uterina e de lesão vesical, foi sugerido um cut-off para dimensões superiores a 2 mm de miométrio residual6 para a realização de histeroscopia, com outros autores a sugerirem o valor mínimo de 3 mm17. Nas situações em que a abordagem histeroscópica não está recomendada, a istmoplastia por laparoscopia ou por via vaginal deve ser ponderada22. O tratamento por histeroscopia levou a uma melhoria das queixas de HUA em 59% a 100% dos casos, estando associado a taxas de gravidez que variaram entre os 77,8% e os 100%6. No entanto, outros autores reportaram que em cerca de 40% das doentes houve persistência dos sintomas depois do tratamento por histeroscopia23. No primeiro ensaio clínico randomizado e controlado realizado que avaliou a eficácia da istmoplastia por histeroscopia em mulheres com queixas de spotting pós-menstrual e com ERM ≥3 mm, verificou-se que este tratamento cursou com a redução dos dias de hemorragia pós-menstrual, em comparação com uma atitude expectante (em média de 8 para 4 dias no grupo intervencionado e de 8 para 7 dias no grupo de controlo)24. Gubbini G e col3 usaram a histeroscopia para tratamento de 41 doentes com nicho ístmico. Todas as doentes apresentavam HUA e infertilidade secundária. Verificou-se na totalidade da amostra a resolução das queixas e todas as doentes engravidaram espontaneamente 12 a 24 meses após a cirurgia. Apesar dos resultados descritos previamente, a abordagem histeroscópica não permite o aumento da ERM, não diminuindo o risco de rutura uterina numa gravidez subsequente4. A maioria dos estudos relacionados com a via histeroscópica não providenciam informação acerca da ERM após a intervenção4,17. Apenas Li C e col25 descreveram não haver diferença estatisticamente significativa nesta dimensão antes e após a istmoplastia por histeroscopia.

A istmoplastia por laparoscopia encontra-se reservada para nichos ístmicos cujo ERM seja inferior a 2-3 mm6, consistindo na excisão do tecido fibrótico das margens do nicho, seguido do encerramento com sutura dupla6,17. Estão descritos casos em que o defeito não é visualizado durante a laparoscopia, propondo-se a realização de histeroscopia para identificação do defeito por transiluminação4. Numa série de 38 mulheres submetidas a excisão do defeito cicatricial por laparoscopia, foi realizada ainda o encurtamento dos ligamentos redondos em caso de úteros retrofletidos17. A abordagem laparoscópica permite não só a excisão do nicho ístmico, como também possibilita um aumento da ERM, com valores descritos de ERM de 1,4 ± 0,7 mm antes do procedimento para 9,6±1,8 mm pós-operatórios4,5,17. Esta técnica esteve associada a melhoria das HUA em 86% a 100% dos casos e a taxas de gravidez na ordem dos 55%6. Outros autores referem uma taxa de gravidez após reparação laparoscópica de 75% e em 96,9% registou-se melhoria das queixas ginecológicas4. Na série reportada por Donnez O e col17, observou-se uma taxa de 91% de melhoria sintomática. Após a istmoplastia por laparoscopia, as doentes foram aconselhadas a evitar uma gravidez durante 3 a 6 meses4. Mais recentemente, Vervoort A e col26, num estudo que incluiu a realização de istmoplastia por laparoscopia em 101 mulheres, comprovaram a eficácia desta técnica na melhoria das queixas associadas ao nicho uterino (em 79,2% dos casos) e no aumento da ERM.

A via vaginal consiste na entrada no espaço vesicocervical, com excisão do defeito e encerramento, estando associada a um menor tempo operatório e custos reduzidos quando comparada com a via laparoscópica6. Noutro estudo, a melhoria das queixas hemorrágicas foi significativamente superior quando comparada com a via histeroscópica (93,5% vs. 64,5%), apesar do tempo operatório e da perda de sangue ser maior com a via vaginal23.

A decisão de tratamento deve fundamentar-se na existência de sintomas e no projeto reprodutivo da mulher, devendo ser realizado apenas após a exclusão de outras causas de HUA6. Marotta ML e col8 propuseram o seguinte algoritmo: se houver desejo de conceção e a ERM for superior a 3 mm, propõem a monitorização com eco-TV durante a gravidez; se a ERM for inferior a 3 mm, sugerem a reparação laparoscópica, mesmo em mulheres assintomáticas, devido ao risco de rutura uterina; no caso das mulheres que não desejem engravidar mas que se apresentem com sintomas, propõem a istmoplastia por histeroscopia se a ERM for superior a 3 mm e a reparação ou histerectomia por laparoscopia se a ERM for inferior a 3 mm. Almeida A e col1 sugerem que nas mulheres assintomáticas sem desejo de conceção não há indicação para tratamento, sendo a vigilância por eco-TV suficiente; em mulheres sintomáticas, o tratamento de primeira linha deverá ser realizado com estroprogestativos em contínuo durante 6 meses; só em caso de persistência dos sintomas se deverá proceder à avaliação da ERM: se superior a 3mm, a correção poderá ser realizada por histeroscopia, se inferior a 3 mm, recomenda-se a istmoplastia por laparoscopia.

Conclusão

À medida que a taxa de cesariana aumenta a nível mundial, as potenciais complicações associadas às cicatrizes provavelmente adquirirão cada vez maior importância clínica. O reconhecimento do nicho uterino como sequela ginecológica pós-cesariana responsável por HUA, dor pélvica e infertilidade secundária tem sido descrito nos últimos anos. A ecografia transvaginal complementada com a histerossonografia são os exames complementares de diagnóstico de primeira linha, sendo indispensável a avaliação da ERM na definição da estratégia terapêutica. O tratamento inclui métodos hormonais e a cirurgia, sendo que o tratamento cirúrgico parece ser o mais eficaz na resolução dos sintomas. A abordagem cirúrgica compreende a istmoplastia por histeroscopia ou por laparoscopia, baseando-se a decisão na espessura residual do miométrio existente. No entanto, salienta-se a necessidade de estudos prospetivos aleatorizados que permitam a comparação entre os diferentes métodos de diagnóstico e as diferentes vias de abordagem terapêutica para que se obtenham conclusões consensuais, não existindo atualmente guidelines validadas para o diagnóstico e tratamento desta entidade.

 

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Simone Subtil

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Ausentes

 

Recebido em: 07/11/2017

Aceite para publicação: 02/12/2018

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