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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.11 no.4 Coimbra out. 2017

 

ESTUDO ORIGINAL/ORIGINAL STUDY

Interrupção da gestação por opção na Póvoa de Varzim: análise e perspectivas

Voluntary interruption of pregnancy in Póvoa de Varzim: analysis and perspectives

Pedro Marcos-Figueiredo*, Lúcia Casal**, Manuel Morim***, Helena Oliveira****

Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde

*Interno de Formação Específica de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital da Senhora da Oliveira, Guimarães

**Assistente Hospitalar Graduada do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde EPE

***Director de Serviço, Assistente Hospitalar Sénior do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde EPE

****Responsável da Consulta de IGO, Assistente Hospitalar Graduada do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde EPE

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

The history of the interruption of pregnancy merges with the ancients of humanity, rising medical, religious, cultural and philosophical issues for millennia. In Portugal, voluntary interruption of pregnancy (VIP) was approved in Law no. 16/2007, after a second population referendum (first in 1998). The application of the new law was fast and effective. Since its publication, the law is monitored. The last national analysis report was published in 2015.

Ten years after the Law, we proposed to analyze its application in a hospital of 150000 inhabitants in Greater Oporto, also looking for previous contraception, the results and failures of post-abortion visit. It highlighted a very positive scenario, both locally and nationally.

Keywords: Voluntary interruption of pregnancy (VIP); Abortion; Contraception and abortion; Voluntary abortion recurrence; Termination week in VIP.


 

Introdução

A despenalização da interrupção da gestação por opção (IGO), aprovada pela Lei nº 16/2007, trouxe novos desafios aos Serviços de Saúde. Em Portugal, a prática de aborto por opção da mulher é legal até às 10 semanas e 6 dias de gestação. Foram 16039 no país em 2014, numa tendência ligeiramente decrescente após um acréscimo inicial1,2. A sua realização em vários países europeus parece independente do nível económico, origem, situação conjugal ou literacia3. Ainda assim e por múltiplas razões, uma pesquisa sumária da evidência recente nesta temática demonstra um número reduzido de estudos publicados, a maioria dos quais analisando mais a esfera psicológica. Na evidência existente, Portugal apresenta-se com bons resultados: taxa de aborto inferior à média europeia com um desempenho superior em vários níveis2,4-6, disponibilização de aconselhamento contraceptivo bem como auditorias regulares7. O conhecimento desta realidade e dos seus microcosmos torna-se assim numa das chaves para a sua prevenção. Dez anos após a aprovação da Lei citada, estando já bem implementada no território nacional, propusémo-nos analisar as suas características num hospital distrital, num período de doze meses, comparando a sua realidade com a publicada no Estudo Nacional de 20141.

Objectivos

• Caracterizar a coorte de mulheres que recorreram à Consulta de IGO durante um ano no hospital.

• Avaliar a comparência e funcionamento da Consulta de Planeamento Familiar.

• Comparar a realidade da IGO no hospital com o panorama nacional.

Material e métodos

Foi efectuado um estudo retrospectivo, com recurso a consulta de processo clínico e registos em caderno médico confidencial. No total, foram consultados 135 registos, com colheita em 120 de dados demográficos, nomeadamente a idade, paridade, contracepção prévia, idade gestacional da IGO, repetição do procedimento, complicações e a contracepção após o processo. Foi efectuada uma análise dos mesmos com o programa SPSS®, versão 23.0, através da realização de estatísticas descritivas para as variáveis demográficas e análise dos dados recorrendo ao teste de qui-quadrado e se aplicável, o teste exacto de Fisher. Na comparação com a realidade nacional, foram utilizados os intervalos de confiança a 95%.

Resultados

Consultas realizadas

Como se observa na Figura 1, foram observadas 135 mulheres na consulta de IGO, tendo efectuado o procedimento 120. Das restantes, doze desistiram (onze tendo desistido efectivamente e uma interrompido a gestação por idade gestacional superior ao limite nos Estados Unidos da América - EUA) e três corresponderam a gestações não evolutivas; não sendo por conseguinte estes quinze casos analisados posteriormente.

 

 

Contracepção Prévia

Um dos factores que analisámos foi a existência de contracepção prévia, descrito na Figura 2. Mais de 40% das mulheres que recorreram à consulta não utilizavam contracepção e 9,2% admitiam estar num processo de interrupção para mudança de contracepção - o mítico “período de descanso”. Quando presente, a maioria utilizava anticoncepção hormonal combinada oral (ACO) (35,8%) ou preservativo masculino (10,8%). A utilização de outros métodos era residual. A maioria admitia uma utilização incorrecta destes métodos (96,4%).

 

 

Idade

Como representado na Figura 3, as três classes etárias predominantes foram as dos 20-24, 25-29 e 30-34 anos, sendo responsáveis por 60% dos casos. Seguiram-se o grupo dos 35-39 anos, menor de 20 anos e superior ou igual a 40 anos.

 

 

Paridade

Quanto à paridade, como se demonstra na Figura 4, cerca de 40% das mulheres eram nulíparas, 30% tinham um filho e cerca de 20% dois. Com três e mais filhos, registaram-se menos de 10%.

 

 

Semana da interrupção

A análise desta variável (Figura 5) demonstrou que mais de metade das mulheres recorreu ao Serviço entre as semanas 6 e 7, correspondendo as semanas 9 e 10 a menos de 10% do total. Houve apenas um caso de interrupção tardia noutro país (EUA), retirado da análise posterior dos casos, não se identificando interrupções fora do prazo legal português a decorrer noutros países, nomeadamente em Espanha.

 

 

Repetição de procedimento

Como observamos na Figura 6, mais de 70% das mulheres realizavam a IGO pela primeira vez. Ao longo da sua vida, 24 mulheres (20% do total) tinham efectuado outra vez o procedimento e menos de 5% (3 mulheres) tinham duas IGO anteriores, sendo este o número máximo de repetições na população estudada.

 

 

Planeamento Familiar após IGO

Quanto ao método de contracepção proposto, evidenciado na Figura 7, o método preferido foi a anticoncepção oral, com mais de 40% de selecção. A contracepção reversível de longa duração foi a mais frequente seguidamente, sendo a contracepção irreversível a menos escolhida. Verificou-se ainda que a contracepção de longa duração era predominantemente escolhida por mulheres mais velhas (>60% tinham idade superior ou igual a 35 anos) e com maior paridade (>95% tinham pelo menos um filho e mais de metade pelo menos dois).

 

 

Complicações após IGO

Como complicações, houve a registar um abortamento incompleto (perfazendo 0,8% do total dos casos).

Discussão

Em Portugal, para uma população de cerca de 10 milhões de habitantes, registaram-se 16.039 IGO em 20141. Na nossa área de influência de 150.000 habitantes, o número de IGO realizadas foi de 120. Assim sendo, o número de IGO por mulher é de cerca de metade em relação à média nacional.

Devido ao fácil acesso à consulta e às idades gestacionais precoces em que são efectuadas a maioria dos procedimentos, este resultado representará provavelmente um valor real. Embora improvável, poderá ter ocorrido a deslocalização de alguns casos para outros hospitais da área metropolitana do Porto (por exemplo por migrações pendulares). Apesar de não analisado, é pouco plausível que uma eventual escolha de um hospital diferente da área de residência para garantir anonimato influencie os resultados, porque ainda que exista, será contrabalançada pelos vários casos de fora da área de influência do nosso hospital que aqui acorrem (de concelhos vizinhos mais populosos).

Como se observa na Figura 2, um dos factores que analisámos, não publicado no Estudo Nacional, foi a existência de contracepção prévia. A contracepção prévia era inexistente em mais de 40% das mulheres (chegando a metade englobando as que tinham suspenso o último método), sendo quando presente a mais utilizada a contracepção hormonal oral (36%). Tornam-se assim necessárias renovadas e ainda mais eficazes abordagens educacionais e de proximidade, de forma à contracepção ser efectivamente não só adoptada como perpetuada.

A idade média e mediana do procedimento foi de 28 anos. Como observamos na Figura 3 relativamente a esta variável, tal como a nível nacional, as três classes predominantes foram dos 20-24, 25-29 e 30-34 anos, completando 60% dos casos. Os valores nas duas distribuições foram idênticos.

A paridade média foi de um filho, sendo maior nos grupos etários mais elevados. Cerca de 40% das mulheres eram nulíparas e 30 % tinham um filho, valores muito semelhantes à média nacional face a anos anteriores, como se visualiza na Figura 4. Simultaneamente, a paridade de dois numa IGO rondou os 22% nos dois grupos e a de três filhos foi idêntica - 7,5% no CHPVVC e 5,7% na média nacional. Só se registaram diferenças face a uma paridade igual ou superior a 4 filhos (1,9% no país e 0% localmente). Tal não é sugestivo de uma diferença real nas duas distribuições face à baixa percentagem da classe em questão e à casuística do hospital ser de 120 interrupções.

A idade gestacional média da interrupção foi de 7 semanas de gestação (Figura 5). Esta variável, não publicada no estudo de âmbito nacional, permite inferir à escala local a inexistência de um pico de afluência em idades gestacionais no limite do legal. Mais de metade das mulheres recorreu ao Serviço entre as semanas 6 e 7, correspondendo as semanas 9 e 10 a menos de 10% do total. Esta precocidade de procura também denota um bom funcionamento do Serviço de Saúde e da articulação com a área de influência.

A repetição do procedimento ocorreu em 20% das mulheres (uma vez) e 2,5% (duas vezes). Analisando esta variável, detalhada na Figura 6, a sua estruturação foi idêntica na maioria das mulheres (primeira IGO em mais de 70% dos casos na instituição e nacionalmente; uma IGO prévia em 20% no hospital e 21,9% nacionalmente; duas IGO em 2,5% localmente vs. 5,1% na média nacional). Houve diferenças quando há histórico de três ou mais procedimentos, não se tendo verificado casos na nossa realidade. Não será provável uma maior subnotificação da doente na anamnese do que noutros centros, devendo essa ausência ser apenas aleatória face à diminuta percentagem dessa categoria (nesta casuística face à média nacional, corresponderia a apenas um caso).

Na contracepção pós procedimento, esquematizada na Figura 7, a contracepção de longa duração foi menos escolhida que a oral, tendo esta sido mais utilizada por mulheres mais velhas e com maior paridade. Quanto ao método proposto, apesar da ordem de escolha de métodos contraceptivos ser semelhante (com a excepção do anel vaginal) no CHPVVC face ao país, os números variaram. O método preferido foi a anticoncepção oral (mais de metade dos casos no hospital face a 45% na média nacional), seguida do anel vaginal no hospital (com 13,4% - maior expressão local, método listado na categoria “Outros”, não englobando o anel isoladamente, com 7% do total nacional). Em terceiro lugar surge o dispositivo intra-uterino (13,4% na instituição; 19,1% no país) e em quarto o implante subcutâneo (mais utilizado no resto do país - 10,3% local vs. 20,4% nacional). Em sentido contrário, e em número absoluto mais reduzido, registaram-se 7,2% de laqueações no hospital e 2,3% no total do país. Finalmente assinalou-se nesta casuística, num caso a preferência por contracepção com preservativo e uma vasectomia, classificadas em «Outros» no estudo global nacional e que ainda assim dificilmente seriam comparáveis pela sua reduzida expressão.

Na consulta de revisão pós abortamento, são sempre explicadas e discutidas várias hipóteses contraceptivas, realizando-se simultaneamente aconselhamento. As estratégias para este versam, para além do fornecimento de informação isenta e actualizada, a utilização de folhetos informativos, esquemas de anátomo-fisiologia humana e quando aplicável, desenhos. A escolha do método mais adequado tem assim em atenção as características biopsicossociais e a preferência de cada mulher. No âmbito desta consulta e nessa visita, está contemplada a inserção de implantes subcutâneos ou dispositivos intra-uterinos.

Não se encontram disponíveis no estudo nacional as ausências à consulta de revisão pós abortamento, mencionando-se apenas que 95,4% das mulheres que realizaram IGO escolhem posteriormente um método de contracepção. Na realidade do Serviço, a falta a esta consulta foi considerável, atingindo quase uma em cada cinco mulheres (19,2%), tendo as presentes todas escolhido um método de contracepção. É uma realidade preocupante, difícil de analisar a sua causalidade, provavelmente multifactorial. A melhoria de estratégias em rede, com as Unidades de Saúde Familiar, mantendo o respeito pela confidencialidade e simultaneamente promovendo uma maior consciencialização e implicação individual na importância do planeamento familiar terão de ser fomentadas.

Relativamente às complicações, foi registado um abortamento incompleto (correspondente a uma taxa de 0,8%) na Consulta de Revisão, solucionado apenas com a repetição do método medicamentoso em internamento, tendo sido programada a alta (à semelhança das consultas de revisão em que se verificou sucesso do procedimento) após aconselhamento e adopção de um método contraceptivo.

Conclusão

Apesar de ser um tema controverso, a IGO é uma realidade passível de consensos. A nossa realidade, semelhante ao panorama nacional, poderá ainda ser melhorada. Deverão ser implementadas medidas mais eficazes e em rede, para a evicção de faltas a consultas subsequentes, diminuição do número de recorrências e maior educação em planeamento familiar das doentes. Assim, será obtida uma gestão mais eficaz e individualizada da fertilidade, idealmente envolvendo o elemento masculino, que torne a IGO progressivamente residual.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2 Neves, J. Interrupção Voluntária da Gravidez. Contraceção no Pós-Aborto e no Pós-Parto. In: Contraceção (1ª edição), Lidel; 2013, 209-222.         [ Links ]

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Pedro Figueiredo

Hospital Senhora da Oliveira

Guimarães, Portugal

E-mail: pedrofigueiredoficial@gmail.com

 

Recebido em: 14/2/2017

Aceite para publicação: 18/06/2017

 

Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.

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