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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.11 no.2 Coimbra jun. 2017

 

ARTIGO DE OPINIÃO/OPINION ARTICLE

A classificação de Robson. Apenas uma forma de classificar cesarianas?

The ten group classification system (Robson Classification).  Just a cesarean classification?

Nuno Clode

Serviço de Obstetricia. Hospital de Santa Maria. Centro Hospitalar de Lisboa Norte

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

The Robson Ten-Group Classification System has been viewed by the majority of the clinicians as way of classifying cesarean section according to maternal characteristics. Recent WHO and FIGO statements suggest that Robson classification should be used by all healthcare facilities where deliveries occur to collect and analyze perinatal data.

Keywords: Cesarean section; Robson Ten-Group Classification System.


 

Há alguns atrás, a propósito da taxa crescente de cesarianas, ouvi um dos responsáveis da Saúde em Portugal falar sobre a dificuldade em se comparar os resultados das cesarianas entre os diversos Serviços de Obstetrícia do país pelas imprecisões dos registos e pelas dificuldades em classificar as cesarianas, o que exemplificava mostrando um slide com imensas cores - intraduzível para a audiência e para o próprio.

O número excessivo de cesarianas realizado por esse mundo fora levou a que as Sociedades Médicas e Organizações Internacionais se debruçassem sobre o problema. Em 1985, a OMS apontou ser de 10 a 15% a taxa de cesarianas razoável/desejável e reforçou esta meta em 20151. Para muitos, este valor é considerado como irreal porque pode não refletir realidades de um determinado país, nem mesmo realidades locais. De facto, uma taxa (qualquer taxa!) é apenas um número que, não enquadrado na realidade de onde provém, nada significa nem é entendível, não permitindo sequer comparar resultados entre instituições. Daí, e no que concerne às cesarianas, a necessidade de classificar este tipo de cirurgias.

Classificar cesarianas é algo que sempre foi feito. Todos nós o fizemos como internos - a forma como estão classificadas as cesarianas é sempre um tema muito apetecível de discussão curricular - e, como especialistas,  é uma maneira de mostrar o que fazemos e de nos compararmos. O mais habitual é classificarmos a cesariana pelo motivo pela qual a realizamos - uma paragem de dilatação, um traçado não tranquilizador, um feto em apresentação pélvica... Mas, esta forma de classificar  além de ser subjectiva, pois há indicações postas cujas definições são imprecisas - o que é uma incompatibilidade feto pélvica? - , não é exclusiva - como classificar uma gravidez múltipla em que haja evidência de estado não tranquilizador num dos fetos? No grupo «gravidez múltipla» ou no «estado fetal não tranquilizador»? -  nem totalmente inclusiva - haverá sempre novas indicações para cesarianas… Podemos classificar a cesariana quanto à urgência do procedimento, ou ao momento da sua realização; catalogar uma cesariana quanto a estes itens é fácil, pois são compreensíveis, mas a informação que fornecem é escassa e tem de ser complementada por uma outra qualquer classificação. A quarta forma de classificar é baseada nas características da gravidez; e é nesta forma de classificação que se encaixa a de Robson. Em Portugal, desde 2015 que a DGS obriga que os hospitais do SNS reportem anualmente as cesarianas realizadas de acordo com estas quatro formas de classificar (urgência, momento da decisão, motivo da decisão e características da grávida) sendo que, no que respeita às indicações, na presença de dois ou mais motivos caberá ao médico decidir qual o motivo com maior peso na decisão.

Numa tentativa de concluir sobre as formas de classificar as cesarianas, a OMS patrocinou em 2011 uma revisão sistemática que tinha por objectivo identificar as diversas formas de classificação e apurar qual a que melhor cumpria os critérios estabelecidos por um painel de especialistas da organização2.  Concluiu-se que a forma de classificar que melhor cumpria os requisitos seria a baseada nas características da gravidez e, em particular, a classificação de Robson. Três anos depois, a mesma organização, reviu o que os utilizadores da classificação de Robson publicaram sobre o tema por esse mundo fora, tentando identificar vantagens e inconvenientes e como melhorar3. Simplicidade de conceitos, facilidade de interpretação e compreensão dos objectivos foram aspectos que contribuíram para a rápida adesão à classificação de Robson; no entanto, a maioria dos utilizadores pensava que seria útil uma subdivisão de alguns grupos propostos.

O sistema desenvolvido por Robson utiliza quatro critérios nos quais qualquer grávida  se encaixa - antecedentes obstétricos (nulípara ou multípara com ou sem cesariana anterior), o tipo da gestação (feto único cefálico ou pélvico ou transverso, gravidez múltipla), a forma como se desencadeia o parto (espontâneo, induzido ou cesariana electiva) e a idade gestacional em que o parto ocorre (antes ou a partir da 37ª semana). Todos estes critérios são simples e facilmente adquiridos por médicos ou enfermeiros , mutuamente exclusivos e totalmente inclusivos, clinicamente relevantes (sendo que é esta a informação que transmitimos quando passamos um caso), universais (os critérios aplicam-se em qualquer parto do Mundo) e não dependem de avaliações complexas. E com base nestes critérios criaram-se 10 grupos (Quadro I). Estes grupos poderão depois ser sub-divididos, havendo já sociedades médicas, como o colégio canadiano de Obstetrícia e Ginecologia, que dividem o grupo 2 e 4  consoante o parto tenha sido induzido ou tenha sido realizada uma cesariana electiva.

 

 

Em 2015, a OMS1 , com o apoio dado no ano seguinte pela FIGO4 , propõe  que, independentemente do seu grau de complexidade, todas as instituições onde ocorram partos devem classificar as grávidas de acordo com a classificação de Robson e que os resultados das variáveis analisadas (ie: cesarianas) sejam disponíveis ao publico.   A FIGO sugere mesmo que todos os eventos e desfechos maternos e neonatais seja analisados de acordo com a classificação de Robson. Ou seja, que toda a mulher que entre em trabalho de parto seja incluída num grupo de Robson e que, no intraparto, todo o evento (acto, acção) que ocorra e todo o desfecho (materno ou perinatal) que suceda sejam analisados de acordo com a classificação.

Este processo de classificar de acordo com os critérios de Robson tem aplicações práticas muito óbvias. O primeiro é o de ficarmos a conhecer o peso que cada grupo tem na população que assistimos. Muito provavelmente constataremos que os grupos que nos dão mais trabalho e que mais nos preocupam  - gestações múltiplas, pré-termo - são os mais pequenos e, no que concerne a cesarianas, aqueles que menos peso tem na taxa da intervenção.  E, ainda no que respeita às cesarianas, ao registarmos que o grupo 2 (nulíparas induzidas ou com cesariana programada) é um dos que tem maior peso na taxa global, provavelmente sentiremos uma maior urgência em ser mais criteriosos nas indicações das induções de parto neste grupo e na forma como as realizamos. E, continuando no tema cesarianas, poderemos facilmente comparar-nos com outros centros com características similares quanto aos grupos existentes. E quem diz cesarianas, diz parto instrumentado, lacerações do períneo, episiotomia, distocia de ombros, encefalopatia hipoxico-isquemica, traçados cardiotocográficos não tranquilizadores, etc…

Claro que tudo isto só é possível com um registo adequado e detalhados, não só dos eventos e dos desfechos maternos e perinatais, mas também das características epidemiológicas da população.  Sem bases de dados clinicas, estruturadas, standardizadas, prospetivas, é impossível analisar os desfechos e são os desfechos que determinam a segurança e a qualidade de cada instituição. Cabe às administrações hospitalares implementarem estas bases de dados e aos responsáveis por cada Serviço de Obstetrícia baterem-se - diria mesmo: exigir - para que seja possível a aquisição rotineira dos dados de cada parturiente.

Assim, a resposta à pergunta feita no titulo é: não. Aliás, o próprio autor da classificação não se cansa de repetir que não é apenas mais uma maneira de classificar as cesarianas, mas uma forma diferente de pensar, de auditar, as acções (os eventos) e os desfechos em Obstetrícia. E, se atentarmos para o que é proposto quer pelo FIGO quer pela OMS, é uma classificação de toda a grávida/parturiente consoante os grupos de Robson que é sugerida. A sua utilização por um Serviço permite analisar na instituição, de forma mais detalhada, os parâmetros de qualidade estabelecidos; e o seu uso generalizado vai permitir comparar não só instituições como regiões. E, caso a população assistida se reveja,  se consiga classificar, nos grupos de Robson provavelmente poderá escolher,  de forma mais esclarecida, o Serviço em que ocorrerá o parto - ou porque apresenta os melhores resultados  para o grupo em que se insere ou porque tenha procedimentos que mais se adequem aos seus interesses.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. WHO. WHO statement on cesarean section rates. 2015        [ Links ]

2. Torloni MR, Betran AP, Souza JP, Widmer M, Allen T, Gulmezoglu M, Merialdi M. Classifications for cesarean section: a systematic review. PLoS ONE. 2011;6(1):e14566.         [ Links ]

3. Betran AP, Vindevoghel N, Souza JP, Gulmezoglu AM, Torloni MR. A Systematic Review of the Robson Classification for Caesarean Section: What Works, Doesn’t Work and How to Improve It. PLoS One. 2014;9(6):e97769.         [ Links ]

4. FIGO Working Group on Challenges in Care of Mothers and Infants during Labour and Delivery. Best practice advice on the 10-Group Classification System for cesarean deliveries. Int J Gynecol Obstet 2016 Nov;135(2):232-233.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Nuno Clode

Centro Hospitalar de Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria)

Lisboa, Portugal

E-mail: nclode@netcabo.pt

 

Recebido em: 07/05/2017

Aceite para publicação: 10/05/2017

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