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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.10 no.4 Coimbra dic. 2016

 

EDITORIAL

Autophagy in obstetrics and gynecology

A autofagia em obstetrícia e ginecologia

José Alberto Fonseca Moutinho*

*Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal


 

O prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2016 foi atribuído ao investigador Yoshinori Ohsumi, do Instituto de Tecnologia de Tóquio, no Japão, pelos trabalhos que levaram ao esclarecimento dos genes e dos mecanismos moleculares associados à autofagia, conceito já introduzido em 1963 por Christian de Duve (prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1974). A atribuição deste prémio surpreendeu a comunidade científica internacional e o próprio investigador, no entanto fomentou a visibilidade de uma investigação, que se afigura vir a ter grande impacto futuro na prática médica. 

De uma forma simplista e concisa, podemos explicitar o conceito de autofagia da seguinte forma: Em consequência do stress celular (hipoxemia, acidificação/alcalinização, restrição energética, etc.) é induzido «desgaste» reparativo das organelas da célula. Em consequência disso, é então ativada a autofagia que consiste no processo, regulado geneticamente, pelo qual as células se tentam «salvar a si próprias» através da reciclagem das organelas danificadas, que são então convertidas em elementos plásticos reutilizáveis na produção de energia ou de novas organelas. Se o dano celular for muito acentuado, o processo autofágico conduz à morte da célula (morte celular tipo II) por um mecanismo diferente da apoptose (morte celular tipo 1).

Em resposta às agressões agudas e transitórias, a autofagia é um processo de sobrevivência celular que beneficia o organismo. Permite a recuperação celular e elimina as células sem viabilidade biológica. Em situações de cronicidade de stress celular, a persistência ou desregulação da autofagia constitui fator patogénico de muitas doenças degenerativas, infecciosas e oncológicas.

Há fortes indícios que a autofagia nas células placentares diminui ao longo da gravidez, contribuindo para o progressivo «envelhecimento» da placenta, necessário para o normal desencadeamento do trabalho de parto1. Foi demonstrado o aumento da autofagia em células do trofoblasto em casos de abortamento espontâneo2 e em doenças que afectam o funcionamento placentar, tais como a Diabetes Mellitus3 ou as doenças hipertensivas da gravidez, com ou sem restrição do crescimento fetal4, sugerindo, naquelas doenças, uma sobrevivência acrescida de células trofoblásticas e placentares patológicas. Também o incremento da atividade autofágica parece estar relacionada com a involução uterina pós-parto5, com consequente preservação das células miometriais «danificadas» durante o trabalho de parto.

A inibição da autofagia tem sido descrita em células infectadas por Chlamydia Trachomatis, Listeria Monocytogenes, Herpesvirus, Vírus da imunodeficiência humana e Papilomavirus Humano6, o que se crê facilitar a capacidade infecciosa daqueles microorganismos. Em mulheres com Tricominiase ou Candidose vulvo-vaginal têm sido encontradas alterações da autofagia em macrófagos do exsudado vaginal7. Na Endometriose a indução da autofagia tem sido apontada como uma fator relevante para a persistência das lesões8, o mesmo acontecendo na leiomiomatose uterina8. A agressividade do cancro do colo do útero, do adenocarcinoma do endométrio e do cancro do ovário tem sido relacionada com a intensidade do processo autofágico detectado nas células tumorais9. Também na resistência a quimioterapia, a autofagia induzida nas células oncológicas, parece ter papel determinante9.

A investigação farmacológica dirigida à manipulação da autofagia, quer no sentido da sua indução, ou da sua inibição é uma realidade crescente. Novos compostos com capacidade de influenciar os mecanismos autofágicos têm sido desenvolvidos e capacidade inibidora da autofagia tem sido descoberta em fármacos já utilizados para outros fins, tais como os derivados da hidroxicloroquina.

É previsível que num futuro próximo, sejamos confrontados com novas armas terapêuticas modeladoras da autofagia, dirigidas a doenças do foro da Ginecologia e da Obstetrícia.

Ficamos na expectativa!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hung TH, Hsieh TT, Chen SF, Li MJ, Yeh YL. Autophagy in the human placenta throughout gestation. PLoS One. 8: e83475, 2013

2. Avagliano L; Terraneo L; Virgili E, Martinelli C, Doli P, Simaja M, Bulfamante GP, Marconi AM: Autophagy in Normal and Abnormal Early Human Pregnancies. Reprod. Sci. 22 (7): 838-844, 2015

3. Mei-yao He, Guang Wang, Sha-sha Han, Ya Jin, He Li, Xia Wu, Zheng-lai Ma, Xin cheng, Xiuwen Tang, Xuesong Yang, Guo-sheng Liu: Nrf2 signalling and autophagy are involved in diabetes mellitus-induced defects in the development of mouse placenta. Open Biology: 6 (7), 2016

4. Akaishi R; Yamada T; Nakabayshi K; Nishihara H; Furuta I; Kojima T; Morikawa M; Yamada T; Fujita N; Minakami: Autophagy in the placenta of women with hypertensive disorders in pregnancy. Placenta: 35; 974-980, 2014

5. Hsu KF; Pan HA; Hsu YY; Wu CM; Chung WJ; Huang SC: Enhanced myometrial autophagy in postpartum uterine involution. Taiwan J Obstet Gynecol: 53(3); 293-302, 2014

6. Jayaram A; Orfanelli T; Doulaveris G; Linhares IM; Ledger WJ; Witkin SS: Autophagy and female genital tract infections: new insights and research directions. BJOG: 121; 801-808, 2014

7. Allavena G; Carrarelli P; Del Bello B; Luisi S; Petraglia F; Maellaro: Autophagy is upregulated in ovarian endometriosis: a possible interplay with p53 and heme oxygenase-1. Fertil Steril: 103(5):1244-5, 2015

8. Castro L; Gao X; Moore AB; Yu L; Di X; Kissling GE; Dixon D: A High Concentration of Genistein Induces Cell Death in Human Uterine Leiomyoma Cells by Autophagy. Expert Opin Environ Biol. Author manuscript; available in PMC 2016 August 08         [ Links ]

9. Orfanelli T; Jeong JM; Doulaveris G; Holcomb K; Witkin SS: Involvement of Autophagy in Cervical, Endometrial and Ovarian Cancer. Int. J. Cancer: 135, 519-528, 2014