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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.10 no.2 Coimbra jun. 2016

 

CASO CLÍNICO/CASE REPORT

Mastopatia diabética - quando equacionar este diagnóstico?

Diabetic mastopathy - when to consider this diagnosis?

Filipa Reis*, Patrícia Silva*, Pedro Gouveia**, Ana Capelinha***, Rita Freitas****

Hospital Central do Funchal, SESARAM,EPE

*Interna de Formação Específica de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Central do Funchal, SESARAM,EPE

**Interno de Formação Específica de Endocrinologia, Hospital Central do Funchal, SESARAM,EPE

***Assistente Hospitalar Graduada de Anatomia Patológica, Hospital Central do Funchal, SESARAM,EPE

****Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Central do Funchal, SESARAM,EPE

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Abstract: Diabetic mastopathy is a rare complication of diabetes mellitus that usually occurs in premenopausal women and represents less than 1% of benign breast lesions. This entity may mimic a malignant lesion; appropriate clinical research enables the clinician to reassure the patient and avoid unnecessary interventions. Its diagnosis is histological and core biopsy is the gold standard. The authors present two cases of diabetic mastopathy.

Keywords: Breast mass; Mastopathy; Diabetic mastopathy; Diabetes mellitus; Lymphocytic mastitis.


 

Introdução

A mastopatia diabética (MD), mastite linfocítica ou mastopatia linfocítica, é uma complicação pouco estudada da diabetes mellitus (DM) descrita por Soler e Khardori em 19841-3.

Corresponde a menos de 1% das lesões benignas da mama e afeta tipicamente mulheres pré-menopáusicas com DM tipo 1 de longa duração e mau controlo glicémico. Menos frequentemente foram relatados casos em mulheres com DM tipo 2, com patologia tiroideia e raros casos em homens com DM3-7. Por altura do seu diagnóstico, entre 75 a 80% dos pacientes apresenta já outras complicações microvasculares relacionadas com a DM3,5.

A MD pode mimetizar uma lesão neoplásica, sendo típico o aparecimento de uma massa palpável, de contornos irregulares, consistência dura, móvel, não dolorosa, única ou múltipla, uni ou bilateral. O espessamento da pele é igualmente frequente2-4,8. As lesões tendem a ter localização sub-areolar e são bilaterais em 20—60% dos casos5.

Relativamente ao diagnóstico, a ecografia mamária é um exame complementar de grande utilidade num paciente com suspeita de MD. É típica a presença de uma marcada sombra acústica, associada a massa heterogénea hipoecogénica e mal definida, habitualmente sem vascularização no Doppler color7,8. Na mamografia, é habitual a presença difusa ou focal de tecido glandular denso, sem distorções ou microcalcificações4,6. Na ressonância magnética (RM), pode estar presente um ganho de sinal não específico ao nível do estroma sem evidência de qualquer massa5 .

O diagnóstico definitivo é histológico2-9. A punção aspirativa com agulha fina (PAAF) é habitualmente não diagnóstica devido à extensa fibrose do parênquima e escassez de material celular8. A microbiópsia é o exame diagnóstico de primeira linha na MD dada a sua maior rentabilidade face à PAAF e menor morbilidade e custo face à biópsia excisional (BE)3-5 . Esta última deve evitar—se dada a tendência para recorrência em 60% dos casos4,6,7.

O diagnóstico diferencial é feito com o carcinoma inflamatório e carcinoma lobular invasivo10. Outras entidades que podem também confundir-se com a MD são a doença fibroquística, a mastite granulomatosa ou o linfoma11,12.

Histologicamente, a MD carateriza-se por ductite linfocítica, lobulite com graus variados de fibrose queloidal, vasculite, fibroblastos epitelioídes e formação de nódulos linfoídes3,4. O tecido adiposo e o material celular estão ausentes ou presentes em pequena quantidade6.

Os autores apresentam dois casos de MD.

Casos clínicos

Caso 1

Mulher caucasiana, de 29 anos, com antecedentes patológicos de DM tipo 1 desde os 13 anos, hipertensão arterial e antecedentes cirúrgicos de amputação de dedos da mão direita por necrose. De salientar múltiplos internamentos por descompensação metabólica.

Referenciada à consulta de Patologia Mamária (PM) por aparecimento de retração do complexo areolo-mamilar à esquerda com alguns meses de evolução. Ao exame objetivo apresentava mamas de consistência pétrea, indolores, não aderentes aos planos profundos, sem nódulos ou adenopatias palpáveis. A mama esquerda apresentava deformação do contorno e retração do complexo areolo-mamilar (Figura 1).

 

 

A mamografia e ecografia evidenciaram acentuado componente adenósico bilateral, sem individualização de nódulos e presença de componente pseudo-nodular bilateral (Classificação Breast Image Reporting and Data System (BI-RADS) 4 - lesão suspeita necessitando investigação adicional).

Foi efetuada microbiópsia da mama esquerda, cujo estudo histológico revelou presença de fibrose extensa e atrofia ductal (Figura 2).

 

 

A RM posteriormente realizada, identificou padrão mamário muito denso, com componente fibrótico grosseiro e alterações concordantes com MD (BI-RADS 2 - achados benignos) (Figura 3).

 

 

Na consulta de decisão terapêutica (CDT) da Unidade de Patologia Mamária (UPM), foi proposto seguimento imagiológico com RM. A doente desenvolveu nefropatia e retinopatia, respetivamente um e dois anos após o diagnóstico de MD. Após dois anos de seguimento, abandonou a consulta de PM. Atualmente, com 36 anos, encontra-se em programa de hemodiálise, a aguardar transplante renal.

Caso 2

Mulher caucasiana, de 34 anos, com antecedentes patológicos de DM tipo 1 desde os 15 anos e vários internamentos por descompensação metabólica.

Encaminhada à consulta de PM por nódulo mamário. Ao exame objetivo apresentava nódulo justa-mamilar, palpável ao nível do quadrante súpero-externo da mama direita com aproximadamente três centímetros, sem adenopatias palpáveis.

A ecografia evidenciou presença de formação hipoecogénica de dois centímetros, com contornos irregulares (BI-RADS 4 A - lesão com baixo grau de suspeição necessitando intervenção).

Procedeu-se a microbiópsia cujo resultado foi inconclusivo (tecido mamário com fibrose do estroma). Foi proposta BE. O exame anátomo-patológico demonstrou tecido mamário com estroma colagenoso, caraterísticas de tipo queloide, atrofia lobular e presença de infiltrado inflamatório de predomínio linfocitário em localização periductal e lobular. Estes aspectos foram compatíveis com o diagnóstico de MD.

Em CDT da UPM foi decido seguimento imagiológico com RM. Atualmente, um ano após a cirurgia, a doente mantém vigilância em consulta de PM.

Discussão

Estamos perante dois casos distintos desta entidade relativamente desconhecida. Denominadores comuns a ambos são a idade das doentes por altura do diagnóstico, bem como a presença de DM tipo 1 com mais de 10 anos de evolução e períodos de descontrolo metabólico. Contrariamente ao que está descrito na literatura3,5,9, nos casos apresentados, a MD surgiu antes das complicações microvasculares.

A etiopatogenia da MD ainda não é clara3-5,9 . A hipótese mais aceite sugere que esta se desencadeie a partir de um processo inflamatório proliferativo crónico que condiciona uma deposição aumentada de colagénio, potenciação da ligação cruzada do colagénio, expansão da matriz extracelular e compromisso da senescência celular. Vários estímulos inflamatórios foram propostos3-5.

A história clínica e os exames auxiliares, estabelecem o diagnóstico na maioria dos casos3,6. No caso 2 não foi possível dispensar a BE, pela necessidade de esclarecer inequivocamente o diagnóstico.

Dada a escassez de casos reportados não existem atualmente recomendações concretas para seguimento destes doentes. O seguimento anual com ecografia ou RM, e eventualmente a realização de uma microbiópsia, podem ser úteis na identificação da progressão da MD e detecção precoce de outras anomalias6,8.

Não parece haver relação entre a duração e gravidade da DM e a extensão da lesão mamária. Uma vez estabelecida a lesão, o seu tamanho não parece ser influenciado pelos níveis de glicemia6.

Até à data, não existem casos descritos de transformação maligna destas lesões, embora um caso de regressão já tenha sido relatado; os pacientes devem ser informados6,9,12.

Pretende-se com este artigo ressalvar a importância do conhecimento desta entidade, de modo a evitar intervenções desnecessárias, salientando que a exclusão de malignidade é a premissa indispensável.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Honda M, Yasumichi M, Nishi T, Mizuguchi K, Ishibashi M. Diabetic Mastopathy of Bilateral Breasts in an Elderly Japanese Woman with Type 2 Diabetes: A Case Report and a Review of the Literature in Japan. Inter Med. 2007;46:1573-1576.         [ Links ]

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Filipa Reis

E-mail: reis.fis@gmail.com

 

Recebido em: 13-10-2015

Aceite para publicação: 23-04-2016