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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.10 no.1 Coimbra mar. 2016

 

CASO CLÍNICO/CASE REPORT

Pregnancy in Marfan Syndrome - two case reports

Gravidez na Síndrome de Marfan - dois casos clínicos

Patrícia Isidro Amaral*, Ana Campos**, Lino Patrício***

*Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Dr. Alfredo da Costa - CHLC

**Assistente Graduada Sénior de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Dr. Alfredo da Costa - CHLC

***Assistente Graduado de Cardiologia do Hospital de Santa Marta - CHLC

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Marfan syndrome is a connective tissue disorder, autosomal dominant, which affects multiple organ systems, namely the cardiovascular, ocular and skeletal. Morbidity and mortality result primarily from aortic and cardiac complications including dilatation, dissection and rupture of the aorta. As a result, pregnancy in women with the Marfan syndrome has an increased risk. Main causes of complications are related with hemodynamic and hormonal modifications caused by pregnancy.

The approach to pregnancy in patients with this syndrome is challenging and deserves special care. A multidisciplinary surveillance plan should be developed with support from cardiology, maternal fetal medicine, anesthesiology, genetics and pediatrics.

Keywords: Marfan Syndrome; Pregnancy; Aortic dilatation.


 

Introdução

A Síndrome de Marfan é uma doença hereditária autossómica dominante, rara, tendo uma prevalência de 2-3/10 000, com igual distribuição em ambos os sexos. É uma doença do tecido conjuntivo, de envolvimento multissistémico, mas que afeta principalmente o aparelho cardiovascular, músculo-esquelético e ocular, constituindo a dilatação da aorta, disseção e rotura as principais causas de morbilidade e mortalidade1-3.

Um dos fatores mais importantes para determinar o risco de disseção da aorta é o seu diâmetro máximo, pelo que a dilatação inferior a 40 mm apresenta um risco relativamente baixo de disseção e rotura da aorta (1-4%)4. Este risco aumenta proporcionalmente com o aumento das suas dimensões: 41 a 44 mm - risco estimado de 10%; diâmetros superiores a 45 mm - risco superior a 25%5,6.

Durante a gravidez ocorrem alterações cardiovasculares maternas importantes, nomeadamente o aumento do débito cardíaco condicionado pelo aumento do volume sanguíneo e da frequência cardíaca7. As modificações hormonais contribuem também para alterações histológicas na artéria aorta8.

Deste modo, é de esperar que a gravidez aumente o risco de disseção da aorta nestas mulheres, variando o risco com o grau de dilatação desta artéria9.

A abordagem na gravidez deve passar pela avaliação do risco materno e fetal. No que diz respeito ao risco materno, as questões essenciais de orientação, referem-se aos limites de diâmetro da artéria aorta considerados seguros para se poder considerar possível encarar uma gravidez. As linhas de orientação Canadianas recomendam que mulheres com um diâmetro da artéria aorta superior a 44 mm devem ser desencorajadas de engravidar enquanto na Europa os limites são reduzidos a 40mm10,11. Relativamente ao risco fetal, este prende-se principalmente com o fato desta ser uma doença autossómica dominante, havendo assim um risco de transmissão de 50%.

Casos clínicos

Caso 1

Mulher de 27 anos, com diagnóstico de Síndrome de Marfan na infância confirmado por estudo genético, vigiada na consulta de Cardiopatia Congénita do Hospital de Santa Marta. Do ponto de vista cardiovascular, o ecocardiograma realizado previamente à gravidez, mostrava uma dilatação da aorta de 41 mm e prolapso da válvula mitral com regurgitação moderada a grave. Adicionalmente apresentava cifoescoliose.

Por opção materna não foi realizada consulta pré-concecional, tendo sido avaliada pela cardiologia pela primeira vez na gravidez às 6 semanas. Iniciou nessa data medicação com betabloqueante, como profilaxia do risco de complicações cardíacas - Quadro I. Nesta altura, a grávida foi informada do prognóstico materno-fetal, nomeadamente do risco elevado de transmissão genética e de prematuridade fetal. Apesar desta informação, decidiu prosseguir a gravidez, tendo sido proposta vigilância conjunta entre a cardiologia e a obstetrícia. Foi abordada a possibilidade de diagnóstico pré-natal invasivo, que recusou. A grávida apresentava sintomatologia de cansaço para médios esforços desde as 23 semanas. Perante o quadro clínico foi aconselhada a cessar a sua atividade profissional.

 

 

Foi realizado ecocardiograma materno às 24 semanas, verificando-se uma dilatação da aorta de 41 mm.

Do ponto de vista fetal, foi realizada ecografia morfológica com ecocardiograma fetal às 21 semanas - Quadro II. O ecocardiograma fetal foi normal, com indicação para reavaliação no pós-parto. Repetiu ecografia às 25 semanas e às 32 semanas - Quadro II. A vigilância materna revelou os parâmetros analíticos do segundo e terceiro trimestre normais. Clinicamente a grávida apresentava agravamento do cansaço. O aumento ponderal na gravidez foi de 12 Kg.

 

 

A decisão da altura do parto e da via de parto foram discutidas em equipa multidisciplinar (obstetrícia, cardiologia, anestesia e neonatologia), estando indicada a cesariana como via de parto nestes casos, pelo elevado risco de disseção da aorta6.

Decidiu-se realização de corticoterapia pré-natal e programação do parto para as 34 semanas por agravamento do cansaço materno.

Recém-nascido (RN) do sexo masculino, com 2.640g e IA 8/9. O exame do RN diagnosticou uma fenda palatina posterior. Foi transferido para a unidade de cuidados intermédios por prematuridade, não se tendo verificado intercorrências, com alta ao 15º dia. O internamento da mãe no pós-parto decorreu sem intercorrências. A puérpera manteve a terapêutica com betabloqueante. Na consulta de revisão pós-parto foram apresentadas as várias alternativas contracetivas possíveis, tendo optado pelo progestativo oral.

Caso 2

Doente de 31 anos, com antecedentes familiares de mãe e tia com síndrome de Marfan falecidas aos 51 anos por patologia cardíaca não especificada. Diagnóstico de síndrome de Marfan na gravidez, confirmado por estudo genético e ecocardiograma, manifestando-se até à data por dilatação da aorta, ectopia congénita isolada do cristalino e miopia grave.

Gravidez não planeada, vigiada na Horta, com referenciação à Consulta de Genética Médica às 16 semanas. Foi realizado ecocardiograma materno às 17 semanas, com diagnóstico de dilatação da raiz da aorta de 45 mm, tendo sido encaminhada para a consulta de Cardiologia da nossa instituição e iniciado medicação com betabloqueante - Quadro I. Foi solicitada uma Ressonância Magnética (RM) para melhor visualização da aorta, que a grávida não conseguiu efetuar por motivos de claustrofobia. A grávida foi elucidada acerca do prognóstico materno relacionado com o risco de disseção da aorta, e do risco fetal, nomeadamente de transmissão genética, tendo sido oferecida possibilidade de realização de técnica invasiva de diagnóstico pré-natal, amniocentese, mas que a grávida recusou.

Realizou, às 20 semanas, a ecografia morfológica fetal com estudo de ecocardiograma fetal complementar, aparentemente bem mas com má visualização do arco aórtico, com indicação de repetição às 23 semanas, não tendo comparecido ao exame - Quadro II.

Durante a gravidez foram realizados mais dois ecocardiogramas maternos (24 e 33 semanas), mantendo—se a dilatação da aorta nos 45 mm.

Às 31 semanas a grávida foi encaminhada pela cardiologia à consulta de Alto Risco da nossa Instituição. Foi realizada ecografia fetal às 32 semanas onde se verificou uma suspeição de coartação da aorta - Quadro II. Assim, à data, foi repetido o ecocardiograma fetal, que mostrou a confirmação de desproporção dos ventrículos cardíacos, e hipótese diagnóstica de desproporção fisiológica, com indicação de observação do RN pela cardiologia pediátrica após o nascimento.

Repetiu nova ecografia às 34 semanas - Quadro II. A vigilância materna revelou parâmetros analíticos do segundo e terceiro trimestre normais.

O aumento ponderal materno foi de 11Kg. Clinicamente a grávida apresentava-se assintomática.

Discutido em equipa multidisciplinar, foi decidido parto por cesariana às 35 semanas, com realização de corticoterapia pré-natal dois dias antes.

RN do sexo masculino com 2.410g IA 8/9, que esteve internado na unidade de cuidados intermédios por prematuridade, não se tendo verificado intercorrências e tido alta ao 10º dia. Foi realizado ecocardiograma do RN com boa função cardíaca, sem alterações do arco aórtico, ficando referenciado à consulta de cardiologia pediátrica e pediatria para acompanhamento da patologia renal.

O internamento da mãe decorreu sem intercorrências. A puérpera manteve o betabloqueante no pós-parto. A consulta de revisão pós-parto com o aconselhamento contracetivo foi realizada no hospital da área.

Discussão

A vigilância destas mulheres deve ser multidisciplinar desde a preconceção, gravidez até ao pós-parto, partilhada entre a obstetrícia, a cardiologia, a anestesia, a pediatria e a genética de forma a otimizar os resultados12.

Está indicada uma monitorização seriada por ecocardiograma materno a cada trimestre para estas grávidas sem dilatação da aorta. Nas grávidas com dilatação da aorta superior a 40 mm, dilatação progressiva, antecedentes de cirurgia a dilatação da aorta ou disseção da aorta prévia à gravidez, o ecocardiograma materno deve ser realizado a cada 4 a 6 semanas. A RM pode ser utilizada, nos casos em que o ecocardiograma não é suficiente na avaliação da artéria aorta13.

Tem sido demonstrado que os betabloqueantes aumentam a distensibilidade da aorta e reduzem a velocidade de onda de pulso, provocando uma menor dilatação da aorta e consequentemente reduzindo a taxa de complicações, nomeadamente de regurgitação, disseção aórtica, insuficiência cardíaca congestiva e morte, parecendo nestes doentes ter sentido a sua utilização14. No entanto, restrição do crescimento fetal, bradicardia, hipoglicémia, hiperbilirrubinémia e apneia do recém-nascido têm sido descritos como possíveis efeitos secundários da sua utilização durante a gravidez15. Os betabloqueantes são excretados no leite materno, no entanto as vantagens da amamentação superam os riscos, não devendo ser desencorajada13.

A indicação de parto por cesariana está dependente das dimensões da dilatação da aorta. O parto vaginal pode ser realizado de forma segura em grávidas com síndrome de Marfan sem envolvimento cardiovascular ou com dimensões da aorta estável e inferior a 40 mm16. No entanto, de forma a reduzir o stress do parto, é recomendada analgesia para alívio da dor e parto instrumentado para abreviar o período expulsivo17.

Grávidas com dilatação da aorta superior a 40 mm ou com aumento das suas dimensões durante a gravidez têm indicação para parto por cesariana eletiva, pelo risco elevado de disseção da aorta6. Em grávidas com dilatação superior a 50 mm, diagnosticada numa fase tardia da gravidez, a substituição da raiz da aorta deve ser realizada alguns dias após o parto. No caso de disseção da aorta (toracalgia, dorsalgia ou dor abdominal de início súbito, síncope e sensação de morte iminente) com indicação para cirurgia emergente, está indicada a realização de cesariana, seguida de cirurgia cardíaca7.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Patrícia Isidro Amaral

Maternidade Dr. Alfredo da Costa

E-mail: patriciaisidroamaral@gmail.com

 

Recebido em: 05-02-2015

Aceite para publicação: 10-09-2015