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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.10 no.1 Coimbra mar. 2016

 

CASO CLÍNICO/CASE REPORT

Modulador seletivo dos receptores da progesterona no tratamento de miomas em idade reprodutiva - a propósito de um caso clínico

Selective progesterone receptor modulator for the management of uterine fibroids in childbearing age - based on a case report

Hermínia Gomes Afonso*, Vera Costa**, Ana Lanzinha***, Paulina Corgo***

Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães

*Interna de Ginecologia e Obstetrícia

**Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia

***Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Fibromyomas are a benign and common condition, with an unclear impact on reproduction. Medical therapy has been the first-line treatment in young women, especially those with previous myomectomy, due to the highest surgical risks, and its adverse effects on fertility. Ulipristal acetate(UPA) appears to be an effective treatment with prolonged effect on symptom control and reduction of myomas. With a wellestablished pre-surgical recommendation, its indication in infertility or prior to a spontaneous pregnancy still has little evidence. The increasing reports of successful pregnancies after treatment with UPA, support its potential usefulness, as seen in the clinical case described.

Keywords: Fibromyoma; Ulipristal acetate; Uterine myomectomy; Fertility.


 

Introdução

Os miomas uterinos associam-se a significativa morbilidade, estando presente em 20-40% das mulheres em idade reprodutiva, constituindo a principal causa de histerectomia1-4. Tem uma etiologia multifactorial e a sua sintomatologia depende do seu tamanho e localização1,5,6. A hemorragia uterina anómala (HUA) é a expressão mais frequente podendo também estar associados a dor pélvica ou sintomas decorrentes da compressão das estruturas adjacentes. O seu impacto na fertilidade de mulheres com idade de concepção cada vez mais avançadas é difícil de estabelecer e por isso o seu papel como fator causal de infertilidade ou complicações obstétricas é ainda pouco esclarecido1,6,7.

Existem múltiplas opções terapêuticas, tendo sido durante vários anos a cirurgia considerada o tratamento de eleição1,3. Recentemente, outras terapêuticas têm vindo a ganhar crescente importância, em parte devido à necessidade da preservação da fertilidade, mas também com o intuito de reduzir a morbilidade pós-operatória e evitar os efeitos nefastos da cirurgia numa futura gravidez3. Neste contexto, o UPA surge como um tratamento conservador, seguro e eficaz no controlo da sintomatologia, que permite também reduzir de forma sustentada o volume dos miomas1,4. Porém, o seu impacto na infertilidade ou previamente a uma gravidez espontânea ainda  tem pouca evidência1,7.

Com este artigo pretende-se descrever e discutir uma gravidez espontânea após tratamento com UPA.

Descrição do caso clínico

Nuligesta de 38 anos e raça caucasiana. Com antecedentes de linfadenite reativa à toxoplasmose,  sem antecedentes cirúrgicos e consumidora de 4 cigarros/dia. Refere ciclos menstruais regulares com menstruações normais, segundo o sistema de classificação de HUA da FIGO 20128. Contracepção com 3mg drospirenona e 0,02mg etinilestradiol. Nega história de infertilidade.

Em Dezembro de 2009, foi detetado em ecografia pélvica de rotina útero com 120x92x65mm (diâmetro longitudinal, anteroposterior e transversal, respetivamente) com múltiplos miomas, nomeadamente dois miomas com 20mm, a nível da parede lateral direita e posterior, ambos do tipo 5 (segundo o sistema de subclassificação dos miomas9)  e um mioma com 70mm, fúndico, do tipo 2-5, a condicionar distorção da cavidade uterina. Por apresentar ecografia pélvica prévia recente e normal, foi decidido propor a utente para tratamento cirúrgico devido ao aparecimento e crescimento rápido destas formações. Foi efetuada laparotomia exploradora com realização de três miomectomias, uma delas atingindo a cavidade uterina, sem outros incidentes. A cirurgia e pós-operatório decorreram favoravelmente, tendo reiniciado o contraceptivo oral combinado. O estudo histológico confirmou o diagnóstico de fibromioma.

Manteve-se assintomática e com avaliações ecográficas sobreponíveis até Agosto de 2013, altura em que refere episódio de HUA aguda, com duração de 9 dias e em quantidade abundante. Recorre a ginecologista onde foi confirmada hemorragia de origem uterina, sendo detetado à palpação bimanual útero móvel, globoso e de contornos irregulares. Detetou-se ecograficamente agravamento da patologia fibromiomatosa, com múltiplos miomas atingindo todas as camadas uterinas, apresentando-se justapostos e por isso de difícil individualização, sendo o maior do tipo 5, com 35 mm e localização fúndica (Figura 1).

 

 

Após a discussão das possíveis terapêuticas, foi proposta para um ciclo trimestral de UPA 5mg, que iniciou em Setembro de 2013. Durante o tratamento foi vigiada mensalmente, mantendo-se assintomática e com menstruações de características idênticas às habituais. Negou efeitos adversos decorrentes da medicação. Fez reavaliação ecográfica em Novembro, onde foram visualizados miomas com dimensões sobreponíveis ao estudo anterior.

Após a suspensão do tratamento manteve-se assintomática. Repetiu ecografia pélvica em início de Janeiro de 2014, que demonstrou discreta diminuição das dimensões dos miomas. Repetiu exame ecográfico em Março por atraso menstrual, sendo visualizada gestação intrauterina unifetal, compatível com 7 semanas. Durante a gravidez as dimensões dos miomas mantiveram-se estáveis, sem localização retroplacentar ou relação com o canal cervical, apresentando o maior 33mm e localização fúndica. A gravidez foi vigiada sem queixas ou incidentes até às 35 semanas, altura que recorre ao Serviço de Urgência de Obstetrícia por dor abdominal súbita e intensa. O cardiotocograma da admissão apresentou-se patológico e como tal foi realizada cesariana segmentar transversa urgente. Após a histerotomia houve exteriorização de um coágulo retroplacentar, tendo-se procedido à rápida extração do recém-nascido, que se apresentou sem malformações aparentes, com 2.300g e Índice de Apgar de 7/10/10. No puerpério precoce e imediato teve uma evolução favorável, tendo tido alta ao 3º pós-operatório.

Atualmente mantém-se assintomática. O exame puerperal à 8º semana pós-parto foi normal, tendo sido medicada com desogestrel 75mcg/dia. Fez ecografia pélvica em Outubro de 2014, com visualização de miomas com dimensões reduzidas, alguns milimétricos e calcificados (Figura 1).

Discussão

Os miomas são responsáveis pela infertilidade de 1-2.4% dos casais, causando alterações da contratilidade, alterações endometriais e distorção anatómica com obstrução tubar ou deformação da cavidade uterina1,10. Podem apresentar ainda crescimento rápido na gravidez, causando algias pélvicas11. Estão também associados a complicações obstétricas, nomeadamente: abortos espontâneos, alterações da placentação, trabalho de parto prematuro, apresentação fetal anómala e hemorragia pós-parto10. Neste caso nenhum dos miomas tinha localização retroplacentar, contudo foi verificado um descolamento prematuro da placenta normalmente inserida, que pode em parte ter sido causado pela cicatriz da cavidade uterina decorrente da miomectomia prévia.

Dependendo do tipo e volume dos miomas, a miomectomia é proposta frequentemente em mulheres que desejam preservar a fertilidade, com infertilidade sem outras causas conhecidas ou com abortos recorrentes1,10. O impacto desta cirurgia na fertilidade e prognóstico da gravidez demonstra resultados discordantes, sendo a localização do mioma um fator determinante. Assim, este benefício é evidente em miomas submucosos e parece ser nulo em miomas subserosos. Relativamente aos miomas intramurais os resultados são menos claros, sendo necessário mais estudos que avaliem o impacto da miomectomia, tendo em conta as dimensões e número de miomas, assim como a sua proximidade com a cavidade endometrial11,14. Além do mais, este tipo de cirurgia, principalmente uma reintervenção, tem um risco hemorrágico elevado, causa cicatrizes miometriais e/ou endometriais, formação de aderências e adiamento da concepção, podendo ter efeitos nefastos, quer numa futura gravidez, quer no potencial reprodutivo da mulher15. Está ainda, segundo uma revisão recente, associada a taxas de recorrência de 40% aos 4 anos15. Neste sentido, as terapêuticas médicas tem apresentado uma importância crescente no tratamento de mulheres com antecedentes de cirurgia uterina e com desejo de uma futura gravidez6,11,15. Porém, apesar das múltiplas terapêuticas hormonais e não hormonais utilizadas serem altamente eficazes no controlo da sintomatologia, a interrupção de alguns fármacos provoca retorno dos miomas às dimensões pré-tratamento, fazendo com que frequentemente façam parte de um plano pré-operatório1.  Neste contexto, o UPA é um dos tratamentos atualmente disponíveis. É um modulador seletivo sintético dos receptores de progesterona (SPRM) que bloqueia reversivelmente os receptores de progesterona do útero, ovário e hipotálamo, causando o bloqueio da ovulação, induzindo alterações endometriais, suprimindo as hemorragias uterinas e reduzindo o volume dos miomas através de um efeito antiproliferativo e pró-apoptótico16.

Em 2012 foram publicados dois estudos prospetivos randomizados, PEARL I e PEARL II, que demonstraram com UPA um mais rápido controlo da hemorragia excessiva e uma maior e mais prolongada redução do volume dos miomas, quando comparado com placebo e acetato leuprorrelina 3,75mcg. Verificou-se também com esta terapêutica níveis séricos de estradiol mais fisiológicos, com menos efeitos laterais4,17. Em 2014, foi publicado o estudo PEARL III que demonstrou a efetividade e segurança do UPA, quando administrado a médio prazo18. Foram observadas modificações não fisiológicas endometriais induzidas pelos SPRM, que demonstraram alterações císticas glandulares, sem lesões malignas, pré-malignas ou hiperplásicas, que foram reversíveis espontaneamente na maioria dos casos, 3 meses após a interrupção do UPA18. Embora ainda não existam dados do impacto deste fármaco na fertilidade e gravidez, o que faz com que as suas recomendações sejam essencialmente para uso pré-cirúrgico, a comprovada reversibilidade das alterações endometriais e a descrição recente de casos com rápida concepção após a cessação desta terapêutica, demonstra em parte que o endométrio mantém-se com qualidade suficiente para a implantação do blastocisto, facto este constatado em estudo realizado por Berger et al no qual se concluiu não haver em interferência do UPA (30mg) no processo de implantação embrionária1,6,7,19,20. Neste sentido, existe ainda uma série de gravidezes após tratamento com UPA descrita por Luyckx et al em 2014, relatando taxas de gravidez de 71%, sem complicações maternas, com a maioria dos partos por cesariana (devido a miomectomias prévias extensas)19.

Este caso clinico é concordante com os dados descritos na literatura. A terapêutica com UPA foi proposta nesta utente no sentido de prevenir os efeitos nefastos de uma reintervenção uterina na sua fertilidade futura, tendo-se atingido um bom controlo da sintomatologia e estabilização do volume dos miomas, sem registo de efeitos laterais ou alterações endometriais e com concepção a curto prazo, espontânea e bem sucedida.

O número crescente de gravidezes bem sucedidas após esta terapêutica, suportam a sua potencial utilidade no tratamento de mulheres que desejem preservar a fertilidade, principalmente naquelas com risco cirúrgico acrescido ou com idades avançadas, onde o atraso da concepção possa ser  altamente prejudicial. No entanto, são necessários mais estudos para estabelecer o impacto e segurança do uso de UPA previamente à gravidez.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Hermínia Gomes Afonso 

E-mail: minagaf@gmail.com

 

Recebido em: 25-01-2015

Aceite para publicação: 08-10-15