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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.10 no.1 Coimbra mar. 2016

 

ARTIGO DE OPINIÃO/OPINION ARTICLE

Alterações à classificação da dor vulvar persistente (vulvodinia)

Changes to the classification of persistent vulvar pain (vulvodynia)

Pedro Vieira-Baptista*, Joana Lima Silva**

Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Hospitalar de São João

*Assistente Hospitalar, Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Hospitalar de São João, Porto

**Interna de Formação Específica, Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Hospitalar de São João, Porto

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

The classification of vulvodynia has been recently revised. This article highlights the main changes that were introduced: for the first time, a minimum duration of symptoms (3 months) was included in the definition; women with other vulvar conditions (e.g. lichen sclerosus) are no longer excluded from a possible diagnosis of vulvodynia; a list of possible associated factors was added to the document; new discriminators were included (onset and temporal pattern) and the term "non-provoked vulvodynia" was replaced by "spontaneous vulvodynia".

Keywords: Vulvodinia; ISSVD; Dor vulvar.


 

No último congresso mundial da International Society for the Study of Vulvovaginal Diseases (ISSVD), que decorreu em Nova Iorque, entre 27 e 29 de Julho de 2015, foram discutidas e votadas as alterações à classificação da vulvodinia. Esta classificação não era revista desde 20031.

Previamente, houve discussão e elaboração de um documento, pelo comité de terminologia da ISSVD, em colaboração com elementos da International Society for the Study Women’s Sexual Health (ISSWSH) e da International Pelvic Pain Society (IPPS). Os trabalhos, que decorreram em Abril de 2015 em Maryland, contaram ainda com a presença de observadores da American Society of Colposcopy and Cervical Pathology (ASCCP), American Congress of Obstetrics and Gynecology (ACOG) e da National Vulvodynia Association (NVA).

Este documento, no caso da ISSVD, foi enviado por correio electrónico aos seus membros, previamente à votação, para discussão e propostas de alteração.

A versão final do documento2 foi aprovada entre Julho e Agosto de 2015, não apenas pela ISSVD, mas também pela ISSWHS e pela IPPS.

O novo documento passa a denominar-se «2015 Consensus terminology and classification of persistent vulvar pain», deixando de se referir especificamente a «vulvodinia», pois, efectivamente, não se limita apenas a esta entidade. Divide, primeiramente, a dor vulvar persistente em dois grandes grupos (conceito que já vem do documento anterior): 1) queixas associadas a uma causa identificável (infecciosa, inflamatória, etc.) e 2) vulvodinia. No primeiro grupo foi introduzida a nova e controversa síndrome genito-urinária da menopausa, que não é aceite pacificamente entre os elementos da ISSVD3.

A vulvodinia passa a ser definida como «dor vulvar, com pelo menos 3 meses de duração, sem uma causa claramente identificada, mas que pode ter potenciais factores associados». Em relação ao documento anterior, há aqui uma importante diferença: introduz-se o factor tempo na definição. Na literatura, têm sido utilizados diferentes critérios neste campo (3, 4 ou 6 meses, habitualmente), dificultando a comparação entre estudos. Por outro lado, este valor não deve ser considerado absoluto e não deverá, na nossa opinião, ser factor que leve ao diferimento do tratamento. No reverso da moeda, a definição é mais limitada em termos de caracterização: o que previamente era «desconforto vulvar, descrito mais comummente como dor/ardor», passa a um resumido «dor vulvar». Na prática, sabemos que um número muito significativo de casos se manifesta por ardor – muitos dos potenciais diagnósticos poderão ser falhados ou diferidos ao eliminar a referência a «ardor» na definição. E, quantas vezes, a mulher não consegue atribuir uma classificação precisa ao que sente e se limita a «desconforto» ou «impressão»?

A referência aos «potenciais factores associados» foi um dos pontos controversos, pois, em termos práticos, pouco acrescenta. Na primeira versão, a definição «obrigava» a que tivessem que estar presentes («dor vulvar sem causa claramente aparente e com potenciais factores associados».

Em termos de caracterização da vulvodinia, esta continua a ser classificada de acordo com a localização (localizada ou generalizada) e a existência de factores desencadeadores (provocada, espontânea ou mista). O termo «espontânea» vem substituir o «não provocada», por ter sido considerado mais adequado.

Como novidade, acrescenta-se a classificação relativa ao início das queixas (primária ou secundária) e ao padrão temporal (intermitente, persistente, constante, imediata ou diferida). Estes discriminadores, ainda que não incluídos na classificação, já iam sendo utilizados na prática clínica e em numerosas publicações. Perde-se, contudo, uma vez mais, na ausência de definições relativamente a cada um deles – qual a diferença, por exemplo, entre constante e persistente? Na diferença entre primária e secundária, como classificar uma mulher que usou tampões sem dificuldade na adolescência, mas que tem dor vulvar com a penetração, desde a coitarca? Existirá realmente uma vulvodinia diferida?

Introduziu-se a nota que, contrariamente ao documento anterior, a vulva não tem de ter aspecto «normal»: pode haver coexistência de vulvodinia com outras entidades (por exemplo, dermatoses liquenóides) – será apenas necessário excluir que as queixas se devam ao outro quadro associado, o que nem sempre será fácil.

Uma das grandes novidades, foi a inclusão de uma tabela de «potenciais factores associados com vulvodinia», incluindo o nível de evidência dessa associação. O interesse deste anexo é muito dúbio e foi fortemente contestado aquando da votação – se algum tiver, é o de uma sistematização da muita investigação que tem sido realizada neste campo e o chamar à atenção que esta entidade é, provavelmente, multifactorial. Quando um factor é considerado uma «causa», por definição, deixamos de estar perante um caso de vulvodinia, mas antes de uma dor vulvar crónica de causa conhecida.

O papel do exame físico, nomeadamente do «teste do cotonete» («Q-tip test») não é de todo referido. Sem dúvida que a evidência na literatura referente ao seu desempenho é escassa, mas não deixa de ser essencial no diagnóstico e seguimento das doentes.

Falta, talvez, enfatizar que a vulvodinia é um diagnóstico de exclusão e que todos os esforços devem ser encetados para excluir outras possíveis causas de dor vulvar.

Na nossa opinião, seria importante uma referência à importância do diagnóstico diferencial com o «vaginismo». Da nossa experiência, uma parte significativa de casos de vulvodinia estão erradamente rotulados de vaginismo e, muitas das vezes, submetidos a tratamentos adequados para este quadro, mas perniciosos para o que realmente afecta a doente. A visão da dor sexual, entre as diversas interfaces da sexologia é, habitualmente, redutora, sendo fundamental que tal se altere.

Apesar de tudo, não nos devemos esquecer que este documento pretende ser referente à classificação da vulvodinia e não a critérios de diagnóstico. Fica a dúvida se não teria sido mais útil juntar os dois itens. O ganho potencial não suplantaria o de incluir uma tabela de factores associados?

Esta nova classificação, a nível da ISSVD foi aprovada, mas longe da unanimidade ou aclamação. Presumivelmente, vai durar menos que os 12 anos que durou a anterior – mais não seja porque a investigação se avoluma a velocidades cada vez maiores.

Um grupo de investigadores, incluindo um dos autores do documento de 2003, o Professor Peter Lynch, defendia a sua revisão, mas num outro sentido: no da adaptação ao conceito neurobiológico de dor4. Segundo estes, a vulvodinia deverá ser classificada como dor patológica disfuncional (em oposição à dor patológica neuropática).

Este novo documento não deixa, contudo, de ser mais uma tentativa de progresso numa área que, infelizmente, tem sido tão negligenciada. A colaboração com outras sociedades é um exemplo a seguir e um claro sinal de maturidade.

Esperemos que esta colaboração contribua para que deixemos de ver a  literatura inundada de designações e classificações erradas ou anacrónicas, como, por exemplo, a de vestibulite vulvar.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Moyal-Barracco M, Lynch PJ. 2003 ISSVD terminology and classification of vulvodynia: a historical perspective. J Reprod Med. 2004;49(10):772-777.         [ Links ]

2. 2015 Consensus terminology and classification of persistent vulvar pain. http://issvd.org/wp-content/uploads/2015/09/consensus-terminology-of-Vulvar-Pain-V5.pdf        [ Links ]

3. Vieira-Baptista P, Marchitelli C, Haefner HK. The «Genitourinary Syndrome of Menopause»: A Leap Forward? J Low Genit Tract Dis. 2015;19(4):362-363.         [ Links ]

4. Micheletti L, Radici G, Lynch PJ. Is the 2003 ISSVD terminology and classification of vulvodynia up-to-date? A neurobiological perspective. J Obstet Gynaecol. 2015;35(8):788-792.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Pedro Vieira-Baptista

Centro Hospitalar de S. João

Alameda Prof. Hernáni Monteiro

4200-319 Porto

 

Recebido em: 13-12-2015

Aceite para publicação em: 20-12-2015