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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.9 no.5 Coimbra dez. 2015

 

ESTUDO ORIGINAL/ORIGINAL STUDY

Impacto do índice de massa corporal na histerectomia totalmente laparoscópica

Total laparoscopic hysterectomy: impact of body mass index on outcomes

Filipa Osório*, Cristina Nogueira-Silva**, Sónia Barata***, Conceição Alho****, Carlos Calhaz-Jorge*****

Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital Universitário de Santa Maria

*M.D.; Assistente Hospitalar do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do CHLN - Hospital Universitário de Santa Maria; Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, CAM - Centro Académico de Medicina de Lisboa, Lisboa, Portugal

**M.D., Ph.D; Assistente Hospitalar do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga; Professora Auxiliar da Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho; Investigadora do ICVS da Universidade do Minho e do ICVS/3B’s - Laboratório Associado

***M.D.; Assistente Hospitalar do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do CHLN - Hospital Universitário de Santa Maria

****M.D.; Assistente Graduada do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do CHLN - Hospital Universitário de Santa Maria

*****M.D., Ph.D; Coordenador do Serviço de Ginecologia e Responsável da Unidade de Medicina da Reprodução do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do CHLN - Hospital Universitário de Santa Maria; Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, CAM - Centro Académico de Medicina de Lisboa, Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Overview and aims: Hysterectomy is one of the most common gynecological surgical procedures and several studies have demonstrated the multiple advantages of laparoscopic approach in general. Obesity was initially considered to be a contraindication for laparoscopy. However, this historical perspective has been disputed. The aim of this study was to assess the effect of the body mass index (BMI) on intra-operative parameters and intra and post-operative complication rates of total laparoscopic hysterectomy (TLH).

Study design: A retrospective, observational, descriptive and analytic study.

Population : All TLH performed in our department, by the same surgical team, between April 2009 and March 2014, were evaluated.

Methods : Medical records were reviewed for patient characteristics (BMI, age, medical and surgical history), surgical characteristics (surgical indication and concomitant procedure, uterine weight, operating time, post-operative hemoglobin variation, length of hospital stay), and intra and post-operative complications. The data were analyzed according to patients’ BMI.

Results: The study population was divided in normal BMI (n=145), overweight (n=119) and obese (n=54). Obese patients were older, more frequently postmenopausal and with more medical pathology than normal BMI patients. More than 50% of the patients had history of at least one previous abdominopelvic surgery with no differences among the groups. No significant differences were found in terms of uterine weight (217.7 ± 154.8 vs. 257.5 ± 176.1 vs. 225.4 ± 151.0 g; p> 0.05), post-operative hospital stay (1.6 ± 0.9 vs. 1.5 ± 1.0 vs. 1.5 ± 0.9 days; p> 0.05), operating time (72.2 ± 25.3 vs.77.5 ± 25.8 vs. 83.6 ± 35.3 minutes; p> 0.05) or complication rates (12.4% vs. 14.3% vs. 13.0%).

Conclusions: This study demonstrates that, in qualified hands, obesity did not increase the operating time and the intra or post-operative complication rates associated with TLH. Thus, high BMI should not be considered a contraindication for this procedure.

Keywords: Body mass index; Complications; Hysterectomy; Laparoscopy; Obesity.


 

Introdução

A histerectomia é a cirurgia ginecológica major mais frequentemente realizada nos países desenvolvidos1. Nos Estados Unidos estima-se que se realizem anualmente cerca de 600.000 destas intervenções cirúrgicas,2. Desde a descrição por Reich e col da primeira histerectomia laparoscópica, que se consideram três abordagens principais para a histerectomia: a via vaginal, a via abdominal e a via laparoscópica3. Após uma fase inicial em que foi defendido que a histerectomia laparoscópica se associava a elevada taxa de complicações, nomeadamente lesões do trato urinário, é hoje amplamente reconhecido que a histerectomia laparoscópica é segura, com baixa taxa de complicações e se associa a múltiplas vantagens, nomeadamente menos dor pós-operatória, menor tempo de internamento, regresso mais precoce à atividade profissional e melhores resultados estéticos4-7.

A prevalência crescente de obesidade é um importante problema de saúde pública. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1,5 mil milhões de pessoas em todo o mundo serão obesas ou terão excesso de peso em 20158. Em Portugal, de acordo com o 4º Inquérito Nacional de Saúde (referente a dados de 2005 e 2006), 51% da população com mais de 18 anos tinha excesso de peso ou obesidade, e 16% das mulheres eram obesas9. A obesidade e as suas comorbilidades são conhecidos fatores de risco na taxa de complicações cirúrgicas10.

No início da era da laparoscopia, a obesidade foi considerada uma contraindicação relativa para procedimentos laparoscópicos 11,12. Contudo, nos últimos 20 anos as indicações para a abordagem laparoscópica dos pacientes obesos têm-se alterado significativamente, dado que a abordagem laparoscópica, respeitando princípios cirúrgicos minimamente invasivos, permite diminuir o risco de infeção, trauma cirúrgico e eventos tromboembólicos10,11,13. Foram já demonstradas vantagens, sem aumento da taxa de complicações, da abordagem laparoscópica em pacientes obesos submetidos a apendicectomia, colecistectomia, colectomia esquerda e cirurgia bariátrica11,14,15. São, por isso, vários os autores que defendem que a laparoscopia é segura, eficaz e a abordagem de escolha para pacientes obesos saudáveis10.

Relativamente à histerectomia, é amplamente reconhecida a obesidade como fator de risco para várias doenças que podem impor a indicação para realização de uma histerectomia16,17. Contudo, no que diz respeito à relação entre a realização de histerectomia totalmente laparoscópica (HTL), obesidade e complicações, os resultados são ainda controversos 17. Enquanto alguns estudos apontam para um aumento da morbilidade cirúrgica16,18,19, outros têm demonstrado que a HTL é segura em mulheres obesas11,12,20-23.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do índice de massa corporal (IMC) nos indicadores clínicos e na taxa de complicações das HTL realizadas no nosso departamento, pela mesma equipa cirúrgica.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional, descritivo e analítico, com análise retrospetiva dos processos clínicos de todas as doentes submetidas a HTL, pela mesma equipa cirúrgica (em mais de 90% das intervenções pelo mesmo cirurgião - FO) e de acordo com a mesma técnica, entre 1 de abril de 2009 e 31 de março de 2014. A técnica cirúrgica realizada foi previamente descrita4. As pacientes foram agrupadas, de acordo com os critérios da OMS para o IMC, em normal (18,5 - 24,9 Kg/m2), excesso de peso (25 - 29,9 Kg/m2) e obesidade (≥ 30 Kg/m2)24.

Para caracterização da população foram considerados os seguintes parâmetros: idade; idade da menarca e da menopausa; paridade; antecedentes médicos e cirúrgicos. Relativamente ao procedimento cirúrgico realizado foram avaliados: indicação cirúrgica e procedimentos concomitantes; tipo de energia utilizada; necessidade de utilização de trocar epigástrico; necessidade de morcelação da peça; peso da peça cirúrgica; tempo operatório (considerado desde o início da laqueação do ligamento redondo esquerdo até à conclusão do encerramento da cúpula vaginal); variação da hemoglobina e hematócrito entre pré e pós-operatório; duração do internamento após a cirurgia; complicações major e minor intra-operatórias e pós-operatórias (ocorridas até 12 meses após a cirurgia), utilizando critérios de séries publicadas anteriormente (Quadro I)4-6. Para avaliação das complicações as pacientes foram observadas em consulta 1 mês, 6 e 12 meses após a intervenção (exceto as cirurgias realizadas posteriormente a 31 de maio de 2013, cujo seguimento não tinha ainda concluído os 12 meses aquando da conclusão da colheita dos dados), com registo das complicações ocorridas. Verificou-se uma taxa de falta à consulta de 0,3% (n=1) no primeiro mês, 6,0% (n=19) aos 6 meses e 16,0% (n=51) aos 12 meses.

 

 

Análise estatística

Os dados foram introduzidos numa base de dados construída em FileMaker Pro 12 Advanced®. Na análise estatística foi utilizado o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS®, versão 22.0). Procedeu-se a uma análise descritiva, com recurso à distribuição de frequência, às medidas de tendência central e às medidas de dispersão, tendo em conta as variáveis em estudo. Os resultados referentes a variáveis quantitativas são apresentados como média ± desvio-padrã̃o.

Recorreu-se ao teste Kolmogorov-Smirnov para análise da normalidade. Para variáveis contínuas utilizaram-se os testes ANOVA direcional e de Krustal-Wallis; o teste de Dunn foi utilizado para comparações múltiplas emparelhadas. Relativamente às variáveis categóricas aplicaram-se os testes qui-quadrado e exato de Fisher. Admitiu-se significância estatística para valores de p< 0,05.

Resultados

Durante 5 anos foram submetidas a HTL 325 pacientes. Destas, 6 foram excluídas devido a falta de informação necessária para o cálculo do IMC e uma foi excluída por apresentar IMC compatível com baixo peso (17,6 Kg/m2, não fazendo assim parte dos grupos em estudo). Das 318 doentes estudadas, 145 (45,6%) tinham IMC normal, 119 (37,4%) excesso de peso e 54 (17%) eram obesas, 13 das quais com obesidade grau II (IMC 35 - 39,9 Kg/m2) e 3 com obesidade mórbida (≥ 40 Kg/m2) (Figura 1).

 

 

As características das doentes e os antecedentes ginecológicos e obstétricos, médicos e cirúrgicos de relevo são apresentados no Quadro II. Como se pode observar, as mulheres com IMC normal eram significativamente mais novas que as mulheres com excesso de peso e obesas. Verificou-se uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos relativamente à paridade e ao status pós-menopausa, sendo as mulheres com excesso de peso e obesas mais frequentemente multíparas do que as mulheres com IMC normal. Quanto ao status pós-menopausa, 38,9% das mulheres do grupo com obesidade encontravam-se na pós-menopausa comparativamente com 26,9% do grupo com excesso de peso e 11,7% do grupo com IMC normal.

 

 

A frequência de comorbilidades médicas foi elevada e aumentou significativamente de acordo com o IMC. De facto, 87% das paciente obesas, 67,2% das pacientes com excesso de peso e 48,3% das pacientes com IMC normal apresentavam patologia do foro médico associada. Independentemente do IMC, a patologia mais comum foi do foro cardiovascular.

Os antecedentes cirúrgicos abdomino-pélvicos, apresentados por cerca de 50% de todas as doentes, distribuíram-se de modo semelhante pelos três grupos.

A existência de útero miomatoso associado a sintomatologia, nomeadamente hemorragia uterina anormal refratária ao tratamento médico e sensação de peso pélvico/dor pélvica, foi a principal indicação operatória em todos os grupos (IMC normal 51%, IMC excesso de peso 59,7%, IMC obesidade 51,9%). Contudo, verificou-se uma diferença estatisticamente significativa no que diz respeito à segunda indicação cirúrgica mais comum, que foi endometriose no grupo IMC normal, enquanto que nos grupos com excesso de peso e com obesidade foi patologia endometrial benigna (Quadro III).

 

 

Independentemente do IMC, o principal procedimento concomitante realizado foi ablação anexial unilateral ou bilateral, sendo esta significativamente mais comum no grupo com obesidade (IMC normal 49,0%, excesso de peso 63,0%, obesidade 81,5%; p= 0,002; Quadro III).

No que respeita aos procedimentos cirúrgicos, não se verificaram diferenças entre os grupos no que diz respeito ao sistema de energia utilizado, necessidade de colocação de trocar epigástrico e/ou de morcelação da peça operatória, de acordo com as dimensões uterinas (Quadro IV). Assim, independentemente do IMC, a energia bipolar para as laqueações, coagulação e disseção e a energia monopolar para a colpotomia circular foram utilizadas em mais de 90% das intervenções. Nas situações em que, dadas as dimensões uterinas, foi necessária morcelação da peça operatória, esta foi maioritariamente realizada por via vaginal. Os grupos apresentaram também resultados similares no que diz respeito ao peso médio da peça operatória.

 

 

Em relação aos parâmetros clínicos da cirurgia, embora se verifique uma tendência para aumento do tempo operatório médio nos grupos com excesso de peso e com obesidade, esta diferença não foi estatisticamente significativa (Quadro IV). Nos 2 primeiros anos do estudo, o tempo operatório foi significativamente superior no grupo com obesidade, comparativamente aos outros dois grupos. Contudo, após 2 anos de realização de HTL de forma regular não se encontraram diferenças no tempo operatório independentemente do IMC dada a diminuição significativa do tempo operatório médio para realização da HTL no grupo com obesidade (Figura 2).

 

 

A comparação entre a hemoglobina e o hematócrito pré e pós-operatórios permitiu verificar uma diferença significativa, embora clinicamente irrelevante, entre os grupos, observando-se no grupo com obesidade uma menor redução da hemoglobina e do hematócrito, quando comparada com os grupos com IMC normal e com excesso de peso (Quadro IV).

A duração do internamento após a cirurgia foi semelhante em todos os grupos. De salientar que mais de 58% das pacientes tiveram alta no 1º dia pós operatório, independentemente do seu IMC (Quadro IV).

As taxas de complicações minor e major intra e pós—operatórias não foram significativamente diferentes entre os grupos (Quadro V). De facto, a morbilidade global foi de 12,4% no grupo com IMC normal, 14,3% no grupo com excesso de peso e 13,0% no grupo com obesidade. As complicações major intra-operatórias corresponderam a um caso de paragem cardio-respiratória durante a indução anestésica, em paciente com IMC normal (que reverteu após manobras de reanimação) e um caso de conversão para laparotomia por hemorragia uterina generalizada difícil de controlar, sem qualquer lesão vascular iatrogénica específica, em paciente com adenomiose exuberante e múltiplas aderências (paciente com excesso de peso). Como complicações major no pós-operatório (imediato e tardio), registaram-se a ocorrência de deiscência da cúpula vaginal em 3 casos, e 1 caso com necessidade de reintervenção numa doente do grupo com IMC normal. Esta paciente foi reoperada ao 12º dia pós-operatório por um quadro de oclusão intestinal por peritonite adesiva, tendo-se procedido a adesiólise extensa, por via laparoscópica. Ao 17º dia pós-operatório, a paciente foi novamente reoperada, tendo-se realizado hemicolectomia direita, por via laparotómica, devido a peritonite adesiva. Relativamente aos casos de deiscência da cúpula vaginal, 2 casos ocorreram em pacientes do grupo com IMC normal (um dos quais 5 meses após a cirurgia, na sequência de relações sexuais; outro no 11º dia pós-operatório), e outro em paciente do grupo com excesso de peso (em mulher com adenocarcinoma do endométrio estadio IBG2, após sessão de braquiterapia). Após um ano de seguimento, não foi descrito qualquer caso de prolapso da cúpula vaginal.

 

 

Quanto às complicações minor salientam-se dois casos de laceração iatrogénica da serosa do cólon sigmóide, com sutura imediata, um no grupo com IMC normal e outro no grupo com obesidade, bem como algumas complicações infeciosas e dez casos de hemorragia sem necessidade de transfusão sanguínea. De realçar 3 casos de incontinência urinária de esforço (um em cada grupo de pacientes), que persistiram 12 meses depois da HTL (Quadro V). Não ocorreu nenhuma lesão ureteral ou vesical, perfuração intestinal ou embolia pulmonar, nenhum reinternamento (menos de 72 horas após a alta), nem nenhum caso de morte intra-operatória ou no pós-operatório imediato.

Discussão

A abordagem laparoscópica é atualmente reconhecida como uma técnica cirúrgica segura e de primeira linha em múltiplas situações, quer benignas quer malignas, sendo por isso crescentemente usada na intervenção cirúrgica ginecológica mais frequente nos países civilizados - a histerectomia 1,5-7.

O excesso de peso e a obesidade são fatores de risco para várias doenças que podem contribuir em algum momento da vida da mulher para o aparecimento de situações que indiquem a realização de uma histerectomia, tais como leiomiomas uterinos, hemorragia uterina anormal, adenomiose, hiperplasia ou neoplasia endometrial16,17. A obesidade e as suas comorbilidades são igualmente conhecidos fatores de risco para complicações cirúrgicas10,25. No que diz respeito à laparoscopia, a obesidade foi inicialmente considerada uma contraindicação relativa para procedimentos laparoscópicos11,12, já que se pode associar a dificuldades na formação e manutenção do pneumoperitoneu, na exposição do campo cirúrgico, para além de constituir um desafio anestésico, devido ao aumento da pressão intra-abdominal, agravado pela posição de Trendelenburg10,26. Contudo, diversos estudos têm demonstrado que, cumprindo os princípios da cirurgia minimamente invasiva, a abordagem laparoscópica permite diminuir o risco de infeção, trauma cirúrgico e eventos tromboembólicos10,11,13.

No presente estudo apresentamos a análise de 318 HTL realizadas por uma única equipa cirúrgica, incluindo 119 (37,4%) mulheres com excesso de peso e 54 (17%) mulheres obesas. A proporção de mulheres obesas no presente estudo está de acordo com a estimativa para a população portuguesa9. De realçar que as pacientes com IMC compatível com obesidade apresentam não só peso significativamente superior, mas também altura significativamente inferior à das mulheres com IMC normal. Tal, traduz um aumento de gordura abdominal nestas paciente e, consequentemente, maior dificuldade cirúrgica.

Neste trabalho, as mulheres obesas e com excesso de peso eram significativamente mais velhas que as mulheres com IMC normal, o que reflete a associação descrita na literatura entre o aumento da idade e a obesidade9. De igual forma, as mulheres obesas e com excesso de peso eram mais frequentemente multíparas e pós-menopáusicas. As doentes obesas tinham também mais frequentemente patologia associada comparativamente às com excesso de peso e às com IMC normal. É amplamente reconhecida a associação entre elevado IMC e patologia associada, nomeadamente do foro cardiovascular e endócrino27,28.

As principais indicações cirúrgicas para a realização de histerectomia neste estudo estão de acordo com o descrito na literatura, assumindo os leiomiomas uterinos um papel preponderante (mais de 50%, independentemente do IMC)4,29. Verificou-se, contudo, uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos, no que diz respeito ao motivo para cirurgia: a segunda indicação cirúrgica mais comum no grupo com excesso de peso e com obesidade foi patologia endometrial benigna, enquanto no grupo com IMC normal foi endometriose. O aumento significativo de frequência de realização de ablação anexial no grupo com obesidade é muito provavelmente explicável pela diferença na idade média das pacientes, sendo prática comum a ablação anexial em doentes pós-menopáusicas.

O peso médio da peça operatória foi similar ou superior ao descrito na literatura4,5 e não se verificaram diferenças entre os grupos no que diz respeito a esse parâmetro, ou quanto à necessidade de utilização de trocar epigástrico ou de morcelação. Tal sugere graus de dificuldade cirúrgica relacionados com as dimensões da peça operatória similares entre os grupos. Para além disso, o tempo operatório médio global foi também idêntico, embora nos 2 primeiros anos do estudo tenha sido significativamente superior no grupo com obesidade. Essa diferença desapareceu completamente, após 2 anos de realização de HTL de forma regular. A ausência de aumento do tempo operatório e os tempos operatórios médios da presente casuística estão de acordo com os descritos na literatura, nomeadamente por grupos com experiência globalmente reconhecida12,20. Contudo, é de referir que, outros autores têm descrito um prolongamento do tempo operatório associado ao aumento do IMC11,19,23. Esta discrepância quanto ao tempo operatório poderá também estar relacionada com as diferentes formas em que este é avaliado. De qualquer forma, os presentes resultados demonstram que, quando a HTL é realizada por uma equipa cirúrgica experiente, pode ser realizada num tempo operatório aceitável e que a obesidade não o prolonga significativamente. Para além disso reforçam, mais uma vez, a importância do treino e da necessidade de uma curva de aprendizagem inicial inerentes aos procedimentos laparoscópicos4. No presente estudo o tempo operatório foi considerado desde o início da laqueação do ligamento redondo esquerdo até à conclusão do encerramento da cúpula vaginal, não se tendo considerado o tempo necessário para criação do pneumoperitoneu e acesso ao campo cirúrgico. De facto, o IMC pode condicionar dificuldades nesta importante etapa da cirurgia laparoscópica em equipas com menor experiência. De referir ainda que alguns estudos têm defendido que o IMC pode criar dificuldades também na entubação, posicionamento da paciente e colocação do manipulador uterino 30.

A diferença encontrada entre os grupos no que diz respeito à variação da hemoglobina do pré para o pós—operatório favorece o grupo com obesidade. De facto, a variação da hemoglobina foi inferior no grupo obesidade, o que se apresenta como importante vantagem da abordagem laparoscópica nas pacientes obesas, já que a obesidade se associa tipicamente a maior hemorragia10. Independentemente do IMC, a diminuição média da hemoglobina descrita no presente trabalho é similar à descrita por outros autores,31. Também a duração média do internamento pós-operatório, que variou entre 1,5 e 1,6 dias, foi semelhante nos três grupos de doentes e está de acordo com o descrito na literatura12,31.

As taxas de complicações intra e pós-operatórias não foram estatisticamente diferentes entre os grupos quer quanto às complicações major quer quanto às minor. A morbilidade global foi de 12,4% no grupo normal, 14,3% no grupo excesso de peso e 13,0% no grupo obesidade, sendo estes valores comparáveis com os descritos para a HTL por outros grupos11,12,20-23. A taxa de complicações por nós encontrada para a HTL é até inferior à descrita para a histerectomia por via laparotómica. De acordo com um estudo prospectivo envolvendo 53 hospitais finlandeses e 1255 histerectomias realizadas por via laparotómica e 1679 por via laparoscópica, a taxa total de complicações descrita foi de 19,2% para a histerectomia por via laparotómica e 15,4% para a via laparoscópica32.

Não podemos deixar de considerar que o presente estudo tem algumas limitações metodológicas. A primeira resulta de que todos os dados foram obtidos através da consulta de processos clínicos, e o seu rigor está obviamente dependente do registo claro e completo da informação. Por outro lado, tratou-se de um estudo retrospetivo, o que se associa a risco de subestimação das complicações. Por fim, em estudos futuros considera—se útil a avaliação do tempo operatório pele-pele (desde a primeira incisão cutânea até ao encerramento da mesma), bem como a avaliação do tempo desde a entrada da paciente até à saída da sala operatória.

Em conclusão, mesmo tendo em conta as limitações apresentadas, os nossos resultados mostram que, quando realizada por uma equipa cirúrgica adequadamente treinada, a HTL se associa a baixa taxa de complicações, mesmo em mulheres com IMC elevado. De facto, na nossa experiência, a obesidade não prolongou o tempo operatório nem a duração do internamento, bem como não aumentou a taxa de complicações associada à intervenção.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Cristina Nogueira-Silva

Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho

Campus Gualtar; 4710-057 Braga

E-mail: cristinasilva@ecsaude.uminho.pt

 

Contribuição dos autores

Filipa Osório e Cristina Nogueira-Silva contribuíram igualmente para o manuscrito

Conflito de interesses

Os autores não têm conflitos de interesses a declarar.

 

Recebido em: 01-01-2014

Aceite para publicação: 12-11-2014