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Laboreal

versão On-line ISSN 1646-5237

Laboreal vol.16 no.1 Porto  2020

 

EDITORIAL

 

Editorial

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Editorial

 

 

Marta Santos[1], Patricio Nusshold[2]

[1] Centro de Psicologia da Universidade do Porto Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade do Porto Rua Alfredo Allen 4200-135 Porto Portugal marta@fpce.up.pt

[2]Université Paul Valéry Montpellier 3, Route de Mende 34 199 Montpellier Cedex 5 Francia patricio.nusshold@univ-montp3.fr

 

 


O planeamento deste número, feito de forma a garantir os tempos que a publicação com revisão por pares exige aos trabalhos científicos, não antecipou a crise sanitária mundial que vivemos, o que exigiu que este número fosse finalizado em casa, em situação de teletrabalho para muitos dos que estiveram envolvidos na sua edição.

Esta situação recorda-nos que o trabalho real não pode tudo antecipar, sendo necessário – ao confrontar-se com novas condições e exigências de trabalho – criar novas astúcias, modos de fazer e de desenvolvimento, deixando em evidência questões que em muitos contextos não puderam ser discutidos ou que tiveram mesmo de ser ocultados.

Com efeito, esta situação abre novos tabus, na medida em que se espera que cada um diga que “tudo vai correr bem” sem poder falar, por exemplo, nem dos problemas domésticos que se sobrepõem ao exercício profissional, nem do medo de perder o emprego, nem da degradação da qualidade do trabalho devido ao teletrabalho, que se apresenta, em múltiplos contextos, como a solução mágica para todos os problemas. A flexibilização do tempo, espaço e contratos de trabalho – através do trabalho a distância, do trabalho digital, e da precariedade laboral- assim como as relações de dominação social - homens sobre as mulheres, brancos sobre os negros, locais sobre os estranjeiros, …- dificultam ainda mais a possibilidade de por em debate o trabalho real.

A pertinência de um dossier que discute precisamente tabus associados ao exercício do trabalho real, não poderia, neste contexto, ser maior.

O texto introdutor ao dossier, de Patricio Nusshold, Carole Baudin e Soledad Nion Celio, pontua a importância e os desafios associados ao desvelar deste trabalho real e apresenta os quatro textos que o compõem e que ora se debruçam sobre a dificuldade em discutir o trabalho real com as hierarquias, ora com a dificuldade que por vezes existe de fazê-lo connosco próprios.

Este número, extra dossier, possui ainda duas pesquisas empíricas: o texto de Rodrigo Augusto e Raoni Rocha, retoma a importância do conhecimento da atividade real de trabalho, associando-a, desta vez, à reflexão sobre os processos de transmissão de conhecimentos e de construção de competências, em situações em que a manutenção do conhecimento dentro da equipa é dificultado pela elevada rotatividade dos seus membros; no texto de Cira Bringas-Masgo e de Carolina Ullilen-Marcilla é feita a avaliação das luvas de proteção de riscos mecânicos utilizadas no setor da construção civil. A avaliação das características das luvas associada a uma análise antropométrica de trabalhadores deste setor permitiu constatar que este dispositivo oferece uma menor proteção quando é confecionado em tamanho único, colocando-se a questão do tempo de reposição das luvas em função das características das tarefas a realizar.

Jacques Leplat é, de novo, (sim! por que há autores, como Freud, Wisner ou Leplat aos quais vale sempre a pena voltar) o autor escolhido na rubrica Textos Históricos. Neste texto dos anos 80, Leplat refletia em que medida e sob que condições se podia considerar a psicologia do trabalho uma ciência fundamental ou uma “mera” aplicação da ciência psicológica. Sublinhando o contributo fundamental da psicologia do trabalho para o conhecimento científico em psicologia, referia, a título de exemplo, a questão do tempo associado à realização de tarefas: o tempo do laboratório é curto e a aprendizagem para a realização das tarefas deve ser rápida; nas situações de trabalho, a realização de uma atividade de trabalho pode ser feita ao longo de vários anos e, com o passar do tempo, os gestos, os automatismos, as tomadas de decisão, vão, necessariamente modificar-se. Não ter em conta as especificidades destes tempos afeta a análise de todos os aspetos que vão interferir, por exemplo, nos processos cognitivos. Na verdade, este artigo de Jacques Leplat oferece-nos uma interessante sinopse da história da psicologia do trabalho até aquele momento. Annie Weill-Fassina, ao comentar este texto, percebeu o desafio e estendeu o projeto com um apanhado histórico dos momentos-chave do percurso profissional de Jacques Leplat e dos pesquisadores que o acompanharam. Em jeito de balanço, realça a atualidade dos contributos do autor tanto para a resolução de problemas práticos, oriundos do terreno, como para o enriquecimento da teoria psicológica.

No datário apresentamos um dossier sobre o amianto e o difícil reconhecimento da catástrofe sanitária causada por essas fibras minerais. As mais recentes estimativas de mortalidade dão conta de 255 mil mortes causadas pelo amianto em todo o mundo, das quais 233 mil devido a exposição profissional. As datas, as lutas e a legislação produzida em diferentes geografias, permitem desenhar melhor as particularidades locais de um cenário que, na realidade, se apresenta sempre como uma verdadeira guerrilha jurídica, política, económica e social. Os textos de Annie Thébaud-Mony, Rogério Leitão, Lays Paes e Silva Dolivet, e, por último, Micheline Marier, oferecem-nos matéria para avançar notavelmente na compreensão desta questão.

Queremos agradecer infinitamente a todos os que participaram de um modo ou outro neste número. Aqueles de nós que comprometemos a nossa subjetividade com a Laboreal fazemo-lo voluntariamente e sem remuneração. Muitos realizam esta tarefa no âmbito das suas atividades universitárias, mas outros fazem-no principalmente graças ao seu empenho na investigação científica de qualidade. Estamos convencidos de que no dia em que não for possível debater o trabalho, a democracia no seu conjunto estará ameaçada. E, como veremos neste número, esta situação existe e está a multiplicar-se em determinados contextos. Se a atividade e o compromisso daqueles que constroem a sua saúde através do trabalho, o desenvolvimento e tudo o que tem valor genuíno para a humanidade não puder ser posto em evidência, as formas para a construção de um mundo mais justo encontra-se impedidas.

A todos desejamos uma boa leitura!

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