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Laboreal

versão On-line ISSN 1646-5237

Laboreal vol.11 no.1 Porto jul. 2015

https://doi.org/10.15667/laborealxi0115rr 

O DICIONÁRIO

 

KRONOS

 

 

Raoni Rocha[1]

[1]Curso de Engenharia de Saúde e Segurança Laboratório de Ergonomia Universidade Federal de Itajubá - Campus Avançado Itabira Rua Irmã Ivone Drumond, nº 200, Distrito Industrial II Itabira - MG Brasil

raoni.france@gmail.com

 

DEFINIÇÃO E BREVE HISTÓRICO

Kronos, ou Actogram Kronos, é um software de suporte à análise do trabalho, que torna visível a evolução de atividades laborais ao longo do tempo, em curtos ou longos períodos. Através de registros automáticos de data e hora, é possível obter gráficos e dados estatísticos sobre a duração e as transições de variáveis previamente definidas por um observador.

O Kronos foi desenvolvido por Alain Kerguelen e lançado oficialmente em 2001, em versões francesa e inglesa, com o intuito de responder às necessidades de ergonomistas e psicólogos do trabalho em projetos de análise da atividade (Kerguelen, 2008). Em 2012, a interface do programa foi inteiramente renovada, com o acesso às funções realizando-se de formas mais simples e interativa. Em 2014, esta ferramenta ganhou a sua versão em português, tanto para o software, quanto para o seu manual de utilização.

Mesmo sendo lançado de forma oficial somente em 2001, o software já era desenvolvido desde o início dos anos 90 (Kerguelen, 1991) e, a partir de então, foi aplicado de diversas maneiras e em diferentes ocasiões. Duarte (1994), um dos primeiros a fazê-lo, utiliza o Kronos no desenvolvimento da crônica da atividade de um operador de sala de controle em uma refinaria de petróleo, buscando mostrar as regulações e estratégias realizadas por ele em situação calma e situação perturbada. Assunção (2004), através do Kronos, justifica as sequências de operações e posturas adotadas por caixas de um hipermercado, contrapondo abordagens tradicionais que identificam e prescrevem "posturas corretas" que os trabalhadores devem adotar. Estryn-Behar et al. (2011), no estudo de agentes de uma instituição de acolhimento para idosos, se apoiam no Kronos para mostrar como a organização do trabalho determina a maneira na qual esses agentes podem realizar as suas tarefas. Delgoulet, Weill-Fassina e Mardon (2011) desenvolveram um estudo que buscou compreender em que medida as condições de trabalho de agentes de escolas maternais foram fontes de penosidade para eles (em termos de consequências físicas e psicológicas), mostrando os resultados por meio do Kronos. Le Bris e Barthe (2013) aplicam o Kronos para estudar o rodízio de equipes de montagem na indústria aeronáutica, ilustrando a dinâmica na qual essas equipes realizam rodízios entre si e propondo princípios para a organização deste rodízio. Rocha, Mollo e Daniellou (2014), por fim, utilizam o Kronos para avaliar a evolução do discurso sobre a segurança durante a implantação de um método de desenvolvimento de cultura de segurança numa empresa francesa de distribuição de energia elétrica e gás.

Baseado nos diferentes objetivos sobre os quais o Kronos foi aplicado, este artigo busca, além de defini-lo, mostrar sucintamente o seu funcionamento, suas principais contribuições e limites práticos.

 

COMO FUNCIONA O KRONOS?

A utilização do Kronos pode ser feita através de observação direta in situ ou a posteriori. Observações in situ são realizadas por meio do actopalm, vertente do Kronos desenvolvida especificamente para palmtops ou PDA's (Personal Digital Assistant), computadores de dimensões reduzidas, que normalmente cabem no bolso ou na mão do observador. Observações a posteriori são realizadas por meio de análises de filmes da atividade, que podem ser integradas no Kronos.

In situ ou a posteriori, a utilização do software demanda a compreensão de duas noções básicas: os "protocolos de descrição" e as "classes de observável". Um protocolo de descrição é uma tabela de códigos de eventos definidos pelo observador para ler as suas variáveis (ou observáveis). Este protocolo permite organizar as observáveis em estruturas hierárquicas, que serão divididas em subcategorias. O elemento hierarquicamente mais alto do conjunto das observáveis definidas no protocolo é denominado "classe de observável", função que permite associar um evento a uma duração: cada evento gera um estado que será interrompido pela ocorrência de outro evento da mesma classe de observável.

Por exemplo, se desejamos conhecer os deslocamentos de uma secretária nas diferentes salas em que ela trabalha, podemos denominar a classe de observável como "Local" e as subcategorias como "Recepção", "Escritório 1" e "Escritório 2", etc. Durante a observação, o observador registra as mudanças de local e o momento das mudanças. O período e a duração em cada um dos locais serão determinados pelo intervalo entre o local atual e o próximo local. Podemos, assim, ler cronologicamente os deslocamentos dessa secretária, observando quando e por quanto tempo ela permaneceu em cada um dos locais definidos no protocolo.

É possível, também, definir mais de uma variável para a observação. Retomando o exemplo acima, podem ser observados simultaneamente o local com a atividade realizada pela secretária (ex.: organização da agenda, atendimento ao telefone, atendimento ao cliente, etc.). Para isso, é necessário definir pelo menos duas classes de observáveis - como "Local" e "Atividade" - e as subcategorias de cada uma delas - como "Recepção", "Escritório 1" e "Escritório 2" (para Local) e "Organização da agenda", "Atendimento ao telefone", "Atendimento ao cliente" (para Atividade).

Além de local e atividade, outras classes de observáveis (e subcategorias) comumente utilizadas através do Kronos são "tipos de comunicação" ("verbal", "gestual", etc.), "direção do olhar" ("para a máquina X", "para o colega Y", para o aparelho Z") e "postura" ("de pé", "sentado", "inclinado", etc.).

 

QUAIS AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES E OS PRINCIPAIS LIMITES DO KRONOS?

As principais contribuições deste software se relacionam com a visualização do trabalho através de gráficos e a obtenção de estatísticas das variáveis.

Os gráficos permitem uma representação do desenvolvimento temporal de determinada observável. É possível verificar visualmente, por exemplo, quais atividades foram mais realizadas, em que local um determinado funcionário esteve, ou qual movimento foi mais solicitado. Esses gráficos são personalizáveis: podemos escolher o período a ser exibido, o modo de visualização por classe de observável (linhas, motivos, primeiro plano ou plano de fundo, etc.) e as propriedades da apresentação por categoria (cores, espessura das linhas, etc.).

Os elementos do gráfico podem, num segundo momento, ser formalizados através de indicadores estatísticos de durações de estado. Podemos obter estatísticas relacionadas tanto com a duração dos estados (ex.: uma secretária passa 30% do tempo observado na recepção, 40% do tempo observado no escritório 1 e 30% do tempo observado no escritório 2), quanto com a distribuição dos estados (ex.: um funcionário de lavanderia realiza a atividade de lavar a roupa poucas vezes, mas durante muito tempo, e a atividade de passar a roupa muitas vezes durante pouco tempo). As estatísticas permitem, também, que vejamos as relações de simultaneidade das observáveis escolhidas, nos casos em que há mais de uma classe de observável definida (ex.: uma secretária permaneceu 25% do tempo observado organizando agenda na recepção ou 17% do tempo em atendimento ao telefone no escritório 1).

O Kronos é, portanto, uma ferramenta extremamente útil na coleta de dados sobre o trabalho, pois nos permite observar a evolução de variáveis relacionadas à atividade realizada. Uma evolução que se dá tanto de forma visual, através dos gráficos, quanto de forma numérica, através das estatísticas fornecidas.

Por outro lado, se o software é eficaz na coleta de dados sobre trabalho, Kerguelen (2008) nos mostra que ele também apresenta alguns limites e cuidados que devem ser discutidos.

O primeiro deles se refere à definição das observáveis. Em alguns casos, essa definição pode ser clara do ponto de vista de índices visuais, mas pode não corresponder a uma descrição apropriada de acordo com os objetivos do trabalhador. Imaginemos, por exemplo, uma operadora que trabalha numa máquina de fabricação de peças de metal. Ela deve alimentar a máquina, separar as peças produzidas, controlar a qualidade através do descarte de peças defeituosas, limpar as peças, etc. Cada uma dessas atividades são, então, definidas no protocolo de descrição como "Alimentação", "Separação", "Controle" e "Limpeza". Durante as discussões com a operadora verifica-se que a atividade de descarte das peças (definida como "Controle") não se limita somente ao período de controle de qualidade, mas ocorre também durante a separação de peças. O risco reside no fato de que, confiando exclusivamente nas observáveis definidas pelo observador, representações errôneas do trabalho real da operadora sejam produzidas. Para evitar esse tipo de situação, principalmente em atividades de dimensões mais complexas, é interessante que se busque definir observáveis exclusivas (e excludentes entre si) que permitam responder às exigências de um referencial temporal não ambíguo.

O segundo desses cuidados se refere à distinção entre categorias descritivas e interpretativas. Alguns eventos não necessitam de interpretação na definição das observáveis, pois o evento contém nele mesmo todas as informações necessárias à codificação. Por exemplo, observáveis relativas a deslocamentos (localizações), posturas, utilização de ferramentas ou direção do olhar, permitem facilmente a construção de observáveis exclusivas. Por outro lado, codificações relativas ao desenvolvimento de uma atividade, geralmente supõe a inferência dos objetivos buscados pelo ator observado. Um exemplo que ilustra esse fato é a análise das comunicações verbais. Se algumas de suas características podem ser codificadas sem que se recorra à interpretação (como definição do interlocutor ou dos objetos da comunicação), as comunicações verbais geralmente necessitam do conhecimento do contexto, da tarefa realizada e da linguagem profissional do coletivo de trabalho analisado. Para superar esses riscos é necessário que se faça uma distinção entre códigos descritivos e interpretativos. Os códigos descritivos correspondem a categorias relativas a indicadores diretos e não ambíguos, como deslocamentos, posturas ou direção do olhar. Já os códigos interpretativos podem exigir conhecimentos específicos de um observador, fazendo referência a elementos do contexto, como comportamentos complexos e comunicações verbais.

Mesmo com limites inerentes a toda ferramenta tecnológica, o Kronos se apresenta como um suporte que possibilita tornar visível uma parte da atividade. Não se trata, portanto, de um método que, por si só (e sem observações do pesquisador ou entrevistas com os trabalhadores), determina um diagnóstico ergonômico, mas como uma ferramenta que dá sustentação ao primeiro e principal objetivo de analistas do trabalho: compreender este trabalho, para então buscar formas de transformá-lo e desenvolvê-lo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Assunção, A. A. (2004). A cadeirologia e o mito da postura correta. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 29(110): 41-55.         [ Links ]

Delgoulet, C., Weill-Fassina, & A., Mardon, C. (2011). Pénibilités des activités de service et santé des Agents Spécialisés des Écoles Maternelles. Des évolutions avec l'âge. Activités, 8(1), pp. 2-25, http://www.activites.org/v8n1/v8n1.pdf         [ Links ]

Duarte, F. (1994). A análise ergonômica e a determinação de efetivos: estudo da modernização tecnológica de uma refinaria de petróleo no Brasil. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Estryn-Behar, M., Chaumon, E., Garcia, F., Milanini-Magny, G., Bitot, Th., Ravache, A.E., & Deslandes, H. (2011). Isolement, parcellisation du travail et qualité des soins en gériatrie. Activités, 8(1), pp. 77-103,http://www.activites.org/v8n1/v8n1.pdf         [ Links ]

Kerguelen, A. (1991). Pre and post observational categorisation, application to the kronos software aid for activity analyses. In Y. Quéinnec, & F. Daniellou (Eds.), Designing For Everyone (pp. 504-506). London: Taylor & Francis.         [ Links ]

Kerguelen, A. (2008). Actogram Kronos: un outil d'aide à l'analyse de l'activité. In H. Norimatsu, & N. Pigem (Eds.), Les techniques d'observation en sciences humaines (pp. 142-158). Paris: Armand Colin.         [ Links ]

Le Bris, V., & Barthe, B. (2013). Écrits de relève de poste: une activité continue. Activités, 10(1), 31-54,http://www.activites.org/v10n1/v10n1.pdf         [ Links ]

Rocha, R., Mollo, V., & Daniellou, F. (2014). Work debate spaces: A tool for developing a participatory safety management. Applied Ergonomics, 46, 107-114.         [ Links ]

 

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO?

Rocha, R. (2015). Kronos. Laboreal, 11(1), 115-118. http://dx.doi.org/10.15667/laborealxi0115rr

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