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Laboreal

versão On-line ISSN 1646-5237

Laboreal vol.10 no.2 Porto dez. 2014

https://doi.org/10.15667/laborealx0214jtpt 

RESUMOS DE TESES

 

La transmisión profesional: procesos de elaboración de interacciones formativas en situación de trabajo. Una investigación del personal de cuidados en salud de un centro hospitalario universitario

A transmissão profissional: processo de elaboração de interações formativas em situação de trabalho. Uma pesquisa realizada junto à equipe de cuidados em saúde de um centro hospitalar universitário

La transmission professionnelle: processus d’élaboration d’interactions formatives en situation de travail. Une recherche auprès de personnels soignants dans un centre hospitalier universitaire

Transfer of professional skills: processes of elaboration of formative interactions in work situations. A research focused on the nursing staff in a university hospital

 

Jeanne Thébault

Centre d’Etudes de l’emploi (Cee), Centre de Recherches sur l’Expérience, l’Age et les Populations au Travail (Creapt), “Le Descartes I”, 29 promenade Michel Simon, 93166 Noisy-le-Grand Cedex, France

jeanne.thebault@cee-recherche.fr

 

Thébault, J. (2013). La transmission professionnelle: processus d’élaboration d’interactions formatives en situation de travail. Une recherche auprès de personnels soignants dans un Centre Hospitalier Universitaire. Thèse de doctorat en Ergonomie, CNAM/CEE-CREAPT, Paris.

 

 

1. A TRANSMISSÃO PROFISSIONAL COMO ASPECTO CENTRAL NO QUE SE REFERE ÀS EVOLUÇÕES DEMOGRÁFICAS E DO TRABALHO

Se a temática da transmissão de saberes profissionais em situação de trabalho não é novidade, se colocam atualmente, em torno dela, preocupações importantes, tanto do ponto de vista das evoluções do trabalho, como das evoluções demográficas (Volkoff, 2011). O grande desafio para as empresas torna-se, então, o de criar condições para que haja, em seu interior, a circulação “flexível” dos saberes profissionais. Tal problemática também diz respeito às instituições hospitalares francesas. Elas têm ciência de que existe uma importante renovação de sua população e, ao mesmo tempo, são afetadas por profundas restruturações relacionadas às políticas sociais, econômicas e de gestão de todo o setor da saúde (Gheorghiu, Guillemot, & Moatty, 2009). A transmissão dos saberes profissionais deve, então, ser realizada em um contexto de mudança que, consequentemente, desestabiliza as práticas da equipe envolvida diretamente nas atividades de cuidado. Tal contexto demanda um olhar mais atento às condições de execução da transmissão profissional, e também sobre as possibilidades de realmente implantá-las.

A “transmissão profissional” é considerada aqui num sentido mais amplo em relação aquele atribuído aos dispositivos institucionais nomeados como “tutoria”. Ela é tratada como uma atividade completa, inteira, realizada em, por e para a atividade de trabalho, na qual as dimensões da prática profissional são mediadas pelo outro. É definida como o “conjunto de trocas acerca das práticas profissionais, ao longo da realização do trabalho, entre os indivíduos com percursos, experiências e idades diversas. Tais trocas são marcadas pelas assimetrias relacionadas à diversidade dos indivíduos” (Thebault, 2013, p. 28). Esta pesquisa nos permitiu construir um modelo em termos de “processo de desenvolvimento de interações formativas em situação de trabalho.”

As interações formativas têm como base três componentes principais, articulados entre si e constituintes de uma dinâmica de conjunto: a co-construção de uma relação entre os protagonistas, a conciliação entre as atividades de transmissão e de produção, bem como a combinação de saberes profissionais.

 

2. UM PERCURSO METODOLÓGICO MULTIFACETADO

Nossa pesquisa foi realizada em um Centro Hospitalar Universitário (CHU), com base em uma abordagem metodológica que combina métodos quantitativos no que concerne à demografia do trabalho (Molinié, & Volkoff, 2002) e métodos qualitativos em ergonomia. Com relação à análise ergonômica, três serviços foram particularmente investigados (Cirurgia Cardíaca, Reumatologia e Cuidados e Reabilitação), e contrastados do ponto de vista das especialidades médicas, da organização, das características dos pacientes e da composição das equipes. Doze turnos de trabalho (totais ou parciais) constituíram-se como objeto de observações sistemáticas cujo foco foram as interações formativas.

Tais observações foram combinadas, quando possível, com entrevistas, auto-confrontações ou reuniões/discussões, principalmente junto às supervisoras (enfermeiras e auxiliares). Tais situações dizem respeito às diferentes formas de acolher os recém chegados ao serviço: sete situações de supervisão de estudantes, seis de acolhimento de novos trabalhadores do serviço, uma situação de acolhimento de equipe externa ao serviço (equipe de substituição que serve como referência para todo CHU) e uma situação de coparticipação entre a equipe permanente do serviço e a equipe compartilhada entre várias unidades de serviço. Destaca- se que, dentre as situações estudadas, seis delas combinaram o acolhimento simultâneo de várias pessoas recém chegadas. Por fim, tais elementos foram complementados por três sessões de “oficinas reflexivas”, realizadas com estudantes do último ano de enfermagem, com base em elementos previamente analisados.

 

3. AS INTERAÇÕES FORMATIVAS NO TRABALHO: TRÊS COMPONENTES ARTICULADOS ENTRE SI

O modelo da transmissão profissional aqui proposto baseia-se na combinação de elementos da literatura e aqueles advindos do conjunto das análises dos dados encontrados em campo. Cada uma das situações observadas e os comentários associados ajudaram a nutrir a caracterização das dimensões consideradas na investigação. Para compreender os três componentes do modelo, no entanto, é necessário compreender o contexto em que ocorrem.

3.1 A transmissão profissional: uma atividade sob constrangimentos.

Um CHU tem como missão, entre outras, as de acolhimento, supervisão e formação inicial e contínua de profissionais de cuidados da saúde. Este tipo de instituição pública, possui ainda, de maneira simultânea, uma dupla lógica: de produção de cuidado e de formação. Dois arranjos institucionais, de formação e de inserção, estão presentes: de uma parte, o acolhimento de estudantes em formação para a realização de seus estágios e, de outra parte, um período de duas semanas de formação de “duplas” entre um colega recém chegado à equipe e outro mais antigo. Olhando mais de perto, esses dispositivos pouco enquadram o processo e deixam a gestão da transmissão a cargo da discrição das equipes de cuidado em saúde.

Nossa análise das condições de acolhimento e supervisão apontam rígidas limitações de tempo e uma instabilidade das equipes: a chegada de um novo nem sempre é antecipada, nem por ele, nem pela equipe, que descobre o fato no início do turno; as limitações do serviço podem diminuir o tempo de permanência da “dupla” e, portanto, levar um recém chegado a rapidamente assumir sozinho algumas das tarefas; o “novato” pode ainda acabar ficando com um profissional pouco experiente ou passar de um profissional a outro. Da mesma forma um membro da equipe pode ter que acolher vários profissionais recém chegados ao mesmo tempo e, por fim, pode acontecer ainda de alguns dos recém chegados já conhecerem muito bem o tipo de cuidado a ser oferecido, os pacientes ou os equipamentos desde o momento de sua chegada, devido à sua experiência pregressa. Em contrapartida, os antigos profissionais, aqueles que estão há mais tempo no serviço, podem se encontrar na situação de “novatos”, quando o seu serviço eventualmente muda de especialidade ou quando diferentes atribuições os levam a estar menos presentes no serviço em questão.

Além disso, a urgência da oferta de uma ação de cuidado pode causar a interrupção ou a alteração das modalidades de transmissão; o tempo necessário para supervisionar um recém chegado pode reduzir a possibilidade de ajudar outros colegas ou pode ainda fazer com que se deixe tarefas para a equipe que assumirá o turno seguinte. Por fim, a aplicação de um exame (para estudantes) pode atrapalhar o desenvolvimento das ações de cuidado e, ao mesmo tempo, transformar a organização do trabalho criando problemas de identificação, erros, eventuais esquecimentos, equívocos, ou impossibilidade de acesso a certos locais. Assim, a natureza discreta desta tarefa exige das equipes de saúde um forte investimento, tanto para criar as modalidades de interações formativas como para coloca-las em prática.

3.2 Integrar a transmissão na atividade de trabalho

A transmissão acontece no curso da atividade de produção, partilhando portanto, das mesmas exigências. Os protagonistas deverão elaborar meios de decidir, com vistas a conciliar, da melhor forma possível, as atividades de produção e de transmissão. Neste contexto, as supervisoras, mais que os recém chegados, tentam construir, agenciar espaços (momento, lugar, etc) para efetuar a transmissão, em função das margens de manobra que dispõem, mas também em função daquelas que são capazes de construir, individualmente e coletivamente. Três tipos de situação foram identificados, de acordo com as exigências presentes: “colocar entre parênteses”, “aproveitar as oportunidades” e, “para além da dupla”.

Nas situações de maior exigência (muitos recém chegados presentes simultaneamente, reorganização permanente das tarefas de cuidado, etc.) a transmissão pode se encontrar “entre parênteses”. As margens de manobra para conciliar as atividades de trabalho e de transmissão são restritas e as supervisoras não são capazes de criá-las por si só. A transmissão não é, então, prioridade em relação aos objetivos da produção (o cuidado).

Nas situações em que as exigências são menos severas, as supervisoras aproveitam as oportunidades que se apresentam. Neste caso, as interações formativas são enriquecidas: testes de conhecimento, exercícios ou discussões se desenvolvem. Trata-se igualmente para as supervisoras, da construção de margens de manobra para que a transmissão aconteça sob boas condições. A mudança destas condições não acontece, por vezes, sem custo para elas, pois mesmo se os recém chegados têm capacidade para realizar certas ações de cuidados sozinhos, as supervisoras ficam atentas ao que eles realizam, pois o conjunto de cuidados fica sobre sua responsabilidade.

Por fim, nas situações qualificadas como “para além da dupla”, é o coletivo que sustenta, que se ocupa, da conciliação entre produção e transmissão, gerando uma para favorecer a outra. Em algumas situações, supervisionar um aluno pode tornar-se, por si só, um espaço de discussão dentro do coletivo (intra e interprofissional) ou ainda de aprendizagem mútua e partilha da prática entre todos.

3.3 Co-construir uma relação

As interações formativas implicam, ao menos, dois atores. O seu desenvolvimento, obviamente, determina os saberes profissionais abordados, mas ela tem também como objeto moldar a própria relação. Esta noção de “relação” permite enfatizar a dimensão temporal das interações para além do face-a-face instantâneo/ momentâneo. Encarar a co-construção de uma relação na elaboração das interações formativas permite por um lado, perceber a atividade de cada um dos protagonistas e dar ênfase na igualdade de suas intervenções e, por outro lado, dar ênfase no componente coletivo, próprio da atividade de construção da relação entre eles.

Assim, o desenrolar do período de acolhimento e de supervisão oferece, a um e a outro, numerosas ocasiões de dar visibilidade aos seus próprios recursos e as próprias expectativas, além de avaliar aquelas do protagonista, além de propor ênfase, mais ou menos explicitamente, nesta atividade comum. Cada um, comprometido na construção da relação, torna visível o que sabe ou não, questiona o outro, o que permite aos protagonistas se ajustarem. De um primeiro ponto de vista, este “ajustamento” relaciona-se aos conhecimentos que cada um adquire sobre o funcionamento do outro. De um segundo ponto de vista, refere-se à co-elaboração de regras de uso das interações formativas propriamente ditas.

No entanto, a “dupla” não é definida em definitivo. Por exemplo, um determinado estudante não terá uma única supervisora durante todo o estágio. Não está prevista ainda a duração da dupla e, nem sempre, ela é escolhida antecipadamente. Os recém chegados serão ainda, apoiados por várias supervisoras diferentes durante o seu período de acolhimento e, cada uma das supervisoras terá, potencialmente sob sua responsabilidade, uma diversidade de recém chegados. No entanto, duas configurações estão surgindo: os protagonistas se encontram pela primeira vez, ou já se conhecem. Parte-se também do conjunto de situações observadas, a possibilidade de uma aproximação cronológica na elaboração da relação, indo da “descoberta da dupla” até o momento no qual os protagonistas são chamados à se separar (término da fase oficial de “tutoria” ou “dupla”).

3.4 Combinar os saberes profissionais

Abordar o aspecto da combinação de saberes profissionais como último ponto da apresentação do modelo, permite chamar à atenção sobre o fato que os elementos precedentes contribuem para orientar a escolha do tipo de conteúdo abordado, a atenção direcionada a cada um deles, ou ainda a ênfase sobre a importância de um ou outro conteúdo. Esta postura, no entanto, não impede, considerar que há comentários sobre os dois outros componentes, no momento do anúncio de um conteúdo.

Em nossa análise dos conteúdos, temos a ideia de que o conhecimento profissional discutido durante as interações formativas é “situado” em relação ao contexto particular do trabalho (Cloutier et al., 2012). No entanto, mesmo se é a ação em curso que orienta os conteúdos abordados, nossos resultados mostram que eles podem fazer referência aos espaços temporais passados e futuros. Os comentários que acompanham uma indicação fornecida pela supervisora pode vir das ações anteriores; enquanto que as trocas em que são discutidas as dimensões da atividade profissional com os estudantes, por exemplo, os leva a se projetarem para o futuro. A transmissão profissional é então, situada nela mesma e também diacrônica.

Segundo o que foi mostrado em outras pesquisas sobre as situações de aprendizagem no trabalho, nossos resultados também mostram um amplo desenvolvimento das temáticas abordadas no curso das interações formativas. Nos interessam as dimensões específicas da atividade de trabalho, abordadas ao longo das trocas, e, assim, nós as classificamos com referência em quatro polos em torno dos quais se organizam as atividades de serviço: o “sistema”, os “outros”, “si mesmo” e o “destinatário do serviço” (Caroly, & Weill-Fassina, 2007), para enfatizar que não se trata apenas do conhecimento “técnico”. Nossos resultados também mostram que os conteúdos abordados na ocasião das interações formativas, podem ser centrados em apenas um dos polos, ou combiná-los diretamente.

 

4. A TRANSMISSÃO PROFISSIONAL: DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES REFLEXIVAS E REVELADORA DAS EXIGÊNCIAS DO TRABALHO

Uma ideia colocada em evidência por este trabalho, é a de que não é possível definir de maneira simples o que seria uma “transmissão de qualidade”, porque não existem critérios formais simples para avaliá-la. No entanto, as análises levam-nos a esclarecer duas coisas. Primeiramente, uma transmissão de qualidade seria aquela na qual o conjunto de componentes do modelo apresentado poderia ser implantado. Em segundo lugar, uma transmissão de qualidade poderia ser aquela na qual desenvolver-se-ia, o máximo possível, práticas reflexivas, não somente na ocasião da transmissão, mas também em referência a ela.

Em nossa opinião, o estudo da transmissão em termos de interações formativas coloca em evidência, por si mesmo, as limitações dos sistemas de trabalho, a sua variação e as possibilidades de enfrentamento. Não poderíamos então considerar que algumas das condições que tornam possível a manutenção do desenvolvimento de interações formativas em situação de trabalho, são também aquelas que permitem preservar a qualidade do trabalho?

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Caroly, S., & Weill-Fassina, A. (2007). En quoi différentes approches de l’activité collective des relations de services interrogent la pluralité des modèles de l’activité en ergonomie? @ctivités, 4(1), 85-98. http://www.activites.org/v4n1/v4n1.pdf         [ Links ]

Cloutier, E., Fournier, P.-S., Ledoux, E., Gagnon, I., Beauvais, A., & Vincent-Genod, C. (2012). La transmission des savoirs de métier et de prudence par les travailleurs expérimentés – Comment soutenir cette approche dynamique de formation dans les milieux de travail. Études et recherches, Rapport R-740. Montréal: IRSST.         [ Links ]

Gheorghiu, M., Guillemot, D. & Moatty, F. (2009). Changements organisationnels et mise en place de la tarification à l’activité dans les établissements hospitaliers français. Communication aux Journées internationales de sociologie du travail, juin, Nancy.         [ Links ]

Molinié, A.-F., & Volkoff, S. (2002). La démographie du travail, pour anticiper sur le vieillissement. Lyon: Editions ANACT.         [ Links ]

Thébault, J. (2013). La transmission professionnelle: processus d’élaboration d’interactions formatives en situation de travail. Une recherche auprès de personnels soignants dans un Centre Hospitalier Universitaire. Thèse de doctorat en Ergonomie, CNAM/CEE-CREAPT, Paris.

Volkoff, S. (2011). Les éléments d’une nouvelle donne sociodémographique. In C. Gaudart et J. Thébault, Transmission des savoirs et mutualisation des pratiques en situation de travail, Actes du colloque de décembre 2009 (9-18). Cee, Rapport de Recherche, 64.         [ Links ]

 

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO?

Thébault, J. (2014). A transmissão profissional: processo de elaboração de interações formativas em situação de trabalho. Uma pesquisa realizada junto à equipe de cuidados em saúde de um Centro Hospitalar Universitário. Laboreal, 10(2), 83–87. http://dx.doi.org/10.15667/laborealx0214jtpt

 

A tradução deste artigo para português foi realizada por Juliana de Oliveira Barros.

Manuscrito recebido em: setembro/2014

Aceite após peritagem: novembro/2014

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