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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Print version ISSN 1646-2122On-line version ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.27 no.2 Lisboa June 2019

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Validade e Fiabilidade do Teste Stress Manual e Gravitacional nas Fraturas Maleolares Equivalentes

 

Isabel RosaI, II; Joaquim RodeiaI; Pedro Xavier FernandesI; Raquel TeixeiraI; Hugo RibeiroI; Luís SobralI

I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital de S. Francisco Xavier.
II. Nova Medical School - Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivo: Terá o teste stress manual e gravitacional qualidade para separar populações de indivíduos com fratura maleolar com ou sem lesão do ligamento deltoide?

O objetivo primário consiste em determinar a validade e fiabilidade do teste stress manual, comparando-o com a radiografia stress gravitacional. Secundariamente avaliar se o espaço tíbio talar medial ≥4 ou ≥5 mm tem valor preditivo diferente para lesão do ligamento deltoide.

Material e Métodos: Efetuamos um estudo coorte prospetivo. A amostra dividiu-se em grupo I (teste stress manual) e grupo II (radiografia gravitacional) com fratura maleolar associada ou não a lesão do ligamento deltoide. Os testes foram exclusivamente realizados pelo autor, embora a sua interpretação tenha sido concretizada por avaliadores independentes, cegos para o resultado entre observadores.

Resultados: Na amostra de 65 doentes, obtivemos no grupo I uma sensibilidade de 97%, especificidade e valor preditivo positivo de 100%. Enquanto no grupo II a sensibilidade foi de 100%, o valor preditivo positivo 97% e negativo 100%.

Verificámos que o espaço tíbio talar medial ≥5 vs ≥4mm tem uma sensibilidade 100% vs 91%, especificidade 100% vs 100%, valor preditivo positivo 100% vs 100% e negativo 100% vs 60%.

Em ambos os testes observou-se uma excelente concordância intraobservador e interobservador.

Conclusões. Um espaço tíbio talar medial ≥5 mm tem valor preditivo superior na avaliação da integridade e competência do ligamento deltoide. O teste de stress manual e gravitacional são uma ferramenta eficaz, tornando-se fundamental na decisão terapêutica na fratura maleolar isolada com suspeita de lesão medial.

Palavras chave: Fratura maleolar, lesão do ligamento deltoide, radiografia gravitacional, teste stress manual, espaço tíbio talar medial.

 

ABSTRACT

Background: Can the manual and gravity stress test quality to separate populations with a malleolar fracture with or without a deltoid ligament injury?

The author intends to assess validity and accuracy of the manual external rotation stress test comparing it with gravity stress radiography. Secondarily evaluate whether the medial clear space ≥4 or ≥5 mm has different predictive value for lesion of the deltoid ligament.

Methods: A consecutive series of patients with isolated lateral malleolar fractures were prospectively enrolled. The sample was divided into group I (manual stress) and group II (gravity stress) with malleolar fracture with or without deltoid ligament injury. The medial clear space on the ankle’s mortise radiography was measured by blinded observers. Inter and intraobserver reliability was assessed.

Results: In the sample of 65 patients, we obtained in group I a sensitivity of 97%, specificity and positive predictive value of 100%. While in the group II the sensitivity was 100%, the positive predictive value 97% and negative 100%.

We found that the medial clear space ≥ 5 vs ≥ 4 mm had a sensitivity of 100% vs 91%, specificity 100% vs 100%, positive predictive value 100% vs 100% and negative 100% vs 60%.

In both tests an excellent intraobserver and interobserver reliability was observed.

Conclusion: A medial clear space ≥5 mm has a higher predictive value in assessing the integrity of the deltoid ligament. The manual and the gravity stress test are an effective tool in assessing the deltoid competence in isolated lateral malleolus fractures.

Key words: Ankle fracture, deltoid ligament injury, gravity stress radiography, manual stress radiography, medial clear space.

 

INTRODUÇÃO

As fraturas maleolares têm aumentado nas últimas décadas, os estudos epidemiológicos de Court-Brown et al, calcularam uma incidência de 125 /100.000 / ano1. Elas são mais comuns nos doentes do género feminino a partir dos 50 anos, vítimas de acidentes de baixa energia, ou em jovens do género masculino no seguimento de acidentes desportivos ou viação.

A congruência das superfícies articulares durante a carga, os complexos ligamentares estáticos, e as unidades músculo tendinosas dinâmicas, são os principais contribuintes para a estabilidade da articulação do tornozelo. O ligamento deltoide é responsável pela estabilização medial, limitando a translação anterior, posterior e lateral do astrágalo na articulação talocrural. O seu feixe profundo é o principal bloqueador da rotação externa do astrágalo, sendo o contribuinte mais importante para a estabilidade do tornozelo2,3,4.

Identificar uma lesão do ligamento deltoide numa fratura maleolar lateral isolada e alinhada, continua a ser fundamental para diferenciar o seu grau de estabilidade. A fratura maleolar associada a rotura ligamentar, deve ser considerada instável e tem indicação cirúrgica, de forma a manter o astrágalo estável na pinça maleolar5,6,7,8.

Quando se utiliza um teste para fazer a distinção entre indivíduos com resultados normais (sem lesão) ou anormais (com lesão), é importante compreender como é que as características se encontram distribuídas entre as populações. Há também que determinar o ponto de corte acima do qual o teste é considerado positivo e abaixo do qual é considerado negativo9.

A medição do espaço tíbio talar medial é comumente usada para avaliar a competência do ligamento deltoide e a estabilidade nas fraturas do tornozelo. Michelson em 2001 no seu estudo em 8 cadáveres, demonstrou que a presença na radiografia de stress gravitacional de um desvio talar> 2 mm ou um angulo talar> 10º, era indicativo de instabilidade por rotura completa do deltoide5. Estudos de McConnel, Gill, Schock e DeAngelis determinam que um espaço tíbio talar medial ≥ 4 mm, ou ≥ 1 mm que o espaço tíbio talar superior, em radiografia a 10º de rotação interna, constitui fator preditivo de lesão dos feixes profundos deste ligamento6,7,8,10.

Já Park em 2006, no seu estudo em 6 cadáveres alerta que espaço tíbio talar medial ≥ 5 mm tem maior valor preditivo na determinação do grau de instabilidade11.

Uma vez que as decisões clínicas são frequentemente baseadas em diferenças de 1 a 2 milímetros, é crucial percecionar qual a concordância na medição. Trabalhos em cadáver de Metitiri e Ghorbanhoseini alertam para o elevado grau de erro e falta de precisão nas medições12.

É assim fundamental determinar a fiabilidade ou reprodutibilidade do teste escolhido. Um facto é que se os resultados obtidos não se puderem reproduzir, o valor e a utilidade desse teste será mínimo, independentemente da sua sensibilidade ou especificidade9.

O teste stress manual tem sido usado classicamente, mas como é difícil padronizar e nem sempre é tolerado pelo utente, a sua praticidade tem sido questionada. Também alguns autores têm alertado que a radiografia de stress gravitacional sobrestima os resultados. Por conseguinte continua a não haver consenso quanto ao melhor instrumento a utilizar como método de avaliação da integridade e competência do ligamento deltoide13,14,15,16.

Poderão estes testes, ter qualidade para separar populações de indivíduos com fratura maleolar com ou sem lesão do ligamento deltoide, para que possam ser tomadas decisões racionais acerca da sua utilização e interpretação?

Com o nosso estudo pretendemos avaliar se o teste de stress manual ou a radiografia de stress gravitacional, poderá revelar-se uma ferramenta eficaz na avaliação da competência do ligamento deltoide, tornando-se assim fator fundamental na decisão terapêutica na fratura do maléolo lateral isolada.

Assim o objetivo primário consiste em determinar a validade e a fiabilidade do teste stress manual, quando comparada com outro método de imagem a radiografia stress gravitacional. E secundariamente determinar se o espaço tíbio talar medial ≥4 mm ou ≥5 mm tem um valor preditivo diferente para lesão do ligamento deltoide.

 

CASO CLÍNICO

 

MATERIAL E MÉTODOS

No período compreendido entre 10 Fevereiro de 2016 e 30 Novembro de 2017, obtivemos uma população de 105 doentes com fratura maleolar isolada, admitidos no serviço de urgência.

Foram incluídos no estudo, os doentes com maturidade esquelética, as fraturas do maleolo lateral com suspeita de lesão do ligamento deltoide ou com avulsão do maleolo medial até 5mm, fratura maleolo lateral com encurtamento> 2mm ou desvio rotacional. Foram excluídas, trauma prévio a nível maleolar, fratura isolada do maleolo medial, posterior ou sem lesão do ligamento deltoide, as operadas por outros colegas ou com mais de 15 dias após o episódio traumático agudo e ainda os transferidos para outra instituição hospitalar. Obtivemos assim, uma amostra de 65 utentes.

Efetuamos um estudo observacional longitudinal, coorte prospetivo comparativo.

Utilizámos a radiografia stress gravitacional como “padrão de ouro” para determinar o estado do ligamento deltoide de cada um dos indivíduos da nossa população.

A amostra dividiu-se em dois grupos: o grupo I (teste stress manual) com fratura maleolar associada a lesão do ligamento deltoide (doentes expostos) ou sem lesão do ligamento deltoide (doentes não expostos) e o grupo II (radiografia stress gravitacional) com fratura maleolar associada a lesão do ligamento deltoide (doentes expostos) ou sem lesão do ligamento deltoide (doentes não expostos).

Neste estudo a dimensão do espaço tíbio talar medial foi centrado nos <4 mm, ou ≥4 mm e ≥5 mm, permitindo assim a separação de indivíduos sem ou com lesão do ligamento deltoide.

A radiografia stress gravitacional foi efetuada com o paciente em decúbito lateral sobre o lado lesionado, ficando o tornozelo e o pé pendente pelo efeito da gravidade, fora da marquesa de Raio X.

O teste stress manual foi realizado no bloco operatório sob anestesia, com o pé em dorsiflexão e 15º de rotação interna, aplicando força de rotação externa e visualizado em intensificador de imagem, marca Philips.

As imagens dos dois testes, foram gravadas digitalmente através do sistema IMPAX®. A fim de se evitar o enviesamento da análise, os testes foram exclusivamente realizados pelo autor da investigação, embora a sua interpretação tenha sido concretizada por avaliadores independentes, cegos para o resultado entre observadores. Assim, a população em estudo foi dividida entre quatro observadores, que receberam instruções para medir o espaço tíbio talar medial. Foram utilizados critérios de leitura semelhantes para os dois testes, com medição em mm do espaço tíbio talar medial entre o bordo medial do astrágalo e o bordo lateral do maleolo medial, desenhando uma linha perpendicular a 0,5 cm do rebordo superior da superfície articular medial (Figura 1).

 

 

Para calcular a concordância percentual observada e a concordância percentual esperada apenas por acaso da medição do espaço tíbio talar medial, adicionamos os números em que as leituras de ambos os observadores estiveram de acordo, dividimos essa soma pelo número total de medições lidas e multiplicámos o resultado por 100. Calculou-se ainda a estatística Kappa9,17. Obteve-se o valor Kappa pela equação: (Concordância percentual observada) - (Concordância percentual esperada apenas por acaso) / 100% - (Concordância percentual esperada apenas por acaso).

Efetuamos ainda a análise estatística descritiva dos dados, com recurso ao Software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 23, apresentando-se os dados categóricos como percentagens, enquanto as variáveis contínuas foram caracterizadas com recurso a medidas de tendência central e de dispersão. Foi utilizado o teste Chi-Square para avaliar a associação entre duas variáveis, o teste Kolmogorov- Smirnov para verificar a normalidade da população em estudo e o teste de Mann-Whitney para avaliar a significância. Como forma de avaliação da relação linear entre os dois testes, utilizou-se o coeficiente de correlação Pearson. O nível de significância considerado foi de p ≤ 0,05, de acordo com o habitualmente preconizado a nível internacional.

Todos os participantes assinaram o Consentimento Informado, respeitou-se a Lei 67/98 de 26 de Outubro da Proteção de Dados, revogada pela Deliberação 1704/2015, assim como autorização pela comissão de Ética do Hospital.

 

RESULTADOS

Na população de 105 doentes com fratura maléolo lateral isolada, foram excluídos 40 utentes: 26 (24,8%) com fratura do maleolo lateral sem lesão do ligamento deltoide, 2 operados por outros colegas, 2 com mais de 15 dias após o episódio traumático agudo e 10 transferidos para outra instituição hospitalar.

Dos 65 doentes elegíveis, 25 (38,5%) eram do género masculino e 40 (61,5%) do feminino. A média de idade foi de 50,7 (Max 85 e Min 14) com desvio padrão de 17,5. Em relação à lateralidade, 31 (47,7%) eram à direita e 34 (52,3%) à esquerda. 47 (72,3%) foram vítimas de queda, 15 (23,1%) de acidente desportivo e 3 (4,6%) de acidente de viação.

No grupo I, a instabilidade foi confirmada em 60 (92,3 %). Registaram-se os seguintes valores: espaço tíbio talar medial <4mm em 5 (7,7%), ≥ 4mm em 24 (36,9%) e ≥ 5mm em 36 (55,4%). Os indivíduos com espaço ≥ 5mm, 17 (56,7%) classificaram-se predominantemente como 44B2.1 e 9 (56,3%) 44B2.3 (p value= 0,54).

Enquanto no grupo II, a instabilidade foi confirmada em 62 (95,3 %), através da medição de um espaço tíbio talar medial≥ 4mm em 35 (53,8%) e ≥ 5mm em 27 (41,5%). Os indivíduos com espaço ≥ 4mm, 20 (66,7%) classificaram-se predominantemente como 44B2.1 e os com espaço ≥ 5mm, 9 (30,0%) como 44B2.1 e 9 (56,3%) como 44B2.3 (p value =0,023). A média do espaço tíbio talar medial medida em mm no grupo I com lesão de ligamento deltoide (doentes expostos) foi de 6,3 (max 17,7 e min 4) com desvio padrão de 3,2 e intervalo de confiança 95% de 5,5 a 7,2. Nos casos sem lesão do ligamento deltoide (doentes não expostos) foi de 3,3 (max 3,7 e min 2,6) com desvio padrão de 0,6 e intervalo de confiança 95% de 1,8 a 4,9.

A média do espaço tíbio talar medial medida em mm, no grupo II com lesão de ligamento deltoide (doentes expostos) foi de 5,89 (max 23 e min 4) com desvio padrão de 3,4 e intervalo de confiança 95% de 5,0 a 6,7. Nos casos sem lesão do ligamento deltoide (doentes não expostos) foi de 3,1 (max 3,8 e min 2,6) com desvio padrão de 0,6 e intervalo de confiança 95% de 1,6 a 4,7.

No grupo I (teste stress manual) e no II (radiografia gravitacional) obtivemos uma sensibilidade de 97% e 100%, enquanto a especificidade foi de 100% e 60%. Obtivemos ainda um valor preditivo positivo (VPP) de 100% e um valor preditivo negativo (VPN) de 60%, contra um VPP de 97% e VPN de 100% respetivamente.

Assim registou-se no grupo I, 60 verdadeiros positivos, 3 verdadeiros negativos e 2 falsos negativos enquanto no grupo II a destacar 60 verdadeiros positivos, 2 falsos positivos, 3 verdadeiros negativos (Quadro 1).

Procuramos ainda determinar o valor preditivo para lesão do ligamento deltoide tendo em conta a diferença do espaço tíbio talar medial de ≥4 mm ou ≥5 mm. Verificámos que um espaço maior que cinco tem uma sensibilidade, especificidade, VPP e VPN de 100%, respetivamente. Enquanto um espaço maior que quatro tem uma especificidade e VPP de 100% e uma sensibilidade 91% e VPN de 60% (Quadro 2).

No diagrama apresentado no quadro 3 e 4, as leituras efetuadas pelo 1º observador foram esquematizadas em tabulação cruzada com a segunda leitura realizada em tempo diferente (intraobservador) e com as do 2º observador (interobservador). Avaliando a variação intraobservador no teste stress manual, verificou-se uma concordância percentual de 95%, enquanto na interobservador foi de 88%, havendo uma muito forte associação entre as variáveis em estudo (Qui Square) com p value=0,000.

Na radiografia gravitacional, na variação intraobservador verificou-se uma concordância percentual de 97%, enquanto na interobservador foi de 91%, havendo também uma muito forte associação entre as variáveis em estudo (Qui Square) com p value=0,000.

No teste stress manual, consideremos então as leituras no quadro 5, em que por exemplo 7,7 do total de 5 indivíduos com espaço <4mm ou 33,8% de 24 indivíduos com espaço ≥4 mm ou ainda 58,5% dos 36 com espaço ≥5 mm. Assim a concordância percentual esperada apenas por acaso no intraobservador foi de 45,2% e a estatística Kappa de 0,91. Enquanto no interobservador foi 45,5% e o valor da estatística Kappa foi 0,78.

Ainda se considerarmos no quadro 6, por exemplo para a radiografia gravitacional que 4,6% do total de 3 indivíduos com espaço <4mm, ou 53,8% dos 35 indivíduos com espaço ≥4 mm ou ainda 41,55% dos 27 com espaço ≥5 mm, a concordância esperada apenas por acaso no intraobservador foi de 46,3% e a estatística Kappa de 0,94. Enquanto no interobservador foi de 45,2% e a estatística Kappa teve um valor de 0,84.

Na análise estatística, quando se verificou a normalidade da população em estudo com o teste Kolmogorov- Smirnov, obteve-se para cada um dos grupos um valor de 0,000, assim rejeitou-se a hipótese de normalidade, pelo que se optou pelo teste de Mann- Whitney, obtendo-se um valor de 0,000, no grupo I e de 0,005 no grupo II, com uma evidência muito forte de uma diferença entre expostos e não expostos. Utilizando o teste Chi-Square, houve também uma muito forte associação entre os dois testes em estudo com p value= 0,000.

Procurando avaliar se existe uma relação linear entre o teste stress manual e gravitacional, utilizou-se o coeficiente de correlação Pearson, obtendo-se um valor de 0,712, valor próximo de 1, revelando haver uma forte evidência de correlação direta entre as duas variáveis (Quadro 7).

 

 

Comparando a validade e a fiabilidade através de representação gráfica, obtivemos uma distribuição dos resultados dos testes desenhada por uma curva dispersa centrada no verdadeiro valor (Quadro 8).

 

DISCUSSÃO

A fratura do maleolo lateral é o padrão mais comumente observado nas fraturas do tornozelo. As isoladas são rotineiramente tratadas de forma não cirúrgica. No entanto, quando associadas a lesão do complexo ligamentar medial, devem ser consideradas instáveis e consensualmente tratadas cirurgicamente por forma a restaurar a anatomia e a estabilidade do tornozelo.

Michelson et al5 e Gill et al7 recomendam a radiografia gravitacional, considerando-a tão confiável como o teste de stress manual, mas tendo como vantagem a menor exposição à radiação ionizante.

A medição do espaço tíbio talar medial provou ser um meio amplamente aceite de determinar radiograficamente a integridade do ligamento deltoide profundo e consequentemente a sua competência. Contudo, persistem dúvidas quanto ao melhor instrumento a utilizar na avaliação da estabilidade nas fraturas maleolares isoladas.

Os indicadores do nosso projeto assentam sobre uma população de doentes (N=105) com fratura maleolar isolada, admitidos no serviço de urgência. A elegibilidade dos participantes foi garantida através do cumprimento de critérios de inclusão e exclusão, minimizando a influência de possíveis variáveis de confundimento. Obtivemos assim, uma amostra de 65 indivíduos. A fim de se evitar o enviesamento da análise, os exames foram exclusivamente realizados pelo autor da investigação, embora a sua interpretação tenha sido concretizada por avaliadores independentes, cegos para os resultados, eliminando assim o elemento subjetivo da leitura. A amostra foi dividida por quatro observadores, que receberam instruções para medir o espaço tíbio talar medial nas imagens gravadas no sistema IMPAX®, dos dois testes. Foram utilizados critérios de leitura semelhantes, com medição em mm do espaço tíbio talar medial entre o bordo medial do astrágalo e o bordo lateral do maleolo medial, desenhando uma linha perpendicular a 0,5 cm do rebordo superior da superfície articular medial, à semelhança do preconizado por Travis Motley14 e Rungprai et al19. Também Murphy et al18, alertaram para a variabilidade de métodos de medição do espaço tíbio talar medial, aconselhando a realização da radiografia a 15º de rotação interna e em carga comparando com o tornozelo contra lateral, sugerindo que a medição perpendicular tinha maior fiabilidade interobservador e intraobservador quando comparado à medição obliqua ou ao espaço tíbio talar superior.

No nosso estudo no Grupo I, foi realizado no bloco operatório, o teste stress manual. A instabilidade foi confirmada em 60 (92,3 %). A média do espaço tíbio talar medial medida em mm no grupo I com lesão de ligamento deltoide (doentes expostos) foi de 6,3 (max 17,7 e min 4) com desvio padrão de 3,2 e intervalo de confiança 95% de 5,5 a 7,2. Nos casos sem lesão do ligamento deltoide (doentes não expostos) foi de 3,3 (max 3,7 e min 2,6) com desvio padrão de 0,6 e intervalo de confiança 95% de 1,8 a 4,9 (p = 0,000).

Enquanto no grupo II, a instabilidade foi confirmada em 62 (95,3 %) e a média do espaço tíbio talar medial medida em mm, nos doentes expostos foi de 5,9 (max 23 e min 4) com desvio padrão de 3,4 e intervalo de confiança 95% de 5,0 a 6,7e nos não expostos foi de 3,1 (max 3,8 e min 2,6) com desvio padrão de 0,6 e intervalo de confiança 95% de 1,6 a 4,7 (p = 0,000).

Estes valores são sobreponíveis aos resultados apresentados por Gill et al7 em 25 indivíduos, comparando o teste stress manual com o gravitacional. Neste estudo, no grupo supinação rotação externa (SER) II o espaço tíbio talar medial médio foi de 4,15 mm e 4,26 (p = 0,50) e no grupo SER IV, foi de 5,21 e 5,00 mm respetivamente (p = 0,69). Houve diferenças significativas entre o grupo SER II e SER IV em relação ao espaço tíbio talar medial nos dois grupos, p <0,02 e p <0,05 respetivamente.

No nosso estudo, no grupo I do teste stress manual obtivemos uma sensibilidade de 97%, identificando assim como positivo 97% dos 62 indivíduos com a lesão do ligamento deltoide (n=60). Enquanto o teste gravitacional tinha uma sensibilidade de 100%, identificando, portanto, como positivo 100% dos 60 indivíduos identificados pelo teste do grupo I. São os verdadeiros positivos do grupo I e II. A especificidade no grupo I foi de 100%, enquanto a do grupo II foi de 60%. Obtivemos ainda no grupo I um VPP de 100% e um VPN de 60%, com uma probabilidade de haver lesão em 40%, enquanto na radiografia gravitacional obtivemos um valor de 97% e 100% respetivamente. O ideal seria que todos os indivíduos com a lesão fossem corretamente designados pelo teste como positivos (verdadeiros positivos) e os sem lesão corretamente designados como negativos (verdadeiros negativos), contudo na prática tal é muito raro9. O que constitui um potencial problema uma vez que, se o individuo tem a lesão e o teste for negativo (falso negativo), iremos optar por um tratamento conservador ao invés de cirúrgico e se for positivo num sem lesão (falso positivo) estamos a condenar um individuo a uma cirurgia sem necessidade.

Quando se avaliou a lesão do ligamento deltoide tendo em conta a diferença do espaço tíbio talar medial de ≥4 mm ou ≥5 mm, verificámos que um espaço maior que cinco tinha uma sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo de 100%, respetivamente. Enquanto um espaço maior que quatro tinha uma especificidade e valor preditivo positivo de 100% e uma sensibilidade de 91% e valor preditivo negativo de 60%, revelando ter menor valor na avaliação da competência do ligamento deltoide. Dados semelhantes foram obtidos com os estudos de Park et al11, estes autores mostraram que o espaço tíbio talar medial de 5 mm nas radiografias de stress manual, tinha uma sensibilidade, uma especificidade e valores preditivos positivo e negativo de 100%. Diferentes quando se considerou a medição de 4 mm, com uma sensibilidade de 100% e igual valor preditivo negativo, contudo, menor especificidade e valor preditivo positivo de 87% e 60% respetivamente.

Estudos recentes em cadáver de Metitiri e Ghorbanhoseini12 alertaram para o grau de erro de medição e falta de precisão nas medições do espaço tíbio talar medial, fundamentais na decisão de tratamento. Também Seidel et al20, referem que as radiografias stress gravitacional, podem sobrestimar as fraturas maleolares laterais isoladas do tipo SER com indicação cirúrgica.

Por conseguinte é fundamental determinar se a leitura entre o mesmo observador e observadores independentes estão de acordo, para além do que seria de esperar também que acontecesse apenas por acaso. De facto, podem ocorrer diferenças entre duas ou mais leituras dos resultados de um mesmo teste feitas pelo mesmo observador (variação intraobservador) assim como entre observadores (variação interobservador), pelo facto de que dois indivíduos raramente obtêm o mesmo resultado, devendo ser expressa a extensão de concordância em termos quantitativos9.

Utilizamos o valor de estatística Kappa, proposta por Cohen em 196017. Assim o Kappa exprime até que ponto é que a concordância observada excede a esperada apenas por acaso relativamente ao máximo que os observadores poderiam esperar melhorar na sua concordância.

Landis e Kosch21 sugeriram que um Kappa maior que 0,75 representa uma excelente concordância, Kappa abaixo de 0,40 representa uma concordância fraca e um valor entre 0,40 e 0,75 entre intermédia e boa.

No nosso estudo quando consideramos a radiografia stress manual, na avaliação intraobservador verificou-se uma concordância percentual de 95%, uma concordância percentual esperada apenas por acaso de 45,2% e um valor estatística Kappa de 0,91, enquanto no interobservador foi de 88%, 45,5% e 0,78 respetivamente, o que representa uma excelente concordância entre intraobservador e interobservador.

E quando consideramos a radiografia gravitacional na avaliação intraobservador, obtivemos uma concordância percentual de 97%, uma concordância percentual esperada apenas por acaso de 46,3% e um valor de estatística Kappa de 0,94, enquanto no interobservador foi de 91%, 45,2% e 0,84 respetivamente, o que representa também uma excelente concordância.

Como ponto fraco do estudo, as imagens obtidas dependeram muito da experiência do técnico de imagiologia, da qualidade da imagem e da própria colaboração do utente, também é relevante a dificuldade em padronizar a força necessária a aplicar no teste de stress manual.

Este último teve a vantagem de ter sido efetuado sob anestesia eliminando o viés subjetivo da dor ou desconforto do doente. Contudo, é condicional a um exame de diagnóstico prévio como a radiografia gravitacional.

Apesar de considerarmos serem necessários mais estudos comparativos, comprovou-se o valor destes dois instrumentos na avaliação da competência do ligamento deltoide, obtendo-se através de representação gráfica uma distribuição dos resultados desenhada por uma curva dispersa centrada no verdadeiro valor, indicador que os resultados obtidos foram ao mesmo tempo validos e fiáveis. Também o coeficiente de correlação Pearson de 0,712, valor próximo de 1, mostrou haver uma forte evidência de correlação direta entre os dois testes.

 

CONCLUSÃO

No nosso estudo verificamos que o espaço tíbio talar medial ≥5 mm tem uma sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo, superior na avaliação da integridade do ligamento deltoide.

O teste stress manual assim como o gravitacional revelaram ser uma ferramenta eficaz na avaliação da competência do ligamento deltoide, podendo considerar-se fator fundamental na decisão terapêutica em fraturas do maléolo lateral isoladas.

 

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Isabel Rosa
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital de S. Francisco Xavier
Estrada do Forte do Alto do Duque
1449-005 Lisboa
Telefone: +351 965 758 709

isabelpiresrosa@gmail.com

 

Data de Submissão: 2018-12-27

Data de Revisão: 2019-05-22

Data de Aceitação: 2019-05-22

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