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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.26 no.4 Lisboa dez. 2018

 

CASO CLÍNICO

 

Tumores Glómicos extra-digitais - A propósito de 2 casos clínicos e revisão da literatura

 

Hugo FernandesI; Mariana OliveiraI; Rita LopesI; João SousaI; Leonor FernandesI; Rui AmaralI

I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar do Oeste, Torres Vedras.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

O tumor glómico é um tumor de características geralmente benignas. Correspondem a apenas 1.6% do total de tumores de partes moles das extremidades e estão localizados na sua maioria na mão (60% sub-ungueais). Clinicamente são caracterizados por uma tríade clássica: dor intensa, despropositada e paroxística, parestesias e hipersensibilidade ao frio. Na maioria dos casos têm uma dimensão de até 5mm. O seu diagnóstico pode ser difícil, nomeadamente nos casos em localização extra-digital, sendo raros os relatos de casos nestas localizações.

Apresentam-se dois casos de pacientes, com massas no dorso da mão e região pré-patelar, respectivamente, com clínica sugestiva de tumor glómico, e com diagnóstico confirmado  por exame histológico após a excisão completa. Os sintomas resolveram na sua totalidade após a intervenção cirúrgica.

O diagnóstico atempado e a excisão cirúrgica completa são a conduta mais adequada.



Palavras chave: Tumor glómico, extra-digital, punho, joelho.

 

ABSTRACT

The glomus tumor is usually a benign tumor. They account for only 1.6% of all soft-tissue tumors at the extremities and are mostly located in the hand (60% subungual). Clinically a classic triad characterizes them: intense, paroxysmal pain, paraesthesia and hypersensitivity to cold. In most cases, they are smaller than 5mm. Its diagnosis can be difficult, especially in cases with an extra-digital location, with rare reports of cases in these locations.

We present two cases of patients, one with a lump on the dorsum of the hand and the other on the prepatellar region. In both cases, the clinical examination was suggestive of a glomus tumor, and the diagnosis was confirmed by histologic examination after complete excision. Symptoms resolved after surgery.

Early diagnosis and complete surgical excision are the most appropriate course of action.

Key words: Glomus tumor, extra-digital tumor, wrist, knee.

 

INTRODUÇÃO

O glomangioma (ou tumor glómico), é um tumor de características geralmente benignas, cuja primeira descrição ocorreu no início do século XIX com William Wood (1812). Foram melhor compreendidos com o trabalho de Masson em 19241. Estão descritas três formas histológicas distintas para estes tumores: O tipo I é mucoide hialino, o tipo II é o tipo sólido (classicamente referido como o tumor glómico) e o tipo III é um angioma. Podem ser identificados tumores histologicamente diferentes ao mesmo tempo no mesmo doente. Devem ser distinguidos de outros tumores benignos como schwanoma, neuroma, neurofibroma, lipoma, hemangioma, fibrolipoma, quisto mucoide e hiperplasia dos corpúsculos de Pancini2.

Correspondem a apenas 1.6% do total de tumores de partes moles das extremidades. Localizados na sua maioria na mão (60% sub-ungueais), têm uma estrutura neuromioarterial e correlacionam-se intimamente com as anastomoses arteriovenosas (corpos glómicos) na camada reticular da derme1,3.

Clinicamente são caracterizados por uma tríade clássica: dor intensa, despropositada e paroxística, parestesias e hipersensibilidade ao frio. Surgem na sua maioria na 3ª-6ª décadas de vida, sem clara preponderância de sexo, havendo autores que correlacionem a sua génese com traumatismo e autores que descrevem casos sem historia pregressa de trauma2,4. Na maioria dos casos têm uma dimensão de até 5mm, sendo muito raros os tumores acima de 10mm5. O seu diagnóstico pode  ser difícil, nomeadamente nos casos em localização extra-digital, sendo frequentemente confundidos com hemangiomas, neuromas, neurofibromas e até quistos sinoviais. Este atraso no diagnóstico causa maior morbilidade e incapacidade. São raros os relatos de casos de localizações excluindo a mão.

A excisão cirúrgica completa é o tratamento de escolha1,2,4.

 

CASOS CLÍNICOS

1) Homem de 56 anos, sem patologia médico-cirúrgica relevante, apresentava massa (2.5cm) na face dorsal do punho esquerdo, de crescimento progressivo ao longo de 2 anos, acompanhando-se por parestesias e hiperalgesia ao toque. Não tinha história de traumatismo local e não apresentava outras massas de características semelhantes. Foi efectuada uma ecografia que não esclareceu a natureza da massa (Figura 1a). Foi submetido a excisão cirúrgica, sob anestesia geral por abordagem directa dorsal (Figura 1b, c, d).

 

 

 

A massa, de localização sobre o retináculo extensor, era mole e móvel em relação ao plano superficial, não pulsátil, sem flutuação, com pedículo vascular anastomosado à rede venosa dorsal da mão. Foi feita exérese total de uma formação nodular com 2.6x2x1.2cm. O exame anátomo-patológico confirmou o diagnóstico de glomangioma (Figura 1e, f). Os sintomas regrediram imediata e completamente, e aos dois anos de seguimento não existem sinais de recidiva.

 

 

2) Homem de 64 anos, sem patologia médico-cirúrgica relevante, apresentava massa pré-patelar direita, com cerca de 2cm de diâmetro, de crescimento lento ao longo de cerca de 10 anos, acompanhada por hiperalgesia ao toque. Não havia história de traumatismo local ou outras massas de características semelhantes. Foi submetido a excisão cirúrgica, sob anestesia geral, por abordagem directa (Figura 2a, b, c).

 

 

A massa de localização supra-aponevrótica era mole e móvel em relação ao plano superficial, não pulsátil, sem flutuação, com pedículo vascular anastomosado proximalmente à rede venosa. Foi feita exérese total de uma formação nodular com 2x1.5x1cm. O exame anátomo-patológico relevou o diagnóstico de glomangioma (Figura 2d, e). Os sintomas regrediram imediata e completamente e, com um ano de seguimento, não existem sinais de recidiva

 

 

 

DISCUSSÃO

Fundamental no controlo da temperatura e pressão sanguínea, o corpo glómico, aquando da sua transformação hiperplásica, torna-se numa importante fonte de dor na região sub-ungueal dos dedos da mão, havendo vários casos descritos nessa localização3. Excluindo esta localização os tumores glómicos são raros e o seu diagnóstico pode ser difícil, uma vez que a apresentação raramente inclui os 3 sintomas clássicos de dor intensa e desproporcionada, parestesias e intolerância ao frio. Há casos descritos de tumores glómicos intraósseos, no sistema gastro-intestinal, respiratório, renal, mediastino, punho, antebraço, pé e joelho1,2,7.

Os tumores de localização extra digital parecem atingir mais os indivíduos do sexo masculino (♂4.6:1♀), entre a 3ª e 6ª década de vida, a tríade clássica sintomática pode estar presente, mas a clínica é muito mais variável. O rápido crescimento no primeiro caso não é o habitual, geralmente é lento (superior a 10 anos segundo alguns autores) e a história pregressa de traumatismo é relatada em apenas 20-30% dos casos. A sua dimensão geralmente não ultrapassa os 10 mm1,2,4,8. O tamanho dos tumores nos casos clínicos aqui descritos é excecional, não existindo muitos casos semelhantes na literatura.

A hipersensibilidade álgica desproporcionada e paroxística é muito sugestiva para o diagnóstico. Extrapolando das descrições daqueles com localização sub-ungueal, o teste de sensibilidade ao frio (no qual a dor deve ser reproduzível aquando se expõe a área ao frio) deve ser tentado. O estudo de Bhaskarand e Navadgi6 em 2002 que envolvia 18 doentes revelou que o teste da sensibilidade ao frio tinha 100% sensibilidade, especificidade e acuidade.

O exame complementar mais sensível e específico é a ressonância magnética, podendo, no entanto, a sua especificidade nestes casos ser inferior a 50%9. A ecografia é útil para determinar o tamanho, localização e forma do tumor e como parte do planeamento pré-operatório. O Doppler consegue mostrar em alguns casos um fluxo aumentado intratumoral10,11. Só a anatomia patológica dá o diagnóstico definitivo.

O tratamento indicado é a excisão cirúrgica completa, que na maioria dos casos é possível, dada a localização superficial e bem delimitada, obtendo-se taxas de cura superiores a 95% dos casos. A taxa de recidiva do tumor glómico varia de 1% a 33%, dependendo da serie analisada1,2,4. Quando a recidiva ocorre no pós-operatório precoce, acredita-se que resulte de uma excisão incompleta. Quando ocorre tardiamente (anos após a cirurgia) pensa-se que seja devida ao desenvolvimento de um novo tumor glómico ou ao não reconhecimento no primeiro tempo operatório de outros tumores, mais pequenos. Após a excisão, e se não forem observadas complicações, é esperado que o doente experiencie uma completa remissão da sintomatologia, como nos casos apresentados pelos autores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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11. Fan Z, Wu G, Ji B. Color doppler ultrasound morphology of glomus tumors of the extremities. Springerplus. 2016; 5: 13-15        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Hugo Fernandes
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Centro Hospitalar do Oeste, Torres Vedras
Rua Dr. Ricardo Belo
2560-051 Torres Vedras
h5caetano5@gmail.com

 

Data de Submissão: 2018-05-29

Data de Revisão: 2018-08-31

Data de Aceitação: 2018-10-31

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