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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.26 no.3 Lisboa set. 2018

 

CASO CLÍNICO

 

Volumoso quisto acromioclavicular como apresentação invulgar de rotura massiva da coifa dos rotadores

 

Samir KarmaliI; Nuno BarbosaI; Jorge Teixeira RamosI; João AlmeidaI; João CardosoI; André BarrosI; Bárbara RosaI; Ana LopesI; Daniel Sá da CostaI; Diogo Silva GomesI; Pedro Quinaz NetoI

I. Serviço de Ortopedia, Hospital de Vila Franca de Xira.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivo: Os quistos sinoviais da articulação acromioclavicular (AC), podem ocorrer associadas à artrose AC ou como consequência da rotura massiva da coifa dos rotadores. Com o presente caso, os autores pretendem apresentar e discutir uma situação pouco frequente.

Relato de caso: Homem de 81 anos, referenciado à consulta de Ortopedia por tumefação da região superior do ombro direito, indolor e de aumento progressivo nos últimos 2 anos. Avaliação clínica e radiológica compatível com volumoso quisto sinovial da acromioclavicular, associado a rotura massiva da coifa dos rotadores; submetido a tratamento cirúrgico com excisão marginal da lesão; a análise anatomopatológica confirmou o diagnóstico de quisto sinovial.

Comentários: Os quistos sinoviais da articulação AC são entidades raras e pouco abordadas na literatura. A sua etiologia permanece por esclarecer ainda que um dos tipos descritos pareça estar associada à omatrose com rotura massiva da coifa dos rotadores (artropatia da coifa); nestes, a rotura da coifa permite a passagem de grandes quantidades de líquido sinovial para o espaço subacromial com formação de um volumoso quisto. Atendendo à sua raridade, o tratamento permanece controverso. O caso vem alertar para a ocorrência dos quistos da articulação AC, como apresentação invulgar de artropatia das coifa dos rotadores, discutindo a sua etiologia e abordagem terapêutica adequada.

Palavras chave: Ombro, quisto acromioclavicular, coifa dos rotatores, rotura da coifa, artropatia da coifa.

 

ABSTRACT

Objectives: Synovial cysts of the acromioclavicular (AC) usually occur in the setting of AC arthrosis, or more frequently, as a consequence of massive rotator cuff tears. With the following case report, the authors pretend to presente and discuss an unusual situation.

Case report: An 81-year-old male, presented to our outpatient clinic due to a non-traumatic, painless lump on the superior aspect of his right shoulder, with progressive enlargement in the last 2 years. Clinical examination and imagiologic assessment showed a large acromioclavicular joint cyst associated with a massive rotator cuff tear; the patient was submitted to surgical treatment with excision of the lesion; anatomopathological exams confirmed the diagnosis of joint cyst.

Discussion: AC joint cysts are rare and sparsely discussed in the literature. Their etiology remains to be clarified, although, one of the types described is thought to be associated with glenoumeral arthrosis with massive rotator cuff tears (cuff arthropathy). In these, the rotator cuff tear allows the passage of large amounts of synovial fluid to the subacromial space, leading the formation of a large cyst. Treatment remains controversial given its rarity. The case should raise awareness for the occurrence of AC synovial cysts as unusual presentations of rotator cuff arthropathy, discussing their etiology, diagnostic and therapeutic approach.

Key words: Shoulder, acromioclavicular cyst, rotator cuff, cuff tear, arthrophaty.

 

INTRODUÇÃO

Os quistos sinoviais da articulação acromioclavicular (AC) são entidades raras, podendo ocorrer associadas a artrose AC ou como consequência da rotura massiva da coifa dos rotadores. Com a apresentação de caso de um volumoso quisto AC, os autores pretendem discutir a sua etiologia, abordagem diagnóstica e terapêutica.

 

RELATO DE CASO

Homem, 81 anos, dextro, referenciado à consulta de Ortopedia por tumefação da região superior do ombro direito, indolor e de aumento progressivo nos últimos 2 anos, apenas com queixas referidas à fricção com o vestuário. Clinicamente com massa mole, de consistência elástica, com flutuação e sob tensão, sem sinais inflamatórios e de dimensões aproximadas de 10x7cm (Figura 1). O arco de mobilidade do ombro era de abdução de 90 graus, antepulsão de 90 graus, rotação externa de 30 graus e rotação interna ao nível de L5; apresentava teste de Jobe positivo, belly-press negativo e lag em rotação externa negativo. O exame radiológico simples do ombro evidenciou alterações degenerativas da articulação AC e gleno-umeral com migração superior da cabeça umeral e diminuição do espaço subacromial (Figura 2-A). Realizou ecografia de partes moles revelando massa quística, na dependência da articulação AC; a ressonância magnética (RM) confirmou o volumoso quisto sinovial bem delimitado, de 8x5x8 cm superiormente à articulação AC e evidenciou rotura massiva da coifa dos rotadores com atrofia marcada e infiltração adiposa dos corpos musculares do supra e infra-espinhoso (Goutallier grau III), bem como moderada omartose (Figura 2-B,C,D,E). Após discussão das opções terapêuticas e atendendo às expectativas do doente (apenas com desconforto causado pela tumoração, sem dor e com mobilidades satisfatórias para a sua atividade diária) foi submetido a excisão marginal do quisto sinovial e cleidectomia parcial externa (Mumford), sem intercorrências (Figura 3). Intraoperatoriamente, confirmou-se ausência de cobertura da cabeça umeral por rotura irreparável da coifa póstero-superior. O resultado anatomopatológico confirmou o diagnóstico de quisto sinovial. Às 2 semanas pós operatório verificou-se deiscência da ferida cirúrgica com extravasamento de aparente liquido sinovial; foi isolado no mesmo staphylococcus aureus multisensível, concomitante a elevação analítica dos parâmetros inflamatórios (proteína C-reativa de 27,26 mg/dl e velocidade de sedimentação 150 mm). Foi realizada lavagem e desbridamento cirúrgico, tendo sido aplicado penso em vácuo; instituída antibioterapia dirigida com flucloxacilina durante 6 semanas, com normalização dos parâmetros inflamatórios e encerramento da ferida (Figura 4). O doente cumpriu treino de reabilitação funcional. Atualmente com 1 ano pós operatório, sem sinais de recidiva, sem dor e com mobilidades articulares sobreponíveis ao pré-operatório, mantendo-se satisfatórias para a sua atividade de vida diária.

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os quistos da articulação AC são infrequentes e pouco abordados na literatura, existindo pouco mais de 50 casos publicados desde a sua primeira descrição por Craig em 19841,2. A sua etiologia permanece por esclarecer ainda que, consensualmente se possam estabelecer dois tipos de quistos: do tipo 1, menos frequentes, aqueles que estão confinados à articulação AC, com coifa íntegra, geralmente decorrentes de traumatismo isolado (incluindo luxação) ou de repetição, doença metabólica ou infecciosa; e os do tipo 2, mais frequentes, estando associados a omatrose com rotura massiva da coifa dos rotadores (artropatia da coifa)3,4. Nestes últimos, o processo inflamatório artrósico e instabilidade mecânica gleno-umeral cursam com hiperprodução de líquido sinovial. Adjuvados pela migração superior da cabeça umeral que erode a região inferior do complexo ligamentar da articulação AC, resultam na passagem de grandes quantidades de líquido entre estas duas articulações (descrita por Craig como o sinal do “geyser”), dando origem ao quisto sinovial3,5,6. Ainda que historicamente a artrografia e a ecografia tenham tido um papel importante, a RM é indispensável nos dias de hoje na caracterização do quisto e das lesões associadas nomeadamente da coifa dos rotadores3,6. Atendendo à sua raridade, o  tratamento permanece controverso, no entanto deve ser dirigido à causa subjacente, quando possível3,7. Enquanto para os quisto do tipo 1, é advogada a cleidectomia parcial externa e bursectomia, para os quistos do tipo 2, o tratamento deve ter em conta o processo artrósico e a rotura massiva da coifa. A aspiração do quisto geralmente resulta numa elevada taxa de recorrência, pelo que não é recomendada3,8. Quando possível a reparação da coifa, esta deve ser realizada concomitantemente com a excisão do quisto. Perante uma artopatia da coifa, o tratamento varia mediante das queixas, status funcional e comorbilidades do doente. Assim, além da excisão do quisto, podem ser realizados a cleidectomia parcial externa (como no presente caso), bem como artrodese da AC, hemiartroplastia, atroplastia total e artoplastia invertida do ombro3,7. No presente caso, o doente apresentava mobilidades articulares ativas que eram adequadas à sua exigência funcional, sem queixas álgicas associadas, pelo que se optou apenas pela excisão e cleidectomia parcial externa.

 

CONCLUSÃO

O caso vem alertar para a ocorrência de quistos sinoviais da articulação AC como apresentação invulgar de artropatia das coifa dos rotadores. A associação de outros gestos cirúrgicos à excisão do quisto não é consensual, devendo ser adequadas a cada caso individual.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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5. Craig EV. The geyser sign and torn rotator cuff: clinical significance and pathomechanics. Clin Orthop Rel Res. 1984; 191: 213-215        [ Links ]

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Samir Karmali
Serviço de Ortopedia
Hospital de Vila Franca de Xira
Estrada Nacional 1, Povos
2600-009 Vila Franca de Xira
Telefone: 91 519 77 39
samir_karmali@hotmail.com

 

Data de Submissão: 2018-05-11

Data de Revisão: 2018-05-27

Data de Aceitação: 2018-07-01

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