SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.25 número3Fragilidade no idoso internado num Serviço de OrtopediaMenisco discóide: Controvérsias do tratamento índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.25 no.3 Lisboa set. 2017

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Envelhecimento, metabolismo e nutrição no doente ortopédico

 

Paulo FelicissimoI; Jaime BrancoII, III

I. Serviço de Reumatologia, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Hospital Egas Moniz, Lisboa. Lisboa.
II. CEDOC, Nova Medical School/ Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa.
III. Serviço de Ortopedia B do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, Amadora.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

O envelhecimento é com frequência acompanhado de diminuição do metabolismo basal. São vários os fatores que condicionam o seu aparecimento. Como consequência destes fatores a prevalência da desnutrição varia entre 5-20% em idosos residentes na comunidade e superior a 60% em idosos institucionalizados. São vários os estudos que apontam para um aumento de risco de infeção em cirurgia ortopédica associada à desnutrição. Neste trabalho os autores efetuaram uma revisão da literatura sobre o tema entre 1980 e 2016. Na literatura científica têm sido utilizados vários métodos para identificar a desnutrição: valores serológicos laboratoriais, medidas antropométricas ou a utilização de sistemas de score. Entre estes o “Rayney-MacDonald nutritional índex“ é um dos mais utilizados e usa os valores séricos da albumina e da transferrina para efetuar o calculo que permite identificar o estado nutricional do doente. É importante que os serviços de ortopedia desenvolvam uma metodologia de avaliação do estado nutricional dos doentes, em especial os mais idosos como é o caso dos doentes com fratura da extremidade proximal do fémur de forma a corrigir deficiências e prevenir complicações.

Palavras chave: Envelhecimento, fisiologia da nutrição no idoso, cirurgia ortopédica.

 

ABSTRACT

Aging is often accompanied by decreased basal metabolism. There are several factors that determine their appearance. As a result of these factors the prevalence of malnutrition varies between 5-20% in elderly community residents and more than 60% in institutionalized elderly. In this work the authors carried out a review of the literature on the subject between 1980 and 2016. Several studies point to an increased risk of infection in orthopedic surgery associated with malnutrition. In scientific literature, several methods have been used to identify malnutrition: serological laboratory values, anthropometric measurements or the use of score system. Among these the “Rayney-MacDonald nutritional index” is one of the most used and uses the serum levels of albumin and transferrin to make the calculation for identifying the patient nutritional status. It is important for orthopedic services to develop a methodology for assessing the nutritional status of patients, especially the elderly as in the case of patients with hip fractures in order to correct deficiencies and prevent complications.

Key words: Aging, elderly nutrition physiology, orthopedic surgery.

 

INTRODUÇÃO

O envelhecimento é com frequência acompanhado de desnutrição, a qual pode aumentar o risco de infeção após cirurgia ortopédica. Neste artigo abordam-se os fatores responsáveis pela desnutrição no idoso, complicações e métodos de diagnóstico.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Os artigos científicos que serviram de base para a elaboração deste artigo foram selecionados a partir da pesquisa de artigos publicados em língua inglesa, na  PubMed Medline contendo as palavras de pesquisa  “malnutrition”, “orthopaedic sugery”, “aging” em diferentes combinações entre 1980 e 2016.

 

RESULTADOS

O envelhecimento é com frequência acompanhado de diminuição do metabolismo basal1,2. Tal circunstância resulta da redução da massa magra, em especial das fibras musculares metabolicamente ativas3.

Com o envelhecimento existe uma redução da ingestão alimentar. Os fatores apontados para esta diminuição são: perda de apetite; redução do olfato e paladar; patologia oral; saciedade precoce4,5,6. São também reconhecidos como elementos importantes, os fatores psicossociais, económicos e associados à toma de medicamentos7. Os idosos também alteram os seus hábitos alimentares com predileção por alimentos menos energéticos como os vegetais e frutas em lugar dos altamente energéticos como os doces e os nutrientes ricos em proteínas8. Como consequência destes fatores a prevalência da desnutrição varia entre 5-20% em idosos residentes na comunidade e superior a 60% em idosos institucionalizados9.

O termo desnutrição tem sido associado a uma nutrição insuficiente na grande maioria dos estudos ortopédicos. Contudo, a definição utilizada para este termo pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é a de excesso ou insuficiência nutritiva10. Na realidade vários estudos demonstraram que mesmo no obeso existem insuficiências nutricionais, pelo que o termo desnutrição parece bem adaptado para os doentes com peso insuficiente ou excessivo11. A desnutrição tem sido associada a um aumento da morbilidade na cirurgia ortopédica, com um aumento do número de infeções12,13,14. Esta associação entre desnutrição e infeção pós cirúrgica pode ser explicado pela menor capacidade de cicatrização da ferida operatória e ainda pelo processo inflamatório prolongado, com repercussão sobre vários mecanismos15,16,17. Entre eles a redução da capacidade de proliferação do fibroblasto e a síntese do colagénio18. A obesidade é também fator de risco para infeção por estar associada a maior possibilidade de ocorrer necrose dos adipócitos, com a formação de espaço morto, o que naturalmente condiciona a velocidade de cicatrização da ferida operatória18. A obesidade aumenta na maioria dos casos a dificuldade da técnica cirúrgica, com o aumento do tempo operatório, o que é só por si um risco de infeção19. Isto é particularmente importante no paciente idoso20. Na literatura científica têm sido utilizados vários métodos para identificar a desnutrição: valores serológicos laboratoriais21,22; medidas antropométricas16; ou a utilização de sistemas de pontuação23. Os valores serológicos mais utilizados para identificar desnutrição são o valor de linfócitos <1500 células mm3 e uma albumina sérica < 3,5gr/dL24. Valores de transferrina sérica < 200mg/dl são também considerados como indicador de desnutrição15. Embora a pré-albumina tenha sido utilizada em alguns estudos como indicador de desnutrição, não existe uma definição do valor abaixo do qual se deve considerar a sua existência25. Os valores considerados normais variam entre 16-35 mg/dL. Embora seja ainda motivo de controvérsia, alguns trabalhos sugerem que doentes submetidos a artroplastia com níveis séricos de zinco baixos (< 95μg/dL) apresentam com maior frequência atraso da cicatrização da ferida cirúrgica26. Em outros estudos foram ainda utilizados como indicadores de desnutrição a relação valores séricos albumina/globulina <1,5 (valor normal 1,5-2,3) e a relação do nº de linfócitos / monócitos inferior a 527.

A desnutrição também pode ser avaliada recorrendo a métodos antropométricos. Os mais utilizados são o perímetro da perna28, o perímetro do braço29 e prega cutânea tricipital30. A desnutrição em adultos foi definida pela presença do perímetro do braço <22 cm, o perímetro da perna <31 cm31. Em relação à prega cutânea tricipital não está definido o valor abaixo do qual se considera existir desnutrição, contudo valores baixos são indicadores de desnutrição grave32.

As ferramentas de pontuação padronizadas também podem ser utilizadas para avaliar a desnutrição. O “Rayney-MacDonald nutritional índex “ (RMNI), o “Mini Nutritional Assessment” (MNA) e o “Schwarzopf nutritional índex“ são os mais conhecidos. O RMNI tem sido usado em muitos estudos, utiliza os valores séricos da albumina e da transferrina para efetuar o calculo (Equação 1)16,33.

 

 

Um valor de zero ou negativo é indicador de desnutrição.

O MNA é um questionário que abrange diferentes tópicos, entre os quais parâmetros antropométricos e hábitos alimentares entre outros34. Tem um questionário curto que permite fazer o rastreio do estado nutricional ou um questionário longo que permite efetuar a avaliação do estado nutricional.

O “Schwarzkopf nutritional Index“ foi desenvolvido no “New York University Hospital for Joint Diseases” e tem uma aplicação especifica para avaliação do estado nutricional de doentes que vão ser submetidos a cirurgia artroplástica35.

 

CONCLUSÃO

O estado nutricional pode influenciar os resultados das intervenções cirúrgicas ortopédicas, em especial em doentes mais idosos como é o caso dos doentes com fraturas da extremidade proximal do fémur. Torna-se indispensável que os serviços de ortopedia tenham um protocolo de avaliação do estado nutricional dos doentes de forma a poder corrigir deficiências nutricionais e prevenir complicações.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Calloway DH, Zanni E. Energy elderly energy expenditure of eldery men. Am J Clin Nutr. 1980; 33 (10): 2088-2092        [ Links ]

2. Vaughan L, Zurlo F, Ravussin E. Aging and energy expenditure. Am J Clin Nutr. 1991; 53 (4): 821-825        [ Links ]

3. Greenlund LJ, Nair KS. Sarcopenia-consequences, mechanisms, and potential therapies. Mech Ageing Dev. 2003; 124 (3): 287-299        [ Links ]

4. Morley JE, Thomas DR. Anorexia and aging: pathophysiology. Nutrition. 1999; 15 (6): 499-503        [ Links ]

5. Morley JE. Anorexia, body composition, and ageing. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2001; 4 (1): 9-13        [ Links ]

6. Morley JE, Kumar VB, Mattammal MB, Farr S, Morley PM, Flood JF. Inhibition of feeding by a nitric oxide synthase inhibitor: effects of aging. Eur J Pharmacol. 1996; 311 (1): 15-19        [ Links ]

7. Bales CW, Ritchie CS. Sarcopenia, weight loss, and nutritional frailty in the elderly. Annu Rev Nutr. 2002; 22: 309-323        [ Links ]

8. Drewnowski A, Shultz JM. Impact of aging on eating behaviors, food choices, nutrition, and health status. J Nutr Health Aging. 2001; 5 (2): 75-79        [ Links ]

9. Sieber CC. Nutritional screening tools--How does the MNA compare? Proceedings of the session held in Chicago May 2-3, 2006 (15 Years of Mini Nutritional Assessment). J Nutr Health Aging. 2006; 10 (6): 488-492        [ Links ]

10. Nutrition Experts Take Action on Malnutrition. World Health Organization. 2013;         [ Links ]

11. Via M. The malnutrition of obesity: micronutrient deficiencies that promote diabetes. ISRN Endocrinology2012 Mar 15; 2012 [about 8 pages]. Available from: http://doi.org/10.5402/2012/1034.

12. Bozic KJ, Lau E, Kurtz S, Ong K, Rubash H, Vail TP, et al. Patient-related risk factors for periprosthetic joint infection and postoperative mortality following total hip arthroplasty in Medicare patients. J Bone Joint Surg Am. 2012; 94 (9): 794-800

13. Peersman G, Laskin R, Davis J, Peterson M. Infection in total knee replacement: a retrospective review of 6489 total knee replacements. Clin Orthop Relat Res. 2001; (392): 15-23        [ Links ]

14. Smith TK. Nutrition: its relationship to orthopedic infections. Orthop Clin North Am. 1991; 22 (3): 373-377        [ Links ]

15. Gherini S, Vaughn BK, Lombardi AV, Mallory TH. 15 Gherini S, Vaughn BK, Lombardi AV, Mallory TH. . Clin Orthop Relat Res. 1993; (293): 188-195        [ Links ]

16. Guo JJ, Yang H, Qian H, Huang L, Guo Z, Tang T. The effects of different nutritional measurements on delayed wound healing after hip fracture in the elderly. J Surg Res. 2010; 159 (1): 503-508        [ Links ]

17. Rai J, Gill SS, Kumar BR. The influence of preoperative nutritional status in wound healing after replacement arthroplasty. Orthopedics. 2002; 25 (4): 417-421        [ Links ]

18. Seibert DJ. Pathophysiology of surgical site infection in total hip arthroplasty. Am J Infect Control. 1999; 27 (6): 536-542        [ Links ]

19. Malinza RA, Ritter MA, Berend ME, Meding JB, Olberding EM, Davis KE. Morbidly obese, diabetic, younger, and unilateral joint arthroplasty patients have elevated total joint arthroplasty infection rates. The Journal of Arthroplasty. 2009; 24 (6): 84-88        [ Links ]

20. Tomaiolo PP. Malnutrition in the elderly: its recognition and treatment. Compr Ther. 1985; 11 (8): 54-58        [ Links ]

21. Greene KA, Wilde AH, Stulberg BN. Preoperative nutritional status of total joint patients. Relationship to postoperative wound complications. J Arthroplasty. 1991; 6 (4): 321-325        [ Links ]

22. Jaberi FM, Parvizi J, Haytmanek CT, Joshi A, Purtill J. Procrastination of wound drainage and malnutrition affect the outcome of joint arthroplasty. Clin Orthop Relat Res. 2008; 466 (6): 1368-1371        [ Links ]

23. Ozkalkanli MY, Ozkalkanli DT, Katircioglu K, Savaci S. Comparison of tools for nutrition assessment and screening for predicting the development of complications in orthopedic surgery. Nutr Clin Pract. 2009; 24 (2): 274-280        [ Links ]

24. Puskarich CL, Nelson CL, Nusbickel FR, Stroope HF. The use of two nutritional indicators in identifying long bone fracture patients who do and do not develop infections. J Orthop Res. 1990; 8 (6): 799-803        [ Links ]

25. Beck FK, Rosenthal TC. Prealbumin: a marker for nutritional evaluation. Am Fam Physician. 2002; 65 (8): 1575-1578        [ Links ]

26. Zorrilla P, Gómez LA, Salido JA, Silv A, López-Alonso A. Low serum zinc level as a predictive factor of delayed wound healing in total hip replacement. Wound Repair Regen. 2006; 14 (2): 119-122        [ Links ]

27. Moon MS, Kim SS, Lee SY, Jeon DJ, Yoon MG, Kim SS, et al. Preoperative Nutritional Status of the Surgical Patients in Jeju. Clin Orthop Surg. 2014; 6 (3): 350-357

28. Portero-McLellan KC, Staudt C, Silva FR, Delbue Bernardi JL, Baston Frenhani P, Leandro Mehri VA. The use of calf circumference measurement as an anthropometric tool to monitor nutritional status in elderly inpatients. J Nutr Health Aging. 2010; 14 (4): 266-270        [ Links ]

29. Heymsfield SB, McManus C, Smith J, Stevens V, Nixon DW. Anthropometric measurement of muscle mass: Revised equations for calculating bone-free arm muscle area. Am J Clin Nutr. 1982; 36 (4): 680-690        [ Links ]

30. Frisancho AR. Triceps norms skin fold and for assessment upper arm muscle size of nutritional. Am J Clin Nutr. 1974; 27 (10): 1052-1058        [ Links ]

31. Murphy MC, Brooks CN, New SA, Lumbers ML. The use of the Mini-Nutritional Assessment (MNA) tool in elderly orthopaedic patients. Eur J Clin Nutr. 2000; 54 (7): 555-562        [ Links ]

32. Font-Vizcarra L, Lozano L, Ríos J, Forga MT, Soriano A. Preoperative nutritional status and post-operative infection in total knee replacements: a prospective study of 213 patients. Int J Artif Organs. 2011; 34 (9): 876-881        [ Links ]

33. Jensen JE, Jensen TG, Smith TK, Johnston DA, Dudrick SJ. Nutrition in orthopaedic surgery. J Bone Joint Surg Am. 1982; 64 (9): 1263-1272        [ Links ]

34. Vellas B, Villars H, Abellan G, Soto ME, Rolland Y, Guigoz Y, et al. Overview of the MNA-Its history and challenges. Overview of the MNA-Its history and challenge. 2006; 10 (6): 456-463

35. Schwarzkopf R, Russell TA, Shea M, Slover JD. Correlation between nutritional status and Staphylococcus colonization in hip and knee replacement patients. Bull NYU Hosp Jt Dis. 2011; 69 (4): 308-311        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Paulo Felicissimo
Serviço de Ortopedia B
Hospital Prof Doutor Fernando Fonseca, Amadora
Rua Barão de Sabrosa, 213 - 4º Esq.
1900-089 Lisboa
Telefone:
email: paulo.felicissimo@gmail.com

 

Data de Submissão: 2017-02-06

Data de Revisão: 2017-02-19

Data de Aceitação: 2017-04-11

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons