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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.25 no.1 Lisboa mar. 2017

 

CASO CLÍNICO

 

Lesão do Nervo Peroneal Comum - Uma Urgência Ortopédica pouco Habitual

 

Miguel do NascimentoI; Carla DiogoII; Cristina AlvesI

I. Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico - CHUC, EPE, Coimbra. Coimbra.
II. Serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva - CHUC, EPE, Coimbra. Coimbra.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

O nervo peroneal comum resulta da divisão do nervo ciático, sendo composto por fibras na dependência das raízes de L4 a S2. Clinicamente, o seu compromisso origina uma fraqueza dos músculos promotores da dorsiflexão e eversão do pé. As lesões do nervo peroneal comum podem estar associadas a inúmeras causas traumáticas ou insidiosas. As causas traumáticas podem ocorrer em associação com lesões do aparelho músculo-esquelético, ou isoladamente por mecanismos de tração, compressão ou laceração nervosa. Descrevemos o caso clínico de uma lesão do nervo peroneal comum, num doente do sexo masculino com 14 anos de idade, diabético insulino-dependente, após ferida penetrante por um vidro, na região postero-lateral distal da coxa direita. O doente foi submetido a exploração cirúrgica urgente, tendo sido realizada uma sutura nervosa topo-a-topo. Aos 18 meses após a intervenção cirúrgica o doente teve alta da consulta, com um padrão de marcha normal, recuperação da mobilidade e pequena zona de hipostesia no dorso do hallux, sem qualquer limitação nas suas atividades de vida diária ou prática desportiva.

Palavras chave: nervo peroneal comum, ferida penetrante, dorsiflexão pé, neurorrafia.

 

ABSTRACT

The common peroneal nerve results from the division of the sciatic nerve and is composed by fibers depending on the roots from L4 to S2. Clinically, its lesion leads to a weakness of the muscles promoters of dorsiflexion and eversion of the foot. The common peroneal nerve injury may be associated with numerous traumatic or insidious causes. Traumatic causes may occur in association with lesions of the musculoskeletal system, or individually by traction mechanisms, compression or nerve laceration. We report a case of a common peroneal nerve injury on a male patient, aged 14 years old, insulin-dependent diabetic, after a penetrating wound in the distal posterior-lateral region of the right thigh, caused by a glass. The patient underwent immediate urgent exploration and an end-to-end nerve suture was carried out. At 18 months after surgery the patient was discharged with a normal gait pattern, recovery of mobility and a small area of hypoesthesia on the dorsum of the hallux, and without any limitations in his daily activities or sports.

Key words: common peroneal nerve, penetrating wound, foot dorsiflexion, neurorraphy.

 

INTRODUÇÃO

As lesões do nervo peroneal comum podem estar associadas a inúmeras causas traumáticas ou insidiosas. As causas traumáticas podem ocorrer em associação com lesões do aparelho músculo-esquelético, ou isoladamente por mecanismos de tração, compressão ou laceração nervosa. As causas insidiosas incluem as lesões por efeito de massa e os síndromes metabólicos1.

O nervo peroneal comum resulta da divisão do nervo ciático, sendo composto por fibras na dependência das raízes de L4 a S2. Clinicamente, o seu compromisso origina uma fraqueza dos músculos promotores da dorsiflexão e eversão do pé.

O nervo peroneal comum pode ser lesado a nível da anca, joelho ou tornozelo. Em cerca de 1% das fraturas do prato tibial, está presente uma lesão do nervo peroneal  comum2. O nervo pode também ser comprometido pela origem tendinosa do músculo longo peroneal a nível do colo do perónio. A lesãopor estiramento do nervo peroneal comum pode ocorrer aquando do tratamento de uma contractura em flexão do joelho. Embora menos frequente, a luxação do joelho pode resultar em lesão do nervo ciático, a nível do côndilo femoral posterior2. Numa série com 31 lesões desportivas do membro inferior, em 17 casos diagnosticou-se uma neuropatia do peroneal comum, sendo que a lesão ligamentar do joelho era concomitante em 8 casos3.

A lesão do nervo peroneal comum após entorse do tornozelo, foi descrita pela primeira vez por Hyslop em 1941, numa série com 3 doentes. O mecanismo de lesão envolve um movimento de inversão e flexão plantar do tornozelo, sendo que esta posição pode condicionar estiramento dos músculos peroneais e consequente tração sobre o nervo peroneal comum a nível da cabeça do perónio4.

A lesão iatrogénica do nervo peroneal comum pode ocorrer por manipulação direta, durante a cirurgia ortopédica ou por compressão prolongada durante um posicionamento operatório. Os doentes desnutridos, independente do tempo de repouso no leito, podem desenvolver uma neuropatia peroneal5. Numa série com 116 pacientes com neuropatia peroneal comum, Katirji e Wilbourn descrevem que 25 doentes, com início insidioso da neuropatia, teriam apresentado uma perda de cerca de 9 kg nos 2-3 meses precedentes6.

A série de casos de Kline et al. também abordou a etiologia das lesões de massa, sendo que em 40 doentes (13%) observou-se uma história de tumor.

O mais frequente era o ganglioma intraneural. Os outros tumores observados, por ordem decrescente de frequência, foram o schwannoma, neurofibroma, osteocondroma, sarcoma neurogénico, neuropatia hipertrófica focal e o tumor desmóide7.

Numa série com 318 lesões do nervo peroneal comum, com necessidade de realização de uma intervenção cirúrgica, foram identificadas 39 (12%) lacerações. Estas foram devido a ferimentos causados por estilhaços de vidro, facas, hélices de barcos, motosserras, ou lâminas de cortador de relva. Em três casos, dos 39 pacientes, observou-se a continuidade do nervo, condicionando por isso uma melhor recuperação. Nesta mesma série, 12 doentes tiveram lesões do nervo peroneal, na sequência de ferimento por bala7.

 

CASO CLÍNICO

Doente com 14 anos de idade, referenciado ao Serviço de Urgência, na sequência de uma ferida penetrante com um vidro, localizada na região postero-lateral distal da coxa direita (figuras 1 e 2). Com antecedentes pessoais de Diabetes Mellitus insulino-dependente, seguido em consulta de Endocrinologia Pediátrica. Ao exame objetivo o doente apresentava um défice de sensibilidade na regão anterolateral da perna e no dorso do pé direito, com incapacidade para realizar dorsiflexão do pé, pelo que se suspeitou de lesão do nervo peroneal comum.

 

 

 

O doente foi submetido a tratamento cirúrgico urgente: após exploração, observou-se laceração completa do nervo peroneal, tendo sido realizado desbridamento e sutura topo-a-topo com fio monofilamento não reabsorvível 8/0 (figuras 3,4,5 e 6). De seguida, foi imobilizado com gesso cruropodálico, com flexão do joelho a 70º. Após um internamento sem intercorrências, passou a ser seguido em consulta externa periódica de Ortopedia Pediátrica. A imobilização gessada foi retirada após 4 semanas, tendo sido prescrita uma tala imobilizadora anti-equino. Ao final de 3 meses, o doente mantinha défice de sensibilidade localizada ao dorso do pé, com incapacidade para a dorsiflexão, extensão dos dedos e do hallux. Optou-se por protelar a realização da electromiografia, orientando-se o doente para a consulta externa de Medicina Física e Reabilitação. Aos 10 meses retirou a tala anti-equino, por já conseguir realizar dorsiflexão do pé. Aos 12 meses após a cirurgia, apresentava uma discreta hipostesia do dorso do pé, com dorsiflexão ativa do pé, dedos e hallux e força grau 5. Aos 18 meses teve alta da Consulta, com um padrão de marcha normal, recuperação da mobilidade e pequena zona de hipostesia no dorso do hallux, e sem qualquer limitação nas suas atividades de vida diária ou prática desportiva (figura 7).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

As feridas penetrantes são causas raras de lesões do nervo peroneal comum. Podem ser originadas por vidros partidos, feridas com facas, motosserras, hélices de barcos ou lâminas de cortador de relva.

Independentemente da causa predisponente, a constatação intra-operatória da continuidade parcial das fibras nervosas é um fator de bom prognóstico.

A recuperação da função motora é mais importante do que a função sensitiva, devido à pequena área que esta representa no dorso do pé. Em circunstâncias ideais, após uma lesão em que não existe uma retração dos topos nervosos, e sendo realizada uma sutura precoce, cerca de 60 % a 70 % dos pacientes atinge a recuperação plena da sua função motora.

No caso que descrevemos, a laceração era completa, mas a sutura precoce e a idade jovem do doente, apesar da sua diabetes, poderão ter contribuído significativamente para a recuperação verificada.

 

CONCLUSÃO

Descrevemos um caso de lesão do nervo peroneal comum por ferida penetrante e salientamos a importância da exploração cirúrgica imediata. A realização de uma sutura nervosa topo-a-topo, sem necessidade interposição de enxerto nervoso, contribui para melhorar o prognóstico final.

O tempo necessário à recuperação funcional pode ser longo, pelo que é aconselhada uma atitude de protecção do membro com ortese, fisioterapia e seguimento periódico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Baima J, Krivickas L. Evaluation and treatment of peroneal neuropathy. Rev Musculoskelet Med. 2008 Jun; 1 (2): 147-153

2. Epps CH. Complications in orthopaedic surgery. JB Lipincott Company. Philadelphia; 1994.         [ Links ]

3. Krivickas LS, Wilbourn AJ. Peripheral nerve injuries in athletes: a case series of over 200 injuries. Semin Neurol. 2000; 20 (2): 225-232        [ Links ]

4. Hyslop G. Injuries to the deep and superficial peroneal nerves complicating ankle sprain. Am J Surg. 1941; 11 (2): 436-438        [ Links ]

5. Sotaniemi KA. Slimmer's paralysis-peroneal neuropathy during weight reduction. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1984; 47 (5): 564-566        [ Links ]

6. Katirji MB, Wilbourn AJ. Common peroneal mononeuropathy: a clinical and electrophysiologic study of 116 lesions. Neurology. 1988 Nov; 38 (11): 1723-1728

7. Kim DH, Murovic JA, Teil RL, Kline DG. Management and outcomes in 318 operative common peroneal nerve lesions at the LSU Health Sciences Center. Neurosurgery. 2004 Jun; 54 (6): 1421-1428

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Cristina Alves
Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico - CHUC, EPE, Coimbra
Avenida Afonso Romão
3000-602 Coimbra
Telefone: 239480355
cristina.alve@me.com

 

Data de Submissão: 2016-10-16

Data de Revisão: 2017-01-31

Data de Aceitação: 2017-02-01

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