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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.24 no.3 Lisboa set. 2016

 

CASO CLÍNICO

 

Hematoma subdural espinal agudo após episódio de esforço em paciente hipocoagulado

 

Ana PinheiroI; Margarida AreiasI; Bruno AlpoimI; Francisca GonzalezI; João Soares PiresI; Cristina Varino SousaI

I. Serviço de Ortopedia, Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Viana do Castelo. Viana do Castelo.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

O hematoma subdural espinal (HSE) é uma entidade incomum, apresentando uma incidência maior entre os pacientes com diátese hemorrágica.

O objetivo deste trabalho é chamar a atenção para esta rara complicação resultante da terapia anticoagulante.

Os autores relatam o caso clínico de um doente hipocoagulado, no contexto de fibrilação auricular e que iniciou subitamente, dorsolombalgia irradiada ao abdómen anterior associada a paraplegia progressiva dos membros inferiores.

Foi submetido a tomografia axial computadorizada que identificou uma imagem hipodensa longitudinalmente no interior do saco dural. Foi realizado o estudo por ressonância magnética nuclear que revelou um extenso hematoma intradural extramedular recente desde o plano do corpo vertebral de C6 até D9. Após a reversão da hipocoagulação e tratamento cirúrgico adequado, a evolução do quadro clínico foi desfavorável, com desenvolvimento de hemorragia subaracnoide aguda (HSA) espontânea com coma, tendo vindo o paciente a falecer.

Os HSE são raros, mas com tendência a aumentar, devido ao aumento do número de doentes hipocoagulados e pela maior disponibilidade de exames auxiliares de diagnóstico. O studo e tratamento adequado desta patologia são indispensáveis pois a recuperação está inversamente relacionada com a duração do tempo de compressão da medula espinal.

O HSE é uma urgência cirúrgica e, apesar de raro, deve ser tido em consideração na avaliação de raquialgias súbitas conjugadas com défices neurológicos, sobretudo em pacientes hipocoagulados.

Palavras chave: Hematoma subdural espinal, hipocoagulação/efeitos adversos, hematoma subdural/complicações, varfarina/ efeitos adversos.

 

ABSTRACT

Spinal subdural hematoma (SSH) is a rare entity, with a higher incidence among patients with bleeding diathesis.

The authors report the case of a patient on anticoagulant therapy in the context of atrial fibrillation, presenting with sudden onset of dorsal and lumbar pain radiated to the anterior abdomen and both lower limbs, and progressive paraplegia of the lower limbs. Computed tomography identified a lengthwise hypodense image within the dural sac.

The patient performed a nuclear magnetic resonance that revealed an extensive intradural extramedullary hematoma.

After the reversal of anticoagulation and appropriate surgical treatment, the progression of the disease was unfavorable, having been the patient developed a cerebral spontaneous arachnoid hemorrhage and died.

The objective of this work is to draw attention to this rare complication resulting from anticoagulant therapy.

The SSH are rare, but with a tendency to increase due to the increased number of patients on anticoagulant therapy and greater accessibility to complementary diagnostic tests.

The study and treatment of this disease are critical because recovery is inversely related to the duration of spinal cord compression.

The SSH is a surgical emergency and, although rare, should be taken into account in the evaluation of sudden back pain with neurological deficits, especially in patients with anticoagulant therapy.


Key words: Subdural hematoma/chemically induced, Anticoagulants/adverse effects, subdural hematoma/complications, Warfarin/adverse effects.

 

INTRODUÇÃO

O hematoma espinal tem sido relatado em autópsias desde 1682 e como um diagnóstico clínico desde 1867, constituindo uma doença neurológica rara e geralmente grave que, sem tratamento adequado,  acarreta muitas vezes a morte ou deficit neurológico permanente1.

O hematoma subdural espinal (HSE) é uma entidade rara, apresentando uma incidência maior entre os pacientes com diátese hemorrágica2-4.

O diagnóstico do HSE, embora dificultado pela sua raridade, baseia-se na associação clínica e imagiológica, possuindo a ressonância magnética nuclear (RMN) um papel importante na sua deteção e planeamento cirúrgico5,6. Os HSE habitualmente são secundários a traumatismo, cirurgia raquidiana ou punção lombar, podendo os HSE espontâneos ser causados por rotura de malformações vasculares ou alterações da coagulação1,3,4,7.

Os autores relatam um caso clínico de um doente hipocoagulado com varfarina, no contexto de fibrilação auricular, que iniciou dorsolombalgia súbita, irradiada aos dois membros inferiores e abdómen associada a paraplegia progressiva dos membros inferiores.

O objetivo deste trabalho é chamar a atenção para esta rara complicação resultante da terapia anticoagulante.

 

RELATO CASO

Paciente do sexo masculino, 72 anos de idade e sob anticoagulação oral com varfarina, recorreu ao Serviço de Urgência (SU) por apresentar dorsolombalgia de esforço com 1 dia de evolução com irradiação ao abdómen anterior e ausência de força nos membros inferiores após carregar sacos de cimento.

Ao exame neurológico apresentava-se vígil sem alterações aparentes das funções nervosas superiores e dos nervos cranianos. Apresentava paraplegia flácida com força de grau 0 nos membros inferiores, força conservada (grau 5) e simétrica nos membros superiores. Observaram-se reflexos osteotendinosos mantidos e simétricos nos membros superiores e aquilianos. Os reflexos osteotendinosos rotulianos estavam abolidos bilateralmente. Verificaram-se reflexos cutâneo-plantares em extensão bilateralmente, diminuição da sensibilidade álgica no membro inferior direito e hemicorpo direito até D12. No membro inferior esquerdo existia sensibilidade mantida no pé e perna até nível de L3 e diminuída acima deste nível até ao dermátomo de D12. Apresentava ainda retenção urinária.

O paciente apresentava assim um quadro compatível com compromisso medular por hemorragia extramedular que se podia estender ao longo de todo o canal medular, baseado nos sinais encontrados, ou mesmo hematomielia.

Foi submetido a tomografia axial computadorizada (TAC- Figuras 1 e 2) que revelou imagem hipodensa longitudinalmente no interior do saco dural, que podia corresponder a imagem artefactual, porém não sendo possível afastar completamente uma siringomielia. Foi realizado o estudo por RMN (Figuras 3-5) que revelou hemangiomas sem sinais de agressividade em D4, D9, L1, L2 e L4.

 

 

 

 

 

Observou-se ainda um extenso hematoma intradural extramedular recente desde o plano do corpo vertebral de C6 até D9, com maior espessura ao nível de D6-D7 até D8 onde existia compressão e afilamento do cordão, podendo haver mielopatia compressiva. De referir uma hidroseringomielia em topografia central ao nível de D7 e D8. Apresentava ainda ectasia dural nas emergências foraminais de D9-D10 bilateralmente. O paciente apresentava INR de 2,93, pelo que foi administrada vitamina K endovenosa associada a concentrado de complexo de protrombina e interrompida a varfarina, tendo-se revertido a hipocoagulação. Não se verificou progressão da lesão neurológica enquanto se aguardou pela reversão da hipocoagulação.

Considerando o défice neurológico e as imagens da TAC e da RMN, optou-se por cirurgia urgente que foi realizada após cerca de 30 horas do aparecimento da sintomatologia. Foi realizada uma abordagem póstero-mediana dorsal, com laminectomias D6-D8, seguidas de durotomia mediana com identificação de componente hemático subdural, que foi aspirado.

Foi revista a hemóstase e encerrou-se a duramater com Vicryl® e reforçada com cola de fibrina Tisseel®, seguido de encerramento por planos e sutura cutânea reabsorvível. O  pós-operatório decorreu com melhoria das algias mas sem melhoria das alterações neurológicas e com deterioração progressiva do estado de consciência. A evolução do quadro clínico foi desfavorável, com desenvolvimento de hemorragia subaracnoide aguda (HSA) cerebral espontânea, com coma, ao 7ºdia do pós-operatório, tendo vindo o paciente a falecer ao 12ºdia.

 

COMENTÁRIOS

Os HSE são raros, mas com tendência a aumentar, devido ao aumento do número de doentes hipocoagulados e pela maior acessibilidade a meios complementares de diagnóstico6.

Clinicamente é difícil discriminar um hematoma subdural de um epidural, embora o último possa exibir uma evolução mais aguda1,8.

No caso apresentado o doente iniciou dorsolombalgia súbita, acompanhada de alterações neurológicas sensoriomotoras rapidamente progressivas, o que poderia ser mais sugestivo de um hematoma epidural.

O diagnóstico deve portanto, ser determinado pela associação da clínica e dos exames complementares de diagnóstico1.

O prognóstico do HSE tem correlação direta com o estado neurológico pré-operatório, tempo decorrido desde a instalação das alterações neurológicas, grau de compressão medular e o nível afetado1,3,5. O paciente apresentado manifestava défice motor completo, foi operado cerca de 30 horas após a instalação do quadro clínico e apresentou evolução desfavorável, com desenvolvimento de HSA espontânea com coma, tendo vindo a falecer.

O estudo e tratamento adequado desta patologia são fundamentais pois a recuperação está inversamente relacionada com a duração do tempo de compressão da medula espinal.

O HSE é uma urgência cirúrgica e, apesar de raro, deve ser considerado como hipótese diagnóstica na avaliação de raquialgias súbitas conjugadas com défices neurológicos, sobretudo em pacientes hipocoagulados.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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4. Russell N, Jacob M. Spinal subdural haematoma in association with anticoagulant therapy. Can J Neurol Sc. 1981; 8 (I): 87-89        [ Links ]

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Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Ana Pinheiro
Serviço de Ortopedia
Unidade Local de Saúde do Alto Minho
Estrada de Santa Luzia
4901-858 Viana do Castelo
Telefone: 91 433 58 60
ana.alexandra.pinheiro@gmail.com

 

Data de Submissão: 2016-01-26

Data de Revisão: 2017-01-23

Data de Aceitação: 2017-01-29

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