SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número4Tumor Tenossinovial de Células Gigantes extra-articular do joelho: caso clínico índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.4 Lisboa dez. 2015

 

CASO CLÍNICO

 

Braquidactilia congénita associada a Síndrome Oro-Facial-Digital tipo I

 

Joaquim RodeiaI; Isabel RosaI; Luis SobralI; Ana C. ÂngeloI; Inês PedroI

I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital São Francisco Xavier - Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, EPE.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução: O Síndrome Oro-Facial-Digital (SOFD) engloba um grupo heterogéneo de doenças do desenvolvimento embrionário caracterizado por malformações da cavidade oral, da face e dos dedos. Até hoje foram descritos cerca de 11 tipos diferentes, com um espectro alargado de manifestações clínicas. O tratamento das malformações é essencialmente cirúrgico e constitui um desafio para o cirurgião.

Neste trabalho descrevemos um caso raro de braquidactilia associada a SOFD tipo I (SOFD1) e o seu tratamento cirúrgico.

Caso clínico: Doente de 20 anos, do sexo masculino, com braquidactilia congénita envolvendo o 3º metacárpico da mão esquerda associada a SOFD1. Foi submetido a osteotomia metafisária proximal do 3º metacárpico e distração osteogénica com fixador externo monolateral, com o objetivo de restabelecer o comprimento ósseo. Aos 3 anos de follow-up encontra-se satisfeito com o resultado obtido, sem dor, sem limitação da flexão da articulação metacárpico-falângica mas com um défice de extensão de 20º.

Discussão: As primeiras técnicas utilizadas na correção da braquidactilia incluíam osteotomia e interposição de enxerto ósseo. A distração osteogénica começou a ser aplicada em cirurgia da mão em 1970 por Matev, no tratamento de reconstrução de falanges e metacarpos amputados.

Atualmente não existe consenso em relação ao método mais adequado para corrigir a braquidactilia. Neste doente optou-se pelo alongamento por distração osteogénica, com bom resultado final estético e funcional.


Palavras chave: síndrome oro-facial-digital, braquidactilia, metacarpo, alongamento, distração osteogénica.

 

ABSTRACT

Introduction: Oro-Facial-Digital Syndrome (OFDS) comprises a heterogenous group of embrionary development disorders with oral, facial and digital malformations. There are at least 11 different forms, with a broad spectrum of clinical features. Treatment of manifestations is essentially surgical and it constitutes a challenge for the surgeon.

We describe the surgical treatment of a rare case of brachydactyly associated with OFDS type I (OFDS1).

Case report: 20-year-old male with congenital brachydactyly involving the 3rd metacarpal on his left hand associated with OFDS1. The patient underwent proximal metaphyseal osteotomy of the 3rd left metacarpal and distraction osteogenesis with monolateral external fixator for restoring metacarpal length. At 3 years follow up he is satisfied with the result and he has no pain; the metacarpo-phalangeal joint has no flexion limitation but a 20º limitation of extension.

Discussion: Techniques involving osteotomy and intercalary bone grafting have been used in the first cases of brachydactyly. Distraction osteogenesis was applied in hand surgery in 1970 by Matev in metacarpals and phalanges reconstruction after amputation. Currently there is no consensus on the most appropriate method to correct brachydactyly. In this patient the metacarpal lengthening was achieved by distraction osteogenesis with good functional and cosmetic final results.


Key words: oro-facial-digital syndrome, brachydactyly, metacarpal, lengthening, distraction osteogenesis.

 

INTRODUÇÃO

O Síndrome Oro-Facial-Digital (SOFD) constitui um grupo heterogéneo de doenças do desenvolvimento embrionário caracterizado por malformações da cavidade oral, da face e dos dedos. Até hoje foram descritos cerca de 11 tipos diferentes, com um espectro alargado de manifestações clínicas.1

O SOFD tipo I (SOFD1) é causado por uma mutação no gene OFD1, de transmissão dominante ligada ao cromossoma X. A sua incidência é rara, 1 em cada 250.000 nascimentos, e afeta sobretudo doentes do género feminino, sendo quase sempre letal quando ocorre no género masculino.2 O diagnóstico é estabelecido logo após o nascimento com base nas malformações a nível da cavidade oral: língua bífida, hipodontia, fenda palatina; da face: hipertelorismo ocular, hipoplasia da asa do nariz; e dos dedos. As malformações digitais afetam as mãos em 50-70% dos casos e os pés em 25%, tendo sido descritas sindactilia, braquidactilia, clinodactilia ou polidactilia. O estudo molecular do gene OFD1 confirma o diagnóstico em 50% dos casos.3-4

O tratamento das manifestações clínicas é essencialmente cirúrgico e constitui um desafio para o cirurgião. Neste trabalho descrevemos um caso raro de braquidactilia congénita do 3º metacárpico associada a SOFD1 e o seu tratamento cirúrgico.

 

CASO CLÍNICO

HAP, 20 anos, sexo masculino, desenhador, com diagnóstico de SOFD1 confirmado em consulta de genética. Do exame objetivo destacava-se braquidactilia por 3º metacárpico curto na mão esquerda, mão não dominante, que condicionava diminuição da capacidade funcional. Na radiografia registou-se uma diferença de comprimento de cerca de 30% em relação ao contralateral (Figura 1 e 2). Em Julho de 2011 foi submetido a osteotomia metafisária proximal e colocação de fixador externo monolateral, com distração osteogénica progressiva, para alongamento do 3º metacárpico esquerdo (Figura 3). O doente cumpriu 9 semanas de distração a um ritmo de cerca de 1,5mm por semana. Entre a 2ª e a 5ª semanas houve necessidade de instituir terapêutica antibiótica por processo inflamatório ao nível do orifício dos pinos do fixador e por deiscência da ferida cirúrgica, com resolução clínica.

 

 

 

 

Obteve-se um alongamento final de 14mm, tendo-se restabelecido o comprimento do 3º metacárpico em cerca de 96% relativamente ao contralateral (Figura 4).

 

 

Após 2 anos de cirurgia o doente foi avaliado pela Cirurgia Plástica por cicatriz aderente que condicionava défice de extensão de 20º da articulação metacárpico-falângica. Foi submetido a tenólise e libertação cicatricial, sem melhoria do grau de extensão a longo prazo.

Com 3 anos de follow-up o doente apresenta-se satisfeito com o resultado obtido, sem evidência de diferenças no comprimento do 3º dedo de ambas as mãos, sem dor, sem limitação da flexão da articulação metacárpico-falângica, mantendo um défice de extensão de 20º que não prejudica a sua actividade profissional (Figura 5).

 

 


 



 

DISCUSSÃO

A braquidactilia pode ocorrer de forma isolada ou como parte de uma malformação complexa da mão, e a correção cirúrgica é um desafio para o cirurgião. As indicações para o tratamento incluem queixas funcionais ou estéticas.5

As primeiras técnicas utilizadas na correção da braquidactilia incluíam osteotomia e interposição de enxerto ósseo. Este método de alongamento era tecnicamente exigente, necessitava de libertação extensa dos tecidos moles, estava frequentemente associado a complicações neurovasculares, e raramente permitia obter o grau de alongamento desejado.6

A distração osteogénica começou a ser aplicada em cirurgia da mão em 1970 por Matev, no tratamento de reconstrução de falanges e metacarpos amputados. Esta técnica permitia obter um maior alongamento e menos complicações em relação às técnicas anteriores. Nos primeiros casos descritos o alongamento era realizado em duas fases, distração seguida de interposição de enxerto ósseo.

Posteriormente começaram a ser descritas técnicas sem interposição de enxerto, com bons resultados principalmente em crianças, em que a osteogénese é mais eficaz.6

Atualmente não existe consenso em relação ao método mais adequado para corrigir a braquidactilia.

A desvantagem das técnicas que envolvem distração osteogénica é a necessidade de manter o fixador externo durante um longo período de tempo e estar  muito dependente da colaboração do doente. A grande vantagem é que permite corrigir assimetrias superiores a 10mm com taxa de complicações substancialmente menor em relação às “técnicas a um só tempo”. Sabe-se que a idade ideal para a sua realização é entre os 10 e os 15 anos, devido à maior capacidade osteogénica e rapidez de consolidação.5-7

Neste artigo descrevemos um caso raro de SOFD1, num individuo de 20 anos, desenhador, com braquidactilia e queixas funcionais que prejudicavam o seu desempenho profissional. Neste doente, apesar de ter 20 anos de idade, optou-se pelo alongamento por distração osteogénica, com bom resultado final estético e funcional.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. González MG, Castro MP, Nieto DV, Bouzán JC. Oral-facial-digital syndrome type I: Surgical approach and a case report. JPRAS. 2014; 67: 396-398        [ Links ]

2. Toriello HV, Franco B. Oral-Facial-Digital Syndrome Type I. In Pagon RA, Adam MP, Ardinger HH, Wallace SE, Amemiya A, Bean LJH, et al, editors. GeneReviews. Seattle (WA): University of Washington; 2002.

3. Ferrante MI, Giorgio G, Feather SA, Bulfone A, Wright V, Ghiani M. Identification of the gene for oralfacial-digital type I syndrome. Am J Hum Genet. 2001; 68: 569-576        [ Links ]

4. Al-Qattan MM, Hassanain JM. Classification of limb anomalies in oral-facial-digital syndromes. J Hand Surg Br. 1997; 22: 250-252        [ Links ]

5. Wolfe SW, Pederson WC, Hotchkiss RN, Kozin SH. Green's Operative Hand Surgery. 6th. vol 2. Philadelphia: Churchill Livingstone-Elsevier; 2011.

6. Arslan H. Metacarpal Lengthening by distraction osteogenesis in childhood brachydactyly. Acta Orthop Belg. 2001; 67 (3): 242-247        [ Links ]

7. Taybi H, Lachman R. Taybi and Lachman's Radiology of Syndromes, Metabolic Disorders and Skeletal Dysplasias. 5th. St Louis, UK: Elsevier Health Sciences; 2005.         [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Joaquim Rodeia
Hospital São Francisco Xavier, Estrada do Forte do Alto do
Duque
1495-005 Lisboa
Telefone: 21 043 10 00
Fax: 21 043 15 89
joaquim.augusto.rodeia@gmail.com

 

Data de Submissão: 2015-08-11

Data de Revisão: 2015-03-25

Data de Aceitação: 2016-03-25

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons